Fornecer informações adequadas aos pacientes sobre sua doença e tratamento não é tarefa fácil para muitos médicos. É fato reconhecido que, muitas vezes, o médico não dispõe de tempo suficiente para uma informação pormenorizada do tratamento prescrito, e farmacêuticos e enfermeiros ignoram o que foi dito ao paciente, caso sejam solicitados a prestarem ajuda.
Pacientes hospitalizados recebem em média seis fármacos diferentes, podendo chegar a 20 em internações prolongadas e, ao receberem alta hospitalar sem instruções adequadas, estes pacientes provavelmente terão sua adesão terapêutica comprometida (SOUSA-MUÑOZ et al., 2001a).
Uma das mudanças de maior importância nos paradigmas do cuidado e da atenção à saúde no final do século XX foi aquele que reconheceu o direito dos doentes de serem levados em consideração na análise e na condução de seus problemas, de acordo com preceitos da Educação em Saúde:
A Educação em Saúde como forma de intervenção sobre os determinantes do processo saúde-doença constitui uma atividade que visa à conscientização da população para ações transformadoras da realidade na qual está inserida (SILVA; BORDIN, 1996: 45).
De acordo com esses preceitos, os pacientes deixam de ser vistos como entes passivos da terapêutica medicamentosa e passam a ser sujeitos ativos, portadores de certo tipo de conhecimento (MERCADO-MARTINÉZ et al., 1999). O entendimento que o paciente tem sobre seu tratamento médico é um fator fundamental para o sucesso terapêutico. De acordo com Vigil (2000), o paciente também aprende, principalmente se a relação médico-paciente incorpora aspectos do “modelo antropológico da doença”, o que possibilita ao médico influir mais na área sócio-cultural do seu cliente.
Os trabalhos brasileiros encontrados abordando o conhecimento do paciente sobre seu tratamento durante uma hospitalização são da área de Enfermagem (SANTOS et al., 1997; STAPE, 1979). A única referência na literatura médica nesta linha de pesquisa foi o trabalho de Levinson e Chaumeton (1999), que estudaram a comunicação médica ao paciente sobre seu tratamento em um serviço de atenção primária.
Stape (1979) estudou o grau de conhecimento do paciente com alta hospitalar sobre seu tratamento no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, e observou que esse conhecimento depende do nível de escolaridade do paciente, mas não depende da idade, do tipo de unidade de internação, do tempo de permanência hospitalar e do número de medicamentos prescritos, corroborando os achados do presente estudo. A referida autora observou também que os pacientes ainda têm dúvidas sobre o tratamento prescrito e sua continuidade no momento da alta hospitalar.
Nesse sentido, López (1997) afirma que esse problema constitui a principal reclamação dos pacientes acerca da escassa habilidade do médico para se comunicar com eles. Daí o alerta de que o médico precisa reconhecer essa reivindicação e se conscientizar de que o seu diálogo com o paciente é de essencial importância. Caprara e Franco (1999) colocam essa questão da relação médico-paciente no contexto educativo.
Estima-se que aproximadamente 50% dos pacientes que usam medicamentos não aderem ao tratamento estabelecido pelo médico (SILVA et al., 2000). Embora seja possível postular numerosas razões sociais, psicológicas e econômicas para esse fato, os problemas com o seguimento do tratamento podem ser ocasionados, em parte, pela insuficiência de informação sobre o medicamento prescrito.
A educação do doente e dos seus familiares pela equipe de saúde é fundamental porque se sabe que a causa principal da má adesão à terapêutica resulta da falta de educação. O doente e os seus familiares devem saber quais são os objetivos da terapêutica, o esquema posológico e quais os cuidados especiais que devem ser seguidos.
No nosso meio, Santos et al. (1997) observaram que 27% dos pacientes internados no HULW queixaram-se da falta de informações prestadas pela equipe médica sobre os cuidados após a sua alta hospitalar. Analisando esse fato, os autores afirmam que essa variável é responsável, muitas vezes, pelo retorno do paciente à unidade de internação, em virtude da reincidência da doença provocada pela falta de orientação terapêutica.
Os citados autores afirmam que, segundo o depoimento dos pacientes entrevistados, os médicos do HULW são “muito reservados e não informam os pacientes sobre o tratamento”. Ainda de acordo com Santos et al. (1997:60), “(...) esses profissionais (os médicos) geralmente não estão preparados para serem educadores em saúde”.
Nesse sentido, tanto a informação verbal feita pelo médico quanto a escrita são importantes e complementares na educação do paciente. A informação verbal fornecida pelo médico é freqüentemente insuficiente, tendo em vista que o paciente pode priorizar as informações recebidas sobre a doença e o diagnóstico, prestando menor atenção às informações sobre o medicamento prescrito. Além disso, o paciente pode não compreender a informação verbal, não aceitá-la ou mesmo esquecer parte dela após a consulta. O fornecimento de informações escritas, tais como folhetos explicativos, tem se constituído em um meio efetivo de apoio às orientações verbais transmitidas ao paciente sobre os medicamentos.
Em trabalhos que realizamos no Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW/UFPB) (SOUSA-MUÑOZ et al., 2002; SOUSA-MUÑOZ et al, 2001), observamos que os conhecimentos dos pacientes hospitalizados sobre seu tratamento e seguimento terapêutico no HULW/UFPB são insuficientes, sobretudo quanto aos possíveis efeitos colaterais dos medicamentos. A maior parte das informações recebidas foi prestada pelo médico. Os resultados do referido estudo indicaram a necessidade de adoção de um programa básico de informações e de ações educativas voltadas para o paciente internado com o objetivo de aumentar seu conhecimento sobre o próprio tratamento e assim, aumentar suas possibilidades de adesão à terapêutica após a alta hospitalar.
Este trabalho mais do que permitir tirar conclusões, permitiu levantar problemas existentes e promover a tomada de medidas que os resolvam. Para melhorar o conhecimento do doente internado no HULW sobre seu tratamento e evolução, poderia ser promovida de forma sistemática a Educação em Saúde dirigida ao paciente nesse contexto, para aumentar, assim, suas possibilidades de seguir meios de prevenção terciária após a terapêutica hospitalar.
Nesse sentido, como aplicação dos conhecimentos adquiridos nesses estudos, estamos executando um projeto de extensão vinculado ao PROBEX no HULW ("Ambulatório de Egressos de Internação da Clínica Médica do HULW: Continuidade da Assistência ao Paciente com Doença Crônica") baseado em princípios da Educação Popular em Saúde, conjugando à prática educativa dos pacientes atendidos, aplicada individualmente com fins preventivos e assistenciais.
Referências
CAPRARA, A., FRANCO, A. L. S. A relação paciente-médico: para uma humanização da prática médica. Cadernos de Saúde Pública, 15 (3): 648-654, 1999.
LEVINSON, W., CHAUMETON, N. Communication between surgeons and patients in routine office visits. Surgery, 125 (2): 127-134, 1999.
LÓPEZ, M. Promoção da relação médico-paciente adequada. In: Fundamentos da Clínica Médica. Rio de Janeiro: Medsi, 1997, p. 343-354.
MERCADO-MARTINÉZ, F. J. et al. La perspectiva de los sujetos enfermos: reflexiones sobre pasado, presente y futuro de la experiencia del padecimiento crónico. Cadernos de Saúde Pública, 15 (1): 179-186, 1999.
SANTOS, S. R., ANDRADE, C. P. R., MAGALHÃES, A. S. O. Qualidade total na perspectiva da satisfação do paciente. Revista Brasileira de Ciências da Saúde, 1 (1/3): 57-62, 1997.
SILVA, T. et al. Bulas de medicamentos e a informação adequada ao paciente. Revista Saúde Pública, 34 (2): 184-189, 2000.
SILVA, J. O., BORDIN, R. Educação em Saúde. In: Medicina ambulatorial: condutas clínicas em atenção primária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
SOUSA-MUÑOZ, R. L. ; S. NETO, E. M. V. Informação retida pelo paciente no HULW sobre sua terapia medicamentosa. In: Congresso Internacional de Medicamentos, 2002, João Pessoa, 2002.
SOUSA-MUÑOZ, R. L. ; S. NETO, E. M. V. ; ALMEIDA, T. L. C. . Educação na saúde terciária: conhecimento do paciente sobre sua doença e tratamento no HULW/UFPB. In: IX Encontro de iniciação científica da UFPB, 2001, João Pessoa. IX Encontro de iniciação científica da UFPB/Resumos. João Pessoa : Editora Universitária, 2001a. v. 2. p. 213-213.
SOUSA-MUÑOZ, R. L. ; S. NETO, E. M. V. ; ALMEIDA, T. L. C. ; MAROJA, J. L. S. . Informação em saúde na atenção terciária: conhecimento do paciente sobre sua doença e tratamento no HULW/UFPB. In: XXII Congresso Médico da Paraíba, 2001, João Pessoa. XXII Congresso Médico da Paraíba - Programação Científica, 2001b. p. 63-64.
STAPE, D. D. B. O conhecimento do paciente com alta hospitalar sobre a continuidade do seu tratamento. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Enfermagem. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1979.
VIGIL, J. L. G. Modelo de comunicación para el aprendizaje independiente y de la clínica. Rev Med. IMSS, 38 (1): 61-68, 2000.
Fonte da Imagem: opposingviews.com