Por Bruno de Melo Fernandes
Estudante de Medicina / Centro de Ciências Médicas - CCM / UFPB
Extensionista do Projeto Continuum - PROBEX /UFPB
Monitor do Módulo de Semiologia Médica - CCM / UFPB
Segundo o conceito hipocrático, a medicina seria puramente a arte de curar doenças e aliviar sofrimento. No entanto, tal conotação artística se diluiu à medida que aumentou o encanto com as maravilhas e possibilidades da ciência moderna, causador do fato da medicina adquirir uma orientação cada vez mais científica, de modo que sua natureza de arte foi sendo colocada em segundo plano, a ponto de quase se perder por completo.
Atualmente, a medicina como arte não foi totalmente esquecida e, atualmente cada vez mais, está tomando vulto um movimento que visa a resgatar esse caráter da ars curandi hipocrática de modo a buscar uma integração entre os modernos tratamentos científicos e os demais aspectos da dimensão humana também envolvidos no fenômeno da cura, em especial a arte.
A dualidade ciência-arte marca a evolução da medicina ao longo da história da humanidade. Nesse processo, a evolução científica deu à medicina um caráter mais objetivo e positivista, porém o caráter artístico do ato médico nunca desapareceu por completo. Isso porque ele está baseado na própria variabilidade genética do ser humano, sendo justamente a “arte médica” o grande desafio para qualquer médico: ser médico por instinto e por experiência, sem contar com bases científicas confiáveis.
Para entender o quão intrínseco é o caráter artístico da medicina a qualquer ato médico basta observar-se o grau significativo de variabilidade genética da espécie humana. Por esse, é implicado que indivíduos diferentes respondem de forma diferente. Além disto, uma mesma doença num mesmo indivíduo pode ter diferentes manifestações ao longo de sua história clínica. Esta variabilidade genética da espécie humana torna a prática médica, por vezes, muito difícil. “Não fosse a grande variabilidade humana, a medicina seria muito mais ciência do que arte”, dizia Sir William Osler, um dos maiores clínicos que já existiram. Além de tornar a prática médica mais difícil (e muito mais interessante!) a variabilidade humana dificulta, por vezes enormemente, a geração do conhecimento médico.
Podemos observar que, de maneira geral, a medicina como ciência evoluiu paralelamente com as outras áreas de conhecimento humano, e se iniciou junto do próprio gênero Homo há mais de dois milhões de anos atrás, quando a doença era encarada como manifestações místicas envolvendo deidades e seus castigos aos seres humanos. Por isso mesmo, inicialmente o ato médico era mais um ato sacramental: poções e rituais que visavam “purificar” os doentes e concede-lhes o direito à saúde junto com os deuses.
A chamada ciência médica, por outro lado, trouxe os problemas de saúde para um plano mais terreno, em que a doença passou a ser compreendida como desajustes, ou mau funcionamento do organismo da pessoa doente. Esta tradição científica, em particular a revolução silenciosa da anatomia, iniciada nas universidades renascentistas, transferiu o centro da investigação das forças sobrenaturais para um nível físico mais mundano.
Entretanto, fica claro que ao observarmos as três revoluções conceituais e tecnológicas que caracterizam a medicina do século XXI, (a medicina baseada em evidências, a medicina pós-genômica e a medicina darwinista), pode chegar á clara conclusão de que a parte “medicina-arte” (conhecida pelo latinismo ars curandi) é fomentada pela vasta porção do conhecimento médico e da própria prática médica que se encontrar fora dos livros e sem bases científicas, isto é, as lacunas da ciência são preenchidas pela arte: a parte arte da medicina baseia-se na nossa ignorância em lidarmos com a enorme diversidade humana.
À medida que estas três revoluções conceituais são incorporadas à prática clínica, fica claro que a variabilidade humana, quando bem compreendida, torna a medicina cada vez mais ciência e menos arte.
É preciso que fique claro que o conceito de arte médica é aqui compreendido como a aplicação dos processos cognitivos de natureza heurística, necessários para contornarmos nossa ignorância acerca de certas situações clínicas, quase sempre devido à diversidade humana já que a variabilidade gera incertezas.
Tendo em vista o exposto, considerar, ou melhor, reconhecer que cada ato médico, em última análise, traduz uma trajetória cumulativa de conhecimentos científicos recheados de observações empíricas e singularizados é descobrir um dilema importante: Não será cada ato médico algo padronizado, material e científico? Por outro lado, o mesmo recheio do pragmatismo individualizado em cada ato médico possui fortes temperos culturais, míticos, místicos e aleatoriamente determinados pela (in)consciência de cada criador e/ou executor do ato em si, então, não será o ato médico algo singular, ligado fortemente ao médico? Nesse caso, o fazer médico será a expressão pura e simples do que milenarmente se rotulou de ars curandi, tendo sido Hipócrates o primeiro observador da face mística e artística envolvida no cerne da medicina.
Referências Bibliográficas
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