4 de outubro de 2009

Prática Semiológica: Lombalgia e Histiocitose X

Por Matheus Gurgel Saraiva
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (IV Período); Módulo de Semiologia Médica.
Resumo
Homem de 39 anos com intensa lombalgia há oito meses, tratado sintomaticamente com antiinflamatórios não-esteróides e analgésicos comuns sem melhora clínica. Atendido em diversos serviços de saúde da cidade durante os oito meses sem diagnóstico etiológico e piorando progressivamente. À ectoscopia, paciente em atitude antálgica e com marcha prejudicada. Exames de imagem (tomografia e ressonância) foram normais. No hospital universitário, suspeitou-se de tuberculose vertebral (Doença de Pott) e câncer ósseo. Após biópsia óssea incisional chegou-se ao diagnóstico etiológico definitivo: histiocitose X. Poucos casos de histiocitose X foram descritos em adultos. Trata-se de doença descrita como condição benigna, de proliferação histiocitária localizada ou multifocal, de etiologia desconhecida, acometendo, principalmente, ossos do crânio, costelas, mandíbulas, fêmur e coluna vertebral, sendo mais frequente em crianças e adolescentes.
Unitermos: Exame clínico. Estudo de caso. Diagnóstico. Lombalgia. Histiocitose X.
Anamnese
IDENTIFICAÇÃO: J. E.N., 39 anos, masculino, pardo, casado, porteiro, natural de (...)/ PB, residente em (...) / PB, admitido na enfermaria de Clínica Médica do (...) no dia 24/09/09. QUEIXA PRINCIPAL: Dor nas costas há 8 meses. HISTÓRIA DA DOENÇA ATUAL
Paciente relata aparecimento súbito de forte dor na região lombar da coluna vertebral desde fevereiro deste ano. É uma dor contínua, classificada como intensa e, numa escala de 1 a 10, a intensidade é apontada como 10. Afirma que desde o final de agosto, a dor passou a se irradiar para região pélvica e porção posterior das coxas. A dor piora quando o paciente está sentado ou em pé e é aliviada na posição de decúbito dorsal. Outro fator de melhora relatado pelo paciente é o uso de um colete ortopédico, que ele está utilizando há 3 meses, quando este procedimento foi indicado pelo médico que o acompanhou quando esteve internado neste mesmo serviço. Nega outros sintomas associados. Menciona que no fim de fevereiro foi ao posto do Programa Saúde da Família do seu bairro, onde O paciente relata prescrição de seis injeções de diclofenaco de sódio, uma por dia. Refere que a dor continuou na mesma intensidade. Em março, foi ao hospital público do seu bairro, onde mais uma vez tomou uma injeção de diclofenaco. Em maio, dirigiu-se a uma clínica de Ortopedia da cidade, onde recebeu mais duas injeções, desta vez de dipirona. Então, encaminhou-se a outro hospital da cidade, onde lhe foi administrada mais analgésicos injetáveis. Dessa vez, realizou tomografia computadorizada que, segundo ele, não revelou anormalidades.
Depois, foi internado por um mês, realizando diversos exames, incluindo exame de ressonância magnética, com resultados normais. Relata que os médicos que o acompanhavam suspeitavam que ele tinha tuberculose óssea ou câncer ósseo, sendo os dois diagnósticos descartados após uma biópsia óssea da coluna lombar realizada no dia 31/08/09. O diagnóstico histopatológico foi histiocitose X.
Refere que atualmente está sendo medicado com vários fármacos, entre os quais Tramadol, sem alívio da dor. No momento encontra dificuldades para realizar qualquer atividade em que tenha que ficar em pé. Não consegue andar. INTERROGATÓRIO SINTOMATOLÓGICO • Sintomas Gerais: Nega sudorese noturna e calafrios, mas afirma que nos últimos oito meses perdeu 12 Kg. Teve febre no dia anterior à internação e no primeiro dia da internação atual . • Pele e fâneros: Nega alopecia, lesões na pele. • Cabeça e pescoço: Nega cervicalgia e limitação da movimentação do pescoço. Mas relata que durante a primeira internação em alguns dias teve cefaléia. • Olhos: Tem fotofobia e lacrimejamento. • Ouvido, seios da face, nariz e cavidade oral: Nega queixas.
• Sistema respiratório: Nega rouquidão, hemoptise, dor torácica, dispnéia e expectoração. Relata tosse seca há uma semana. • Sistema cardiovascular: Episódio de síncope há três meses. • Sistema gastrintestinal: Náuseas. • Sistema genito-urinário: Polaciúria e poliúria. • Sistema osteoarticular: Nega edema articular. Artralgias na articulação do joelho e do quadril. Nega parestesias. • Sistema hematopoiético: Nega tendências hemorrágicas e linfadenomegalia. • Sistema endócrino: Refere intolerância ao calor, polidipsia e polifagia. • Sistema Nervoso: Nega paresias, paralisias, parestesias, convulsões, perturbação de memória e tremores.
• Psiquismo: Relata ansiedade para saber qual é a sua doença. ANTECEDENTES PESSOAIS FISIOLÓGICOS Não recebeu nenhuma vacina compulsória na infância e adolescência.
ANTECEDENTES PESSOAIS PATOLÓGICOS Sarampo, catapora e caxumba durante a infância. Na fase adulta, nega diabetes, asma, doenças sexualmente transmissíveis e tuberculose. Afirma ser hipertenso há três meses. Teve pneumonia quanto tinha 20 anos. Afirma que tem dermatite de contato. Nega hemotransfusões, traumatismos relevantes e uso de drogas ilícitas. Há três meses está tomando captopril para hipertensão. ANTECEDENTES FAMILIARES Relata que sua mãe faleceu aos 75 anos devido a acidente vascular encefálico e o pai se suicidou aos 63 anos. Refere que todos os tios maternos têm asma e que seu avô paterno e um tio paterno faleceram devido a acidente vascular encefálico. Nega casos de câncer, diabetes e alcoolismo em sua família. Também nega doenças semelhantes à sua. ANTECEDENTES SOCIAIS Refere morar numa casa de alvenaria com seis cômodos, com sua esposa e sua filha. Relata existência de esgoto, água encanada e coleta de lixo. Nunca frequentou a escola. Conta que aos 13 anos começou a ajudar seu pai, que trabalhava como agricultor. Também trabalhou como auxiliar de construção por alguns anos e que há pouco mais de dois anos trabalha como porteiro. Refere que sua renda mensal atual é de 950 reais (auxílio doença). Nunca fumou. Não pratica exercícios físicos regularmente. Relata que bebia cerveja diariamente até 10 anos atrás. Tomava banho de rios e açudes na região litorânea da Paraíba durante sua infância. Exame físico ECTOSCOPIA • Sinais Vitais: P – 88 bpm; PA - 120 / 90 mmHg; T – 37 °C (afebril), FR – 20 irpm (eupnéico). Paciente em bom estado geral; consciente e orientado, fala e linguagem normais; eupnéico; acianótico, anictérico e afebril; fácies incaracterística; atitude antiálgica, preferência por decúbito dorsal e lateral; marcha prejudicada; biótipo normolíneo; mucosas hipocoradas(+/4+) e úmidas; pele de turgor e elasticidade conservados, textura e umidade cutâneas normais; presença de mancha de bordas irregulares hipercrômica na axila direita, cicatrizes na região lombar e na porção anterior da perna direita; pêlos em quantidade e distribição compatíveis com a idade e sexo; unhas de forma, brilho, cor e superfícies normais; panículo adiposo de espessura e distribuição normal conforme o sexo; ausência de edema subcutâneo; gânglios superficiais não palpáveis; musculatura normotrófica; sem deformidades osteoarticulares; extremidades com coloração, temperatura e perfusão preservada, ausência de dilatações venosas superficiais.
Observação: O exame clínico foi feito somente até ectoscopia. O módulo didático de Semiologia é ministrado em partes subsequentes, de exame geral até exame segmentar dos vários aparelhos. Os alunos deste semestre letivo estudaram até ectoscopia no momento.
Breve revisão sobre Histiocitose das Células de Langerhans (Granuloma Eosinofílico)
A histiocitose X ou granuloma eosinofílico é doença descrita como condição benigna de proliferação histiocitária localizada ou multifocal, acometendo, principalmente, os ossos do crânio, costelas, mandíbulas, fêmur e coluna vertebral, sendo mais frequente em crianças e adolescentes. Representa 50-60% de um grupo de enfermidades denominadas histiocitose X, cujo denominador comum é o desenvolvimento de lesões granulomatosas em diversos tecidos. Estas enfermidades seriam diferentes expressões do mesmo processo patológico de origem ainda desconhecida.
Portanto, a histiocitose X é um distúrbio do sistema reticuloendotelial, caracterizado pela proliferação de macrófagos de aspecto normal, com ou sem reação inflamatória associada de eosinófilos, neutrófilos e células mononucleares envolvendo o tegumento, o osso e as vísceras. As síndromes histiocíticas constituem grupo de doenças com apresentações clínicas que variam de formas localizadas e benignas às disseminadas e fatais. São agrupadas em três categorias: as histiocitoses de células de Langerhans (HCL) ou classe I, as histiocitoses não-Langerhans ou classe II e as histiocitoses malignas ou classe III. Antigamente as diferentes formas de HCL eram chamadas de Histiocitoses X. Essa classificação engloba um grupo de doenças que inclui, o granuloma eosinofílico (GE), a doença de Letterer-Siwe e a doença de Hand-Schüller-Christian. É uma doença universal, acomete igualmente todas as raças, sendo mais frequente em homens na razão de 1,8:1 em relação às mulheres. Porém, no sexo feminino parece ser mais agressiva, assim levando a taxa de mortalidade similar entre os sexos, que varia de 46% nas formas com disfunção orgânica única até 92% nas formas com acometimento de dois ou mais órgãos. Nos Estados Unidos, é estimada em 0,5 para cada 100.000 crianças por ano, como o maior número de casos entre 1 e 3 anos de idade. 80% dos pacientes com diagnóstico de GE têm menos de 20 anos. Foram descritos raros casos em adultos. Essa moléstia acomete, principalmnete, os ossos do crânio, costelas, mandíbulas, fêmur e coluna vertebral(ocorre em 7-15% dos casos). O sintoma mais frequente é a dor, que aparece em 87% dos casos. Quando o GE se localiza na coluna vertebral, podem aparecer comprometimento neurológico e fraturas ou restrição de movimentos. Especificamente com relação ao acometimento vertebral, sua frequência é citada na literatura em até 25% dos casos, encontrado em 22,4% dos nossos pacientes. As vértebras torácicas são as mais acometidas, 57,7% dos casos desta série, seguidas das lombares e cervicais, atingindo o corpo vertebral e raramente o pedículo, espaço discal, elementos posteriores ou comprometendo partes moles adjacentes. O acometimento do corpo vertebral pode chegar ao colapso parcial ou até completo, caracterizando a vértebra plana descrita inicialmente por Calve (1925) O GE unifocal apresenta-se como lesão solitária no fêmur, crânio, costelas, pélvis ou vértebras.Nestas a localização toráxica ocorre em 54% dos casos, a lombar em 35% e a cervical em 11%. Quando disseminada, normalmente acomete dois ou três órgãos, sendo 80% envolvimento ósseo, 50% pele, 30% adenopatias, 20% hepatoesplenomegalia e 10-15% apresentam infiltrados pulmonares. Análises ultra-estruturais indicam que a célula da HCL caracteriza-se por células com núcleo irregular e citoplasma abundante (células de Langerhans) e intenso infiltrado de células inflamatórias. A microscopia eletrônica evidencia a presença dos grânulos de Birbeck, que são patognomônicos da doença. A mortalidade dessa doença decorre de sequela do processo granulomatoso destrutivo e não de infiltração progressiva dos tecidos por células histiocíticas.
Referências CARNEIRO FILHO, J. O.; LEITE, M. S.; ANDRADE NETO, J. M. Histiocitose x (síndrome de hand-schuller-christian): relato de caso. Radiol Bras 35 (2): 109-112, 2002. CASSONE, A. E. et al. Acometimento vertebral na histocitose das células de Langerhans - Avaliação da remodelação óssea. Disponível em: coluna.com.br/revistacoluna/volume1/acometimento_vertebral.htm. Acesso em: 03 out 2009. GAMA, M. R. V. S. et al. Histiocitose de Células de Langerhans perianal. Relato de caso. Rev bras Coloproct, 25(3): 253-255, 2005. LEAL FILHO, M. B. et al. Granuloma eosinofílico de coluna cervical: relato de caso. Arq. Neuro-Psiquiatr. 61 (1): 141-143, 2003. PAULA, J. S.; CHAHUD, F.; CRUZ, A. A. V. Remissão espontânea de um granuloma eosinofílico orbitário após biópsia - Relato de caso e revisão da literatura. Arq. Bras. Oftalmol. 66 (4): 2003. QUATTRINO, A. L. et al. Histiocitose de células de Langerhans: relato de caso e revisão de literatura. An Bras Dermatol. 82 (4):337-41, 2007. Fonte da imagem: http://elianehirata.wordpress.com