Mudanças observadas no perfil biofísico feminino ao longo dos anos, e particularmente na fase climatérica, resultam do ganho ponderal, do aumento da gordura corporal pela obesidade e de alterações na composição e distribuição do tecido adiposo (VEGGI et al., 2004).
Supõe-se que tais mudanças associam-se a estados emocionais negativos, e que fatores psicológicos devem desempenhar um papel importante na deposição central da gordura corporal em mulheres, havendo, portanto, na literatura, uma associação entre parâmetros antropométricos e sintomatologia depressiva no climatério (EPEL et al., 2000; LJUNG et al., 2000).
Gambacciani et al. (1999) consideram que as alterações hormonais do climatério, mais que o processo de envelhecimento como um todo, estão associados com o peso corporal e a distribuição da gordura em mulheres pós-menopáusicas, as quais mostram tendência à obesidade e à distribuição andróide da gordura corporal.
Com base nessas considerações, apresentamos um trabalho cujo problema de pesquisa era a busca de relações entre índice de massa corporal e distribuição da gordura com sintomas depressivos em mulheres no climatério, no III Congresso Internacional de Clínica Médica (SOUSA-MUÑOZ et al., 2006), e que se submetemos a publicação recentemente (SOUSA-MUÑOZ et al., no prelo).
A amostra constituiu-se de 106 mulheres climatéricas atendidas ambulatorialmente no Hospital Universitário Lauro Wanderley (Universidade Federal da Paraíba), João Pessoa, Paraíba, Brasil. A técnica de coleta de dados foi a entrevista direta, estruturada, com perguntas fechadas de questionários padronizados de sintomas depressivos e e a aferição de medidas antropométricas.
A avaliação psicométrica consistiu na aplicação do Questionário de Auto-Avaliação da Escala de Hamilton para Depressão (QAEH-D) e da Escala de Rastreamento de Depressão CES-D (Center of Epidemiologic Studies of Depression).
A avaliação antropométrica foi a seguinte:
1) Peso e altura: O peso, medido em quilogramas, através da mesma balança; altura obtida utilizando-se um antropômetro vertical com fita métrica fixo à balança.
2) Cálculo do índice de massa corpórea (IMC): razão entre peso atual (kg) e o quadrado da estatura (m²). Os pontos de corte segundo o IMC propostos pela Organização Mundial da Saúde (WHO, 1997) foram utilizados como critério de classificação do estado nutricional em três categorias: normal (20-24,99 kg/m²), sobrepeso (25-29,99 kg/m²) e obesidade (³30 kg/m²). Classificaram-se também as pacientes em não-obesas, quando esse índice foi menor que 30 kg/m2, e obesas, se igual ou superior a 30 kg/m (BRAY et al., 1998).
3) Medidas da circunferência de cintura e quadril: obedeceu-se à padronização de Lohman et al. (1998). A aferição foi feita estando a paciente em pé, posição ereta, utilizando-se uma fita métrica flexível e inextensível de 200 cm de comprimento, com precisão de uma casa decimal.
4) Padrão de distribuição da gordura corporal: definido pela relação das circunferências da cintura (CC) e quadril (CQ). Classificou-se em ginecóide, periférico ou glúteo-femural, quando menor ou igual a 0,80, e andróide, central ou abdominal, se maior que 0,80 (PASQUALI et al., 1993).
Na análise estatística, as comparações entre médias foram feitas pelo teste t e análise de variância (ANOVA) e as análises de correlação pelo coeficiente de Pearson ao nível de significância de 5%.
Das 106 pacientes, 23 (21,7%;) apresentavam estado nutricional normal, 49 (46,2%;), sobrepeso e 34 (32,0%) eram obesas. As médias da CES-D e do QAEH-D não diferiram significativamente entre as mulheres em função do estado nutricional (p=NS), Também não houve diferença nos escores do QAEH-D, CES-D e IMBK na comparação entre obesas e não obesas (p=NS) (tabela 1).
Porém, entre as variáveis pesquisadas que expressam estilo de vida, houve diferença estatisticamente significativa nas médias do QAEH-D quanto à prática de atividade física (teste t para grupos não-pareados; p=0,03). Entre as mulheres que praticavam atividade física regular, as médias foram de 7,14 (±2,12), enquanto as que não não referiam atividade física apresentaram escores médios de 8,94 (±3,51).
Contudo, os escores da CES-D foram mais altos (p=0,04) nas mulheres com distribuição da gordura no padrão andróide (14,93±6,72) que nas que tinham distribuição do tipo ginecóide (12,21±3,04).
Característica expressiva desta amostra é a elevada freqüência de sobrepeso ou obesidade (78,4%), dado compatível com achados publicados anteriormente em mulheres climatéricas, quando verificamos uma prevalência pontual de 77,5% dessa condição (SOUSA et al., 2000)
Estudos revelam que obesidade e depressão estão associadas entre si, porém essa associação é mais clara em mulheres com obesidade central (ISTVAN et al., 1992; RAIKKONEN et al., 1999). Esta última associação, entretanto, não foi observada no nosso estudo.
As discrepâncias entre o índice de massa corporal e o peso corporal “ideal” podem levar a estados emocionais negativos, colocando os indivíduos em risco de ter sintomatologia depressiva.
Por outro lado, supõe-se também que o mecanismo hipotético subjacente a essa associação deve ser o aumento da secreção de cortisol, armazenando gordura em depósitos centrais (ROSMOND et al.,1996). Aventa-se a existência de uma associação entre desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e obesidade central, porém não se sabe se esta desregulação é devida ao estresse crônico ou se esta desregulação simplesmente covaria com obesidade abdominal (VEGGI et al., 2004).
Apenas os escores da CES-D relacionaram-se com a distribuição da gordura corporal centralizada, porém o mesmo não ocorreu com as pontuações do QAEH-D. Esta discrepância deu-se, provavelmente, à ênfase do QAEH-D sobre sintomas somáticos (40% dos itens), enquanto a CES-D detecta especialmente manifestações de humor depressivo, ou seja, sintomas disfóricos ou afetivos (75% dos itens), incluindo baixa auto-estima e auto-depreciação.
Os resultados deste trabalho não corroboraram a associação entre IMC e sintomatologia depressiva, mas sugerem uma relação entre sintomas depressivos do tipo afetivo (CES-D) com a distribuição da gordura corporal do tipo andróide.
Levando em conta a hipótese de que a obesidade pode causar sofrimento psicológico devido à pressão social para um corpo magro, também é provável que uma autopercepção inadequada da distribuição da gordura no típico padrão ginecóide, com ou sem obesidade, associe-se a sintomatologia depressiva durante uma fase de grandes transformações como é o climatério.
Vários outros estudos tem sido publicados recentemente (nos últimos dois meses) relacionando sintomas depressivos e síndrome metabólica, tanto em mulheres quanto em homens (AKBARALY et al., 2009; VIINAMAKI et al., 2009; VANHALA et al., 2009; CAPURON et al., 2008).
Referências
SOUSA-MUÑOZ, R. L. ; FILIZOLA, R. G. ; SOUSA, E. S. S. ; MORAES, J. L. R. ; FERREIRA, M. P . Associação entre parâmetros antropométricos e sintomas depressivos em mulheres atendidas em ambulatório de climatério. In: III Congresso Internacional de Clínica Médica, 2006, São Paulo. Disponível em: < http://www.meetingeventos.com.br/site/inicio.asp?action=CT&congresso=iiiclin.> Acesso em: 28 jan 2008.
BRAY, G. A. et al. Classification and evaluation of the obesities. Med Clin North Am. v. 73, n. 1, p. 61-84, 1989.
CARTER, F.; BULIK, C.M.; JOYCE, P. R. Direction of weight change in depression. J Affect Disord, v. 30, n. 1, p. 57-60, 1994.
EPEL, E. S. et al Stress and body shape: stress-induced cortisol secretion is consistently greater among women with central fat. Psychosom Med. v. 62, n. 5, p, 623-32, 2000.
ISTVAN, ZAVELA, K.; WEIDNER, G. Body weight and psychological distress in NHANES I. Int J Obes Relat Metab Disord. v.16, n. 12, p. 999-1003, 1992.
LEE, E. S.; KIM, Y. H.; BECK, S. H. et al. Depressive mood and abdominal fat distribution in overweight premenopausal women. Obes Res, v. 13, n. 2, p. 320-325, 2005.
AKBARALY, T. N. et al. Association between metabolic syndrome and depressive symptoms in middle-aged adults: Results from the Whitehall II study. Diabetes Care. 2009 [Epub ahead of print]
VIINAMÄKI, H. et al. Association of depressive symptoms and metabolic syndrome in men. Acta Psychiatr Scand. 2009 Jan 6. [Epub ahead of print]
VANHALA, M. et al. Depressive symptoms predispose females to metabolic syndrome: a 7-year follow-up study. Acta Psychiatr Scand. 2009 Feb;119(2):137-42.
CAPURON, L. et al. Depressive symptoms and metabolic syndrome: is inflammation the underlying link? Biol Psychiatry 64 (10): 896-900, 2008.
Demais referências podem ser obtidas através do correio eletrônico rilvalopes@hotmail.com.
Crédito da imagem: a foto desta postagem foi extraída de: www.healthhype.com