24 de novembro de 2008

Semiologia Baseada em Evidências

O diagnóstico médico envolve três elementos básicos: a história obtida do paciente, os sinais detectados no exame físico e os resultados da investigação complementar. Apesar do surgimento de novos e precisos exames laboratoriais e de imagem, é fundamental manter a busca dos dados semiológicos na sua profundidade, obtendo uma história clínica minuciosa e um exame físico detalhado, na busca de possíveis alterações sugeridas pela anamnese. Uma abordagem que integre os três elementos para um diagnóstico acurado é fundamental.
Lemos nos livros-texto de Semiologia, e também sendo repetido pelos professores de Clínica, que a anamnese representa aproximadamente 80% do diagnóstico. De onde vem esse aforisma? De estudos de pesquisa avaliando a acurácia do exame clínico! No clássico estudo de Hampton et al (1975), em pacientes ambulatoriais, a concordância do diagnóstico inicial obtido através da anamnese com o diagnóstico definitivo foi de 82,5%, sendo o exame físico e o laboratório elementos fundamentais para o diagnóstico em apenas 8,6% dos pacientes, respectivamente. Também no estudo prospectivo de Roshan e Rao (2000), a história clínica levou ao diagnóstico correto em 78,6% dos pacientes, o exame físico em 8,2% e a avaliação laboratorial em 13,27% dos casos, em nível ambulatorial. Nesse estudo, em uma escala de 0 a 10, a confiabilidade para o diagnóstico correto aumentou de 6,36 após a anamnese para 7,57 após o exame físico, e para 9,84 após os resultados laboratoriais.
Estes dados não diminuem a importância do exame físico completo e detalhado e de exames complementares selecionados, mas ressaltam que os três grandes elementos do diagnóstico clínico - anamnese, exame físico e investigação complementar – têm a sua relevância e limitações em cada etapa da investigação médica, e em cada contexto clínico específico.
Um não faz sentido sem o outro, mas os dois juntos, anamnese e exame físico de boa qualidade, são fundamentais na prática clínica. As evidências empíricas de precisão e acurácia do exame clínico são utilizadas diariamente na assistência clínica.
Contudo, são abundantes os sinais e técnicas de exame clínico descritos nos livros-texto de Semiologia Médica, tanto antigos e não re-editados, quanto nos mais recentemente publicados. Esses livros de iniciação ao exame clínico pecam, muitas vezes, por repetir conceitos que talvez não sejam fidedignos ou válidos na realidade clínica do nosso meio.
O que se sabe por observação empírica é que o exame clínico bem elaborado além de ser mais barato, tem maior sensibilidade e especificidade para a maioria dos diagnósticos que exames complementares sofisticados (e caros). Por outro lado, observa-se que ao lado de técnicas de exame clínico com probabilidade de acerto muito baixo, existem outros métodos semiológicos e sinais clínicos comprovadamente mais eficientes que muitos dos exames complementares desnecessariamente solicitados pelos clínicos. É preciso, então, que haja um interesse de pesquisadores clínicos e de professores de Semiologia Médica no sentido da elaboração de um texto da disciplina realmente original e baseado em evidências científicas.
Por isso, precisão e exatidão do exame clínico deveriam ser mais pesquisados. É nesse sentido, e em virtude da importância fundamental do método clínico, que Macedo et al. (1994) afirmam que os sinais observados através do exame físico deveriam ser avaliados com o mesmo rigor metodológico com que são testadas as técnicas de laboratório, com avaliação de sua validade e fidedignidade. Atualmente pode-se recorrer a análises estatísticas que permitem calcular a sensibilidade, especificidade e valores de predição de sinais clínicos, como também a existência de métodos e técnicas que podem ser utilizados como padrão-ouro para este cálculo.
O interesse por este assunto, em todo o mundo, é cada vez maior. O Journal of the American Medical Association (JAMA) vem publicando, desde 1992, uma série de súmulas sobre o uso racional de exame clínico, em uma seção denominada "O exame clínico racional".
Sítios da Internet onde podemos ler sobre a acurácia do exame clínico:
http://www.carestudy.com/ Clinical Assessment of the Reliability of Examination www.sgim.org/clinexam.cfm Clinical Examination Research Interest Group
Referências
HAMPTON J. R. et al. Relative contributions of History-taking, Physical Examination, and Laboratory Investigation to Diagnosis and Management of Medical Outpatients. BMJ 1975; 2: 486-489.
ROSHAN, M.; RAO, A. P. A Study on Relative Contributions of the History, Physical Examination and Investigations in Making Medical Diagnosis. JAPI 2000; 48(8): 771-775.
MACEDO, J. L. S.; SANTOS NETO, L.; MACEDO, V. A importância clínica dos achados do exame físico do aparelho cardiovascular. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 18, n. 2, p. 49-94, 1994.