“O corpo vai bem ou mal segundo anunciam os olhos” (Hipócrates).
O vocábulo facies é um latinismo (construção gramatical do latim), do gênero feminino, que entrou para a linguagem médica. Na medicina clínica do passado foram descritas dezenas de facies; algumas típicas, como fácies hipocrática, fácies renal, fácies basedowiana, e outras menos características, que têm, atualmente, apenas interesse histórico (facies gerodérmica, facies heredoluética). Na acepção clínica, a palavra facies é intraduzível e se mantém como latinismo em todas as línguas neolatinas. Sendo feminina em latim, deve preservar o mesmo gênero em português. A incorporação da palavra facies ao vernáculo justifica o acento tônico na primeira sílaba: fácies.
É uma expressão muito útil, designando o aspecto da face modificada pela doença, significando as características morfológicas da região + a expressão fisionômica. Contudo, é uma expressão despida de qualquer significado quando empregada para indicar o rosto do indivíduo sadio.
Uma mudança qualquer na disposição morfológica do rosto será suficiente para imprimir-lhe um novo aspecto fisionômico. Muitas doenças, como o tétano, por exemplo, transformam de tal modo a face, que logo à primeira olhada do médico, um diagnóstico de presunção estará formulado. Muitas vezes, porém, o rosto do doente nada de positivo ou característico exprime que possa interessar à semiologia. A face não tem que contribuir em todos os casos para o diagnóstico. Exagerar na valorização da fácies pode também conduzir a erros. Fácies incaracterística ou compósita é aquela que não apresenta particularidades clínicas dignas de nota, ou seja, a doença nada influi no semblante do paciente. Entretanto, a expressão fácies atípica não é boa pois pode indicar “atipia”, algo de anormal, na face do paciente. Verifica-se que a grande maioria das fácies é expressiva de endocrinopatia, doença metabólica ou doenças do sistema nervoso.
De um modo geral, os estados fisiológicos e os patológicos refletem-se na fácies. Os doentes melancólicos, os preocupados, os excitados, os apavorados, os tristes, os que sofrem dores intensas, estampam seus males na fisionomia de tal modo que prescindem de qualquer explicação. Também são características as expressões do rosto do doente em muitos estados mórbidos orgânicos. O conjunto de caracteres de forma e de configuração, que assinalam a fácies, é condicionado pelos ossos, músculos e pele da parte anterior da cabeça, elementos que influem na estática e na dinâmica da fisionomia. A variabilidade da expressão fisionômica está em relação, principalmente, com o trofismo, o tônus, a coloração da pele e a motilidade dos músculos mímicos.
A configuração e a expressão facial podem prestar grande auxílio ao diagnóstico clínico. Seria interminável citar todas as fácies descritas. Consideraremos unicamente as clássicas e as devidas a processos gerais e sistêmicos:
1- Fácies acromegálica: alterações da face extremamente características- aspecto grotesco; proeminência dos ossos frontais e malares; há acentuado desenvolvimento da mandíbula (prognatismo acentuado = proeminência da mandíbula [maxilar inferior]), evidente crescimento do nariz, da língua (macroglossia) e dos lábios (lábios volumosos = macroqueilia) e orelhas, dando à fisionomia um aspecto grosseiro; pálpebras espessas; espessamento e alongamento das orelhas; as sobrancelhas longas, duras e espessas se reúnem no centro sobre o nariz (sinofre ou sinofridia); há crescimento excessivo das partes moles distais do corpo (onde existem condroblastos, há crescimento), principalmente extremidades; hiperpituitarismo.
2- Fácies basedowiana: pálpebras muito abertas, olhos salientes (exoftalmia) e brilhantes, que, somando-se ao estado de nervosismo do doente, em geral, do sexo feminino, dão à fisionomia uma aparência de terror; tremores, pele quente e fina; excitabilidade psíquica (euforia); magreza.
3- Fácies mixedematosa: o oposto da anterior, é própria do hipotireoidismo; observa-se intumescimento difuso (infiltração edematosa) do rosto, pálpebras semicerradas, tornando os olhos pequenos; lábios grossos, boca semi-aberta com macroglossia; pele pálida e seca, face inexpressiva e sonolenta; apatia, expressão letárgica, indiferente, sem vivacidade; supercílios escassos; madarose (queda dos supercílios nos terços externos); a alteração da pele é o sinal que chama mais atenção- observa-se uma tumefação difusa, lembrando uma almofada (diferente do edema comum, não cede à pressão digital), principalmente na face e dorso das das mãos; a pele do rosto é amarelada, com poucos pêlos, rosto com expressão sonolenta.
3- Fácies renal: edematosa, pele pálida, edema bipalpebral (pálpebras entumescidas; olhos “empapuçados”); “face de lua cheia”.
4- Fácies cushingóide: parece também de “lua cheia”, rosto arredondado devido ao depósito de gordura; pele brilhante e mais ou menos rosada; acne e hirsutismo podem ser observados; não há intumescimento das pálpebras e os olhos permanecem com aspecto natural, diferindo da fácies renal e mixedematosa, em que há infiltração das pálpebras.
5- Fácies tetânica ou sardônica: é das mais típicas e de excepcioal valor diagnóstico; observa-se contratura muscular da face, com acentuação dos sulcos naturais, enrugamento da região frontal e modificação do aspecto da boca (lábios distendidos transversalmente como para sorrir = riso “cínico” produzido pela contratura tônica dos músculos faciais- dos músculos masseteres e peribucais); sobrancelhas contraídas; olhar fixo e angustiado; o conjunto dá ao doente a aparência de quem esboça um riso forçado (trismo), pela hipertonia dos músculos da mímica, o que constitui o chamado “riso sardônico”.
6- Fácies hipocrática: conhecida muito antes da era cristã; rosto magro, com ossos bem salientes, traços fisionômicos afilados, olhos encovados, palidez (pele de cor pálido-terrosa), olhar vago e inexpressivo; uma ligeira contração dos músculos da mímica (que se exaltam por qualquer movimento) aumenta a expressão de dor e de angústia; observada na desnutrição grave, desidratação; face “pré-agônica”.
7- Fácies parkinsoniana: representada por uma fisionomia inexpressiva, mímica facial diminuída; olhar parado, vago e fixo; omobilidade palpebral e elevação dos supercílios; cabeça um pouco inclinada para frente; esse conjunto dá a impressão de uma figura de máscara: “fácies de máscara”.
8- Fácies miastênica: ptose palpebral bilateral, com enrugamento da testa; paralisia de certos músculos (distúrbio na transmissão neuromuscular)- fraqueza muscular acometendo principalmente a musculatura ocular; essa fácies apresenta a particularidade de não ser permanente, pois o doente geralmente, pela manhã tem a face normal e no decorrer do dia, ela se transforma, aparecendo blefaroptose bilateral, mais acentuada de um lado; ptose: achado mais freqüente; os olhos são imóveis (olho sonolento de Hutchinson) e o doente, para enxergar, é obrigado a elevar a cabeça para trás; completa a fácies a debilidade dos músculos dos lábios e das bochechas; também pode ser reconhecida no acidente ofídico crotálico ou elapídico = ambas as serpentes veiculam agentes neurotóxicos através de sua peçonha.
9- Fácies leonina ou lepromatosa: nas fases avançadas da lepra lepromatosa; infiltração da pele- o rosto é deformado pelos múltiplos tubérculos, face com rugas rígidas, principalmente ao nível das regiões malares, aletas nasais, fronte e mento.
10- Fácies lúpica: eritema facial em asa de borboleta (vespertílio).
11- Fácies de paralisia facial: evidente assimetria do rosto, desvio da comissura labial para o lado são (paralisia dos músculos antagônicos), aumento da fenda palpebral e desaparecimento dos sulcos faciais do lado paralisado; na paralisia facial periférica, o doente não consegue enrugar a testa do lado lesado por comprometimento do nervo facial superior, o que não ocorre na paralisia central.
Crédito da imagem: a figura desta postagem foi retirada de
MENDES, B. Sistema endócrino. 2007. Disponível em: crentinho.wordpress.com. Acesso em: 10 out 2007.
O vocábulo facies é um latinismo (construção gramatical do latim), do gênero feminino, que entrou para a linguagem médica. Na medicina clínica do passado foram descritas dezenas de facies; algumas típicas, como fácies hipocrática, fácies renal, fácies basedowiana, e outras menos características, que têm, atualmente, apenas interesse histórico (facies gerodérmica, facies heredoluética). Na acepção clínica, a palavra facies é intraduzível e se mantém como latinismo em todas as línguas neolatinas. Sendo feminina em latim, deve preservar o mesmo gênero em português. A incorporação da palavra facies ao vernáculo justifica o acento tônico na primeira sílaba: fácies.
É uma expressão muito útil, designando o aspecto da face modificada pela doença, significando as características morfológicas da região + a expressão fisionômica. Contudo, é uma expressão despida de qualquer significado quando empregada para indicar o rosto do indivíduo sadio.
Uma mudança qualquer na disposição morfológica do rosto será suficiente para imprimir-lhe um novo aspecto fisionômico. Muitas doenças, como o tétano, por exemplo, transformam de tal modo a face, que logo à primeira olhada do médico, um diagnóstico de presunção estará formulado. Muitas vezes, porém, o rosto do doente nada de positivo ou característico exprime que possa interessar à semiologia. A face não tem que contribuir em todos os casos para o diagnóstico. Exagerar na valorização da fácies pode também conduzir a erros. Fácies incaracterística ou compósita é aquela que não apresenta particularidades clínicas dignas de nota, ou seja, a doença nada influi no semblante do paciente. Entretanto, a expressão fácies atípica não é boa pois pode indicar “atipia”, algo de anormal, na face do paciente. Verifica-se que a grande maioria das fácies é expressiva de endocrinopatia, doença metabólica ou doenças do sistema nervoso.
De um modo geral, os estados fisiológicos e os patológicos refletem-se na fácies. Os doentes melancólicos, os preocupados, os excitados, os apavorados, os tristes, os que sofrem dores intensas, estampam seus males na fisionomia de tal modo que prescindem de qualquer explicação. Também são características as expressões do rosto do doente em muitos estados mórbidos orgânicos. O conjunto de caracteres de forma e de configuração, que assinalam a fácies, é condicionado pelos ossos, músculos e pele da parte anterior da cabeça, elementos que influem na estática e na dinâmica da fisionomia. A variabilidade da expressão fisionômica está em relação, principalmente, com o trofismo, o tônus, a coloração da pele e a motilidade dos músculos mímicos.
A configuração e a expressão facial podem prestar grande auxílio ao diagnóstico clínico. Seria interminável citar todas as fácies descritas. Consideraremos unicamente as clássicas e as devidas a processos gerais e sistêmicos:
1- Fácies acromegálica: alterações da face extremamente características- aspecto grotesco; proeminência dos ossos frontais e malares; há acentuado desenvolvimento da mandíbula (prognatismo acentuado = proeminência da mandíbula [maxilar inferior]), evidente crescimento do nariz, da língua (macroglossia) e dos lábios (lábios volumosos = macroqueilia) e orelhas, dando à fisionomia um aspecto grosseiro; pálpebras espessas; espessamento e alongamento das orelhas; as sobrancelhas longas, duras e espessas se reúnem no centro sobre o nariz (sinofre ou sinofridia); há crescimento excessivo das partes moles distais do corpo (onde existem condroblastos, há crescimento), principalmente extremidades; hiperpituitarismo.
2- Fácies basedowiana: pálpebras muito abertas, olhos salientes (exoftalmia) e brilhantes, que, somando-se ao estado de nervosismo do doente, em geral, do sexo feminino, dão à fisionomia uma aparência de terror; tremores, pele quente e fina; excitabilidade psíquica (euforia); magreza.
3- Fácies mixedematosa: o oposto da anterior, é própria do hipotireoidismo; observa-se intumescimento difuso (infiltração edematosa) do rosto, pálpebras semicerradas, tornando os olhos pequenos; lábios grossos, boca semi-aberta com macroglossia; pele pálida e seca, face inexpressiva e sonolenta; apatia, expressão letárgica, indiferente, sem vivacidade; supercílios escassos; madarose (queda dos supercílios nos terços externos); a alteração da pele é o sinal que chama mais atenção- observa-se uma tumefação difusa, lembrando uma almofada (diferente do edema comum, não cede à pressão digital), principalmente na face e dorso das das mãos; a pele do rosto é amarelada, com poucos pêlos, rosto com expressão sonolenta.
3- Fácies renal: edematosa, pele pálida, edema bipalpebral (pálpebras entumescidas; olhos “empapuçados”); “face de lua cheia”.
4- Fácies cushingóide: parece também de “lua cheia”, rosto arredondado devido ao depósito de gordura; pele brilhante e mais ou menos rosada; acne e hirsutismo podem ser observados; não há intumescimento das pálpebras e os olhos permanecem com aspecto natural, diferindo da fácies renal e mixedematosa, em que há infiltração das pálpebras.
5- Fácies tetânica ou sardônica: é das mais típicas e de excepcioal valor diagnóstico; observa-se contratura muscular da face, com acentuação dos sulcos naturais, enrugamento da região frontal e modificação do aspecto da boca (lábios distendidos transversalmente como para sorrir = riso “cínico” produzido pela contratura tônica dos músculos faciais- dos músculos masseteres e peribucais); sobrancelhas contraídas; olhar fixo e angustiado; o conjunto dá ao doente a aparência de quem esboça um riso forçado (trismo), pela hipertonia dos músculos da mímica, o que constitui o chamado “riso sardônico”.
6- Fácies hipocrática: conhecida muito antes da era cristã; rosto magro, com ossos bem salientes, traços fisionômicos afilados, olhos encovados, palidez (pele de cor pálido-terrosa), olhar vago e inexpressivo; uma ligeira contração dos músculos da mímica (que se exaltam por qualquer movimento) aumenta a expressão de dor e de angústia; observada na desnutrição grave, desidratação; face “pré-agônica”.
7- Fácies parkinsoniana: representada por uma fisionomia inexpressiva, mímica facial diminuída; olhar parado, vago e fixo; omobilidade palpebral e elevação dos supercílios; cabeça um pouco inclinada para frente; esse conjunto dá a impressão de uma figura de máscara: “fácies de máscara”.
8- Fácies miastênica: ptose palpebral bilateral, com enrugamento da testa; paralisia de certos músculos (distúrbio na transmissão neuromuscular)- fraqueza muscular acometendo principalmente a musculatura ocular; essa fácies apresenta a particularidade de não ser permanente, pois o doente geralmente, pela manhã tem a face normal e no decorrer do dia, ela se transforma, aparecendo blefaroptose bilateral, mais acentuada de um lado; ptose: achado mais freqüente; os olhos são imóveis (olho sonolento de Hutchinson) e o doente, para enxergar, é obrigado a elevar a cabeça para trás; completa a fácies a debilidade dos músculos dos lábios e das bochechas; também pode ser reconhecida no acidente ofídico crotálico ou elapídico = ambas as serpentes veiculam agentes neurotóxicos através de sua peçonha.
9- Fácies leonina ou lepromatosa: nas fases avançadas da lepra lepromatosa; infiltração da pele- o rosto é deformado pelos múltiplos tubérculos, face com rugas rígidas, principalmente ao nível das regiões malares, aletas nasais, fronte e mento.
10- Fácies lúpica: eritema facial em asa de borboleta (vespertílio).
11- Fácies de paralisia facial: evidente assimetria do rosto, desvio da comissura labial para o lado são (paralisia dos músculos antagônicos), aumento da fenda palpebral e desaparecimento dos sulcos faciais do lado paralisado; na paralisia facial periférica, o doente não consegue enrugar a testa do lado lesado por comprometimento do nervo facial superior, o que não ocorre na paralisia central.
Crédito da imagem: a figura desta postagem foi retirada de