10 de julho de 2008

Hipocratismo digital



O hipocratismo digital é um dos mais antigos sinais clínicos descrito na história da medicina. É um valioso sinal, revelando, na maioria dos casos, uma grave doença intratorácica. Caracteriza-se pela hipertrofia de tecido conjuntivo vascularizado e edema intersticial na região subungueal dos dedos, seja das as mãos ou dos pés. Estas alterações empurram a base da unha para cima (unha em vidro-de-relógio) e aumentam o volume da extremidade dos dedos, que adquire o aspecto de uma baqueta de tambor.
O hipocratismo digital foi descrito há cerca de 2.400 anos, por Hipócrates, como um sinal associado à doença pulmonar incapacitante, provavelmente enfisema pulmonar. A partir dessa apresentação, vem sendo associado a várias outras doenças, como cirrose hepática, cardiopatias congênitas cianóticas, neoplasias malignas pulmonares, doenças inflamatórias intestinais, entre outras, podendo ser também de origem congênita.
Caracteriza-se por aumento do diâmetro das falanges distais e alterações das unhas. É classificado em cinco estágios: Grau I - aumento e flutuação do leito ungueal (o sinal de flutuação poderá ser reconhecido pressionando levemente a base da unha); Grau II - perda do ângulo natural de 160° entre a unha e a cutícula; Grau III - acentuação da convexidade do leito ungueal; Grau IV - aparência de baqueta da extremidade digital; e Grau V - aumento da extremidade com espessamento da falange distal e estriações longitudinais na unha.
Em relação ao carcinoma broncogênico, os ossos geralmente não estão alterados no baqueteamento digital, salvo quando da presença da osteoartropatia hipertrófica pulmonar, a mais comum das síndromes paraneoplásicas nos tumores de pulmão; porém, é de descrição rara como manifestação inicial da referida neoplasia.
A fisiopatologia do hipocratismo digital ainda é pouco conhecida. A teoria atualmente mais aceita para a patogenia do hipocratismo digital envolve a liberação de fatores de crescimento vascular (VEGF, PDGF), o que resulta em neoformação de capilares nas extremidades. A presença de hipoxemia e a estase de plaquetas potencializam sua liberação. Sabe-se que existe uma vasodilatação na extremidade dos dedos, incluindo as conexões arteriovenosas, com aumento da pressão hidrostática nos capilares e vênulas e edema intersticial. Atualmente, muita atenção tem sido direcionada ao papel dos microtrombos plaquetários e megacariócitos na circulação periférica. No leito vascular pulmonar normal, esses elementos celulares são fisiologicamente fragmentados antes de atingirem a circulação sistêmica. No entanto, em um leito vascular pulmonar alterado por qualquer fator causal, eles não seriam fragmentados, o que levaria ao aprisionamento desses microêmbolos nos leitos vasculares ungueais. 
Um dado que apoia essa idéia é o encontro, à necropsia, de trombos plaquetários nos capilares dos leitos ungueais de pacientes com esse achado. Como as plaquetas e os megacariócitos produzem o fator de crescimento derivado das plaquetas, este poderia explicar os fenômenos de expansão tecidual e aumento do fluxo sangüíneo, observados no leito ungueal desses pacientes. Além disso, o fator de crescimento derivado das plaquetas é uma citocina capaz de estimular a proliferação de fibroblastos. Especula-se, também, que o fator de crescimento dos hepatócitos também possa estar envolvido na sua patogênese.
Hipocratismo hereditário não é raro, o que levou à postulação de que fatores genéticos poderiam atuar em casos de aparecimento mais tardio. Porém, só se diagnostica hipocratismo hereditário se houver outros casos na família e não se puder encontrar outras causas.


Referências
KARNATH, B. Digital clubbing: A sign of underlying disease. Hospital physician, p. 23-27, 2003
MOREIRA, J. S.; PORTO, N. S.; MOREIRA. A. P. Avaliação objetiva do hipocratismo digital em imagens de sombra de dedo indicador; estudo em pacientes pneumopatas e em indivíduos normais, Jornal Brasileiro de Pneumologia, 30 (2): 126-133, 2004
SRIDHAR, K. S.; LOBO, C. F.; AlTMAN, R.D. Digital Clubbing and lung cancer. Chest, 114(6):1535-1537, 1998