Paciente de 61 anos com lesões necróticas de pele
A paciente é portadora de hipertensão arterial, obesidade e diabetes melllitus. Há história de um quadro de linfadenopatia angioimunoblástica ocorrida há 15 anos. Ela não lembra dos detalhes deste diagnóstico, mas há dados colhidos com seu médico de que esta foi um quadro benigno, embora não haja registros disponíveis para análise. De acordo com o referido clínico, o quadro entrou em remissão completa após uso de prednisona.
Então, há um mês a paciente desenvolveu essas lesões em ambas as coxas (figura). As lesões são pretas, com vermelhidão ao redor e sensibilidade local. Nega prurido. Ela afirma que as lesões foram aumentando lentamente ao longo dos últimos dias, e algumas atingiram vários centímetros de diâmetro. Nega febre e calafrios. Suas glicemias de jejum têm variado entre 100 e 200 mg/dL. Nega tendências hemorrágicas ou qualquer trauma recente ou procedimentos na área das lesões. Não houve mudanças recentes em sua medicação. Nega tabagismo, consumo de álcool ou uso de drogas ilícitas.
Ao exame físico: T = 36,6 °C; pulso = 86 bpm, regular; PA = 128/81 mmHg; FR = 14 irpm. Exames da cabeça, pescoço, pulmões, coração e abdome normais. Pele das extremidades superiores e do tronco normais. Apresenta úlceras venosas nas áreas maleolares mediais, que não sofreram alterações em relação a um exame anterior. Há várias lesões negras e endurecidas em suas coxas, cada uma rodeada por um centímetro de eritema com um padrão ligeiramente reticular. Presença de edema em tornozelos (+/4+), mas sem edema em pernas e coxas. Não há vesículas ou pústulas no local. As maiores medidas da lesão são 4,4 × 2,6 cm (ver figura acima).
Que hipótese diagnóstica pode ser levantada?
Após elaboração de uma hipótese, publicaremos a fonte do caso clínico e o diagnóstico definitivo.
11/11/09: Diagnóstico - Vasculite (crioglobulinemia)
Referência:
HARE, M. Necrotic Skin Lesions in a 61-Year-Old Woman. From eMedicine Case Presentations CME. Disponível em: http://cme.medscape.com/viewarticle/702987. Acesso em 11 nov 2009.
As bordas das lesões foram biopsiadas. A anatomia patológica revelou inflamação aguda e crônica da derme e gordura subcutânea. Nenhuma alteração citopática viral foi encontrada. Microtrombos de pequenos vasos estavam limitados à base da úlcera, o que sugere uma reação trombótica secundária. Não foram identificadas alterações específicas de vasculite ou malignidade.
Dada a história da paciente de transtorno imunoproliferativo e a apresentação atípica de suas lesões, o diagnóstico presuntivo foi de vasculite. Outros exames laboratoriais foiram realizados. Lúpus anticoagulante não foi detectado e anticardiolipina também foi negativo. Os anticorpos antinucleares (FAN) e anticorpos contra antígenos citoplasmáticos de neutrófilos (ANCA) não foram detectados também. Todos os marcadores de hepatite foram negativos, inclusive para hepatite C. O teste de fator reumatóide foi negativo. O teste Crioglobulina O foi positivo (principalmente IgG). Este foi confirmado por um teste feito vários meses depois.
Crioglobulinas são misturas de imunoglobulinas que precipitam de forma reversível em baixas temperaturas. Crioglobulinemia é definida como a presença de crioglobulinas no soro. Isso pode levar a uma síndrome de inflamação sistêmica causada por imunocomplexos. O mecanismo de precipitação ainda é mal compreendido. A solubilidade de crioglobulinas está parcialmente relacionada com a estrutura de imunoglobulina de cadeias pesadas e leves. Alteração na conformação da proteína resultante das mudanças de temperatura podem causar diminuição da solubilidade e consequente vasculite.