29 de setembro de 2009

O paciente "toxemiado"

Na prática clínica é comum encontrar a expressão “aspecto geral toxemiado” para descrever, à ectoscopia, pacientes com aparente estado toxiinfeccioso agudo, em vista da presença de apatia, prostração, confusão mental e febre.
O termo também é visto em artigos científicos na área de Medicina. A título de exemplos, citam-se: "Ao exame o paciente apresentava-se toxemiado, com sinais de irritação meníngea (rigidez de nuca)..." (UTIDA, 2002). "Febre alta com calafrios e aspecto toxemiado aumentam a suspeita de..." (DI NUZZO; FONSECA, 2004) Contudo, essa expressão também é usada em outras condições (“toxemia” gravídica, por exemplo) podendo levar a confusão terminológica, além de não possuir sustentação teórica na literatura como referência ao aspecto do paciente em estado infeccioso agudo. Segundo Kira e Martins (1996), um médico intensivista, às vezes, faz diagnóstico de septicemia, ao notar que o paciente está “toxemiado”, mas tem dificuldade de descrever esse termo (KIRA; MARTINS, 1996). Essa expressão é ambivalente, por levar a possível confusão com o quadro de toxemia gravídica, além de não ter sustentação na literatura médica como referência a aspecto do paciente com estado toxiinfeccioso. Encontra-se o termo "endotoxemia" em trabalhos publicados em língua inglesa (DRAISMA et al., 2009; LAMBERT, 2009; YANG et al., 2009), mas o termo não se refere à "toxemia" percebida como sinal clínico.
Na literatura internacional o termo toxemia se refere à toxemia gravídica (BAKHSHAEE et al., 2008; DIELH et al. 2008). Referências BAKHSHAEE, M. et al. Hearing impairment in pregnancy toxemia. Otolaryngol Head Neck Surg. 139 (2): 298-300, 2008. DIELH, C. L. et al. Preeclampsia as a risk factor for cardiovascular disease later in life: validation of a preeclampsia questionnaire. Am J Obstet Gynecol. 198(5):e11-3, 2008. DI NUZZO, D. V. P.; FONSECA, S. F. Sickle cell disease and infection. J. Pediatr. (Rio J.), 80 (5): 347-354, 2004 DRAISMA, A. et al. Microcirculation and vascular reactivity during endotoxemia and endotoxin tolerance in humans. Shock. 31 (6):581-5, 2009. LAMBERT, G. P. Intestinal barrier dysfunction, endotoxemia, and gastrointestinal symptoms: the 'canary in the coal mine' during exercise-heat stress? Med Sport Sci. 53: 61-73, 2008. KIRA, C. M.; MARTINS, M. A. O ensino e o aprendizado das habilidades clínicas e competências médicas. Medicina, Ribeirão Preto, 29: 407-413, 1996 UTIDA, Hélio et al. Trombose séptica de seios cavernosos, transverso e sigmóide e de veia jugular, associada à meningite, secundária a furúnculo nasal: Relato de Caso. Arq. Bras. Oftalmol. 65 (3: 359-362, 2002. YANG. R, et al. Bile high-mobility group box 1 contributes to gut barrier dysfunction in experimental endotoxemia. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol. 297 (2): R362-9, 2009. Fonte da imagem: emedicine.medscape.com/article/830594-overview

23 de setembro de 2009

Semio-Quiz: Lesão cutânea facial

Paciente de 74 anos com volumosa tumoração edematosa e eritematosa, dolorosa, envolvendo a região supra-orbitária esquerda, cuja superfície apresenta ulcerações confluentes com fundo contendo secreção purulenta e sinais visíveis de necrose local.
Não havia envolvimento ocular nem linfonodos palpáveis. A paciente havia sido avaliada há 12 dias em um serviço médico devido ao aparecimento de bolhas nesta região, recebendo o diagnóstico de herpes zoster oftálmico e sendo tratada com famciclovir oral (750 mg por dia) com acentuada melhora inicial. Depois, inesperadamente, a paciente notou edema doloroso no local das lesões crostosas herpéticas, formando-se um abscesso subcutâneo. Tinha antecedente pessoal de diabetes mellitus.
O que deve ter ocorrido com esta paciente?
A referência (fonte do relato clínico) será acrescentada posteriormente, após haver, pelo menos uma hipótese diagnóstica postada como comentário nesta página.

01/10/09 - Esclarecimentos sobre o caso clínico e referência da publicação:

Referência: ATZORI, L. et al. Facial cellulitis associated with Pseudomonas aeruginosa complicating ophthalmic herpes zoster. Dermatol Online J. 10 (2): 20, 2004.


À cultura de esfregaços de pele houve crescimento de numerosos bacilos Gram negativos, identificados como Pseudomonas aeruginosa sensível à ciprofloxacina. Repetidas hemoculturas foram negativas. A investigação da imunidade celular e hiuoral não apresentou defeitos. importantes. Eletrocardiograma e raios-X de tórax foram normais. Exames da cabeça e da órbita com ultrassonografia e tomografia computadorizada confirmaram a presença de uma grande intumescência inflamatória que envolvia os tecidos moles da região periorbitária esquerda, com um conteúdo não-homogêneo e não havia inclusão de gás.

A ausência de osteólise excluiu o comprometimento ósseo subjacente. Uma biópsia profunda foi realizada e o exame histológico revelou um processo inflamatório agudo com um infiltrado difuso misto frouxamente arranjado ao redor dos vasos sanguíneos dilatados em toda a derme. Também havia necrobiose, com fibras de colágeno da fáscia desordenadas por edema e infiltração de neutrófilos. Este caso representa uma condição peculiar e grave que requer tratamento sistêmico imediato e drenagem cirúrgica, a fim de evitar complicações potencialmente fatais. Celulite facial é uma infecção rara, é caracterizada por um processo inflamatório agudo envolvendo a derme e tecido subcutâneo e evolução para a formação de abscessos .

A maioria dos casos primários são causados por organismos Gram-positivos, trauma ou cirurgia (especialmente na região de cabeça e pescoço). São frequentemente polimicrobianos, e alguns casos causados por Pseudomonas aeruginosa têm sido relatados. Este bacilo Gram-negativo ubíquo produz infecções em diversos órgãos, incluindo a pele e tecidos moles; dssas infecções variam de pequenas lesões potencialmente fatais até sepse.

Pseudomonas raramente é capaz de iniciar o processo patológico se não houver um comprometimento local ou geral dos mecanismos de defesa. No que diz respeito à paciente desse caso clínico, ela apresentava lesões de herpes zoster com rompimento da barreira cutânea, apesar do tratamento agressivo antiviral. Uma higiene precária e a coexistência de diabetes mellitus não controlada neste mulher idosa pode ter favorecido esta complicação rara.

21 de setembro de 2009

Seminário "Síndromes Respiratórias"


Moderação:
Profa. Rilva Sousa-Muñoz - 09/10/09 – Turma 2 (Manhã)
Profa. Isabel Barroso Augusto Silva - 15/10/09 – Turma 1 (Tarde)


1- Apresentação do seminário: Todos estudarão o conteúdo completo programado para o seminário. Neste, cada aluno será convidado a comentar três dos aspectos listados abaixo* em relação a uma das síndromes respiratórias do item 2 do presente roteiro (exceto sub-item 2.12, em que se abordarão apenas mecanismos fisiopatológicos e causas).
* Aspectos a serem explanados de cada síndrome: a) Definição; b) Causas; c) Sintomas; d) Fisiopatologia da síndrome e dos sintomas; e) Anormalidades do exame físico geral (se houver sinais característicos); f) Anormalidades do exame do tórax (considerando as etapas de inspeção, palpação, percussão e ausculta).

2- Roteiro das síndromes respiratórias para o seminário:
2.1- Síndrome de consolidação pulmonar;
2.2- Síndrome de atelectasia;
2.3- Síndrome pulmonar cavitária;
2.4- Síndromes de supuração broncopulmonar (bronquiectasia e abscesso pulmonar);
2.5- Síndromes de obstrução de via aérea superior;
2.6- Síndrome de obstrução brônquica difusa (asmática);
2.7- Síndrome de limitação crônica ao fluxo aéreo: DPOC tipo A (PP), tipo B (BB), complexo bronquite-enfisema.
2.8- Síndrome de comprometimento intersticial difuso (fibroses pulmonares);
2.9- Síndromes pleurais: inflamatória (pleuris seco) e paquipleuris
2.10- Síndrome de derrame pleural;
2.11- Síndrome de pneumotórax;
2.12- Insuficiência respiratória (mecanismos fisiopatológicos e causas).

3- Avaliação: O conteúdo da avaliação a ser aplicada ao final do seminário será toda a matéria discutida neste.

4- Sugestões bibliográficas:
(a) Livros de Semiologia Médica:
4.1- LOPEZ, M.; LAURENTIS, J. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico clínico. Rio de Janeiro: Revinter, 2004.
4.2- RAMOS JÚNIOR, J. Semiotécnica da Observação Clínica: Fisiopatologia dos sinais e sintomas. Rio de Janeiro: Ed. Sarvier, 1986, 7a. Ed.
4.3- BICKLEY, L. S, HOEKELMAN RA. Bates: Propedêutica médica. 8a. Ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2005.
4.4- PORTO, C. C. Exame Clínico: Bases para a prática médica. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2008, 6a. Ed. [“Portinho”]
4.5- SEIDEL, H. M. Mosby: Guia de Exame Físico. 6ª Ed. São Paulo: Elsevier, 2007.
(b) Bibliografia complementar:
4.6- GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de Fisiologia Médica. São Paulo: Elsevier, 2006.
4.7- SILVEIRA, I. C. O Pulmão na Prática Médica. Rio de Janeiro: Ed. Publicações Médicas, 1983.


Fonte da imagem: www.3bscientific.es/posters

Dia Internacional de Combate ao Mal de Alzheimer

Mais de 35 milhões de pessoas sofrem do Mal de Alzheimer atualmente, e a previsão é de que o número de casos quase dobre a cada 20 anos, de acordo com um estudo do King's College of London divulgado nesta segunda-feira, o Dia Mundial da Doença de Alzheimer.
O número é 10% maior do que as previsões de alguns anos atrás porque as estimativas não levaram em consideração o crescente impacto da doença sobre países em desenvolvimento. A doença de Alzheimer (DA), caracterizada pelo neuropatologista alemão Alois Alzheimer em 1907, é uma afecção neurodegenerativa progressiva e irreversível de aparecimento insidioso, que acarreta perda da memória e diversos outros distúrbios cognitivos (SMITH, 1999). A DA é a forma mais comum de demência. Em virtude de sua incidência e natureza devastadoras, a DA caracteriza um problema de saúde pública em todo o mundo (LIMA, 2006). Embora mais de 100 anos a DA é a forma mais comum de demênciapós a descrição das lesões cerebrais características da DA, ainda se discute quais são as causas dos pacientes que sofrem de demência. Os avanços nas pesquisas têm sido grandes nos últimos anos, mas estas não se traduziram em um melhor tratamento para os doentes. Foram esclarecidos os principais aspectos da fisiopatologia da doença e já começaram os primeiros testes humanos com potencial para retardar ou impedir a progressão (modificadores da doença). Vários fatores explicam esta situação, sobretudo de que a doença tem um período de tempo pré-sintomático, a ausência de biomarcadores confiáveis para o diagnóstico ou pauci-sintomáticos nas fases iniciais, mas ainda não há uma terapêutica adequada, apenas medicamentos que aliviam os sintomas. Referências LIMA, J. S. Envelhecimento, demência e doença de Alzheimer: o que a psicologia tem a ver com isso? Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, 40: 469-489, 2006 SMITH, M. A. C. Doença de Alzheimer. Rev. Bras. Psiquiatr. 21 (suppl.2): 03-07, 1999 . Imagem: www.senado.gov.br/.../saude_alzheimer.aspx

20 de setembro de 2009

Síndrome de obstrução de via aérea superior

A síndrome de obstrução respiratória alta pode resultar de várias afecções e evoluir de forma aguda ou crônica.
A obstrução aguda de via aérea superior é mais frequente em crianças e pode se instalar em vários níveis, desde a orofaringe (abscesso retrofaríngeo, periamigdaliano, hipertrofia de adenóides), passando pela zona da glote e laringe (epiglotite, laringites), até a traquéia (traqueíte bacteriana, corpo estranho). Os quadros mais insidiosos, decorrentes de neoplasias de laringe, e que podem levar também a uma oclusão parcial da luz da via aérea, acometem mais comumente os adultos (PIVA; GARCIA, 2005).
Anatomofisiologia O conhecimento da anatomia e fisiopatologia das vias aéreas superiores é fundamental para o entendimento dos sintomas das várias desordens que podem produzir sua obstrução.
Embora a via aérea superior compreenda a porção que está acima das pregas vocais, aqui considerar-se-á a síndrome de obstrução afetando a laringe, nas suas porções supra e infraglótica. As vias aéreas superiores tem componentes extratorácicos e intratorácicos. A epiglote (área acima das cordas vocais) e a glote (pregas vocais) são exclusivamente extratorácicas, enquanto a subglote (área abaixo das pregas vocais, incluindo a traquéia) tem porções tanto extratorácicas como intratorácicas. Em crianças, durante a inspiração, as paredes das vias aéreas extratorácicas tendem a colabar em direção à luz, devido à flexibilidade destes tecidos (ZIMMERMAN, 1988). Por outro lado, as vias aéreas intratorácicas tendem a se expandir com a ampliação torácica. O contrário ocorre durante a expiração, diminuindo o calibre da traquéia intratorácica e aumentando o das vias aéreas extratorácicas. Quando a inervação pelos nervos laríngeos recorrentes está intacta, as cordas vocais permanecem abduzidas em ambas as fases da respiração, proporcionando um espaço constante para o fluxo aéreo. A área de secção transversa relativamente pequena das vias aéreas superiores em pacientes pediátricos é o fator crítico que predispõe à obstrução das vias aéreas durante a ocorrência de processos inflamatórios. A pressão necessária para produzir um determinado fluxo através de um tubo e, igualmente, a resistência ao fluxo dentro do tubo, variam diretamente com o comprimento do tubo e inversamente com a quarta potência do raio. O raio do tubo assume a maior importância na determinação da resistência ao fluxo. Se o comprimento do tubo aumenta quatro vezes, a pressão deve quadruplicar para manter o fluxo constante, mas, se o raio do tubo se reduz à metade, a pressão deve aumentar 16 vezes para manter o fluxo constante. Clinicamente, o paciente deve aumentar significativamente a pressão nas vias aéreas para sobrepujar a resistência produzida pela presença de uma lesão estenótica. Para isso, recorre ao uso da musculatura acessória da respiração, localizada no pescoço, caixa torácica e abdome, ou seja, o paciente apresentará retrações. Tosse e rouquidão são manifestações comuns de envolvimento da laringe, mas o estridor e a dispnéia são manifestações incomuns. Contudo, quando esta última ocorre é mau sinal por indicar o desenvolvimento de obstrução de via áerea superior, a qual pode se tornar rapidamente completa. A obstrução respiratória não está associada apenas a lesões intralaríngeas ou àquelas que exercem pressão diretamente sobre o órgão, mas pode ocorrer como resultado de distúrbios neurológicos nos quais se desenvolve paralisia de ambas as pregas vocais. Causas de obstrução respiratória alta:
a) Doenças supraglóticas: 1- Abscesso periamigdaliano:
coleção purulenta no tecido que envolve as amígdalas, podendo causar obstrução respiratória alta, em razão do volume desta coleção, situando-se na maioria das vezes entre a base da amígdala e a parede lateral da orifaringe; 2- Abscesso retrofaríngeo: existe um espaço virtual compreendido entre a fáscia cervical e a coluna vertebral, estendendo-se desde a base do crânio até a vértebra T12; esta área contém uma rica rede linfática, que drena material da rinofaringe, seios da face e tubas de Eustáquio. Em decorrência do acúmulo de material infectado drenado a esta área, pode-se desenvolver uma coleção purulenta, a qual tem por característica crescer em direção à luz da faringe; 3- Epiglotite: processo infeccioso ao nível da epiglote, causado pelo Haemophillus influenzae tipo B, induzindo a edema e inflamação local, tendo como consequência obstrução respiratória alta de instalação súbita e rápida evolução, constituindo-se em emergência médica; o processo envolve não só a epiglote, como também outras partes moles acima da glote, incluindo as dobras ariepiglóticas. O comprometimento dessas dobras contribui mais para a obstrução real do que a epiglote em si. A doença pode se manifestar em qualquer idade, embora a idade média seja três a quatro anos; 4- Edema alérgico de glote (angioedema): a reação alérgica (secundária a medicamentos, alimentos, substâncias inaláveis, etc) pode desencadear o aparecimento de edema de início súbito e proporções variadas nos mais diversos locais do organismo; quando este edema envolve a via aérea superior, pode resultar numa situação de emergência com iminente risco de vida. Em tal situação, há exsudação que se inicia ao nível da base da língua, se propaga à orofaringe, podendo comprometer a região glótica, e, muitas vezes, a região subglótica.
b) Doenças infraglóticas
1- Laringite viral aguda: muitas vezes designada laringotraqueobronquite em virtude do comprometimento comcomitante de traquéia e brônquios; comumente conhecida como “crupe”, é uma doença geralmente causada pelo vírus parainfluenza ou influenza; caracteriza-se por um processo inflamatório que produz edema e exsudato fibrinoso na região glótica e subglótica; as crianças com idade inferior a 3 anos são as mais frequentemente afetadas; 2- Difteria: doença infecciosa bacteriana com formação de uma pseudomembrana que pode levar a obstrução respiratória; o acometimento laríngeo exclusivo da difteria é raro, sendo geralmente uma extensão das pseudomembranas da orofaringe; 3- Corpo estranho: a criança na faixa etária compreendida entre um e cinco anos tem uma maior predisposição a sofrer acidentes, aspirando um corpo estranho, que pode se localizar na região supraglótica (causando geralmente obstrução parcial da via aérea, podendo deslocar-se ou não) ou infraglótica (se ultrapassar a glote, o corpo estranho pode situar-se, por impactação, ao nível subglótico, traqueal e até mesmo no brônquio, podendo causar obstrução total, com imediata parada cardirrespiratória, ou ser aspirado e localizar-se abaixo da glote, com obstrução parcial); dos objetos mais frequentemente associados à aspiração na criança estão alimentos sólidos (amendoim, carne, balas), detritos alimentares (pequenos ossos, sementes, caroços), e materiais diversos, como tampinhas de caneta, anéis, moedas etc. O mau hábito de levar à boca moedas, caroços de frutas, palhas, goma de mascar, etc, pode ocasionar, nas crianças e nos adultos também, sua inalação involuntária ao tropeçar, cair ou realizar outros movimentos bruscos, sem que haja tempo para desencadear o reflexo defensivo da tosse. A presença do corpo estranho, quando oclui a traquéia, pode produzir asfixia imediata. Se o corpo estranho é menor e progride até o brônquio principal, leva a atelectasias ou enfisemas valvulares obstrutivos unilaterais. O espasmo laríngeo pode se associar à aspiração de corpo estranho. 4- Compressões extrínsecas: como ocorre no bócio mergulhante, afecção rara da glândula tireóide, caracterizada por tireóide aumentada de tamanho, peso e volume, que invade a cavidade torácica total ou parcialmente (MAIA; ARAÚJO, 2002); as manifestações mais comuns, segundo a literatura, são dispnéia (compressão da traquéia) e disfagia (compressão do esôfago) progressivas, circulação colateral no tórax (compressão da veia cava superior), havendo insuficiência respiratória aguda em alguns casos (op. cit); 5- Tumores da laringe: benignos (pólipos, papilomatose) e malignos.
6- Causas traumáticas: Intubação orotraqueal prolongada, traqueostomia, queimaduras químicas, ou trauma externo com fratura laringo-traqueal (ROSSI et al., 2007). As mais frequentes são a estenose cicatricial de traquéia associada a intubações orotraqueais prolongadas e traqueostomias. 7- Estenose idiopática da traquéia: doença rara caracterizada pela formação de tecido fibroso, circunferencial e denso, usualmente localizado na região subglótica, mas que pode se estender até as pregas vocais ou traquéia superior (ROSSI et al., 2001). Fisiopatologia Quando se instala uma obstrucão parcial da via aérea superior, com consequente dificuldade na entrada do fluxo aéreo no aparelho respiratório, observa-se um distúrbio na ventilação, isto é, uma hipoventilação (ventilação alveolar inadequada). Sintomas e sinais da obstrução respiratória alta: a) Estridor: quando há obstrução parcial à passagem de ar, temos como resultado um fluxo turbulento, rápido e ruidoso (estridor), um “áspero” ruido inspiratório ou um “rosnar” expiratório, e é o sinal mais significativo de obstrução de vias aéreas superiores. Em geral, quanto mais alto o nível da obstrução, mais acentuado é o ruído inspiratório, quanto mais baixa a obstrução, maior o esforço expiratório, com a presença ocasional de sibilos. Se a obstrução ocorre na região média das vias áereas, o paciente pode exibir sinais em ambas as fases da respiração (CASSOL, 2001). Este ruído é predominantemente inspiratório quando a obstrução se dá acima do nível da glote (supraglótico), em razão de, neste caso, a obstrução ser extratorácica, e durante a inspiração ser gerada pressão negativa intratorácica favorecendo o colapso desta área, acentuando-se a obstrução. Já nas obstruções infraglóticas (intratorácicas), o estridor tende a apresentar-se com frequência, tanto na inspiração quanto na expiração, em conseqüência da pouca variabilidade do diâmetro da via aérea durante o ciclo respiratório. b) Voz: as afecções supraglóticas geralmente modificam a tonalidade da voz, deixando-a abafada, enquanto que o comprometimento da área laríngea (cordas vocais) determina uma perda da voz (afonia) ou rouquidão. c) Dor: o comprometimento da região supraglótica, que tem inervação sensitiva abundante, provoca disfagia e dor localizada, ao passo que nas afecções infraglóticas, este sintoma não é característico.
Ectoscopia
Observa-se dispnéia, às vezes, intensa; cianose (e outros sinais de hipóxia) pode ocorrer ou não; geralmente verifica-se voz e tosse roucas ou afonia; cornagem (estridor) é frequente; a postura é característica, observando-se frequentemente a postura preferencial da cabeça em hiperextensão. - Posição preferencial: a região supraglótica, por ser uma região distensível, determina no paciente que tenha comprometimento a este nível uma postura sentada com protrusão do mento e boca semiaberta, promovendo desta forma um aumento compensatório do diâmetro nesta área. Quando a sede é a laringe, observa-se apreciável movimentação desta (elevação na expiração e abaixamento na inspiração) em grau proporcional à intensidade da obstrução; é para facilitar a entrada de ar, o doente levanta a cabeça, inclinando-a um pouco para trás. - Dispnéia e tiragem: à medida que progride o quadro obstrutivo, há a necessidade de ser gerada uma pressão negativa intratorácica cada vez maior. Esta alta pressão negativa resulta muitas vezes na retração de tecidos moles, como na região supraesternal e região supraclavicular. A dispnéia da obstrução de via aérea superior é predominantemente inspiratória, porque a dificuldade se faz sentir principalmente na inspiração, que é longa, forçada e difícil, a fim de vencer o entrave à entrada de ar; - Outros sinais: a hipoventilação pode produzir algumas manifestações, como agitação, seguida de prostração (progressão da hipóxia), sudorese e cianose, sendo este um sinal tardio e de mau prognóstico. Exame físico do tórax Inspeção: Tiragem; expansibilidade torácica comprometida. Palpação: Frêmito toracovocal (FTV) diminuido difusamente. Percussão: Sem alterações características. Ausculta: Diminuição do murmúrio vesicular em quase toda a superfície torácica, e, às vezes, presença de roncos.
Referências
CASSOL, V. E. Diagnóstico endoscópico de estridor na infância. J Pneumol 27 (3):143-147, 2001
MAIA, F. F. R.; ARAÚJO, L. R. Bócio Mergulhante: Quando Operar? Arq Bras Endocrinol Metab 46 (6): 708-715, 2002 PIVA, J.; GARCIA, P. C. Terapia Intensiva em Pediatria. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.
ROSSI, C. et al. Estenose idiopática de traquéia. Relato de quatro casos. J Bras Pneumol. 33(1):101-104, 2007. Relato
ZIMMERMAN, S. S. Tratamento intensivo em pediatria. Traduzido do original (Arnaldo Prata Barbosa [Trad.]: Critical Care Pediatrics. Rio de Janeiro: Medsi, 1988.

19 de setembro de 2009

Síndrome Compartimental

Por Charles Saraiva Gadelha Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (VI Período), Monitor de Semiologia Médica
A elevação da pressão em um segmento anatômico dificulta a circulação sanguínea, o que pode levar a falência orgânica por injúria tecidual. A este evento denomina-se Síndrome Compartimental (ANDRADE, 1998). O aumento de pressão que ocorre nos espaços limitados pelas fáscias nos membros superiores ou inferiores manifesta-se por dor, principalmente relacionada à prática de exercícios físicos (HACH et al, 2000, apud YOSHIDA). Nestes casos, a descompressão deve ser cirúrgica, por fasciotomia (SLIMMON et al, 2002). Já o aumento da pressão intra-abdominal (PIA), segundo Andrade (1998), desencadeia uma série de disfunções orgânicas, sendo o conjunto destas chamado de Síndrome do Compartimento Abdominal (SCA). Abdome distendido e tenso, hipercapnia refratária à administração de oxigênio e oligúria são as manifestações clínicas clássicas desta síndrome (ANDRADE, 1998). Segundo Andrade (1998), hemorragia abdominal de grande volume é a causa mais comum de elevações clinicamente significativas da PIA, embora visceromegalias também possam causar elevações da PIA. Outras causas descritas de SCA são: insuflação peritoneal durante cirurgia laparoscópica, transplante hepático, pós-operatório, utilização da vestimenta pneumática antichoque, complicações da cirurgia do aneurisma da aorta abdominal, grandes tumores abdominais, ascite. Na SCA, a compressão dos pulmões e de seu leito vascular pelo diafragma deslocado, com conseqüente aumento da pressão intratorácica, justifica a diminuição significativa do débito cardíaco encontrada nesta síndrome (SUGRUE, 2005).
A elevação da PIA é responsável também pela redução da perfusão de diversas estruturas, como: fígado, estômago, intestinos, pâncreas, baço e rins; além de reduzir o fluxo linfático via ducto torácico (ANDRADE, 1998). Devido à má perfusão renal e à queda da taxa de filtração glomerular, a elevação da PIA leva a uma insuficiência renal aguda oligúrica (Op. cit). Alterações de consciência, pela redução de perfusão encefálica e aumento da pressão intracraniana (PIC), devido à obstrução funcional do retorno venoso cerebral via sistema venoso jugular, são achados frequentes na SCA (VON BAHTEN, 2006). O diagnóstico da SCA é feito por meio do achado das manifestações clínicas compatíveis com a síndrome e confirmado pela medida da pressão intravesical ,através de coluna d'água, e graduada de acordo com os valores encontrados, conforme o sistema de graduação da Associação Americana de Cirurgia do Trauma, a qual define SCA grau I (PIA entre 10 a 15 cm H2O), grau II (PIA entre 15 e 25 cm H2O), grau III (PIA entre 25 e 35 cm H2O) e grau IV (PIA maior que 35 cm H2O) (SUGRUE, 2005). Referências ANDRADE, J. I. A síndrome de compartimento do abdome. Medicina, Ribeirão Preto 31: 563-567, 1998. SLIMMON, D. et al. Long-term outcome of fasciotomy with partial fasciectomy for chronic exertional compartment syndrome of the lower leg. Am J Sports Med 30:581-8, 2002. SUGRUE, M. Abdominal compartment syndrome. Curr Opin Crit Care 11(4):333-8, 2005. VON BAHTEN, L. C.; GUIMARÃES, P. S. F. Manuseio da síndrome compartimental abdominal em unidade de tratamento intensivo. Rev Col Bras Cir 33(3): 146-150, 2006. YOSHIDA, W. B, et al. Síndrome compartimental crônica de membros inferiores. J Vasc Br 3(2):155-60, 2004. Fonte da imagem: netterimages.com/image/470.htm

16 de setembro de 2009

La Belle Indifférence

Por Raissa Dantas de Sá
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (IX Período) / Extensionista do Projeto Continuum (PROBEX/PRAC/UFPB)

Durante muitos anos vários livros descreveram o sinal denominado La belle indifférence, literalmente, "a bela indiferença", como indicativo de conversão ou histeria.
La Belle Indifférence é uma expressão francesa cunhada por Pierre Janet para caracterizar a falta de preocupação exibida por pacientes histéricos diante de uma grave disfunção corporal. O paciente aparenta calma exterior mesmo que o sintoma produzido seja incapacitante (VARELLA et al., 2006). Um exemplo é a pessoa que acaba de ficar cega (cegueira histérica), paralítica ou muda, e reage à essa grave incapacidade com aparente naturalidade. O transtorno de conversão, tal como referido no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition, Text Revision (DSM-IV-TR), envolve sintomas ou déficits afetando a função motora ou sensorial voluntária, que sugerem um comprometimento neurológico ou outra condição clínica associada. Desordem de conversão é um tipo de distúrbio de somatização, onde os sintomas físicos ou sinais estão presentes, mas não podem ser explicados por uma condição orgânica, sendo resultante de fatores psicológicos.
Ao contrário do transtorno factício e simulação de doença, os sintomas dos transtornos somatoformes não são intencionais ou sob controle consciente do paciente. De acordo com o modelo psicodinâmico, os sintomas são consequências de conflitos emocionais, com repressão de conflitos no inconsciente (SCOTT, 2008.) Exemplos comuns de sintomas de conversão incluem cegueira, diplopia, paralisia, distonia, crises não-epilépticas psicogênicas, anestesia, afonia, amnésia, demência, apatia, dificuldades de deglutição, tiques motores, alucinações e dificuldade de andar (Op. cit).
La Belle Indifférence deve ser diferenciada da anosognosia, que é uma negação de doença baseada numa distorção da imagem corporal, geralmente resultante de uma lesão no lobo parietal. Na Belle Indifférence, a doença não é negada, a pessoa se sabe incapacitada, a imagem corporal não está distorcida, mas o indivíduo parece despreocupado com o grau em que os sintomas interferem com o seu funcionamento. Stone et al. (2006) avaliaram a validade semiológica do conceito de "a bela indiferença" através da realização de uma revisão sistemática de todos os estudos relevantes desde 1965 sobre o quadro, concluindo que a frequência de La Belle Indiférance era semelhante em estudos envolvendo pacientes com doença orgânica e com transtornos conversivos. Segundo os referidos autores, La Belle Indifférence não seria uma característica diagnóstica útil por não ser um sinal sensível ou específico para o quadro de conversão e, portanto, não deveria ter papel importante isolado na distinção entre as doenças orgânicas e psiquiátricas. A frequência desse achado foi de 21% entre aqueles com alguma desordem de conversão e 29% entre aqueles com doença orgânica (STONE et al., 2006). Assim, La Belle Indifférence deveria ser abandonada como um sinal clínico de conversão/histeria. 

Referências
STONE, J. et al. La belle indifference in conversionsymptoms and hysteria: systematic review. Br J Psychiatry 188(3): 204-9, 2006 AMERICAN PSYCHIATRYC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (4th edn, revised) (DSM–IV–R). Washington, DC: APA, 2000. SCOTT, A. et al. Conversion Disorders. eMedicine Psychiatry, 2008. Disponível em: emedicine.medscape.com/article/287464-overview VARRELA, F.; FREDES, A.; GRISMALI, J. Bella indiferencia en la histeria de conversión. Rev. chil. neuro-psiquiatr. 34(4):413-5, 1996.

Crédito da Imagem: forum.llc.ed.ac.uk/issue2/bielby.html.
A imagem apresentada acima é obra do artista francês Paul Regnard (1850 - 1927), "Attack of Hysteria", que fez parte do livro "Iconographie Photographique de La Salpetriere", publicado pelo célebre médico neurologista francês Jean-Martin Charcot em 1877. Charcot tornou-se um hábil hipnotizador, e utilizava essa técnica para induzir no paciente as manifestações próprias da histeria.

14 de setembro de 2009

Diagnóstico e saber: Alopatia vs Homeopatia

Por Natália de Andrade Costa Estudante de Graduação em Medicina (IX Período); Extensionista e bolsista do Projeto Continuum (PROBEX/PRAC/UFPB)
O termo diagnóstico provém do grego diagnostikós, que significa conhecimento ou determinação de uma doença pelo (s) sintoma (s). Para um médico da escola fisiológica e anatômica, a enfermidade orgânica seria a lesão orgânica e, portanto, o diagnóstico consiste no conhecimento dessa lesão. Para Samuel Hahnemann, criador da Homeopatia, o diagnóstico da verdadeira essência da enfermidade é fundamental; segundo o mesmo, “não existem enfermidades, mas enfermos”. Essa escola acredita que a doença resulta do princípio vital (força dinâmica que dá a vida) perturbado, tanto nos transtornos funcionais quanto estruturais. O único dever do médico seria curar o enfermo e, quando a saúde fosse restabelecida, a harmonia se instalaria em seus órgãos e funções. A alopatia baseava-se na crença de que a indução de uma nova doença expulsaria a enfermidade existente, assim as doenças eram tratadas com a produção de uma condição divergente do estado patológico a ser solucionado. Era praticada sob a forma de purgativos, sangria , sudorese e vômitos. Não é correto usar o termo alopatiapara indicar a medicina ortodoxa científica (SILVA, 2006).
A farmacologia surgiu da necessidade de melhorar os resultados das intervenções terapêuticas pelos médicos, tendo caráter científico, objetivo e experimental. Nesse “modelo biomédico”, acredita-se que a doença é decorrente de um desequilíbrio das funções estruturais e bioquímicas detectado por meios objetivos e influenciado beneficamente por intervenções físicas ou químicas apropriadas. Samuel Hahnemann não excluiu as lesões orgânicas no seu diagnóstico nem as considerou inúteis. A diferença entre a medicina científica e a homeopatia é que a primeira considera o diagnóstico descoberto quando distingue a lesão ou doença específica. Na segunda, ao se reconhecer essa lesão orgânica não se estabelece o diagnóstico da enfermidade, sendo necessário agregar os sintomas que mostram o caráter peculiar da natureza da enfermidade. Profissionais homeopáticos e usuários da terapia homeopática relatam benefícios e obtenção de cura em algumas situações, principalmente em processos alérgicos. Apesar da ausência de explicações científicas referentes ao mecanismo de ação dos remédios homeopáticos, esse tipo de medicina alternativa vem conquistando espaço na população. Profissionais da medicina científica (“alopatia”) questionam se os remédios homeopáticos não exerceriam uma espécie de efeito placebo nos pacientes. A medicina científica trabalha com dados experimentais que comprovam a eficácia e os possíveis efeitos colaterais e adversos, fornecendo maior segurança no seu uso. É inquestionável a importância do estado emocional na integralidade da saúde de uma pessoa, assim como a sua influência no restabelecimento e manutenção do seu bem-estar. Diante de um quadro patológico é válido buscar formas alternativas que restabeleçam a saúde do paciente caso formas convencionais não sejam eficazes. É válido conhecer e explorar outras alternativas diagnósticas e terapêuticas, reconhecendo o valor e eficácia de cada uma delas e então avaliar e seguir a melhor conduta para o paciente, não deixando que preconceitos influenciem na descoberta de novas formas de tratar. A complexidade da relação entre saúde/doença enseja, muitas vezes, extrapolar os limites de uma determinada abordagem. Parece que é preciso admitir que podem existir vários modos de olhar o paciente e seu sofrimento. “Um sintoma pode ter muitos níveis de significados. Ao se adentrar nas profundezas do sintoma e seguir sua natureza simbólica, o indivíduo é guiado para a camada arquetípica da psique, onde transformação e renovação são possíveis” (ROTHENBERG, 2004, p. 20). É o que muitas vezes se pode ver no caleidoscópio semiótico do diagnóstico de um paciente.
Referências NASSY, MARIA REGINA. Compêndio de Homeopatia. 2. ed. São Paulo: Robe Editorial, 1997. RANG E DALE. Farmacologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, 3-5p. ROTHENBERG, R-E. A jóia na ferida: o corpo expressa as necessidades da psique e oferece um caminho para a transformação. São Paulo: Paulus, 2004. 237p. SILVA, PENILDON. Farmacologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, 8.p. Crédito da imagem: educadormatematico.wordpress.com/2009/04/29/172/

Cronograma do Módulo "Pesquisa Aplicada à Medicina" (MCO2) em 2009.2

13 de setembro de 2009

Cronograma do GESME em 2009.2

Profissionalismo em Medicina: "O Bom Médico"

Um trabalho publicado este mês por Fasce et al. (2009) trata sobre "profissionalismo médico". O tema profissionalismo médico tem recebido crescente interesse na literatura, fato demonstrado pelos 2.677 artigos indexados pela Medline até setembro de 2008, dos quais 1.688 (63%) foram publicados nos últimos dez anos e 1.096 (41%), nos últimos cinco anos. Há uma extensa literatura que visa estabelecer uma definição adequada do termo, identificando que atributos melhor o caracterizariam. Quais seriam os atributos do "bom médico"? E quais seriam as formas de identificar e integrar conteúdos sobre profissionalismo no ensino e na avaliação de estudantes de graduação em Medicina? Os referidos autores afirmam que o Medical Professionalism Project (referência abaixo), cujas principais conclusões foram publicadas nos Annals of Internal Medicine em 2002 (com a participação da American Board of Internal Medicine, do American College of Physicians, American Society of Internal Medicine e a European Federation of internal Medicine), apresentando-se os atributos requeridos para o que denominam de profissionalismo médico. Profissionalismo médico foi considerado na referida publicação como "o conjunto de responsabilidades profissionais, tais como uma atualização constante, honestidade e confidencialidade, relação adequada com pacientes, familiares e membros da equipe de saúde, e busca constante em melhorar a qualidade de atendimento." Então, Fasce et al (2009) resolveram realizar uma pesquisa com médicos e estudantes de Medicina chilenos sobre esse constructo. Entrevistaram 104 médicos (por e-mail) e 47 alunos de Medicina (primeiro ano) em entrevista direta de grupo, através de um teste de associação livre sobre os atributos que seria atribuir a "um bom médico".
Os dados foram processados de acordo com a disponibilidade do modelo lexical (LAM), que prevê análise quantitativa e qualitativa.
Os autores verificaram que os atributos com pontuações mais elevadas entre os médicos foram honestidade, atualização acadêmica regular, competência, ética, amabilidade e empatia (figura 2 abaixo: retirada do texto do artigo de Fasce et al. [2009]). Entre os estudantes, os atributos selecionados foram altruísmo, empatia, ética, excelência, responsabilidade, amabilidade e competência (figura 1 abaixo). Os resultados quantitativos obtidos foram expressos como coeficientes numéricos denominados índices de disponibilidade léxica (IDL). Os coeficientes com valores mais altos indicam que tais atributos foram citados con maior frequência e ocuparam as posições mais altas na listagem.
Uma concordância geral foi encontrada entre os médicos e os estudantes, excetuando o fato de se considerar que a atualização acadêmica regular como o atributo importante pelos médicos. "A excelência implica um esforço consciente para superar as expectativas habituais e um compromisso para a aprendizagem continua, por toda a vida ". Portanto, esse componente corresponde à capacitação contínua.

Os autores concluíram que os atributos que os médicos e estudantes de medicina avaliaram como essenciais são concordantes em grande parte. No início do curso de Medicina, os estudantes têm uma abordagem mais humanista da futura profissão. Scliar (2005) escreveu: "O bom médico é aquele que refaz, mesmo sem o saber, a trajetória da medicina através dos tempos. Como Hipócrates (460-377 a.C.), sabe que a vida é curta mas a arte é longa; sabe qua a ocasião é fugidia, a experiência, enganadora, o julgamento, difícil. Em suma: sabe que doença representa um extraordinário desafio, tanto em termos de conhecimento quanto de equilíbrio emocional." (...) "O bom médico sabe, como o francês Ambroise Parré (1510-1590) que curar é mais do que intervir; curar como diz a origem latina da palavra, significa cuidar." Continuando com Scliar (2005): "O bom médico sabe, como o inglês Thomas Sydenham (1624-1689), que a enfermidade tem certa lógica, segue aquilo que se pode chamar de uma história natural, que aos poucos, e seguindo um trajeto mais ou menos previsível, transporta a pessoa para outra realidade, a realidade da doença" (...) "O bom médico sabe, como o alemão Rudolf Virchow (1821-1902), que a doença deve ser procurada não apenas no que é visível, mas também ali onde os olhos não enxergam". (...) "O bom médico, como o judeu austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que é preciso ter coragem de defender as próprias convicções (como aquelas sobre a existência do inconsciente, mesmo quando elas se chocam com os preconceitos e as idéias preestabelecidas. O bom médico sabe, como o brasileiro Oswaldo Cruz (1872-1917), que é preciso enfrentar a doença na população, mesmo trabalhando na complicada fronteira entre medicina e política" E conclui: "O bom médico talvez não seja tão famoso como Hipócrates ou Parré, quanto Sydenham ou Virchow, quanto Freud ou Oswaldo Cruz; mas para seu paciente, para a comunidade da qual cuida, ele é a própria medicina, ciência e arte." 

Referências 
ABIM Foundation. American Board of Internal Medicine; American College of Physicians-American Society of Internal Medicine; European Federation of Internal Medicine. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter. Ann Intern Med. 136 (3):243-6, 2002. 
American Board of Internal Medicine Project Professionalism. Disponível em: abim.org/pdf/publications/professionalism.pdf. Acesso em: 12 set 2009. 
FASCE, E. et al. Professionalism of physicians from the point of view of physicians and students. Rev. méd. Chile 137 (6): 746-752, 2009. 
SCLIAR, M. O olhar médico: Crônicas de Medicina e Saúde. São Paulo: Agora Ed., 2005.

12 de setembro de 2009

Síndrome de Meigs

Por Antônio Edilton Rolim Filho
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB; Extensionista do Projeto Continuum (PROBEX/PRAC/UFPB)
A síndrome de Meigs é uma síndrome rara, descrita pela primeira vez em 1866 por Spiegelberg (1). Mas foram Demons em 1903 e Meigs em 1937 que a descreveram de forma mais completa e despertaram a comunidade científica para a importância desta entidade clínica. Os referidos autores afirmaram a benignidade do quadro e o diagnóstico diferencial com os tumores malignos do ovário cujo quadro clínico pode ser muito parecido com o da síndrome de Meigs, porém o tratamento e o prognóstico são muito diferentes (Op. Cit). A síndrome de Meigs é definida como a presença de derrame pleural e/ou ascite associado a um tumor benigno do ovário. O fibroma e o tecoma os tipos histológicos mais frequentes, com resolução espontânea do quadro clínico logo após remoção do tumor (1, 3). Outros tumores do ovário foram associados à síndrome de Meigs: cistadenoma mucinoso, adenofibroma, síndrome de Brenner e cistos dermóides. Em relação à patogênese dessa síndrome, existem várias teorias. Na teoria secretória afirma-se que a existência de um epitélio secretório que reveste o tumor teria a capacidade de secretar fatores vasoativos, como o fator do endotélio vascular, o fator de crescimento dos fibroblastos, e a interleucina 6. Estes fatores estariam associados à formação de ascite e derrame pleural também em outras entidades patológicas como na síndrome da hiperestimulação ovárica e no carcinoma de ovário. Já na teoria endócrina, avanta-se que o hiperestrogenismo estimularia a hipófise anterior por via nervosa e/ou hormonal (1). Para o diagnóstico das pacientes com suspeita da síndrome de Meigs, ao exame ginecológico, pode-se observar na região anexial uma volumosa formação dura, pouco móvel, melhor definida por uma ecografia transvaginal. Também é necessária a dosagem sérica pré-operatória do marcador tumoral CA-125 que, na maioria das vezes, encontra-se aumentado. Esta elevação parece estar relacionada com a quantidade de líquido ascítico e não com o tamanho do tumor, sofrendo normalização após ressecção do tumor (1, 2). Quanto ao tratamento desta síndrome, a paciente deve ser submetida a uma anexectomia ou por laparotomia exploradora ou por via laparoscópica, levando em seguida a peça extirpada para estudo anatomopatológico. Logo após a retirada do tumor, há regressão total do derrame pleural e da ascite, confirmando o bom prognóstico desta síndrome (1, 3). Referências 1. CUSTÓDIO A.S. et al. Síndrome de Meigs: a propósito de um caso clínico. Revista de Ginecologia e Obstetrícia. 85: 109-114, 1999. 2. VIEIRA S.C. et AL. Síndrome de Meigs com CA 125 elevado: relato de caso. Revista Paulista de Medicina. 121 (5): 210-212, 2003. 3. SIMÕES, P.M.; OLIVEIRA, H.C.; SOUZA, J.W. Síndrome de Meigs: apresentação de caso. Jornal Brasileiro de Ginecologia. 94 (4): 211-214, 1982. Fonte da Imagem: www.netterimages.com/image/10409.htm

9 de setembro de 2009

A família do paciente com doença crônica sob a perspectiva da teoria sistêmica

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB; Monitor de Semiologia Médica e Extensionista do Projeto Continuum PROBEX/PRAC/UFPB

A importância da comunicação no tratamento dos pacientes é inegável. Essa comunicação não deve se restringir à simples troca de informações entre o médico e o paciente: a comunicação é a maior ferramenta do médico dentro da complexa relação com o paciente, sendo muitas vezes determinante para o sucesso do diagnóstico e da terapêutica. O paciente portador de doença crônica, pelo caráter de gravidade e incurabilidade da doença, é aquele que mais representa o fenômeno do adoecimento. O caráter duradouro da doença implica mudanças no perfil psicológico da paciente, que passa a ter novas perspectivas sobre o mundo a sua volta. Nesse contexto, é necessário perceber que a doença crônica, apesar de ser um fenômeno individual, possui implicações coletivas, as quais acometem principalmente a família, pois é o primeiro grupo de relações em que o indivíduo está inserido.

A família, a partir do adoecimento de um dos seus membros, precisa se reorganizar para receber o familiar doente e prestar-lhe apoio. Há uma mudança na hierarquia doméstica, com uma redistribuição de funções e responsabilidades: o paciente torna-se cada vez mais dependente dos familiares e menos contribuinte para a manutenção do lar. Desse modo, a comunicação extrapola a importância médica e passa a ser significativa para o seguimento psicológico e familiar do paciente. O tratamento do paciente com doença crônica é para o médico um desafio, pois requer uma abordagem individual da doença do indivíduo juntamente a um manejo coletivo/familiar do indivíduo doente. Com a evolução do estudo da comunicação pela psicologia e a imersão na prática médica das mais variadas técnicas e concepções psicológicas, foi desenvolvido um modelo de comunicação dito sistêmico. A abordagem sistêmica da comunicação visa a uma integração de todos os outros modelos de comunicação, retirando contribuições de todos eles para reunir, em um mesmo esforço de análise, a descrição dos elementos e processos da comunicação com o entendimento de sua funcionalidade, de sua dinâmica e de seus efeitos gerais sobre as pessoas que se comunicam, no caso médicos, pacientes e familiares.
“O enfoque sistêmico traz a dimensão estratégica das comunicações humanas, quer seja com seus iguais, quer seja com qualquer outro elemento de seu ambiente” (SCHULER, 2004, apud MONTERO). Tudo no universo está relacionado a tudo, nada é separado, isolado. Essa perspectiva sistêmica derivou da "Teoria Geral dos Sistemas", em que sistema é o "conjunto de unidades em inter-relações mútuas". No contexto familiar, o paciente portador de doença crônica é um sub-sistema e o seu cuidado não se restringe à prática clínica, mas todas as mudanças e mecanismos de adaptação às suas novas condições. A família como um todo enfrenta a mudança ocorrida. Essa adaptação gera comunicação, que não se restringe à comunicação verbal. Portanto, o processo de ajudar o paciente articula-se com o conjunto em que ele se insere, o sistema familiar, como refere Watzlawick et al. (1988), que desenvolveram a teoria familiar de base sistêmica. De acordo com Capra (1982), "a concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e integrações. Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem ser reduzidas a unidades menores. Em vez de se concentrar nos elementos e substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza princípios básicos de organização. (...), mas os sistemas não são limitados a organismos individuais e suas partes. Os mesmos aspectos de totalidade são exibidos por sistemas sociais (...) e por ecossistemas que consiste em uma variedade de organismos e matéria inanimada em interação mútua. (...) todos esses sistemas naturais são totalidades cujas estruturas específicas resultam das interações e interdependências de suas partes." É imperativo que o médico entenda e valorize o caráter holístico do processo de adoecimento crônico e seu impacto sobre a família, e que tenha habilidade de ajudar no processo de união familiar a partir da ruptura da homeostase do sistema. As famílias com doenças crônicas muitas vezes necessitam de ajuda para recuperar seu equilíbrio. 

Referências CAPRA, F. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1982. MESSA, A. A. O impacto da doença crônica na família. Disponível em psicologia.org.br/internacional/pscl49.htm 
MONTERO, A. Os modelos de comunicação. Disponível em: kaleu.caminha.nom.br/blog/tag/ana-montero/> 
SILVA, C, N. Como o câncer (dês)estrutura a família. São Paulo: Annablume, 2000. WATZLAWICK, P. et al. Pragmática da comunicação humana. São Paulo, Editora Cultrix, 1988


Fonte da imagem: A foto desta postagem foi retirada de http://archive.student.bmj.com/issues/07/09/editorials/images/view_1.jpg

7 de setembro de 2009

Trabalhos do GESME apresentados no XIII Congresso Norte-Nordeste de Pneumologia

Guilherme Theodoro de Athayde - Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (VIII Período), Monitor de Semiologia Médica (Ano II)
Trabalho apresentado: (1) "NARRATIVAS DO PACIENTE COM TUBERCULOSE PULMONAR: UM ESTUDO QUALITATIVO BASEADO NO MODELO TEÓRICO 'COMPORTAMENTO DE DOENTE' "


Gabriel Braz Garcia, Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (VIII Período), Extensionista do Projeto Continuum (PROBEX/PRAC/UFPB) - Mesmo trabalho.

Outros trabalhos do GESME apresentados no evento:
(2) "PREVALÊNCIA DE SINTOMATOLOGIA E DOENÇAS RESPIRATÓRIAS EM PACIENTES HOSPITALIZADOS NO SERVIÇO DE CLÍNICA MÉDICA DO HULW/UFPB"
(3) "VALIDADE DO DIAGNÓSTICO CLÍNICO DE PNEUMONIAS COMUNITÁRIAS NO ADULTO: REVISÃO SISTEMÁTICA COM META-ANÁLISE DAS EVIDÊNCIAS INDEXADAS PELA MEDLINE"

Semio-Quiz: Nódulo digital

Relato clínico: Paciente de 83 anos, masculino, apresenta história de um nódulo há dois anos na extremidade distal do dedo médio esquerdo, único e de crescimento lento (figura acima). O paciente relatou discreta e ocasional sensibilidade no local, sem outros sintomas. Negava história de traumatismo no local. Negava também antecedentes pessoais patológicos dignos de nota, inclusive dislipidemia e outras lesões de pele. O exame físico revelou nódulo de 0,9 cm, amarelado, cupuliforme, relativamente móvel, firme, localizado na face medial distal do terceiro quirodáctilo esquerdo. Nenhum outro achado clinicamente significativo foi observado. O estudo radiológico da lesão não foi realizado. O nódulo foi extirpado. Durante a cirurgia, a lesão parecia circunscrita, sem aderência às estruturas adjacentes, como bainha do tendão ou cápsula articular.
A devida referência do trabalho será acrescentada posteriormente.
10/09/09: Resposta e Referência: Trata-se de um tumor sinovial gigantocelular xantomatoso (TSGC) localizado no dedo. A histopatologia revelou um tumor bem delimitado, mas não encapsulado, com pilhas de células sinoviais, células gigantes multinucleadas, fibrose intersticial e deposição de hemossiderina focal extracelular (figura abaixo).

Os TSGC são raros, benignos, e são tumores de crescimento lento. Estas lesões também são descritas na literatura como tenossinovite nodular, sinovioma benigno de células gigantes e histiocitoma fibroso sinovial. Podem ser intra-articulares ou extra-articulares, e o padrão é de crescimento, sobretudo a forma localizada nodular que afeta principalmente as bainhas dos tendões dos dedos. Mas há uma forma difusa vilosa mais comum nos joelhos, tornozelos, pés e, raramente, a coluna vertebral. O diagnóstico clínico diferencial pode incluir xantoma, lipoma, tofo da gota, cisto ganglionar, cisto mucoso digital, nódulo reumático, sarcoma sinovial, sarcoma epitelióide, sarcoma de células claras, ou fibroma. Especula-se que a patogênese dessas lesões possa estar relacionada a traumatismos, inflamação crônica ou desordem metabólica, ou um processo verdadeiramente neoplásicas, os estudos indicam que a maioria das células são de monócitos ou macrófagos. Histologicamente, estas lesões são compostas de proporções variáveis de células xantomatosas, sinoviais, como pilhas, multinucleadas (osteoclastos) tipo células gigantes, células inflamatórias, e siderófagos. A patogênese do TSGC continua não esclarecida. Referência do trabalho em que foi publicado o caso clínico: MURPHY, M.; KRISTJANSSON, A.; LUIS, J.; MAKKAR, H. Yellow nodule on the distal finger. Xanthomatous localized tenosynovial giant cell tumor (TGCT) of the finger. Arch Dermatol. 145 (8):931-6, 2009.

6 de setembro de 2009

Semio-Quiz: Movimentos faciais anormais

Quais as possíveis hipóteses diagnósticas para essa sucessão de movimentos faciais anormais do paciente acima?
Referência: A fonte das imagens será acrescentada posteriormente.