Por Raissa Dantas de Sá
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (IX Período), Extensionista do Projeto continuum (PROBEX/UFPB)
A síndrome do intestino irritável (SII) é um transtorno de origem desconhecida, que não possui evidências de lesão tecidual. Há uma combinação de sintomas gastrintestinais crônicos ou recorrentes, não explicados por anormalidades estruturais ou bioquímicas, a qual é atribuída ao intestino e associada a sintomas de dor e distúrbio da defecação e/ou sintomas de desconforto e distensão abdominal (HELFENSTEIN et al., 2006).
Apesar de sua origem ser desconhecida, a SII é considerada como um distúrbio funcional, devido à ausência de uma lesão identificável.
Múltiplos fatores, como genética motilidade intestinal, hipersensibilidade visceral, fatores psicossociais e fatores imunomediados, são cogitados para explicar o complexo sintomatológico da SII. Até a presente data a existência de um "gene da SII” não foi definido, e há necessidade de mais estudos nesse campo (MATHEW; BHATIA, 2009).
Sintomas compatíveis com a SII são frequentes em todo o mundo. Estima-se uma prevalência entre 2,1% e 22%, dependendo do critério utilizado (REY; TALLEY, 2009). As mulheres são mais frequentemente afetadas que os homens, mas os motivos permanecem obscuros. A SII ocorre em todas as faixas etárias, mas parece haver um declínio da prevalência com o avançar da idade, novamente por razões desconhecidas. A incidência da SII por ano foi estimada em aproximadamente 1,5% em indivíduos na comunidade; anualmente apenas 0,2% da população receberão diagnóstico de SII (op cit).
Existem dados que permitem considerar como possíveis causas as alterações de natureza psicoemocional e as anormalidades resultantes de infecções prévias. (LOPES, 2006). Cerca de 50% dos pacientes relatam a ocorrência de um evento emocional estressante pouco tempo antes da eclosão dos primeiros sintomas característicos da síndrome. Admite-se que traumas emocionais nas fases iniciais da vida possam culminar no desenvolvimento da síndrome em fases posteriores. A obtenção, na infância, de gratificação afetiva (atenção, recompensas,prêmios, vantagens especiais) dos pais ou de outros membros da família, vigência de doenças, perdas afetivas ou materiais, ou diante de situações estressantes, pode contribuir para o desenvolvimento de um “comportamento doente”.
Evidências recentes sugerem que infecções gastrointestinais agudas podem alterar a função imune do intestino,sensibilizar receptores aferentes e, consequentemente, induzir anormalidades sensoriais ou motoras que poderiam estar relacionadas à origem dos sintomas da SII ( LOPES, 2006).
Quanto à fisiopatologia, os mecanismos julgados de maior importância são as alterações da motilidade intestinal,ca hipersensibilidade visceral, anormalidades psicoemocionais e os desencadeados pela presença de certas substâncias no lúmen do tubo digestivo (Op Cit).
A dor abdominal é o sintoma mais característico, geralmente do tipo cólica, intermitente e mais localizada na porção inferior do abdome, principalmente na fossa ilíaca esquerda. Pode se apresentar com ou sem irradiação para o dorso. Costuma aliviar com a evacuação e piorar com estresse ou nas primeiras horas após as refeições e, dificilmente, faz com que o paciente acorde à noite. (DAMIÃO; MORAES-FILHO, 2001)
Constipação alternada com períodos de diarréia é a alteração mais comum nos pacientes com SII, com predomínio de uma ou de outra de acordo com cada paciente. O quadro inicia-se geralmente na adolescência ou juventude e adquire um caráter mais ou menos estável para cada paciente.
Quando houver predomínio de constipação intestinal, os pacientes evacuam menos de três vezes/semana, o que faz com que eles tendam a usar laxantes em quantidades cada vez maiores, agravando ainda mais o quadro. As fezes são endurecidas, fragmentadas (fezes em “cíbalos” ou “caprinas”), e eliminadas com grande dificuldade ("evacuações laboriosas"), com dor anal, e aparecem fissuras e hemorróidas que podem gerar sangramento. Às vezes, o calibre das fezes está diminuído (fezes em “fita”) em virtude do espasmo colônico e retal. Dor abdominal acompanha a gravidade da obstipação e tende a aliviar com eliminação de fezes, porém é freqüente a queixa de uma sensação de evacuação incompleta, o que obriga o paciente a tentar evacuar repetidas vezes (Op Cit).
A diarréia caracteriza-se por ser acompanhada, em geral, de tenesmo e dor abdominal e ocorrer após alimentação; Apresentam mais de três evacuações/dia, fezes líquidas e/ou pastosas e necessidade urgente de defecar. As evacuações não costumam ocorrer à noite, durante o sono, ao contrário das diarréias de causa orgânica. Não há sangue nas fezes (com exceção dos casos de fissura ou hemorróidas), mas pode haver muco.
A maioria das pessoas com SII comenta sobre distensão abdominal, eructações e flatulência freqüentes e abundantes. São sintomas inespecíficos e são atribuídos ao excesso de gás intestinal. Entretanto, estudos quantitativos do volume gasoso intestinal em pacientes com SII revelam que a maior parte deles tem volumes normais de gás. Porém, mínimas distensões intestinais provocadas geram esses sintomas, sugerindo uma diminuição (congênita ou adquirida) do limiar de tolerância à distensão.
Outros sintomas podem ocorrer: pirose, náuseas, vômitos, plenitude pós-prandial, saciedade precoce são relatados por até 50% das pessoas com SII. Ai
nda estar presentes manifestações somáticas extradigestivas: palpitações,dor lombar, fibromialgia, cefaléia, fadiga, tremores. As mulheres podem apresentar alterações genitourinárias, tais como dispareunia, diminuição da libido, disúria, polaciúria e sensação de esvaziamento incompleto da bexiga (HELFENSTEIN et al., 2006; LOPES, 2006).
Recentemente, numa reunião internacional em Roma, estabeleceu-se um consenso para o diagnóstico da SII, conhecido como Critérios de Roma II. São eles:
1. Presença em pelo menos 12 semanas (não necessariamente consecutivas), durante os últimos 12 meses, de desconforto ou dor abdominal com duas de três características:
a. alívio com a defecação;
b. início associado à alteração na freqüência das evacuações (mais de três vezes/dia ou menos de três vezes/semana);
c. início associado à alteração na forma (aparência) das fezes (fezes endurecidas, fragmentadas, em “cíbalos” ou “caprinas” e fezes pastosas e/ou líquidas).
2. Vários sinais e sintomas foram apontados como elementos de reforço ao diagnóstico da SII:
a. esforço excessivo durante a defecação;
b. urgência para defecar;
c. sensação de evacuação incompleta;
d. eliminação de muco durante a evacuação;
e. sensação de plenitude ou distensão abdominal.
Referências
DAMIÃO, A . O.; MORAES-FILHO, J. P. Diagnóstico e tratamento da Síndrome do intestino Irritável. Psiquiatria na prática médica. UNIFESP/EPM, vol34, nº2, junho 2001.Disponível em: unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/atu2_06.htm> Acesso em: 25 ago 2009.
HELFENSTEIN, M. HEYMANN, D. F.; FELDMAN, D. Prevalência da Síndrome do Cólon Irritável em Pacientes com Fibromialgia. Rev Bras Reumatol, v. 46, n. 1, p. 16-23, jan/fev, 2006
LOPES, A.C. Tratado de Clínica Médica, vol I, São Paulo: Editora Roca, 2006, p. 1154-1159.
MATHEW, P.; BHATIA, S. J. Pathogenesis and management of irritable bowel syndrome. Trop Gastroenterol, 30(1):19-25, 2009
REY, E.; TALLEY, N. J. [Epub ahead of print] Irritable bowel syndrome: Novel views on the epidemiology and potential risk factors. Dig Liver Dis, ago 2009 [apud ahead of print]
Crédito da imagem: http://www.medicinageriatrica.com.br/tag/sindrome-do-intestino-irritavel/