Um trabalho publicado este mês por Fasce et al. (2009) trata sobre "profissionalismo médico".
O tema profissionalismo médico tem recebido crescente interesse na literatura, fato demonstrado pelos 2.677 artigos indexados pela Medline até setembro de 2008, dos quais 1.688 (63%) foram publicados nos últimos dez anos e 1.096 (41%), nos últimos cinco anos.
Há uma extensa literatura que visa estabelecer uma definição adequada do termo, identificando que atributos melhor o caracterizariam. Quais seriam os atributos do "bom médico"? E quais seriam as formas de identificar e integrar conteúdos sobre profissionalismo no ensino e na avaliação de estudantes de graduação em Medicina?
Os referidos autores afirmam que o Medical Professionalism Project (referência abaixo), cujas principais conclusões foram publicadas nos Annals of Internal Medicine em 2002 (com a participação da American Board of Internal Medicine, do American College of Physicians, American Society of Internal Medicine e a European Federation of internal Medicine), apresentando-se os atributos requeridos para o que denominam de profissionalismo médico.
Profissionalismo médico foi considerado na referida publicação como "o conjunto de responsabilidades profissionais, tais como uma atualização constante, honestidade e confidencialidade, relação adequada com pacientes, familiares e membros da equipe de saúde, e busca constante em melhorar a qualidade de atendimento."
Então, Fasce et al (2009) resolveram realizar uma pesquisa com médicos e estudantes de Medicina chilenos sobre esse constructo. Entrevistaram 104 médicos (por e-mail) e 47 alunos de Medicina (primeiro ano) em entrevista direta de grupo, através de um teste de associação livre sobre os atributos que seria atribuir a "um bom médico".
Os dados foram processados de acordo com a disponibilidade do modelo lexical (LAM), que prevê análise quantitativa e qualitativa.
Os autores verificaram que os atributos com pontuações mais elevadas entre os médicos foram honestidade, atualização acadêmica regular, competência, ética, amabilidade e empatia (figura 2 abaixo: retirada do texto do artigo de Fasce et al. [2009]). Entre os estudantes, os atributos selecionados foram altruísmo, empatia, ética, excelência, responsabilidade, amabilidade e competência (figura 1 abaixo).
Os resultados quantitativos obtidos foram expressos como coeficientes numéricos denominados índices de disponibilidade léxica (IDL). Os coeficientes com valores mais altos indicam que tais atributos foram citados con maior frequência e ocuparam as posições mais altas na listagem.
Uma concordância geral foi encontrada entre os médicos e os estudantes, excetuando o fato de se considerar que a atualização acadêmica regular como o atributo importante pelos médicos.
"A excelência implica um esforço consciente para superar as expectativas habituais e um compromisso para a aprendizagem continua, por toda a vida ". Portanto, esse componente corresponde à capacitação contínua.
Os autores concluíram que os atributos que os médicos e estudantes de medicina avaliaram como essenciais são concordantes em grande parte. No início do curso de Medicina, os estudantes têm uma abordagem mais humanista da futura profissão.
Scliar (2005) escreveu: "O bom médico é aquele que refaz, mesmo sem o saber, a trajetória da medicina através dos tempos. Como Hipócrates (460-377 a.C.), sabe que a vida é curta mas a arte é longa; sabe qua a ocasião é fugidia, a experiência, enganadora, o julgamento, difícil. Em suma: sabe que doença representa um extraordinário desafio, tanto em termos de conhecimento quanto de equilíbrio emocional." (...) "O bom médico sabe, como o francês Ambroise Parré (1510-1590) que curar é mais do que intervir; curar como diz a origem latina da palavra, significa cuidar."
Continuando com Scliar (2005): "O bom médico sabe, como o inglês Thomas Sydenham (1624-1689), que a enfermidade tem certa lógica, segue aquilo que se pode chamar de uma história natural, que aos poucos, e seguindo um trajeto mais ou menos previsível, transporta a pessoa para outra realidade, a realidade da doença" (...) "O bom médico sabe, como o alemão Rudolf Virchow (1821-1902), que a doença deve ser procurada não apenas no que é visível, mas também ali onde os olhos não enxergam". (...) "O bom médico, como o judeu austríaco Sigmund Freud (1856-1939), que é preciso ter coragem de defender as próprias convicções (como aquelas sobre a existência do inconsciente, mesmo quando elas se chocam com os preconceitos e as idéias preestabelecidas. O bom médico sabe, como o brasileiro Oswaldo Cruz (1872-1917), que é preciso enfrentar a doença na população, mesmo trabalhando na complicada fronteira entre medicina e política"
E conclui: "O bom médico talvez não seja tão famoso como Hipócrates ou Parré, quanto Sydenham ou Virchow, quanto Freud ou Oswaldo Cruz; mas para seu paciente, para a comunidade da qual cuida, ele é a própria medicina, ciência e arte."
Referências
ABIM Foundation. American Board of Internal Medicine; American College of Physicians-American Society of Internal Medicine; European Federation of Internal Medicine. Medical professionalism in the new millennium: a physician charter. Ann Intern Med. 136 (3):243-6, 2002.
American Board of Internal Medicine Project Professionalism. Disponível em: abim.org/pdf/publications/professionalism.pdf. Acesso em: 12 set 2009.
FASCE, E. et al. Professionalism of physicians from the point of view of physicians and students. Rev. méd. Chile 137 (6): 746-752, 2009.
SCLIAR, M. O olhar médico: Crônicas de Medicina e Saúde. São Paulo: Agora Ed., 2005.