24 de junho de 2009

História do diagnóstico das doenças do tórax

Admite-se no hospital uma paciente de 59 anos, feminino, com dispnéia intensa e dor torácica. A percussão do tórax revela macicez e a ausculta mostra abolição do murmúrio vesicular no hemitórax direito. Uma espirometria mostra uma acentuada redução da capacidade vital. A radiografia do tórax mostra opacificação do hemitórax direito, mas não é possível distinguir entre consolidação, derrame pleural ou atelectasia. A broncoscopia nada acrescenta. Cinquenta anos atrás, esta paciente teria realizado uma toracotomia exploradora. O resultado teria sido o que os doentes com câncer mais temem: uma cirurgia open-close. Com a moderna tecnologia de hoje, uma punção pleural guiada por ultrassonografia poderia obter células neoplásicas, e uma tomografia axial computadorizada revelaria um tumor. Assim, cuidados paliativos poderiam ser prontamente indicados para essa paciente. A investigação mais rápida e segura de casos como esse só se tornou possível mediante o avanço tecnológico de 200 anos no diagnóstico de doenças torácicas. Em uma revisão histórica, Warren (1999) faz um levantamento do desenvolvimento de três desses avanços tecnológicos: o estetoscópio, no início do século 19 na França, o espirômetro em meados do século na Inglaterra, e a imagem de raios-x, no final do século, na Alemanha. Estas tecnologias foram rapidamente incorporadas à prática médica e passaram a influenciar significativamente a natureza da relação médico-paciente. Da Antiguidade até o final do século XVIII o diagnóstico de doenças em medicina interna dependia apenas de uma análise do que o paciente descrevia ao médico. O exame clínico era a pedra angular de uma boa avaliação médica. Warren (1999) descreve a evolução do diagnóstico das doenças pulmonares desde Hipócrates até o século XX e faz uma reflexão dos avanços ocorridos tanto para o médico quanto para o paciente. WARREN, C. P. The history of diagnostic technology for diseases of the lungs. CMAJ 161(9):1161-3, 1999.

21 de junho de 2009

O paciente-problema

Ao "navegar" pela blogosfera encontrei esta charge postada pelo estudante de Medicina Thiago Corona Nunes sobre o paciente hipocondríaco (www.estudantedemedicina.blogger.com.br) em seu blog. Apesar de ser uma imagem bem-humorada - e sabemos que muitas vezes precisamos rir das mazelas da nossa natureza humana -, devemos lembrar que este paciente pode ter uma doença "imaginária", mas seu sofrimento é real.
É muito frequente que o paciente hipocondríaco seja rotulado com algum termo depreciativo, como "poliqueixoso" e que muitas vezes o médico tente se livrar da difícil tarefa de atendê-lo. O próprio título que uso nesta postagem pode incluir uma conotação depreciativa...
Contudo, é essencial que o médico lide com o conflito entre a experiência subjetiva ou vivência do paciente com o seu sofrimento e o diagnóstico objetivo. Esse conflito é uma das muitas forntes de ambiguidades na formação e no exercícios profissionais: refugiar-se em um dos pólos não resolve o conflito e aumenta os mal-entendidos na relação médico-paciente.
É preciso considerar também que o diagnóstico diferencial deste paciente deve incluir uma condição médica geral subjacente, desde estágios iniciais de doenças como e esclerose múltipla, miastenia gravis, doenças da tiréoide, lupus e até condições malignas ocultas.
Apesar de a hipocondria poder coexistir com uma condição médica geral, uma preocupação temporária associada a uma doença não constitui diagnóstico de hipocondria. Além disso, outros diagnósticos diferenciais como ansiedade generalizada, fobias, episódio depressivo maior, transtorno obsessivo compulsivo e transtorno dismórfico corporal também devem ser considerados.
Se este paciente sente-se doente e sofre, ele está doente e precisa de ajuda.

20 de junho de 2009

A Síndrome de Munchausen

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Medicina da UFPB (sétimo período), Monitor de Semiologia Médica (ano II)
É inegável a ampla evolução do caráter científico da Medicina no último século. Com o desenvolvimento de diversas tecnologias e com o empenho e curiosidade de muitos pesquisadores, tornou-se possível desvendar mistérios seculares da prática médica e entender melhor como funcionam o organismo humano e os mecanismos fisiopatológicos das doenças. No entanto, a medicina contemporânea não enfoca apenas a parte orgânica do ser humano; ela é marcada pela divisão do olhar médico entre o corpo físico, afetado pela doença, e a mente do paciente.
Nesse sentido, o estudo do psiquismo foi definitivamente implantado no exame clínico, evidenciando o papel da mente do desenvolvimento de doenças e nos seus diferentes modos de evolução. Foi com esse estudo do psiquismo, que se percebeu que uma grande variedade de patologias, mesmo algumas de comportamento orgânico e sistêmico, tinha sua origem na mente do paciente. Entre elas, destaca-se a Síndrome de Munchausen. A Síndrome de Munchausen é uma doença psiquiátrica em que o paciente, de forma compulsiva, deliberada e contínua, causa, provoca ou simula sintomas de doenças, sem que haja uma vantagem óbvia para tal atitude que não seja a de obter cuidados médicos e de enfermagem. Esse quadro também pode ocorrer de maneira by proxi, isto é, algum parente, em geral a mãe, de forma persistente ou intermitente, produz intencionalmente sintomas em seu filho, fazendo que este seja considerado doente. O parente também pode provocar ativamente a doença, colocando-a em risco e numa situação que requeira investigação e tratamento. Mas, por que o paciente, ou seu parente, faz isso? Nas formas mais clássicas da síndrome, a atitude de simular ou "fabricar" a doença não tem nenhum objetivo aparentemente lógico, parecendo ser uma necessidade intrínseca ou compulsiva de assumir o papel de doente ou da pessoa que cuida de um doente, no caso da Síndrome de Munchausen by proxi. Frequentemente, quando o caso é diagnosticado ou suspeitado, descobre-se que havia uma história com anos de evolução e os eventos, apesar de grosseiros, não foram considerados patológicos. No caso da Síndrome de Munchausen by proxi a doença pode ser considerada como uma forma de abuso infantil, podendo haver inclusive superposição com outras formas de abuso da criança (BODEGARD, 2009). Nesse caso, além da atenção médica, o paciente deve receber uma atenção legal, para ser protegido da patologia de seu familiar. A Síndrome de Munchausen, também considerada uma desordem factícia (FELDMAN; MINER, 2008), é uma doença compulsiva, já que a pessoa é incapaz de se abster dessas ações, mesmo quando é conhecedora de seus riscos. Porém, não se pode entender o caráter compulsivo da síndrome como um conjunto de atos involuntários. Apesar da compulsão, os atos são voluntários, conscientes, intencionais e premeditados. Neste caso, o comportamento que é voluntário seria utilizado para se conseguir um objetivo que é involuntário e compulsivo. A Síndrome de Munchausen é uma doença de grave perturbação da personalidade, de difícil tratamento e de prognóstico reservado. O grande problema em seu manejo, atualmente, é o pouco conhecimento dos médicos acerca da doença. A Síndrome de Munchausen acaba não sendo diagnosticada, muitas vezes, por pura falta de conhecimento ou de atenção do médico, que não atenta para as nuances do quadro, mesmo quanto ele é muito característico da doença. É imperativo, assim, que o médico contemporâneo perceba o lado psíquico do processo de formação das doenças, sabendo quando suspeitar de um quadro de distúrbio da mente. O paciente portador de Síndrome de Munchausen precisa ser alvo de uma abordagem multiprofissional, que inclua psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e advogados.
Referências
BODEGARD, G. Medical child abuse: beyond Munchausen syndrome by proxy. Acta Paediatr. 2009 May 26. [Epub ahead of print]
FELDMAN, M. D.; MINER, I. D. Factitious usher syndrome: a new type of factitious disorder. Medscape J Med. 10 (6): 153, 2008.
MENEZES, A. P. T. Síndrome de Munchausen: relato de caso e revisão da literatura. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 24, n. 2, p. 63-85, 2002.
Crédito da imagem: a ilustração desta postagem foi retirada de http://www.solarnavigator.net/animal_kingdom/humans/munchausens_syndrome.htm

Déjà vu pode ser um sintoma

Por Natália Costa Andrade
Estudante de Medicina da UFPB (oitavo período), extensionista do Projeto Continuum (PROBEX/UFPB), ano II
A experiência de déjà vu é um fenômeno que ocorre tanto em situações patológicas quanto não-patológicas. Esta experiência é definida como uma sensação inapropriada de familiaridade subjetiva com um evento que aparentemente não ocorreu de forma consciente (SNO; LINSDZEN, 1990).
Déjà vu é um termo francês que literalmente significa "já visto" e tem diversas variações, incluindo déjà vecu, "já experimentado"; déjà senti, "já pensado"; e déjà visite, "já visitado", ou, em contraposição, o jamais vu, sensação de "jamais ter visto". O cientista francês Emile Boirac foi um dos primeiros a estudar esse estranho fenômeno em 1876, daí a permanência do termo em francês na literatura. O déjà vu é uma alteração qualitativa da memória, e faz parte do grupo das paramnésias, como parte de um quadro de epilepsia, a epilepsia do lobo temporal, mas pode ocorrer também em pessoas normais quando se encontram muito cansadas, com fadiga extrema ou privação do sono (FONTANA, 2005). No livro "The Déjà Vu Experience" ("A experiência do déjà vu"), Brown (2004) afirma que dois terços da população mundial relatam ter tido ao menos uma experiência de déjà vu na vida. Isso não significa, no entanto, que todo esse contingente apresente epilepsia. Os episódios de déjà vu podem ser resultado de uma breve alteração no processamento da memória, que segue um circuito neuronal complexo – como se fosse uma rede de transmissão elétrica intrincada – ainda não totalmente conhecido.
É na região do lobo temporal onde se localizam estruturas como o hipocampo e a amígdala, que codificam e dão a conotação emocional às informações que o indivíduo recebe. A estimulação desta região do lobo temporal de pacientes com epilepsia podem reproduzir o fenômeno de déjà vu (WILD, 2005). Para Spatt (2002), esse fenômeno é o resultado de falhas e isoladas atividade de um sistema de reconhecimento de memória que consiste no giro parahipocampal e suas conexões neocorticais. Este sistema de memória seria responsável pela sensação de "familiaridade" em relação a um evento. O resultado é que uma cena momentânea percebida passa a ter as características de familiaridade que normalmente acompanham uma recordação consciente. O funcionamento normal de outras estruturas cerebrais envolvidas na memória de recuperação - o córtex pré e hipocampo - leva à sensação de perplexidade fenomenológica do déjà vu.
O déjà vu é uma experiência subjetiva que tem sido descrita em muitos romances e poemas. Sno et al. (1992) revisaram mais de 20 obras literárias descrições que são consistentes com os dados obtidos na literatura psiquiátrica, incluindo vários aspectos fenomenológicos, etiológicos e psicopatogênicos da experiência déjà vu. As explicações, formuladas explicitamente pelos autores criativos, incluem a reencarnação, sonhos, fatores orgânicos e memórias inconscientes. Não raro, uma associação com a defesa ou fatores orgânicos é demonstrável com base na interpretação psicanalítica ou clínica psiquiátrica. Os autores recomendam que os psiquiatras deveriam ser incentivados a ultrapassar os limites da literatura psiquiátrica e ler prosa e poesia também...
Farina e Verrienti (1996) também revêm o conceito de déjà vu como uma experiência comum na vida e que é amplamente descrito na psicopatologia e na literatura artística. Iniciando a descrição de escritores como Camus, Dickens E Simmel, eles propõem uma primeira forma de leitura fenomenológica de experiências de déjà vu referentes a diferentes hipóteses em psicopatologia: um transtorno de memória ou um distúrbio atencional, considerando o fenômeno como um transtorno de acordo teorias da consciências de Ey.
Referências
BROWN, A. S. The Deja Vu Experience: Essays in Cognitive Psychology. New York: Psychology Press, 2004.
FARINA, B.; VERRIENTI, D. The phenomenon of deja vu in psychopathology and literature. Minerva Psichiatr. 37 (2): 99-106, 1996.
FONTANA, A. M. Manual de Clínica em Psiquiatria. São Paulo: Atheneu, 2005.
SITTA, I. Déjà Vú - Já vi esse filme! Revista Coop, 253, 2005.
SPATT, J. Déjà vu: possible parahippocampal mechanisms. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 14(1): 6-10, 2002.
SNO, H. N.; LINSZEN, D. H. The déjà vu experience: remembrance of things past? Am J Psychiatry. 147 (12): 1587-95, 1990.
SNO, H. N.; LINSZEN, D. H.; JHONG, F. Art imitates life: Déjà vu experiences in prose and poetry. Br J Psychiatry. 160: 511-8, 1992.
WILD, E. Deja vu in neurology. J Neurol. 252 (1): 1-7, 2005.
Crédito da imagem: a ilustração desta postagem foi extraída de http://michael.achewa.com/deja_vu.htm

19 de junho de 2009

Motivações associadas à escolha do Curso de Medicina

Por Bruno Melo Fernandes Estudante de Medicina da UFPB (sétimo período), extensionista do Projeto Continuum - Ano II (PROBEX/UFPB)
Medicina é o curso da moda, definitivamente. Na verdade, o curso de medicina sempre teve atenção especial entre todos aqueles do ensino superior mas, atualmente, isso é ainda mais evidenciável. O mais curioso disso tudo é notar que a procura e o interesse pela Medicina aumentam à medida que as vantagens da carreira médica diminuem. O médico de hoje não ganha tão bem quanto antes, não é tão prestigiado quanto antes e nem consegue empregos tão bons quanto antes. Porém, apesar de tudo, fazer medicina ainda é algo extraordinário; ainda há uma valorização considerável do estudante de medicina, ao menos daqueles das universidades públicas. Sendo assim, atualmente, o que motiva um jovem a seguir a carreira médica? A primeira motivação é a financeira, que é inclusive a mais importante para muitos estudantes. O médico, se comparado com outros profissionais, ainda ganha consideravelmente bem, especialmente levando-se em conta as condições de vida e de renda da população no Brasil. Qualquer pessoa deseja escolher uma carreira que o permita ter um futuro confortável e de qualidade, e que o habilite a realizar todos os seus sonhos. Como se sabe, é preciso ter dinheiro para tudo isso, e ser médico parece ser a receita para um futuro de fortuna. A segunda motivação é a social. Esta tem a vantagem de, diferente da motivação financeira, já ser sentida pelo estudante antes mesmo dele se formar. O médico e o estudante de medicina, na condição de futuro médico, recebem atenção especial na sociedade e no meio acadêmico; são rotulados como de inteligência inquestionável e de capacidade superior.

Ser médico, para a sociedade atual, já é, por si só, ter sucesso na vida. Os estudantes quando passam no vestibular para medicina são parabenizados em demasia; fazem-se festas, os parentes especulam sobre as especializações futuras: é como se objetivo, e não o meio, tivesse sido alcançado. Nada disso se vê, pelo menos não com a mesma intensidade, para aqueles jovens que ingressam em outros cursos. Vale ressaltar que todo este prestígio social acaba invadindo a cabeça de muitos médicos e estudantes. Eles acham que todas as qualidades referidas ao médico são verdadeiras e passam a agir como se, realmente, tivessem inteligência superior, capacidade infinita e sucesso garantido. Pode-se dizer que há muitos estudantes de medicina que nem têm ao menos uma dessas características. A terceira motivação é a laboral. O mercado de trabalho para o médico ainda é amplo. É difícil ser o melhor, mas há lugar para todos, mesmo para os piores. Hoje em dia, mesmo que menos que antigamente, não falta emprego para médico. Um curso que oferece a possibilidade de emprego certo logo após a formatura recebe uma atenção enorme de todos os estudantes de segundo grau. É uma condição invejável do estudante de medicina não precisar se preocupar se vai ter condições de conseguir emprego ainda na condição de recém-formado.
A última motivação, não por acaso, é a vocacional. De certa forma, é a menos importante hoje em dia. Não que não haja estudantes apaixonados pela arte de cuidar, vendo na medicina uma chance de trabalhar com a vida, com a biologia do organismo humano e com o comportamento das pessoas. Não que a vocação não seja importante. O fato, porém, é que tal motivação é escondida pelas outras.

A maior parte dos estudantes de medicina gosta da profissão, mas não a faria se não houvesse as outras motivações. O que não faltam nos filões das graduações de medicina são indivíduos já formados em outras carreiras, estudantes que adoram física e matemática, alunos com pavor de sangue, pessoas sem habilidade de trabalhar com outras pessoas, em suma: jovens com muito mais motivações para seguir outros cursos e com características incompatíveis com a prática médica. Esses não seguem essas outras carreiras justamente por não contarem com tanto prestígio social ou compensação financeira; nada tem haver com vocação. A medicina parece ser a garantia do sucesso, e isso realmente pode ser melhor do que simplesmente se fazer o que gosta.

Há outras motivações? Sem dúvida, há a influência dos parentes, mesmo que passivamente, o caráter místico e romântico da medicina no meio leigo, a utilidade e a praticidade do conhecimento médico, a história de reconhecimento e prestígio à medicina no desenvolvimento da humanidade, entre muitas outras razões para se optar pelo curso de Medicina. Porém, de certa forma, todas elas se incluem nas motivações citadas, ou ao menos se apequenam perto delas. As razões para a opção pela medicina estão tão desvirtuadas que os cursos de medicina atualmente estão sendo reformulados para implementar no estudante noções de humanização e de responsabilidade social, características que deveriam ser intrínsecas às pessoas que desejam ser médicos.

Pessoas pouco “humanas” fazendo medicina são provas da existência de motivações erradas. Tudo isso nos leva à seguinte pergunta: Está certo querer ser médico pelo dinheiro e pelo prestígio social? A resposta para essa questão é nebulosa e, na verdade, de pouco interesse prático. O interessante mesmo, o mais importante para o futuro da classe médica seria saber isto: Um médico por ambição pode ser tão bom quanto um médico por vocação?

Crédito da imagem: a figura que ilustra esta postagem foi capturada de http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=258

O modo humano de adoecer

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Medicina da UFPB, extensionista do Projeto Continuum - ano II - PROBEX/UFPB
A experiência da enfermidade tem por base a experiência humana dos sintomas e do sofrimento pelo doente, família e sociedade. O contexto em que acontece a doença, as suas experiências da vida, as suas relações sociais, a sua bagagem de conhecimento, a sua orientação de vida, as suas crenças e seus valores pessoais, ou seja, o conhecimento do senso comum afeta o significado do adoecer.
O adoecer é um processo multifatorial, mais que meramente um fenômeno físico. Dele participam diversos fatores, como os socioeconômicos, a história de vida do paciente, a estrutura do ego, o tipo de personalidade, o estresse, a cultura, as perdas, as predisposições genéticas, dentre outras.
A doença geralmente conduz o indivíduo em um movimento regressivo na direção das apreensões produzindo em cada pessoa reações particulares que, mais do que com a doença em si, terão relação com as condições individuais desenvolvidas inconscientemente para lidar com esse ataque.
Nesse processo, o paciente pode se comportar de uma maneira passiva ou ativa frente ao médico. Atua ativamente apropriando-se do seu adoecer, responsabilizando-se por sua escolha à nível existencial, tornando-se ativo e buscando um caminho para a solução de seus problemas. Na postura passiva coloca o médico como o depositário da verdade absoluta e que sozinho e com a medicação vai “resolver” todos os seus problemas, ou seja, transferindo para a pessoa do médico todas as suas fantasias e medos. Freud, em 1914, em seu livro "Sobre o Narcisismo: uma introdução", definia o sentimento de um indivíduo atormentado pela dor: "deixa de se interessar pelas coisas do mundo externo porque não dizem respeito ao seu sofrimento; (...) enquanto sofre, deixa de amar". A doença é vista pelo indivíduo como uma ameaça do destino. Ela modifica a relação do paciente com o mundo e consigo mesmo. Desencadeia uma série de sentimentos como impotência, desesperança, desvalorização, temor, apreensão. É uma dolorosa ferida (uma "ferida narcísica") no sentimento de onipotência e de imortalidade. É claro que o tipo e intensidade das reações de cada paciente vão variar de acordo com uma série de características da doença e do próprio indivíduo, do caráter breve e duradouro da doença e de seu prognóstico e da personalidade e capacidade de tolerância a frustrações do indivíduo, alémd a relação com o médico e demais membros da equipe de saúde.
Tais reações variam geralmente em torno de três possibilidades: pacientes que se entregam à doença, à dor e ao desespero; são aqueles que não lutam; pacientes que tratam a doença como se fosse banal, mesmo sendo grave; e pacientes que promovem mudanças em sua vida, tentando se adaptar à situação adversa. Além disso, uma série de mecanismos de defesa entram em cena. Surge uma nova realidade para o indivíduo. Além desta dimensão muito particular, caractarística de cada um, a experiência individual do adoecimento representa também a forma como a pessoa responde ao acometimento da doença em seu meio social. A compreensão individual geralmente está associada ao conjunto de crenças e valores relativos à vivência de enfermidade.
Referências
VECHIA, F.D. As reações psicológicas à doença e ao adoecer. In Psiquiatria-CCS-UFSC, Disponível em: < http://www.ccs.ufsc.br/psiquiatria/981-08.html >. Acesso em 08 de julho de 2009. JEAMMET P., REYNAUD M. et al. Como Compreender as Atitudes Psicológicas do Doente Face a Sua Doença. In Manual de Psicologia Médica,1989, 1ª Reimpressão. Disponível em <> . Acesso em 08 de julho de 2009.
Crédito da imagem: A figura desta postagem foi retirada de http://heroworkshop.wordpress.com/page/2/

11 de junho de 2009

Blog pode ser futuro da publicação científica?

Em artigo para a página web G1, da Globo.com, Stevens Rehen, do Centro de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, prevê mudanças na difusão científica, com a publicação de artigos científicos em weblogs. Além de ser uma publicação eletrônica aberta, os blogs teriam importante impacto social. O referido autor se reporta aos encaminhamentos oriundos do Fórum Mundial de Ciências da Saúde, realizado na França em 2007. Deste fórum, saíram sugestões para a disponibilização de artigos científicos em blogs, que seriam submetidos a avaliação pública e teriam certificação de seu conteúdo por revisores especializados.
Essa é uma proposta interessante, mas como seria feito o controle e a classificação de um blog com esse objetivo de divulgação científica, considerando os métodos tradicionais de indexação, o sistema bibliométrico de análise das citações? Como ficaria então o conhecido "fator de impacto normalizado" do Institute of Scientific Information, ou melhor da Thomson ISI?
Já existem os arquivos abertos que se firmam como um novo espaço de publicação e comunicação da informação científica. Mas os blogs, como uma mídia interativa indiscutível, seria um espaço passível de normalização? Mesmo havendo blogs tão diversos, que vão desde diários pessoais até os blogs educativos, jornalísticos, filosóficos e aqueles com temas científicos, todos são informais, sejam eles projetos sérios ou não.
Essa idéia de se difundir o conhecimento científico através de blogs permitiria que os trabalhos científicos fossem facilmente acessíveis, além de maior visibilidade dos artigos publicados. A interatividade seria um fator adicional de grande importância, podendo permitir comentários e discussão com especialistas e a avaliação por pares. Contudo a classificação e controle da atividade científica não é algo simples, e não pode ser informal. Documentos eletrônicos podem desaparecer sem deixar rastros...
Mas talvez esta seja uma idéia já ultrapassada. Desse ponto de vista presumivelmente jurássico, pergunta-se: será que a tecnologia da informação pode revolucionar a difusão científica normalizada?

10 de junho de 2009

Iniciação à pesquisa científica

Por Mara Rufino de Andrade
Estudante de Medicina da UFPB (nono período); Ex-monitora de Semiologia Médica
O binômio ensino-pesquisa é considerado, de forma unânime, uma conquista permanente e intrínseca do conceito de universidade. Uma das conclusões da Conferência Mundial sobre Ensino Superior realizada pela Unesco em Paris, em 1998, relatava que: "Não há condições de uma Nação querer ser moderna com desenvolvimento social e econômico se não tiver base científica e tecnológica". Nessa perspectiva, é inquestionável a importância da pesquisa na vida acadêmica de todo estudante de medicina. Nesse contexto, sempre tive o desejo de ingressar em algum projeto de Iniciação Científica, porém confesso que as oportunidades não são fartas. O meu primeiro contato surgiu com o Projeto Delirium. Esse trabalho tinha o objetivo geral de verificar a taxa de prevalência e os principais fatores de risco envolvidos no desenvolvimento do quadro de delirium em pacientes clínicos internados no do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), assim como a evolução clínica desses pacientes. Nossa rotina era acompanhar os pacientes admitidos na Clínica Médica, realizando entrevistas. Estas eram realizadas três vezes por semana até o paciente ter alta, ou caso ocorresse algum desfecho negativo. Porém, para fazer o acompanhamento correto foi preciso estudar muito sobre o tema, bem como sobre as escalas de avaliações descritas na literatura. E esse foi o meu primeiro aprendizado com os trabalhos científicos. É preciso ter bastante conhecimento do assunto abordado, para tentar questionar algo ou para criar alguma hipótese com relevância científica. Outro ponto essencial e com o qual aprendi muito foi a importância de seguir um protocolo, respeitando os métodos pré-estabelecidos. No sentido de que uma coleta de dados mal realizada pode interferir nos resultados do seu trabalho, perdendo, então, todo o sentido e objetivo da pesquisa. Por isso, a fase de coleta de dados constitui a etapa que requer maior disciplina e responsabilidade, constituindo uma das etapas mais laboriosas. No projeto, aprendi também a importância do trabalho em equipe. A integração dos participantes da pesquisa na coleta e integração dos dados, além da disponibilidade de tempo, reuniões, bem como o esclarecimento de dúvidas entre os pesquisadores é essencial para que o Projeto caminhe integrado. Nesse contexto, eu tive a oportunidade de trabalhar com pessoas experientes, com as quais aprendi muito, como a professora Rilva e alguns residentes que contribuíram para o meu crescimento tanto acadêmico, quanto pessoal. Pessoalmente, a iniciação científica me ajudou a alargar muito minha visão sobre a medicina e o conhecimento científico. A pesquisa estimula o desenvolvimento de uma visão mais crítica a respeito dos trabalhos e das informações que temos acesso. Passamos de uma posição de simples observadores para agentes do processo de construção do conhecimento.
Um projeto de pesquisa não é de fácil execução, pois é necessário ser relevante cientificamente, além de ser um trabalho que requer tempo, responsabilidade e dedicação. Porém, ao mesmo tempo é um desafio recompensador. Referências
OLIVEIRA, Neilton Araújo de; ALVES, Luiz Anastácio and LUZ, Maurício Roberto. Iniciação científica na graduação: o que diz o estudante de medicina?. Rev. bras. educ. med. [online]. 2008, vol.32, n.3, pp. 309-314. ISSN 0100-5502. doi: 10.1590/S0100-55022008000300005.
FAVA-DE-MORAES, FLAVIO and FAVA, MARCELO. A iniciação científica: muitas vantagens e poucos riscos. São Paulo Perspec. [online]. 2000, vol.14, n.1, pp. 73-77. ISSN 0102-8839. doi: 10.1590/S0102-88392000000100008
Crédito da imagem: Figura extraída de http://www.bruceeisner.com/new_culture/2008/01/

9 de junho de 2009

Experiência na Monitoria de Semiologia Médica

Por Camila de Oliveira Ramalho
Estudante de Medicina da UFPB (nono período), ex-monitora de Semiologia Médica
É uma experiência pela qual todo estudante de medicina deveria passar. Assim defino a participação na monitoria da disciplina de Semiologia Médica. É a partir da iniciação ao exame clínico que o estudante de medicina sente, de fato, a realidade do curso médico. Nesta etapa da formação temos os primeiros tímidos contatos com os pacientes e, com isso, sentimos o peso da responsabilidade de lidar com pessoas. Seres humanos, que neste caso, estão frágeis, sensibilizados pela sua condição de doente, e que por esse motivo recebem as nossas visitas à beira de seus leitos através das mais diversas reações, as quais, nem sempre são tão agradáveis. E isso representa um dos grandes desafios que o graduando em medicina terá de enfrentar, o que também pode lhe despertar diferentes sentimentos que oscilam entre estimulo e desestímulo. É aí que entra o papel do monitor, que por também ter passado há tão pouco tempo pela mesma situação, é capaz de entender, como ninguém, e orientar os alunos diante dessas circunstâncias, fazendo-os superar seus medos e inseguranças, para que possam seguir tranquilos pelo universo da Semiologia. A monitoria é um dos primeiros passos na participação do processo de formação médica. Pois, em especial, nesta disciplina, além de interferir na adaptação do aluno a esta etapa mais prática do curso, temos a oportunidade de melhorar e aprender cada vez mais a buscar o elo de ligação entre a “arte médica” e a “ciência médica”. É uma atividade que nos abre os olhos para a associação entre medicina e docência, e desperta o desejo de uni-las em nossa futura vida profissional.
Além disso, é capaz de suscitar um misto de sentimentos, como a alegria de passar em uma prova tão concorrida ao lado do medo de não ser capaz de saber tudo; faz-nos sentir “mais médicos” por estarmos mais próximos aos pacientes, mas também há a insegurança de não ter todas as respostas requeridas pelos alunos ou mesmo pelos pacientes; nos torna mais sérios e éticos, ao mesmo tempo que desinibidos o suficiente para sermos mandados embora da enfermaria por aquele doente portador dos melhores achados clínicos e ainda termos a persistência de voltarmos no outro dia para tentar convencê-lo a ser examinado. Faz-nos conviver com a falta de tempo, mas nos faz sentir felizes e até mesmo realizados quando alguém diz: "Ahh... Agora eu entendi como se faz a Manobra de Schuster!"
Enfim, foi uma experiência ímpar, um contínuo acúmulo de aprendizado e responsabilidades que só engrandece todos aqueles que dela participam. Um grande incentivo e, ainda, um ótimo guia na escolha do tipo de profissional que pretendemos ser, valorizando e lembrando sempre os detalhes da relação médico-paciente que sempre tendem a serem esquecidos no decorrer da graduação e, em especial, no cotidiano do médico.

3 de junho de 2009

A Sensação de Queimação nas Plantas dos Pés

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante do sétimo período do Curso de Medicina da UFPB, Extensionista do Projeto Continuum / PROBEX

A queixa de sensação de queimação nas plantas dos pés, que em um primeiro momento parece simples, pode se tornar uma dificuldade diagnóstica para o clínico que está diante do paciente que questiona: “O que eu tenho doutor? E o que eu vou fazer para melhorar dessa queimação que tanto me incomoda?”
Diversos são os fatores que podem causar esse sintoma. Entram no rol de possibilidades etiológicas até situações psicossomáticas e outras alterações psíquicas que podem se manifestar através deste queimor. Neste caso, representa a projeção, "a tendência a experimentar e comunicar sofrimento somático em resposta a estresse psicossocial e buscar auxílio médico por isso" (LIPOWSKI, 1988). Esta condição pode ser descrita na própria definição de transtorno somatoforme: “presença de sintomas físicos sem base médica constatável, com a persistência nas queixas, apesar de repetidos achados negativos e de confirmação pelos médicos de que elas não têm fundamento clínico”.
Dentro dos causadores considerados “reais” ou orgânicos do sintoma, estão listadas situações as mais diversas, que caminham do extremo de uma neuropatia, com todas suas minúcias e etiopatogenias, até o simples fato de o paciente apresentar desconforto por usar um calçado inadequado para sua pisada ou para a atividade que realiza, ou até mesmo um problema relacionado ao excesso de peso corporal.
As neuropatias causadoras da sensação de queimor nos pés, pois, são as mais diversas, entre as quais citam-se:
- A dor neuropática periférica diabética, em que o diabetes mellitus leva ao desenvolvimento de lesão nos vasos nutridores dos nervos, os quais sofrem alteração de função e sobrevida, com uma disfunção das vias dolorosas, levando a uma transmissão crônica de sinais anômalos;
-A neuropatia periférica alcoólica, em que ocorre efeito tóxico do álcool sobre os tecidos nervosos, neste caso das vias sensitivas periféricas;
- A neuropatia por deficiência de vitaminas do complexo B, principalmente a vitamina B12, cuja carência promove um processo lesivo à célula neuronal, acarretando uma situação de desmielinização, mas também ocorrendo nas deficiências de vitamina B2 e B3;
- Outras neuropatias menos comuns, como a polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica e as neuropatias hereditárias.
Outros fatores associados à queimação plantar são: fasciite plantar; hálux valgo ("esporão do calcâneo"); bursite inferior do calcâneo; neuralgia tibial posterior (pela lesão ou compressão do nervo tibial posterior).

Também podem ser causa da queimação nas plantas dos pés os neuromas, tumores benignos de tecido nervoso, que no início causam apenas dor discreta acompanhada por uma sensação de queimação, acentuando-se quando o indivíduo calça determinados tipos de calçados. O paciente também pode referir que tem a sensação da presença de uma “pedrinha” no interior da superfície plantar do pé. 
Cabe não esquecer também ainda da possibilidade de que varizes possam estar provocando essa sensação de queimação.
Logo, ao se deparar com uma situação tão rica em nuances e possibilidades etiológicas, o médico deve ser capaz de “navegar” por todos estes territórios, a fim de descobrir quantos e que detalhes poderão direcionar sua conduta, sempre buscando o propósito maior da cura ou do alívio, provendo a melhor ajuda possível ao seu paciente.
Mas, frente ao mundo que se coloca às vistas do médico em determinado momento, este pode recorrer aos métodos auxiliares, como exames complementares laboratoriais e de imagem, além de outras ferramentas, como a psicoterapia, a instituição de uma terapêutica de teste, e outras que estejam ao alcance do profissional, desde que os preceitos dos ensinamentos hipocráticos não sejam contrariados.

Referências

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