16 de setembro de 2009

La Belle Indifférence

Por Raissa Dantas de Sá
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (IX Período) / Extensionista do Projeto Continuum (PROBEX/PRAC/UFPB)

Durante muitos anos vários livros descreveram o sinal denominado La belle indifférence, literalmente, "a bela indiferença", como indicativo de conversão ou histeria.
La Belle Indifférence é uma expressão francesa cunhada por Pierre Janet para caracterizar a falta de preocupação exibida por pacientes histéricos diante de uma grave disfunção corporal. O paciente aparenta calma exterior mesmo que o sintoma produzido seja incapacitante (VARELLA et al., 2006). Um exemplo é a pessoa que acaba de ficar cega (cegueira histérica), paralítica ou muda, e reage à essa grave incapacidade com aparente naturalidade. O transtorno de conversão, tal como referido no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition, Text Revision (DSM-IV-TR), envolve sintomas ou déficits afetando a função motora ou sensorial voluntária, que sugerem um comprometimento neurológico ou outra condição clínica associada. Desordem de conversão é um tipo de distúrbio de somatização, onde os sintomas físicos ou sinais estão presentes, mas não podem ser explicados por uma condição orgânica, sendo resultante de fatores psicológicos.
Ao contrário do transtorno factício e simulação de doença, os sintomas dos transtornos somatoformes não são intencionais ou sob controle consciente do paciente. De acordo com o modelo psicodinâmico, os sintomas são consequências de conflitos emocionais, com repressão de conflitos no inconsciente (SCOTT, 2008.) Exemplos comuns de sintomas de conversão incluem cegueira, diplopia, paralisia, distonia, crises não-epilépticas psicogênicas, anestesia, afonia, amnésia, demência, apatia, dificuldades de deglutição, tiques motores, alucinações e dificuldade de andar (Op. cit).
La Belle Indifférence deve ser diferenciada da anosognosia, que é uma negação de doença baseada numa distorção da imagem corporal, geralmente resultante de uma lesão no lobo parietal. Na Belle Indifférence, a doença não é negada, a pessoa se sabe incapacitada, a imagem corporal não está distorcida, mas o indivíduo parece despreocupado com o grau em que os sintomas interferem com o seu funcionamento. Stone et al. (2006) avaliaram a validade semiológica do conceito de "a bela indiferença" através da realização de uma revisão sistemática de todos os estudos relevantes desde 1965 sobre o quadro, concluindo que a frequência de La Belle Indiférance era semelhante em estudos envolvendo pacientes com doença orgânica e com transtornos conversivos. Segundo os referidos autores, La Belle Indifférence não seria uma característica diagnóstica útil por não ser um sinal sensível ou específico para o quadro de conversão e, portanto, não deveria ter papel importante isolado na distinção entre as doenças orgânicas e psiquiátricas. A frequência desse achado foi de 21% entre aqueles com alguma desordem de conversão e 29% entre aqueles com doença orgânica (STONE et al., 2006). Assim, La Belle Indifférence deveria ser abandonada como um sinal clínico de conversão/histeria. 

Referências
STONE, J. et al. La belle indifference in conversionsymptoms and hysteria: systematic review. Br J Psychiatry 188(3): 204-9, 2006 AMERICAN PSYCHIATRYC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (4th edn, revised) (DSM–IV–R). Washington, DC: APA, 2000. SCOTT, A. et al. Conversion Disorders. eMedicine Psychiatry, 2008. Disponível em: emedicine.medscape.com/article/287464-overview VARRELA, F.; FREDES, A.; GRISMALI, J. Bella indiferencia en la histeria de conversión. Rev. chil. neuro-psiquiatr. 34(4):413-5, 1996.

Crédito da Imagem: forum.llc.ed.ac.uk/issue2/bielby.html.
A imagem apresentada acima é obra do artista francês Paul Regnard (1850 - 1927), "Attack of Hysteria", que fez parte do livro "Iconographie Photographique de La Salpetriere", publicado pelo célebre médico neurologista francês Jean-Martin Charcot em 1877. Charcot tornou-se um hábil hipnotizador, e utilizava essa técnica para induzir no paciente as manifestações próprias da histeria.