ARTIGO PARA O SEMINÁRIO DE PESQUISA APLICADA À MEDICINA (MCO2)
em 09.03.09
Referência: VIEIRA, J. L.; PORCU, M.; ROCHA, P. G. M. A prática de exercícios físicos regulares como terapia complementar ao tratamento de mulheres com depressão J. bras. psiquiatr. 56 (1): 23-28, 2007.
Podem ser feitas inscrições online hoje para a discussão presencial de amanhã, 09.03.09
Relatório do Seminário de hoje, 09.03.09
O resultado do seminário de hoje mostrou que a turma de MCO2 continua evoluindo na análise de artigos científicos, mostrando curiosidade, iniciativa, disposição e raciocínio lógico suficientes. Isso parece indicar que a prática confere os caminhos necessários para o auto-aprendizado em que o aluno é sujeito do processo.
Isso fica claro na desenvoltura com que os estudantes começam a discutir os trabalhos científicos nos nossos seminários. Também deixo registrado o comentário de um dos estudantes, a propósito de sua participação no XLV Congresso de Medicina Tropical, ora realizado em Recife:
O estudo discutido hoje foi uma pesquisa experimental. Este é o modelo de pesquisa considerado padrão-ouro, pois fornece evidência científica forte. Um ensaio clínico é considerado a investigação mais perfeita entre os diversos estudos científicos. Não é um estudo fácil de realizar pela sua logística complexa e pelas questões éticas. A par dessa dificuldade, é preciso ressaltar o mérito de se realizar uma pesquisa experimental.Durante o primeiro dia de Congresso, pude ver cerca de 30 trabalhos sendo explicados por seus respectivos autores: tipo de estudo, cálculo de amostra, populacao, odds ratio, regressao logística, validade interna, validade externa. [...] estou utilizando os conhecimentos adquiridos no MCO2 durante o congresso.
No nosso seminário, foi feita uma análise crítica do estudo, considerando aspectos metodológicos, de estilo e de apresentação do artigo, e, como sempre afirmamos, com o intuito único de exercitar o espírito analítico e como uma ferramenta didática. Há outros aspectos positivos, além da escolha do modelo do estudo, evidentemente, mas estes não serão abordados a seguir. É importante ressaltar, entretanto, que a análise estatística apresentou uma escolha de testes adequada, com a eleição de testes não-paramétricos, considerando a distribuição assimética da variável dependente (pontuações na escala de sintomas depressivos).
Abaixo serão apresentadas as principais questões levantadas no seminário:
(1) Título: O título deve expressar a essência da pesquisa realizada, pois o leitor deverá ter uma idéia precisa do assunto. Neste artigo a imprecisão do título se deveu à menção de "prática de exercícios físicos regulares", ao invés de "hidroginástica", pois foi este o tipo de exercício realizado. Ao ser redigido daquela forma, pode-se pensar que a intervenção incluiu vários tipos de atividade aeróbica. Portanto, faltou precisão. Um título sugerido foi: "Efeito da hidroginástica como terapia complementar no tratamento de depressão em mulheres".
(2) Resumo: Não foi mencionada a população estudada na pesquisa, ou seja, mulheres. Faltou menção a um dos objetivos do trabalho (o impacto da interrupção dos exercícios).
(3) Palavras-chave: Não existem nos descritores de Ciências da Saúde (DeCS) as palavras "complemento terapêutico" nem "exercícios físicos", portanto, duas das palavras-chave deste artigo não foram indexadas.
(4) Introdução: O principal problema desta seção é o uso de termo "efetividade" ao invés de "eficácia" que seria a expressão correta neste caso, o que será discutido a propósito da análise da seção de "Métodos", logo abaixo. Um dos alunos perguntou, de forma muito pertinente, demonstrando ter assimilado a importância do problema de pesquisa em um estudo científico. Qual foi a pergunta da pesquisa? Este aspecto pode ser considerado um dos mais importantes da seção de Introdução do trabalho.
(5) Métodos:
(a) Os alunos demonstraram que entenderam que a população a ser estudada deve ser muito bem definida pelos critérios de inclusão e exclusão do trabalho. Os critérios de inclusão restringem a heterogeneidade dos pacientes, e os de exclusão, os pacientes atípicos, com doença grave e prognóstico sombrio. Neste artigoa nalisado, não houve uma separação destes critérios e faltou a menção de exclusão de pacientes com quadros de depressão resistente ou com sintomas psicóticos.
(b) Foi levantada a questão de que o cálculo do tamanho da amostra é uma etapa importante no planejamento do estudo, sendo sempre o ponto mais inicial para que os resultados obtidos possam responder à pergunta da pesquisa. Assim, a rigor, ela deveria ser estimada previamente, tendo em conta o tipo do procedimento, a variabilidade dos resultados e, quando necessário, dever-se-ia lançar mão de estudos estatísticos para a sua definição. O tamanho da amostra é muito pequeno, e não foi mencionado como foi feito o cálculo amostral.
(c) É preciso fazer a distinção entre eficácia e efetividade. A eficácia avalia se uma intervenção funciona em condições ideais; a efetividade avalia se uma intervenção funciona em condições habituais, ou seja, condições mais próximas do dia-a-dia, mesmo com pacientes não totalmente aderentes ou com outras doenças associadas, como ocorre na prática clínica (REIS et al., 2002).
(d) O mascaramento (cegueira) não foi realizado. Mascaramento é uma tentativa de evitar que os participantes do estudo saibam que intervenção está sendo administrada, eliminando a possibilidade de os efeitos observados terem sido influenciados por outros fatores além do efeito do tratamento em questão. Para se obter uma análise neutra e imparcial dos resultados, pode-se também solicitar o auxílio de outros especialistas que não tiveram participação ativa na fase de seleção ou na fase de intervenção do estudo.
(e) Não foi descrito quem realizou as entrevistas. Foi o psiquiatra da equipe? Ou os dois outros autores, da área de Educação Física? É importante deixar claro quem fez a coleta de dados, e se não foi o especialista, se recebeu treinamento prévio para tanto.
(f) Que tipo de hidroginástica, ou melhor, que tipo de aula, e de movimentos, foram realizados nas seções? Esta informação é importante para que outros pesquisadores pudessem repetir o estudo.
(g) Não foi justificado por que a terceira medição de sintomas depressivos foi feita apenas após seis meses. Por que não após três meses, o mesmo intervalo de tempo empregado na avaliação pós-teste (de 12 semanas)? Qual o critério para a definição de uma mensuração após seis meses da interrupção dos exercícios? Questiona-se se este tempo prolongado não tenha atuado como um fator de maturação, havendo a introdução de muitos eventos nesse perído que poderiam ter afetado a mensuração final;
(h) A medida de tendência central mais indicada para a descrição dos dados teria sido a mediana, e não a média, considerando a distribuição da variável dependente, inclusive verificada através do teste de Kolmogorov-Smirnov.
(6) Resultados
(a) Não foi feita a caracterização sócio-demográfica da amostra. Sabe-se a média de idade da amostra total, mas não foi apresentada a média de cada grupo (ou a mediana) e nem o desvio-padrão, ou a idade mínima e a máxima das pacientes. Teria sido relevante informar também a classe econômica e o estado civil das participantes;
(b) Menciona-se que foram realizadas 12 sessões de hidroginástica, mas na verdade, foram 24, pois foram duas por semana, em 12 semanas;
(c) Na tabela 2, há erros nas medidas em relação ao texto, já que médias e desvios-padrões referentes à mesma variável e no mesmo momento estão desiguais;
(d) Há redundância na descrição de dados: os mesmos dados estão descritos no texto, na tabela e no gráfico;
(e) Fala-se em "escala-diagnóstica", porém nenhuma escala de avaliação de sintomas depressivos pode ser considerada diagnóstica. A escala avalia a intensidade de sintomas depressivos, não faz o diagnóstico de depressão. Este é feito pelo exame psiquiátrico baseado nos critérios do DSM-IV. Os autores aos quais o artigo sob análise reporta como referência para esta afirmação (MORENO; MORENO, 1998) não mencionam isso, e sim, literalmente, o seguinte:
As informações transmitidas pelas escalas de avaliação podem ser usadas para auxiliar no diagnóstico, para documentar o estado clínico do deprimido em um determinado momento ou para complementar informações do paciente que passou por uma avaliação clínica prévia. Em geral, as escalas para avaliação de estados depressivos visam descrever as amostras de pacientes utilizadas, indicando os sintomas presentes ou ausentes no quadro clínico e avaliar as mudanças que se operam no curso do tratamento". (MORENO; MORENO, 1998) (grifo nosso)
(f) Poderia ter sido avaliada a intensidade da sintomatologia depressiva na linha de base. O autor não forneceu pontos de corte para o escore total (máximo = 50 para 17 itens), indicativos dos graus de gravidade da depressão: leve, moderada, grave. Apesar disso, tem havido um consenso de que escores maiores do que 25 identificam depressão grave, escores de 18 a 24 representam a faixa de depressão moderada, escores de 7 a 17 indicam depressão leve, e escores menores que 7 definem remissão do quadro ou ausência de depressão (CALIL; PIRES, 1998).
(g) Os dados referentes à Escala de Borg (Escala de Perceção Subjetiva do Esforço) não foram apresentados, embora esta tenha sido mencionada como um dos instrumentos da pesquisa na seção de Métodos.
(7) Discussão: Repetem-se os dados já exaustivamente apresentadosna seção de resultados no primeiro parágrafo, o que era desnecessário. Não foi realizada uma confrontação adequada e atualizada com a literatura em relação ao principal problema de pesquisa; não foram mencionados estudos de mesmo modelo já realizados. O trabalho citado Cheik et al. (2003) não está na lista de referências.
(8) Considerações finais: Para finalizar, as reflexões apresentadas passam a ter sentido na medida que os estudantes passem a analisar criticamente os trabalhos científicos.
Referências
CALIL, H; PIRES, M. Aspectos gerais das escalas de avaliação de depressão. Rev Psiq Clin, 25 (5): 240-244, 1998.
MORENO, R.; MORENO, D. Escalas de depressão de Montgomery & Åsberg (MADRS) e de Hamilton (HAM–D). Rev Psiq Clin, 25 (5): 262-272, 1998.
REIS, F. B.; CICONELLI, R. M.; FALOPPA, F. Pesquisa científica: a importância da metodologia.
Rev Bras Ortop, 37 (3): 51-55, 2002.