28 de janeiro de 2010

Imagem semiológica: Larva migrans cutânea

Figura 1- Parte A: Lesão antes do tratamento; parte B: Lesão após tratamento.
História: Paciente de 42 anos, masculino, apresentando erupção pruriginosa intensa no dorso do pé direito há sete dias (Figura 1: parte A). Ele tinha ido à praia descalço alguns dias antes do início da lesão. Esta evoluiu com piora diária, apesar da aplicação de antibiótico tópico.
O exame físico revelou lesão serpiginosa, eritematosa, com formação de bolha, sugestiva de larva migrans cutânea (Figura 1: A).
Larva migrans cutânea é causada pela migração de larvas de ancilostomídeos na pele humana. É mais comumente causada pela ancilostomíase que infecta cães e gatos. Os ovos do parasita são transmitidos a partir de fezes de animais em solo úmido e quente ou na areia, onde as larvas eclodem. A transmissão ocorre quando a pele entra em contato direto com solo contaminado ou areia.
As larvas são incapazes de penetrar na membrana basal para invadir a derme, assim a doença permanece limitada à epiderme. Larva migrans cutânea é um quadro auto-limitado, porém o tratamento anti-helmíntico (tiabendazol, albendazol, mebendazol ou ivermectina) pode diminuir os sintomas e encurtar a duração da doença.
O uso de calçado adequado é a chave para prevenir essa condição. Duas semanas depois de tratamento com albendazol, a lesão do paciente mostrou sinais de cicatrização, restando áreas de descamação e hiperpigmentação (Figura 1: Parte B).
Referência
ANG, C. C. Cutaneous Larva Migrans. NEJM, 362 (4): 10, 2010.
Chia Chun Ang, M.D. Changi General Hospital, Singapura.

27 de janeiro de 2010

Sobrevivência humana sob escombros

Terremoto no Haiti: Um homem de 35 anos foi encontrado vivo depois de 12 dias preso sob os escombros de uma loja em Porto Príncipe, capital do Haiti. Apresentava grave desidratação e uma fratura na perna. (FONTE: BBC Brasil)
Terremoto no Haiti: Uma mulher de 70 anos também foi retirada viva dos escombros de uma catedral oito dias após o terremoto.
(FONTE: BBC Brasil)
A sobrevivência humana sob escombros, sem água ou comida, depende de algumas variáveis que podem levar uma pessoa a viver mais ou menos tempo em situações extremas. Um adulto saudável, por exemplo, que não tenha se ferido durante o terremoto, pode ficar até uma semana sem beber água.
Em relação à comida, o tempo de sobrevivência depende do acesso à água. Caso tenha alguma bebida disponível, o organismo humano consegue ficar de 30 a 40 dias sem alimentação (PIANTADOSI, 2003). Ou seja, sem alimento, mas ingerindo água, uma pessoa é capaz de sobreviver até cerca de um mês, em uma situação menos grave. Porém, sob escombros, há grande probabilidade de ferimentos graves, que reduzem a sobrevivência.
Fatores que influenciam o tempo de sobrevivência sem água são o estado geral de saúde, o percentual de água corporal (dependente da idade), o percentual de gordura corporal (pessoas obesas têm menos água), temperatura ambiental (clima quente: menor tempo de sobrevivência). Entretanto, pessoas desnutridas, sem muita gordura corporal, por não possuírem reservas de gordura, também podem sobreviver menos nessas condições.
PIANTADOSI, C. A. The Biology od Human Survivor: Life and Death in Extreme Environments. New York: Oxford University Press, 2003.
As imagens acima são da BBC Brasil - http://www.bbc.co.uk/portuguese/index.shtml

25 de janeiro de 2010

SEMIO-QUIZ: Homem idoso com dor abdominal intensa e aguda

Figura 1
Figura 2
Um paciente de 77 anos é admitido em um serviço de Pronto-socorro (PS) no início da manhã apresentando uma história de quatro horas de dor abdominal intensa e generalizada, "como cãibras". Teve vômitos biliosos na noite anterior. A dor piorou consideravelmente tarde da noite e uma ambulância foi chamada.
Chegou ao PS sem vômitos. Queixou-se que sofre de indigestão "episódica", e a última ocorreu há alguns meses. O paciente relata também episódios anteriores esporádicos de intensa dor em abdome superior após as refeições, com irradiação para a região lombar direita e duração de minutos a horas, associada a vômitos intermitentes. Ele afirma que usa antiácido mas obtém apenas uma pequena melhora.
Antecedentes patológicos: hipertensão arterial sistêmica, doença cardíaca isquêmica, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e gota. Não tem antecedentes cirúrgicos significativos. Os medicamentos de uso contínuo atualmente são aspirina, atenolol, furosemida, nitroglicerina e um inalador para sua DPOC (não lembra os nomes).
Foi feita infusão de 500 mL de solução salina 0,9%, além de analgesia, com melhora dos sinais vitais.
Exames laboratoriais: Leucograma = 15.800 (diferencial não disponível); proteína C-reativa = 247 mg / L, sódio = 148 mEq / L, potássio = 3,1 mEq / L, uréia = 28,6 mg / dL, creatinina = 1,5 mg / dL. Gasometria arterial = pH 7,31, HCO3 20 mEq/L, PCO2 ? lactato 23,4 mg/dL.
Radiografias de tórax e abdome em posição ortostática mostraram as imagens acima (ver Figuras 1 e 2 no topo desta postagem).
Foi passada uma sonda nasogástrica e instituída dieta zero. Mantida uma sonda vesical para monitorização do débito urinário. Feita monitorização de sinais vitais. Mais 1000 mL de solução salina a 0,9% foram administrados. Cefuroxima e metronidazol são iniciados por via intravenosa, e após o parecer do cirurgião plantonista, o paciente foi levado ao centro cirúrgico para uma laparotomia exploradora de urgência.
A laparotomia levou ao diagnóstico. Mas quais são as hipóteses diagnósticas para esse paciente?

28/01/09 - Relato do diagnóstico etiológico e evolução clínica: Publicado originalmente por McCOMBIE et al. (2009) em Medscape CME (eMedicine Case Presentations) Este paciente apresentou quadro de obstrução intestinal mecânica do delgado complicada por perfuração e peritonite subsequentes. A história do paciente e seu exame físico são compatíveis com essa sequência fisiopatológica de eventos. O exame radiológico (Rx simples de tórax e abdome em posição ortostática) sustentou esta hipótese pela presença de uma grande quantidade de ar intraperitoneal livre e alças intestinais dilatadas. Durante a laparotomia exploradora, verificou-se presença de conteúdo intestinal no peritônio e uma perfuração no íleo distal. A causa da obstrução foi visualizada: um cálculo biliar de 30 mm de diâmetro impactado no íleo terminal. A vesícula biliar estava aderida ao duodeno. O cálculo foi cuidadosamente mobilizado proximalmente e removido através de uma enterolitotomia. A perfuração foi fechada e, após a lavagem copiosa da cavidade peritoneal, o abdome foi fechado. Esse diagnóstico é difícil de fazer, com até 50% dos diagnósticos realizados na laparotomia. Ocorre em consequência de uma fístula interna entre algum ponto das vias biliares (geralmente a vesícula) e o tubo digestivo. Os pacientes muitas vezes não têm história prévia de sintomas biliares, sendo outras causas de obstrução cogitadas inicialmente.

Indícios radiográficos são responsáveis pela maioria dos diagnósticos precoces. Em uma radiografia abdominal, a tríade de Rigler (pneumobilia, obstrução do intestino delgado e cálculo biliar ectópico geralmente visto na fossa ilíaca direita) é considerada altamente sugestiva de íleo biliar. Deve-se lembrar que apenas 10% dos cálculos biliares são visíveis em radiografias. Isso pode ser estendido a outras modalidades de imagem. A tríade de Rigler pode ser vista em 15% dos pacientes através de radiografia simples de abdome, 11% em ultrassonografias, e 78% com a tomografia computadorizada (TC). A TC pode mostrar a fístula também. McCombie et al. (2009) citam estudos que reforçam o papel da TC na avaliação de pacientes com íleo biliar, destacando a sua capacidade de detectar o tamanho, localização e número exato de cálculos ectópicos, e eles também afirmam o seu valor diagnóstico em muitos casos de abdome agudo. Embora ultrassonografias tenham pior desempenho que as radiografias simples para demonstrar a tríade de Rigler, continua sendo um excelente exame para demonstrar comprometimento biliar. Conclusão diagnóstica

  1. Diagnóstico etiológico: Íleo biliar + colelitíase;
  2. Diagnósticos sindrômicos: Abdome agudo perfurativo, peritonite, sepse, distúrbio hidroeletrolítico, distúrbio ácido-básico, hipovolemia;
  3. Comorbidades: Doença coronariana, hipertensão arterial, DPOC, gota.

Referência: Este caso clínico foi publicado originalmente por McCombie et al. (2009) no MedscapeCME eMedicine Case Presentations CME McCOMBIE, J. J. et al. A 77-Year-Old Man With Suddenly Worsened Abdominal Pain. MedscapeCME. Disponível em: http://cme.medscape.com/viewarticle/714983?src=cmemp&uac=124206FK. Acesso em: 25 jan 2010.

23 de janeiro de 2010

Quem tem medo de Sigismund?


O médico neurologista judeu-austríaco, fundador da Psicanálise, Sigismund Schlomo Freud, alterou seu nome para Sigmund Freud em 1877.
Freud, além de ter sido um grande cientista e escritor, é considerado, assim como Charles Darwin e Karl Marx em seus respectivos campos, mentor de uma revolução no âmbito do conhecimento humano: a idéia de que somos movidos pelo Inconsciente.
O pensamento freudiano tem defensores e críticos, mas sempre servirá como um dos pólos do debate sobre o psiquismo e como matriz comum para as diversas escolas da psicanálise e para praticamente todas as áreas psíquicas.
Freud viveu em uma sociedade de forte repressão sexual. Na atualidade, em uma sociedade sexualmente mais liberalizada, talvez as neuroses clássicas descritas por ele já não sejam mais encontradas. No entanto, as sociedades modernas ainda geram culpa e neurose. Contudo, é possível supor que a explicação psicanalítica decorra de peculiaridades do século XIX, embora Freud tenha transferido inapropriadamente para outras épocas, anteriores à dele, o sistema de repressão do período vitoriano, supondo que as forças atuantes naquele momento teriam agido também na Idade Média (LEITE, 1992).
Vive-se em uma sociedade do individualismo e da exigência de êxito e sucesso para cada pessoa. Kehl (1996) afirma no livro "Psicanálise e o Contemporâneo", que a frase já banalizada "Freud explica" é empregada para fundamentar e desculpar nossos atos através da explicação das motivações inconscientes, que serviriam assim, como justificativa para o exercício da "soberania narcísica do cidadão". Parece bem contemporânea essa concepção, na medida em que a construção do indivíduo moderno implica um verdadeiro "culto do eu".
Vestir-se de acordo com a última moda, cultuar a vaidade perfeccionista e o consumismo são valores cada vez mais vistos na sociedade contemporânea. O imperativo do sucesso também faz parte disso. Temos quase uma "obrigação" de conseguir sucesso... Somos bem narcisistas, não? Não falo do narcisismo na sua conotação do "belo", mas na concepção de que devemos ser sempre o "melhor" e aparecer como o melhor.
Na linha do ceticismo, tentando desmistificar Freud, Lopes (2008) diz que a Psicanálise virou apenas dogma e exibicionismo literário, e que Freud "não explica quase nada". Por sua vez, Moon (2009) menciona as inúmeras revisões sofridas pela teoria psicanalítica de Freud nas duas últimas décadas, afirmando que esta foi "ofuscada" pelos efeitos obtidos com as drogas antidepressivas, que evidenciaram uma base neurobiológica para vários quadros psíquicos explicados antes pela Psicanálise.
A polêmica obra de Freud já foi objeto de inúmeras controvérsias, como qualquer outro corpus teórico de maior importância. Contudo, um dos biógrafos de Freud considera que ele é mais controverso agora do que nunca (GAY, 1989). Claro que uma teoria deve sempre ser revisada e estar em movimento, fazendo rever seus conceitos de base.
Porém, para alguns autores, a Psicanálise, hoje, pode ser vista como reacionária e ultrapassada. Apontam-se erros metodológicos e clínicos durante os seus 100 anos de existência. LEVY (1994), entretanto, considera que mesmo concordando com as críticas que se fazem à psicanálise atualmente, esta está fazendo uma completa reformulação a partir da observação dos excessos cometidas pelos psicanalistas mais ortodoxos. Esse autor afirma: "será possível falar em ultrapassado de algo que serve de base ou de apoio para tantas e tão variadas formas de terapia? Negar a existência do Inconsciente é como voltar a dizer que o mundo é quadrado."
Conta-se que Freud alertou seus seguidores sobre a chegada dos "homens da seringa". Teria com isso chamado a atenção, simbolicamente, para o avanço das neurociências – em particular a neurofarmacologia – quanto ao seu empenho na busca da origem e da terapia dos distúrbios mentais fundada na ciência empírica, capaz de pôr em dúvida o método que criara para o tratamento considerado não-experimental de pelo menos alguns desses distúrbios (MENDES, 1996).
Mendes (1996) afirma ainda que, apesar das críticas à teoria psicanalítica, Freud foi o pioneiro na concepção do Inconsciente, o primeiro a especular que os eventos traumáticos da infância podem influenciar a vida do adulto, e a postular que na psicanálise o paciente, não o médico, dirige a terapia, tirando este último de um papel autoritário para outro mais receptivo e dialógico. Nesse sentido, as várias formas de terapia pela fala poderiam ser consideradas um legado de Freud.
Na sua época, Freud sofreu muitas resistências no espaço universitário. Mas propôs o ensino da psicanálise nas escolas médicas como um curso elementar para os estudantes de graduação em Medicina. Há consenso quanto à questão de que, no Brasil, os objetivos prioritários dos cursos de graduação em Medicina devem ser orientados para a formação de médicos generalistas capacitados para atender às necessidades de saúde da maioria da população. Os currículos devem, pois, ser ajustados no sentido de relacionar tal necessidade com o conteúdo e a metodologia de ensino.
Porém, como afirma Lowenkron (1997), o inconsciente "fala", ou seja, os sintomas, mesmo quando observados no campo da Medicina Interna, podem ter um outro sentido, que remeta ao psíquico, um idioma que a princípio pode não ser compreendido, mas que é possível de ser decifrado: o interlocutor capaz de escuta analítica cria as condições de transformação desses sintomas em palavras, expressão de conflito psíquico, ampliando a inteligibilidade da comunicação.
Ainda segundo o referido autor, tornar-se um médico capaz de uma escuta atenta e de uma observação sensível, implica reconhecer, para além do corpo biológico do paciente, aquilo que por esse é falado e sofrido. A aquisição de tal habilidade envolve, além de conhecimento teórico, o desenvolvimento de atitudes adequadas. Assim, uma disciplina com conteúdos elementares em Psicanálise é importante na formação do estudante de medicina na descoberta da dimensão inconsciente dos fenômenos psíquicos, o que pode ser de grande valia na sua prática clínica.
Voltando às controvérsias em torno da teoria psicanalítica, salienta-se um polêmico artigo publicado na Revista Der Spiegel em 1998 pelo neurologista Eric Kandel, Prêmio Nobel de Medicina em 2000 e presidente da Society for Psychotherapy Research. Segundo ele, a Psicanálise, que existe há mais de um século, está fadada a perder cada vez mais influência. Nesse artigo, intitulado "A biologia e o futuro da psicanálise", Kandel (1998) considera totalmente ultrapassado o modelo id-ego-super ego do aparelho psíquico elaborado por Freud.
Os críticos da teoria psicanalítica afirmam que faltam evidências científicas das noções de um "inconsciente" e de um mecanismo de "repressão", assim como qualquer prova de que o pensamento ou o comportamento conscientes são influenciados por memórias reprimidas, noções fundamentais da teoria da Psicanálise.
Segundo Pena (1998), a terapia psicanalítica baseia-se na busca do que "provavelmente não existe", ou seja, memórias de infância reprimidas, assumindo o que provavelmente é falso (as experiências de infância provocam os problemas do paciente), além de associar-se a uma terapêutica incorreta, baseada na tentativa de trazer as memórias reprimidas ao consciente.
Por outro lado, há críticos que consideram que ênfase dada por Freud às relações familiares e à sexualidade como modelos limitados de interpretação do sofrimento psíquico. A Psicanálise estaria excessivamente fechada em modelo de indivíduo do tempo de Freud, não levando em consideração que há uma infinidade de outras causas que podem ser responsáveis pelos distúrbios mentais (BOLTANSKI, 1989; IBAÑEZ-GARCÍA, 1989). Já alguns neurocientistas afirmam que a Psicanálise funciona, mas pelo seu efeito placebo (AMARAL; SABBATINI, 1999).
Freud escreveu muito e escrevia muito bem. Suas "Obras Completas" compõem-se de 24 volumes e incluem ensaios relativos a aspectos da prática clínica, uma série de conferências que delineiam toda a teoria, além de monografias especializadas sobre questões religiosas e culturais. Há quem considere que atualmente a tendência é a de que suas obras devam ser valorizadas pelo valor literário: "Não é à toa que nas principais universidades americanas as idéias de Freud estão saindo dos departamentos de medicina e psicologia e sobrevivem apenas nos cursos de literatura." (GRUMBAUM, Apud PASQUALI, 2010).
De qualque forma, Freud ainda parece ser o autor de língua alemã cuja tradução é de longe a mais debatida e estudada.
Mesmo nós, simples mortais, podemos ler seus livros. Ler Freud não é apenas para uns poucos "iniciados". Alguns pouco familiarizados com a literatura psicanalítica podem apreciar suas obras. Freud escrevia de modo agradável e com muita clareza.
Durante o Mestrado, li alguns dos livros da coleção "Obras Completas": "Interpretações dos Sonhos I", Duas Histórias Clínicas ("O Pequeno Hans" e o "O Homem dos Ratos"), além de "O Futuro de Uma Ilusão, o Mal-Estar na Civilização e Outros Trabalhos" disponíveis na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Inicialmente levada por uma necessidade acadêmica, pensava que seria uma tarefa difícil a leitura, porém me surpreendi como esta fluiu de forma relativamente fácil, principalmente na descrição e interpretação dos casos clínicos.
Ler Freud pode ser aprazível. Pode-se perceber o escritor impecável, seu talento narrativo e sua prosa rica, embora sua obra de Freud já tenha sido criticada como ingenuidade subjetiva, não tendo uma demarcação rígida entre prosa científica e prosa artística. Talvez por isso mesmo, a despeito dessa estética literária rígida, grande parte da obra de Freud seja de leitura agradável. Afinal, quem tem medo de Sigismund?

Referências

AMARAL, J.L. do; SABBATINI, R.M.E. Efeito placebo: o poder da pílula de açúcar. Rev. Cérebro e Mente. n. 9. Universidade Federal de Campinas: São Paulo, 1999.Disponível em http://www.epub.org.br/cm/n09/mente/placebo1.htm Acesso em: 23 jan 2010.
BOLTANSKI, L. As classes sociais e o corpo. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1989.
GAY, P. Freud: Uma Vida para o Nosso Tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
IBAÑEZ-GARCÍA, T. La Psicologia Social como dispositivo desconstruccionista. In: Ibañez-García, T. El conocimiento de la realidad social. Barcelona: Sendai, 1989.
KEHR, M. R. Você decide... e Freud explica. In: Chalhub, S. Psicanálise e o Contemporâneo. São Paulo: Hacker Editores, Cespuc, 1996.

LEITE, D. M. O caráter nacional braseiro: História de uma ideologia. São Paulo: Ática, 1992.
LEVY, L. Freud: Atual ou ultrapassado? Trabalho apresentado no Delphos Espaço
Psico-Social, Rio de Janeiro, 1994. Disponível em: http://febrap.org.br/pdf/Atualizando_Cena.pdf. Acesso em 22 jan 2010.
LOPES, R. J. Freud não explica (quase) nada. Disponível em: http://ceticismo.net/ciencia-tecnologia/freud-nao-explica-quase-nada/. Acesso em 23 jan 2010.
LOWENKRON, F. O ensino da psicanálise na graduação médica. Relatório para o Seminário Psiquiatria e Psicanálise Hoje, XV Congresso Brasileiro ed Psiquiatria. Brasília, Outubro de 1997. Disponível em: http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/original3_02.htm. Acesso em: 22 jan 2010.
MENDES, E. G. Freud e a fisiologia. Estud. av. 10(27): 79-93, 1996.
MOON, P. Novas pesquisas questionam teoria da evolução de Darwin. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI26070-15224,00-NOVAS+PESQUISAS+QUESTIONAM+TEORIA+DA+EVOLUCAO+DE+DARWIN.html. Acesso em: 23 dez 2010
PASQUALI, S. Uma "Crítica" (Sic) a Psicanálise Freudiana... Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/artigos/2043394. Acesso em 23 jan 2010.
PENA, S. Psicanálise: A Oficialização da Mentira. 1998. Disponível em: http://www.priory.com/psych/vitpsica.htm. Acesso em 23 jan 2010.

22 de janeiro de 2010

Relatório do Seminário V no Módulo de MCO2 em 2009.2

Relatório do Seminário V no Módulo de MCO2 em 2009.2

“Embora não possa alcançar a verdade e nem probabilidade, o esforço por conhecer e a busca da verdade continuam a ser as razões mais fortes da investigação científica.”
(KARL POPPER)
O exercício de leitura crítica de hoje em MCO2 foi feito sobre um estudo de revisão sistemática.

A divulgação do conhecimento acontece de forma muito rápida. Na área de Ciências da Saúde, nos últimos anos, um número crescente de periódicos publica estudos de revisão sistemática/meta-análise relacionados aos mais variados temas. A qualidade metodológica destes estudos, no entanto, precisa se adequadamente avaliada.

Denomina-se revisão sistemática da literatura a revisão planejada da literatura científica, que usa métodos sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente estudos relevantes sobre uma questão claramente formulada.

O objetivo dessa modalidade de estudo é reduzir possíveis vieses que ocorreriam em uma revisão não-sistemática, tanto os vieses observados na forma de revisão da literatura e na seleção dos artigos quanto aqueles detectados pela avaliação crítica de cada estudo. Meta-análise é o método estatístico utilizado na revisão sistemática para integrar os resultados dos estudos incluídos e aumentar o poder estatístico da pesquisa primária (SOUSA; RIBEIRO, 2009).

A metodologia de revisões sistemáticas da literatura e meta-análises, quando adequadamente conduzida, representa um desenho metodológico consistente. Aplica-se, idealmente, àquelas situações nas quais possuímos uma questão clínica relevante relacionada a intervenções terapêuticas, em geral onde ainda não existe um consenso dos estudos, ou quando não há uma comprovação sistemática ou adequada da eficácia/efetividade de um procedimento. É útil, também, naquelas situações em que encontramos vários estudos sobre determinada intervenção, mas possuímos dúvidas se seus resultados poderiam ter sido mascarados pelos pequenos números de pacientes envolvidos.

Concluindo, uma revisão sistemática, como qualquer outro tipo de estudo, possui vantagens e desvantagens quanto a sua utilização. Poderá ser bem conduzida, ou não. Em certas áreas de interesse, o seu uso, além de lícito, poderá trazer dados novos capazes de auxiliar a tomada de decisões clínicas na prática médica. Se mal conduzida, no entanto, poderá distorcer resultados e levar a conclusões equivocadas.

A seguir, um resumo dos elementos discutidos durante esse último seminário de MCO2 em 2009.2, a partir de um estudo de revisão-sistemática com meta-análise, enfocando principalmente a metodologia do artigo.

1- Introdução- A Introdução foi muito extensa. Há pelo menos um parágrafo que poderia ser completamente omitido.
- Não houve uma questão clínica explicitamente formulada no estudo. A pergunta da revisão sistemática merece ser clara e objetiva.

2- Metodologia

- Nesta revisão não se realizou uma busca completa e abrangente dos estudos. Idealmente, inúmeras fontes devem ser pesquisadas para a obtenção dos estudos. A maioria dos autores de revisões sistemáticas na área de saúde procura por trabalhos na base de dados da MEDLINE. Embora esta seja uma das mais completas e atualizadas bases de dados do mundo, outras bases de dados devem ser revisadas em busca de estudos. Não foram realizadas buscas na EMBASE (européia), na LILACS (latino-americana) nem na SCIELO. A PsycLit/PsycINFO, da American Psychological Association, por exemplo, abrange um grande número de publicações em saúde mental. Desta forma, aumentam-se as chances de obtermos trabalhos publicados em outras línguas ou regiões do mundo.
- Outra fonte importante de dados não pesquisada nesse estudo foi a chamada gray literature ("literatura cinza"), composta por teses, dissertações, relatórios, estudos internos de laboratórios (principalmente os que não foram publicados), anais de congressos e o contato direto com autores dos estudos anteriormente analisados. Esta estratégia objetiva diminuir o "viés de publicação", ou seja, o risco de se obterem apenas os estudos publicados com resultados favoráveis a uma intervenção. Ao ler criticamente um estudo de meta-análise/revisão sistemática, é necessário que se observem esses elementos.
- A qualidade metodológica dos artigos foi avaliada. Contudo, os parâmetros para hierarquizá-los não foram suficientes. Avaliaram-se as perdas durante o seguimento e a análise por intenção de tratar, mas não foram considerados adequadamente a ocultação da alocação nem a avaliação cega dos desfechos. Uma revisão sistemática/meta-análise bem conduzida exige que seja definido como os artigos foram avaliados quanto à qualidade metodológica: que critérios foram adotados pelos autores da revisão para denominar um artigo como bom, regular ou ruim, do ponto de vista metodológico? Estes critérios são válidos, ou amplamente aceitos? Qual peso foi dado para cada artigo, de acordo com o nível de evidência, no cálculo da meta-análise? Como foi realizado esse cálculo?
- Ainda sobre o tópico acima, é preciso ressaltar que é difícil definir qualidade, sobretudo diante de inúmeros instrumentos para avaliação desta. A qualidade dos métodos é a probabilidade do delineamento de um estudo gerar resultados sem vieses, ser suficientemente preciso e permitir a aplicação na pratica clínica.
- Os resultados dos ensaios incluídos foram combinados de forma adequada. Foi estimada a ocorrência de erros aleatórios nos resultados de cada através do cálculo dos intervalos de confiança e realizou-se a estimativa da razão de risco meta-analítico de Mantel-Haenszel. Foram feitos modelos de regressão voltados à metanálise, utilizando-se o modelo de efeitos fixos, que assume a existência de um único efeito de tratamento e qualquer variabilidade entre os efeitos estimados de tratamentos dos estudos é completamente devida à variabilidade amostral interna de cada um dos estudos.
- Foi realizada uma análise de sensibilidade. Os resultados da meta-análise continuaram os mesmos, ao se analisar separadamente os resultados dos estudos excluindo os ensaios quase-experimentais e os que apresentaram grande número d eperdas de seguimento. Esta "exclusão deliberada" de subgrupos é o que se chama de análise de sensibilidade. Como os resultados da meta-análise permaneceram semelhantes após as autoras realizarem uma análise de sensibilidade adequada, então as chances destes resultados serem realmente verdadeiros aumentam.
- Durante o seminário não se questionou o que viria a ser a análise de “intenção-de-tratamento”. Trata-se de uma estratégia para análise de dados que considera o grupo todo como submetido ao tratamento inicialmente pretendido, independente destes terem sido excluídos ao longo do estudo ou recebido tratamentos diferentes. O objetivo é evitar enviesamento ou manipulação de resultados pela desistência ou exclusão de participantes.

3- Resultados

- Após a obtenção dos artigos potencialmente incluídos, foi avaliada, independentemente, a qualidade por dois revisores para evitar viés de seleção. Entretanto, não se menciona a participação da terceira autora que deveria resolver as divergências entre as duas primeiras.
- Trabalhos dos mesmos autores parecem ter sido incluídos na amostra, pois selecionaram-se 18 artigos e 11 ensaios. A inclusão de duplicações de ensaios desvirtuam os resultados da meta-análise, dando margem a vieses de seleção.
- Não se faz menção aos instrumentos utilizados para a avaliação dos pacientes com esquizofrenia em cada ensaio. Sabe-se que são utilizados parâmetros de avaliação pouco uniformes para avaliar recaídas, sintomas e sobrecarga familiar nos estudos sobre esquizofrenia (GONÇALVES-PEREIRA et al., 2006), e este deve ser um fator que dificulta significativamente os trabalhos de meta-análise. Coutinho et al. (2003) ressalta que a qualidade dos estudos existentes desafia os limites toleráveis nas pesquisas sobre esquizofrenia. Esses autores mencionam o trabalho de Adams em 1998, que mostra que 75% dos ensaios sobre esquizofrenia usaram um total de 640 escalas eferentes para avaliar o desfecho, das quais 369 foram usadas somente uma vez.
- Foi trazido à discussão também a distinção entre a revisão sistemática e a revisão narrativa. Este assunto foi apresentado anteriormente neste weblog (ver o seguinte link: http://semiologiamedica.blogspot.com/2009/04/artigo-cientifico-original-x-revisao.html
).
- Questionou-se durante o seminário por que não foram incluídos estudos não-experimentais na revisão. No sentido de minimizar o risco de erros sistemáticos (viés), é altamente recomendável que se utilizem na análise dos dados apenas os resultados de ensaios clínicos. Ao se avaliarem estudos desenvolvidos com base em outros desenhos metodológicos (estudos de coortes, estudos tipo caso-controle), embora seja possível a utilização da metodologia de revisão sistemática, os resultados e conclusões desta revisão sofrerão limitações, dado o menor nível de evidência destes estudos. A questão da pesquisa (embora não explícita) é sobre intervenção e o estudo indicado para este problema é a pesquisa experimental.

4- Discussão
- Também se discutiram quais seriam as implicações dos resultados da revisão sistemática analisada para a prática clínica. Frente à necessidade de construir subsídios para a prática da atenção comunitária, a partir dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que devem funcionar como sustentação para o processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil, o estudo é relevante clínica e socialmente.

Referências usadas na análise crítica do artigo
GONÇALVES-PEREIRA, M. X. et al. Intervenções familiares na esquizofrenia: Dos aspectos teóricos à situação em Portugal. Acta Méd Port, 19: 1-8, 2006.
COUTINHO, E. S. F., HUF, G.; BLOCH, K. V. Ensaios clínicos pragmáticos: Uma opção na construção de evidências em saúde. Cad Saúde Pública, 19 (4): 1189-1193, 2003.
SOUSA, M. R.; RIBEIRO, A. L. P. Revisão sistemática e meta-análise de estudos de diagnóstico e prognóstico: um tutorial. Arq. Bras. Cardiol. 92 (3): 241-251, 2009.

Fonte da imagem: http://addictedtor.free.fr

19 de janeiro de 2010

Relatório do Seminário IV de MCO2 em 2009.2

Relatório do Seminário IV de MCO2 no semestre letivo 2009.2
No seminário de ontem em MCO2 foi apresentado e discutido um estudo experimental, um ensaio clínico randomizado (ECR), considerado padrão-ouro em termos de evidência científica.
Esse tipo de estudo é empregado para avaliar tratamento/intervenção, em que o investigador aplica um tratamento (ou outra intervenção) e analisa os resultados obtidos. Maior evidência pode ser obtida desses estudos pela redução da influência dos fatores de confusão, proporcionando-se a cada sujeito a mesma chance de participar de um grupo ou outro de tratamento (randomização) e eliminando a possibilidade dos efeitos observados terem sido influenciados por outros fatores além do efeito do tratamento em questão. Todas as fases do estudo experimental devem ser muito bem monitoradas para se evitar os vieses que embora possam ocorrer, fiquem minimizados, em um estudo prospectivo, no qual as variáveis são conhecidas previamente à intervenção propriamente dita, fazendo com que a validade interna dos resultados aumente. Como evidência científica, o artigo analisado pode ser classificado como um estudo de Grau A Nível 1c. Ressalta-se que este foi um estudo de maior consistência, coerência e clareza que os três artigos avaliados anteriormente neste semestre em MCO2. Contudo, alguns aspectos foram aventados sob a perspectiva metodológica com o objetivo de converter a leitura, a apresentação e a posterior discussão, em um exercício de análise crítica. As principais críticas relaciona-se à falta da descrição do processo de randomização e a falta de cálculo do tamanho da amostra. Em seguida, apresentam-se os principais pontos discutidos durante o seminário. 1- Título - Sugeriu-se que, sendo um ECR, os autores deveriam ter declarado no título o modelo do estudo e o modo como os pacientes foram distribuídos nos grupos. A presença no título de termos como “ensaio clínico” e “randomizado” é altamente recomendável (MARTINS et al., 2009). Essa medida facilita a indexação do trabalho nas bases de dados como ECR. 2- Introdução - A fundamentação teórica foi concisa e suficiente. - Este tipo de estudo consome mais tempo, é mais oneroso e deve ser escolhido para perguntas bem definidas. A pergunta da pesquisa não foi explicitada. Embora seja um estudo analítico e que verifica hipótese, esta também não foi formulada explicitamente. 3- Metodologia - Faltou menção ao local onde foi realizado o estudo e onde os dados laboratoriais foram coletados e analisados. - Os métodos de mensuração foram determinados, mas a variável primária e as variáveis secundárias não foram claramente definidas; não se sabe, de forma explícita, se a glicemia é a variável primária, ou se o são as variáveis antropométricas.
- Uma importante omissão foi o fato de não se ter mencionado como foi calculado o tamanho da amostra. Assim, os resultados negativos podem dever-se a erros tipo II. O cálculo do tamanho da amostra é uma etapa importante no planejamento do estudo, sendo sempre o ponto mais inicial para que os resultados obtidos possam responder à questão formulada. Se cálculos de tamanho de amostra não foram conduzidos a priori, o relato de um ensaio clínico com resultados negativos deveria prover cálculos de poder estatístico post hoc para detectar uma diferença clinicamente importante.
- Parâmetros necessários para cálculo do tamanho da amostra em ECR são desvio-padrão, diferença a ser detectada, nível de significância, poder do teste e direcionalidade do teste de hipótese (unicaudal e bicaudal). - Não foram esclarecidos os métodos usados para gerar a sequência de alocação aleatória; é importante relatar como se deu a randomização. Em outras palavras, qual o método usado para implementar a alocação aleatória (ex: containeres numerados, computador)? E a sequência se manteve em sigilo até que as intervenções tivessem sido designadas? Quem gerou a sequência de alocação, quem recrutou participantes e quem os alocou aos grupos? Estas são perguntas importantes que surgem na leitura do artigo e que ficam sem resposta. - Por outro lado, não se informa também se participantes, colaboradores e pesquisadores foram mantidos às cegas em relação à alocação aos grupos. E se não o foram, como parece ter sido o caso neste estudo, afirmar que o estudo é aberto. É possível que tenha havido impossibilidade de mascaramento uma vez que as intervenções não podiam ser ocultadas, porém quem analisou os dados poderia não ter conhecimento da designação dos pacientes para os grupos. O processo de randomização deve ser definidos a priori, bem como os parâmetros utilizados para avaliação dos resultados. Quanto menor possibilidade de erros sistemáticos, fatores de confusão, melhor a qualidade metodológica do estudo em questão. - A população estudada foi bem definida pelos critérios de inclusão, mas não foram descritos critérios de exclusão do trabalho. - O número de participantes perdidos no decorrer da pesquisa não foi mencionado. Em toda pesquisa existe uma quantidade variável de participantes que não persistem no estudo até seu final, mesmo sendo ela com um período de duração relativamente curta, como cinco meses. Perdas de seguimento dos pacientes ao longo do estudo podem afetar as conclusões deste, uma vez que a resposta desconhecida desses pacientes ao tratamento poderia mudar os resultados da comparação. Trabalhos com perda de pacientes acima de 20% devem ser vistos com dúvida. - O uso de medicamentos pelos pacientes participantes da pesquisa pode constituir um fator de confusão, pois estão desigualmente distribuídos entre os três grupos. A "suposta" randomização (que não foi descrita e deveria ter sido) poderia ter neutralizado esse possível viés. O critério aleatório de designação dos pacientes para os grupos faz com que as possibilidades de cada paciente vir a pertencer a cada grupo são determinas apenas pelo acaso. - Na análise estatística, poderia ter sido mais adequado o uso de medianas ao invés de médias como medida de tendência central, pois os grupos têm pequeno tamanho e não se sabe se as variáveis têm distribuição normal. - Os autores não justificaram com propriedade o modelo estatístico empregado nas inferências. Na estatística inferencial, o teste não-paramétrico de Kruskall-Wallis está bem indicado na comparação dos três grupos (análise intergrupos). Mas não a Anova de medidas repetidas, que é um teste paramétrico! Esta deveria ter sido substituída pelo teste de Wilcoxon, que é não-paramétrico para amostras pareadas. Uma técnica estatística é chamada paramétrica quando o modelo do teste especifica certas condições sobre os parâmetros da população da qual a amostra foi obtida, para que possa ser utilizada. Uma técnica estatística não paramétrica é aquela que compreende um teste cujo modelo não especifica condições sobre os parâmetros da população da qual a amostra foi obtida. Amostras pequenas geralmente exigem métodos não-paramétricos (por isso também chamados de métodos da estatística de pequenas amostras). - Os autores forneceram informação quanto às medidas basais dos grupos em estudo, o que é um aspecto necessário para avaliar os resultados posteriores à intervenção. - Não foram apresentados intervalos de confiança (IC) na descrição de resultados. A apresentação dos ICs é importante na avaliação da precisão das estimativas, sobretudo em relação às comparações em que nenhuma evidência foi encontrada. - Quanto à validade dos métodos usados para avaliação das variáveis, questionou-se se o Protocolo de Polock & Jackson usado neste estudo era aplicado à população geral ou apenas a atletas. Sabe-se que existem, na literatura, inúmeras equações que utilizam as medidas de dobras cutâneas e outras medidas antropométricas, como circunferências, para determinação da composição corporal. Glaner e Rodriguez-Añez (1999) citam Yuhasz (1962), Sloan (1967), Faulkner (1968), Katch e McArddle (1973), Jackson e Pollock (1978), Guedes (1988) e Petroski (1995). Verificou-se que esta última refere-se à validação no Brasil da equação de Pollock & Jackson (PETROSKI, 1999; PETROSKI, 1995).
- Entretanto, a validade dessas equações que utilizam medidas de dobras cutâneas para predizer a composição corporal é restrita para a população da qual essas equações foram derivadas. Portanto, a validade dessas equações precisa ser cuidadosamente avaliadas no momento da sua escolha. Para selecionar o método e a equação mais adequados, fatores como, idade, sexo, etnia, nível de atividade física e quantidade de gordura corporal, precisam ser levados em consideração (FONSECA et al., 2007; REZENDE et al., 2006). A idade, por exemplo, é um dos fatores determinantes para as alterações da composição corporal. Com o avançar da idade, ocorre redistribuição e aumento da gordura corporal, com redução da gordura corporal periférica e subcutânea e acúmulo intra-abdominal. - Diante dos dados existentes na literatura, percebe-se que equações muito generalizadas, que compreendem amplas faixas etárias, devem ser utilizadas com cautela, como ocorre com a de Polock & Jackson. Assim, diante da escassez, no Brasil, de estudos de validação das equações utilizadas para estimar a gordura corporal, é questionável a aplicabilidade dessas fórmulas, portanto mais estudos são necessários para assegurar uma avaliação da composição corporal mais fidedigna. - Outro questionamento que surgiu foi: O tempo de seguimento dos pacientes foi suficientemente longo e completo? O efeito do tratamento, na dependência da história natural da doença, só pode ser avaliado após um período adequado de tempo de seguimento. Esse período, quando encurtado, pode levar, por meio de desfechos intermediários, a conclusões inadequadas, que exageram ou reduzem os efeitos do tratamento (NOBRE et al., 2004). - O questionamento seguinte referiu-se às vantagens e desvantagens do ensaio clínico. Segundo Avezum et al. (1998), as vantagens e as desvantagens são as seguintes:

Vantagens: (1) os grupos apresentam maior probabilidade de comparação porque os fatores de confusão encontram-se provavelmente balanceados entre os grupos; 2) há maior probabilidade do pesquisador e pessoal envolvidos no estudo estarem sob a condição cega; 3) a maioria dos testes estatísticos está vinculada ao princípio da designação randomizada; 4) permite avaliação rigorosa de efeito de uma droga versus placebo ou outra droga em uma grupo precisamente definido (exemplo: infarto agudo do miocárdio dentro das primeiras 12h de início dos sintomas em pacientes com mais de 50 anos de idade); 5) planejamento prospectivo; 6) erradicação potencial de viéses; 7) permite utilização para revisões sistemáticas ou metanálises.

As desvantagens são as seguintes: 1) custos mais elevados e maior consumo de tempo; 2) os pacientes que voluntariamente aceitam participar do estudo podem não ser representativos da população; 3) segundo alguns, um tratamento potencialmente efetivo não seria administrado a alguns pacientes. Entretanto, desde que existam dúvidas quanto à eficácia de um tratamento, a melhor maneira de esclarecer e confirmar as sugestões promissoras é a comprovação científica através do estudo clínico controlado randomizado; 4) algumas vezes utiliza-se objetivos substitutos ao invés de objetivos clínicos relevantes preferencialmente; 5) falha em randomizar todos pacientes que preencham os critérios de inclusão e em aplicar a condição cega para os investigadores (AVEZUM et al., 1998).

4- Resultados - Não foi apresentado o fluxo de participantes em cada estágio (um fluxograma é recomendável). O fluxo deve demonstrar, para cada grupo, número de participantes alocados, que receberam tratamento, que completaram o protocolo e que foram analisados para resultados primários. O fluxograma deve mostrar os quatro estágios de um ensaio clínico randomizado controlado: recrutamento, alocação, acompanhamento e análise. Os autores devem usá-lo como guia e auxílio durante a realização do ensaio e seu relato, podendo incluí-lo no artigo a ser publicado. O CONSORT (Consolidated Standards of Reporting Trials), um protocolo de realização e relato de ensaios clínicos, desenvolvido por pesquisadores e editores, desenvolveu um fluxograma e uma lista de checagem para orientação dos pesquisadores em relação ao fluxo de pacientes. - Não foram descritos desvios do plano de estudos original, o que é recomendável no relato de ensaios clínicos controlados. - As datas dos períodos de recrutamento e acompanhamento também não foram mencionadas. - O número de participantes em cada grupo (denominador) deveriam ter sido incluídos em cada análise, sobretudo quando a amostra é relativamente pequena, ou quando determinado subgrupo da amostra é pequeno, o pesquisados deve expor as porcentagens e também as freqüências correspondentes. Por exemplo: apresentar resultados em números absolutos (ex: 10/20 e não 50%).
- Para cada grupo primário e secundário de dados obtidos, deveria ter sido apresentada a estimativa da precisão e do efeito (exemplo: 95% de intervalo de confiança). - No primeiro parágrafo da seção de Resultados, os autores afirmam que não houve diferença significativa entre na avaliação basal entre os três grupos. Daí, supõe-se que não houve diferença estatística significativa. Mas deveriam ter acrescentado o termo "estatística" ou, entre parênteses, o nível de p (p=NS) ou 0.05.
5- Discussão - Na interpretação dos resultados, além da análise dos resultados, deveriam ter sido considerados a hipótese, fontes potenciais de enviesamento ou imprecisão e os riscos associados à multiplicidade das análises e resultados e a validade externa das descobertas do estudo. - Foi feita uma adequada interpretação geral dos resultados no contexto das evidências atuais. - Espera-se que os autores da pesquisa indiquem todos os limites do estudo, quer se refiram à sua definição do problema, ao método escolhido e à sua aplicação, etc. - Os autores selecionaram a amostra tendo como um dos critérios de inclusão o índice de massa corpórea (IMC) de 25 a 35 kg/m2. Teria sido interessante um estudo comparativo com pacientes de diferentes idades e diferentes IMC. - A implicação da pesquisa para a prática médica não foi discutida. Considerou-se durante o seminário que a recomendação médica habitual de prática de três vezes por semana de exercícios físicos poderá passar a ser com uma frequência, pelos maiores benefícios potenciais desse exercício. Referências utilizadas para a análise crítica do artigo AVEZUM, Álvaro. Cardiologia baseada em evidências - IV. Principais estratégias de pesquisa e níveis de recomendações em cardiologia. Arq. Bras. Cardiol. 71 (5): 649-652, 1998. FONSECA, P. H. S.; MARINS, J. C. B.; SILVA, A. T. Validação de equações antropométricas que estimam a densidade corporal em atletas profissionais de futebol. Rev. bras. med. esporte;13 (3): 153-156, 2007. MARTINS, J.; SOUSA, L. M.; OLIVEIRA, A. S. Recomendações do Enunciado CONSORT para o Relato de Estudos Clínicos Controlados e Randomizados. Medicina (Ribeirão Preto), 42 (1): 9-21, 2009. NOBRE, M. R. C.; BERNARDO, W. M.; JATENE, F. B. A prática clínica baseada em evidências: Parte III Avaliação crítica das informações de pesquisas clínicas. Rev. Assoc. Med. Bras. 50 (2): 221-228, 2004. GLANER, M. F.; RODROGUEZ-AÑEZ, C. R. Revista Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano. 1 (1): 24-29, 1999. PETROSKI, E. L. Desenvolvimento e validação de equações generalizadas para a estimativa da densidade corporal em adultos. Tese de Doutorado: Universidade Federal da Santa Maria, 1995. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/8955761/Tese-Edio-Petroski. Acesso em: 19 jan 2010. PETROVSKI, E. L. Antropometria, técnicas a padronizações. 2a Ed. Porto Alegre: Pallotti, 1999. REZENDE, F. A. C. et al. Aplicabilidade de equações na avaliação da composição corporal da população brasileira. Rev. Nutr. 19 (3): 357-367, 2006.

16 de janeiro de 2010

Zilda Arns: Ser humano integral

Assisti recentemente a uma entrevista com Zilda Arns em que lhe perguntaram se ela era a mulher mais famosa do Brasil. Ela respondeu que sabia ser a mais amada. Não poderia ser diferente, seu lema era: "É preciso ajudar as pessoas a ter dignidade".
Médica pediatra e sanitarista brasileira, Zilda Arns lutou para salvar crianças pobres da mortalidade infantil, da desnutrição e da violência em seu contexto familiar e comunitário. Compreendendo que a educação é a melhor forma de combater a maior parte das doenças de fácil prevenção e a marginalidade das crianças, ela desenvolveu uma metodologia própria de multiplicação do conhecimento e da solidariedade entre as famílias mais pobres.
Assim, fundou em 1983 a Pastoral da Criança, órgão ligado à Igreja, para ajudar famílias carentes a criar os filhos em boas condições de higiene e saúde.
Recebeu diversas menções especiais e títulos de cidadã honorária. Da mesma forma, a Pastoral da Criança recebeu diversos prêmios pelo trabalho que vem sendo feito desde a sua fundação, sendo indicada ao Prêmio Nobel da Paz três vezes seguidas e recebeu 19 prêmios entre 1988 e 2002. São exemplos: menção especial pela UNICEF – Brasil como personalidade brasileira de destaque no trabalho em prol da saúde da criança; o Prêmio Internacional OPAS – Organização Pan-americana de Saúde, em Administração Sanitária, em 1994, e o título de Heroína da Saúde Pública das Américas, em 2002.

Todo esse reconhecimento não é por acaso. Ela dedicou sua vida à causa humanitária. O trabalho que liderava envolvia mais de 83 mil voluntários e acompanha mais de 2 milhões de famílias e 3 milhões de crianças menores de 6 anos de idade em 22 mil comunidades pobres de todo o país.

Uma líder que inspirava serenidade, determinação e doçura. Esta última estava patente em sua expressão, dizem que ficava feliz quando via que uma criança havia ganho peso e quando via que nenhuma gestante havia ficado sem reforço alimentar.

Zilda Arns encontrava-se no Haiti em missão humanitária e preparava-se para uma palestra sobre a Pastoral da Criança na Conferência dos Religiosos do Caribe quando começou o terremoto. Foi uma das vítimas fatais do forte terremoto que atingiu Porto Príncipe há quatro dias (12 de janeiro de 2010). Essa tragédia dizimou milhares de pessoas e também essa mulher extremamente altruísta e humana. Ela não foi apenas uma grande personalidade da Medicina brasileira, foi uma missionária do mundo.

15 de janeiro de 2010

Um Contraponto ao "laissez faire, laissez aller, laissez passer"...

Alguns aspectos observados na nossa vida acadêmica motivaram a presente postagem, que é o seguimento de um texto que publicamos anteriormente neste blog - link a seguir: 
Esta postagem refere-se ao estilo de liderança de um grupo e à relação aluno-professor. Sabemos que o estilo de liderança permeado pelo diálogo é bastante apropriado política e pedagogicamente. Mas tanto os estilos democrático quanto o liberal de liderança precisam ser sempre mesclados cuidadosamente com o estilo dito "autocrático" (considerando o que há de positivo neste), dependendo da situação e do grupo. 
Sabemos também que a liderança é um processo oneroso, mas necessário. Enfatizando especialmente suas qualidades pessoais de líder, percebe-se que certas características de personalidade devem ser facilitadoras no desempenho da liderança. Estas não são comuns a todos os líderes e a todos os professores universitários. Essas características são o desejo de liderar, o conhecimento das atividades, a honestidade, a credibilidade, a integridade, a diplomacia, a capacidade de diálogo e auto-confiança. Mas é preciso também exercer um adequado controle disciplinar sobre nossos alunos, particularmente quanto à assiduidade e ao cumprimento de atividades programadas, para o bom andamento das atividades e desenvolvimento da disciplina ou projeto. A liderança liberal parece ser muito valorizada por alguns colegas, mas não se pode assumir sempre o estilo liberal. Tampouco se pode seguir sempre o “laissez faire, laissez aller, laissez passer” ("deixar fazer, deixar ir, deixar passar") da liderança democrática. Partindo do princípio de que o nossos alunos e colegas atingiram a maturidade e são livres para pôr suas atividades e ações em prática e para coordenar sua maneira de aprender de forma autônoma etc, tudo muito democrático, como deveria ser; mas isso é um lado da moeda apenas, outro bem diferente são os problemas disciplinares e administrativos que ocorrem na assunção de um estilo exclusivamente liberal de coordenação de módulos didáticos em nosso curso. Não se cobrar assiduidade, por exemplo. Essa tática deveria funcionar no meio acadêmico, de alunos de graduação, mas não funciona. Podemos observar isso na prática. Os próprios alunos comentam a existência de disciplinas em que o sistema de cobrança é "rasgado", em que pesem as conotações que implicam esse termo.
Assim, um líder liberal pode encontrar muitas dificuldades em suas tarefas. Por isso, defendemos que ele não pode ser sempre liberal.
Ao contrário deste estilo, mas não renunciando a ele, o líder situacional adéqua seu estilo de acordo aos alunos com quem trabalha e com situações específicas. É preciso usar o que há de melhor nas lideranças autocrática, liberal, dependendo da situação e da circunstância. O líder não pode agir sempre da mesma forma, ou seja, ser sempre liberal ou sempre de forma autocrática. Não se está sugerindo o estilo docente “dono do time”, nem a motivação pelo “medo do chicote”. Mas, se não há comprometimento de um aluno, ou de um grupo de alunos, é necessário assumir o ônus de uma liderança mais estruturada e centralizada. 

Imagem que ilustra esta postagem: www. dominioti.wordpress.com

14 de janeiro de 2010

Relatório do Seminário III de MCO2 em 2009.2

Relatório do Seminário III de MCO2 no semestre letivo 2009.2
O seminário realizado ontem no módulo MCO2 consistiu na apresentação de um novo artigo científico e no subsequente debate dos aspectos metodológicos e estatísticos do trabalho. O artigo apresentado refere-se a um estudo de coorte retrospectivo e não-controlado realizado na área de Cardiologia.

A discussão focalizou principalmente aspectos negativos observados na seção de Métodos, em vista do grande número de lacunas existentes na descrição metodológica do trabalho, assim como as falhas na apresentação dos resultados. Nesse sentido, o debate resultou em um exercício produtivo sobre a metodologia dos estudos de coorte, sobretudo pelo fato de o delineamento do estudo debatido representar um desenho não-analítico e retrospectivo, subtipo de estudo de coorte até então desconhecido pelos alunos.

Neste sentido, toda a discussão ilustrou de forma clara a antiga lição de que, antes de lermos um trabalho é fundamental que deixemos nossa ingenuidade de lado, principalmente quando essa leitura se refere a textos científicos. Essa deve ser uma leitura criteriosa para separarmos o “joio do trigo”.

A seguir, estão resumidos os principais aspectos discutidos durante o seminário.
1- Título- O título foi considerado satisfatório, porém poderia ter sido mais curto e preciso, retirando-se palavras que não são essenciais, como “a longo prazo” e “exclusivo” sem perder seu poder informativo.
- Sugerimos uma mudança no título para “Coorte retrospectiva de pacientes após revascularização miocárdica com enxertos arteriais”.

2- Introdução
- Durante os anos 80 e 90, grandes estudos multicêntricos compararam a cirurgia de revascularização miocárdica com tratamento clínico instituído, mostrando uma mortalidade significativamente menor no grupo operado do que no grupo tratado clinicamente em 5 anos, apesar de que a diferença tendia a cair com um seguimento mais longo (PIRES et al., 2008). Então, este trabalho apresenta a grande vantagem de proporcionar resultados sobre os resultados da cirurgia de revascularização miocárdica em longo prazo.
- Não foi explicitada a pergunta de pesquisa nem a hipótese, mas esse aspecto pode ser omitido sem maiores implicações em termos de redação científica no caso deste estudo, já que não foi uma pesquisa analítica e sim, descritiva.
- No objetivo do estudo teria sido muito importante acrescentar um advérbio que indicasse a perspectiva de retrospecto: “O objetivo deste estudo é avaliar RETROSPECTIVAMENTE os resultados em longo prazo da revascularização do miocárdio...”, pois o estudo de coorte foi retrospectivo ou histórico.

3- Metodologia
- Este estudo foi de coorte retrospectivo e não-controlado, um modelo observacional usado para determinar efeitos clínicos, complicações de uma doença ou mortalidade. Os estudos de coorte apresentam menos vieses que os caso-controle por serem geralmente prospectivos, contudo, o referido estudo foi de coorte histórica, não-concorrente e, portanto, sujeito a vários problemas de validade interna.
- Para tornar a análise do estudo mais difícil, a sua metodologia não foi descrita de modo adequado. Na realidade, a descrição metodológica foi ínfima. Apenas o primeiro parágrafo contém dados que deveriam estar nesta seção do artigo. Os demais parágrafos e a tabela 1 deveriam ter sido corretamente apresentados na seção de Resultados!
- Mesmo sendo um estudo retrospectivo, poderia ter sido descrita a técnica cirúrgica, uma vez que tais dados estão contidos nos prontuários dos pacientes submetidos a cirurgias, nos seus relatórios operatórios. É importante saber as semelhanças e diferenças nos procedimentos cirúrgicos dos pacientes incluídos no estudo, pela implicação metodológica que representam os vieses.
- Na estatística descritiva, além das frequências e médias apresentadas, deveria ter sido relatado o desvio-padrão, ou, pelo menos, medidas separatrizes, para que se pudesse avaliar a variabilidade das variáveis quantitativas, como a idade, a sobrevida, o tempo livre de sintomas, etc.
- Na estatística inferencial, foi empregada a técnica de Kaplan-Meyer. As técnicas estatísticas conhecidas como análise de sobrevida são utilizadas quando se pretende analisar um fenômeno em relação a um período de tempo, isto é, ao tempo transcorrido entre um evento inicial, no qual um sujeito ou um objeto entra em um estado particular e um evento final, que modifica este estado. Assim, os autores descreveram não só, como sugerido por seu nome, se os pacientes vivem ou morrem, mas também outros desfechos dicotômicos tais como recaída da doença, reintervenção, evento cardíaco, etc.
- Geralmente, as pessoas são incluídas no estudo em diferentes tempos do ano calendário; porém, na análise, todos os indivíduos têm seu tempo de sobrevivência contado a partir da entrada no estudo (que é considerado como tempo zero). Os inícios são, portanto, truncados à esquerda, ou seja, a observação de cada indivíduo começa a partir de determinado momento, sem levar em conta o que aconteceu no passado.
- O método atuarial calcula as probabilidades de sobrevida em intervalos fixados previamente, e o número dos expostos a risco corresponde aos pacientes vivos ao início de cada intervalo x. O número de expostos (lx) é ajustado de acordo com o número de perdas que ocorreram neste período, na suposição de que tais perdas ocorreram uniformemente durante o período x e que a experiência subsequente dos casos perdidos é a mesma daqueles que permanecem em observação. Assim, na presença de perda, é feito um ajuste no número de pessoas expostas ao risco no início do período x, subtraindo-se metade das censuras do total de expostos ao risco no início do período, supondo-se que estes indivíduos estiveram, em média, expostos ao risco apenas metade do intervalo de seguimento (BUSTAMANTE-FEREIRA et al., 2002).
- Deveria ter sido feita uma estratificação dos pacientes em vários intervalos de idade, para se compararem os resultados ajustados em função desta variável.
- Não foi calculado o tamanho da amostra. Será que o tamanho amostral foi suficiente para estudar esse problema de pesquisa?
- A estrutura de um estudo de coorte retrospectivo é essencialmente o mesmo que o prospectivo: Um grupo de indivíduos é acompanhado através do tempo com a medição de variáveis preditivas potenciais no início e a avaliação da subsequente condição de interesse. A diferença é que a formação da coorte, as medidas iniciais o acompanhamento e o diagnóstico final, tudo, ocorreu no passado. Esse tipo de estudo somente é possível se são disponíveis dados adequados sobre fatores de risco e diagnóstico dos indivíduos da coorte.
- Como os estudos prospectivos, coortes retrospectivas podem estabelecer relações causais e estabelecer se a exposição precede a doença, e são muito menos dispendiosas e mais rápidas. As desvantagens são que neste estudo o investigador não tem controle sobre a natureza e qualidade das medidas realizadas da exposição. Os dados existentes podem não incluir informações importantes, ou estas podem estar incompletas, imprecisas ou medidas de maneira que não respondam a pergunta da pesquisa (SILVA, 1998).

4- Resultados
- Os dados do estudo estão repetidos: os mesmos dados são apresentados em tabelas e em figuras.
- Na Tabela 1, a variável "idade" não está descrita em porcentagem, como os demais dados da mesma; assim esta variável deveria ter sido apresentada no próprio texto ou, se houvesse outros dados apresentados como médias, em outra tabela, juntamente com estes.
- Nesta mesma tabela, não havia necessidade de incluir “sexo feminino”, pois quando de apresenta a frequência do masculino, obviamente se deduz a porcentagem equivalente à outra categoria de gênero.
- Na Tabela 1, teria sido conveniente incluir a variável “Idade superior a 70 anos”, indicando-se a porcentagem de pacientes mais velhos na casuística.
- Na Tabela 1, indica-se que 5,2% tinham antecedente de safenectomia bilateral prévia, o que parece contraditório com o relato de que a cirurgia de revascularização, que é o evento de partida do estudo, foi a primeira cirurgia desse tipo em todos os pacientes incluídos.
- Ainda na Tabela 1: Alguns números apresentam dois dígitos decimais. Estes deveriam ter sido arredondados.
- Não foram relatados no estudo os resultados das cineangiocoronariografias pré-operatórias dos pacientes. Poderiam ter sido descritas as características deste exame em uma tabela, indicando-se qual a frequência de comprometimento coronário triarterial, por exemplo. Tais informações estão geralmente nos prontuários dos pacientes.

5- Discussão
- Na Discussão, apresenta-se uma extensa e penosa revisão da literatura, como se fosse uma nova Introdução do artigo, só que, naquela, não houve nenhuma parcimônia e tomou-se a maior parte da seção (10 dos 12 parágrafos).
- Não se realizou um confronto com os dados primários do próprio trabalho apresentados na seção de Resultados. Ou seja, não se comentaram os dados da pesquisa e estes não foram comparados com os resultados dos demais estudos semelhantes já publicados. Portanto, os resultados da pesquisa não são realmente interpretados.
- Há uma informação na Discussão que não tem a correspondente apresentação na seção de Resultados: "A perda de seguimento foi de 13,8%". O que se comenta na seção de Discussão deve ter sido anteriormente descrito na seção de Resultados.
- Por outro lado, os autores consideram que uma perda de 13,9% foi considerada aceitável. Essa afirmação encontra ressonância na literatura, pois apenas uma perda de magnitude maior, como 20% (NOBRE et al., 2004), alteraria as conclusões, uma vez que é mais provável que somente os pacientes de melhor condição clínica terminem o estudo. Ao avaliarmos o número de perdas do estudo, devemos sempre levar em consideração que o evento morte pode estar presente em todos os pacientes com seguimento perdido. Tais perdas reduzem o poder estatístico dos testes e a precisão das estimativas fazendo com que a questão de pesquisa não seja mais aceita.
- Foi questionado durante o seminário por que todos os pacientes acompanhados tinham sido submetidos à primeira cirurgia e não havia pacientes com reintervenção cirúrgica no início da coorte. Os resultados de reintervenções geralmente têm piores resultados.
- Também foi interrogado no seminário sobre o relato de desfecho após um ano de seguimento, e posteriormente, em intervalos maiores, sendo esclarecido que uma das razões para esse critério é o fato de que aproximadamente 15 a 20% dos enxertos fecham no primeiro ano; nos próximos 5 anos, a porcentagem de oclusão é de 2% ao ano, e subsequentemente, 4% ao ano (PIRES, 2008).
- Discutiu-se também se a falta de dados referentes ao controle de variáveis intervenientes durante o seguimento, tais como colesterolemia e glicemia, controle do tabagismo e consumo de álcool, comprometeria a validade do estudo, uma vez que está estabelecido que o desenvolvimento de aterosclerose em enxertos arteriais e venosos é mais frequente e rápido em pacientes com hiperlicolesterolemia e hipertrigliceridemia (DALLAN et al. 1998). Evidentemente, não foi possível realizar controle destas variáveis, pois o estudo foi retrospectivo.
- Então, concluiu-se que existiram várias fontes de vieses nessa pesquisa. Os problemas dos estudos não-concorrentes são, além de viés de informação, a inabilidade para controlar variáveis de confusão (falta de informação).
- Por outro lado, não houve grupo controle no estudo, o que compromete ainda mais a validade interna da pesquisa. Para definir se um estudo de coorte retrospectivo possui validade interna, avalia-se a presença de vieses de seleção e informação, a qualidade do seguimento dos sujeitos da pesquisa e a presença de fatores de confusão, como discutido anteriormente.
- Outra suposta fonte de viés considerada foi a relação numérica entre homens e mulheres na amostra (109/27). Evidentemente está bem estabelecido que as mulheres apresentem uma menor incidência de coronariopatia do que os homens. Entre os 25 e 35 anos os homens apresentam menor prevalência de coronariopatia 2 a 3 vezes maior, entre 36 e 39anos 1,7 vezes maior, mantendo a maior prevalência até os 70 anos. Apenas após os 75 anos observa-se que a frequência torna-se igual em ambos os sexos (CARVALHO FILHO et al., 1996).
- Assim, anda que as mulheres estejam relativamente protegidas contra os eventos coronarianos durante a idade fértil, esta proteção desaparece em mulheres fumantes e/ou diabéticas, cuja incidência de coronariopatia se iguala à dos homens em condições semelhantes. Desse modo, a proporção homens e mulheres na amostra superestima a proporção existente entre os sexos. A maioria das pesquisas, como esta que discutimos, é relativa às causas, prevençäo e mesmo diagnóstico e tratamento foi conduzida com homens, sendo necessários mais estudos sobre aterosclerose em mulheres.

6- Referências
- A cirurgia de revascularização miocárdica parece ser o procedimento médico mais estudado dentre todos os que existem. Nesse sentido, a bibliografia não é satisfatoriamente atualizada. Ao serem pesquisados na Medline com os unitermos, ("myocardial revascularisation AND cohort[All Fields], limitando-os ao ano de 2002 e 2007 ( o trabalho foi aceito para publicação em junho de 2008), ou seja nos cinco anos anteriores à publicação, sendo encontrados 1.280 artigos, indicando que provavelmente houve falta de atualização bibliográfica.
7- Considerações sobre publicação duplicada- Encontrou-se uma publicação prévia que se superpõe substancialmente a este trabalho analisado, outro artigo já publicado 4 anos antes no mesmo periódico (LISBOA et al., 2004). A maioria das revistas não deseja receber artigos com trabalhos que já tenham sido publicados, ou que estejam contidos em outro artigo que tenha sido submetido ou aceito para publicação em outro periódico. Nesse caso, como foi publicado no mesmo periódico, supõe-se que ocorreu por escolha do autor e do editor.
8- Referências utilizadas para a análise crítica do artigoBUSTAMANTE-TEIXEIRA, M. T.; FAERSTEIN, E.; LATORRE, M. R.. Técnicas de análise de sobrevida. Cad. Saúde Pública 18 (3): 579-594, 2002.
CARVALHO FILHO, E . et al. Fatores de risco de aterosclerose na mulher após a menopausa. Arq. bras. cardiol 66 (1): 37-45, 1996.
DALLAN, L. A. et al. Revascularização completa do miocárdio com uso exclusivo de enxertos arteriais. Rev Bras Cir Cardiovasc 13 (3), 1998.
LISBOA, L. A. F. et al. Seguimento clínico a médio prazo com uso exclusivo de enxertos arteriais na revascularização completa do miocárdio em pacientes com doença coronária triarterial. Rev Bras Cir Cardiovasc 19 (1): 9-16, 2004 .
NOBRE, M. R. C. et al. A prática clínica baseada em evidências: Parte III Avaliação crítica das informações de pesquisas clínicas. Rev. Assoc. Med. Bras. 50 (2): 221-228, 2004.
PIRES, M. T. B. Revascularização Cirúrgica do Miocárdio - parte I. 2008. Disponível em: http://www.medicina.ufmg.br/edump/cir/revasc1.htm. Acesso em 14 jan 2010.
SILVA, E. M. K. Principais tipos de pesquisa clínica. In: Atallah, A. M.; CASTRO, A. A. Medicina Baseada em Evidências: Fundamentos da pesquisa clínica. São Paulo: lemos Editorial, 1998.

Fonte da imagem ilustrativa desta postagem: http://www.nature.com

12 de janeiro de 2010

Relatório do Seminário II de MCO2 em 2009

Relatório do Seminário II de MCO2 em 2009.2, realizado em 11/01/10
No seminário de ontem em MCO2 foi apresentado e discutido um artigo científico original de estudo caso-controle de base hospitalar realizado na região metropolitana de São Paulo entre 1999 e 2002 e publicado em 2007, com o objetivo de investigar fatores de risco ocupacionais para câncer de laringe. Trata-se de uma pesquisa de Nível de Evidência A (estudos observacionais de melhor consistência).

Reiteramos que o objetivo desse exercício didático dos seminários é o treinamento dos alunos do módulo de MCO2 na atividade de análise crítica de artigos científicos. Tal análise leva em conta pontos positivos e negativos dos artigos, sabendo-se que mesmo trabalhos de Nível de Evidência A têm falhas. Alguns erros são inevitáveis e evidentemente a detecção de alguns erros não invalida a investigação. Em todos os estudos se cometem erros.

Classificamos o artigo analisado e o veículo de sua publicação como de boa qualidade.

Abaixo estão os aspectos discutidos durante o seminário em cada seção do artigo analisado.
1- Título- O título é conciso. Não há termos desnecessários, mas faltou mencionar a amostra ou local onde foi realizada aa pesquisa.
- Um título adequado deve incluir tipo do estudo, principais variáveis e/ou amostra. Assim, uma sugestão para aperfeiçoar o título seria: “Riscos ocupacionais para o câncer de laringe: um estudo caso-controle de base hospitalar na Região Metropolitana de São Paulo”.

2- Resumo
- O resumo deve ser uma síntese completa do artigo, mas foi omitida a conclusão no resumo deste trabalho.

3- Introdução
- Na Introdução, apresenta-se a relevância do tema, relatando-se a incidência da doença no mundo e no Brasil. Inicialmente, mencionam-se os principais fatores de risco para a doença, que são tabagismo e etilismo, para, posteriormente, salientar-se o risco ocupacional, com a descrição de estudos que mostraram associação entre o câncer de laringe e vários agentes químicos.
- Afirma-se que “entre os agentes ocupacionais, o único carcinógeno estabelecido para câncer de laringe é a exposição a névoas de ácidos inorgânicos fortes”, salientando-se, entretanto, no mesmo parágrafo, que “Tintas e gases de combustão de gasolina e diesel aparecem como agentes ocupacionais que aumentam o risco para o câncer de laringe”, o que parece contraditório com a primeira afirmação de que ácidos orgânicos fortes seriam o único carcinógeno estabelecido para esse tipo de câncer. Posteriormente, são referidos vários trabalhos que indicam a existência de associação do câncer de laringe com poeiras (madeira, carvão) e óleos usados na indústria automobilística.
- Nesse aspecto, observou-se outro ponto que deve ser criticado: nos trabalhos aludidos não se encontrou significância estatística nas associações de risco. Considera-se que se não há significância estatística, então não se estabele associação de risco. A probabilidade do acaso como uma possível explicação para os resultados observados é considerável, sendo assim, esses estudos deveriam ter sido considerados como evidência de que não se encontrou associação entre as variáveis. Em estudos quantitativos, após a estimação dos parâmetros deve-se proceder sempre à investigação da significância estatística dos mesmos.
- Quanto à ocupação, há algumas atividades consideradas de risco para o câncer de laringe na literatura, dentre elas estão aquelas onde ocorre exposição ao níquel, gás mostarda e asbesto (MENEZES et al., 2002. Desde 1970, a exposição a asbesto tem sido considerada como fator de risco, inclusive por meio de estudos de caso-controle. Também a radiação tem sido identificada como cancerígena (CRESPO et al., 2005), inclusive a exposição á radiação não-ionizante.
Andreotti et al. (2006) relatam também que mecânicos de veículos estão expostos habitualmente a vapores derivados da combustão de motores a gasolina, diesel ou álcool anidro; solventes; névoas de óleos minerais lubrificantes e ácidos fortes; partículas de materiais isolantes como fibras de amianto e de vidro; poeiras metálicas e abrasivas; aldeídos; fumos de solda e fuligem; entre outros.
- Esses agentes químicos foram revisados nas monografias da International Agency Research on Câncer (IARC), a Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (IARC, 2002), e a maioria foi classificada como definitivamente carcinogênica para os humanos (Grupo 1), outra parte como provavelmente carcinogênica (Grupo 2A) e uma pequena parcela como possivelmente carcinogênica (Grupo 2B). Isto confere plausibilidade biológica para o achado mais relevante deste estudo. O fato de o risco ter sido detectado tanto para a atividade em oficinas mecânicas como para a ocupação de mecânico de veículos, bem como o aumento do risco nos expostos por dez ou mais anos, estabelece consistência aos resultados encontrados.
- Os níveis de câncer de laringe entre grupos ocupacionais podem ser explicados pelo efeito de posição socioeconômica, na medida em que esta pode favorecer a exposição a agentes causadores de câncer ou promover um “estilo de vida” em que fatores de risco estejam mais presentes (Op. Cit).
- Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, a Poluição Tabagística Ambiental é a maior fonte de poluição em ambientes fechados e o tabagismo passivo, a terceira maior causa de morte evitável no mundo, perdendo apenas para o tabagismo ativo e o consumo excessivo de álcool (IARC, 1987). No trabalho analisado no nosso seminário, não se consideraram os não-fumantes expostos nos ambientes de trabalho, onde a exposição pode ser maior e, portanto, este deveria também ser considerado um possível fator de confusão.
- Não foi formulada uma hipótese específica de forma explícita e não foi identificada uma pergunta clara para a pesquisa. A pergunta da pesquisa encontra-se implícita no texto do artigo e foi explicitada no seminário como sendo a seguinte: “Quais são os agentes ocupacionais químicos, dentre os relacionados na literatura, associados ao câncer de laringe na população da Grande São Paulo?”.
- A introdução foi extensa, contendo 677 palavras. Esta seção poderia ter sido bem mais curta, apenas com as informações necessárias, não entrando em detalhes desnecessários sobre os estudos e agrupando vários destes, o que proporcionaria quase a mesma informação.

4- Metodologia
- Os testes estatísticos empregados foram adequados ao medelo e problema de pesquisa. As variáveis foram descritas apresentando porcentagem para dados discretos, média e desvio-padrão para dados contínuos. Um modelo múltiplo, através de uma regressão logística, foi criado para ajustar as múltiplas associações. O teste do qui-quadrado foi utilizado na comparação entre proporções, e a regressão logística não condicional na análise multivariada. A significância estatística referente à introdução de cada variável no modelo foi avaliada pelo teste de razão de verossimilhança. Este é um teste de significância da diferença entre a estatística. Foram criadas as funções de verossimilhança para a odds ratio apresentada em termos pontuais e em IC de 95%.
- Esta associação tabagismo-etilismo tem relevância para a pesquisa na análise de regressão múltipla. Já que esses dois fatores bem estabelecidos para câncer de laringe têm efeito multiplicador, esta técnica estatística avalia justamente a contribuição de cada um isolada e simultaneamente e reduz viés de confusão. Em Epidemiologia, a regressão logística tem como objetivo descrever a relação entre um resultado (variável dependente ou resposta) e um conjunto simultâneo de variáveis explicativas (preditoras ou independentes), mediante um modelo que tenha bom ajuste, que seja biologicamente plausível. Na análise estratificada, que também foi feita, tem-se o mesmo propósito, mas as relações são efetuadas uma a uma, isto é, somente é possível obter a estimativa do risco para um único fator de cada vez, controlando-se o conjunto das demais variáveis. (GIMENO; PEREIRA, 1995).
- Os autores do artigo afirmam terem usado uma nova metodologia, mas não citam a referência em que a metodologia foi validada. No caso de metodologias menos usadas, ou novas, é preciso fundamentar os seus procedimentos e a sua concepção. Além disso, não houve uma fundamentação para o uso do critério de classificação de fumantes e não fumantes, assim como para a quantificação dos primeiros.
- A possibilidade de reprodução dos resultados obtidos (metodologia) não permite a possibilidade de se realizar o mesmo trabalho em outra região do Brasil para se chegar aos mesmos resultados, pois a metodologia não é suficientemente descrita, impossibilitando sua replicação. Também não foi mencionada sua reprodutibilidade e acurácia, já que os instrumentos de coleta de dados não são conhecidos. A mesma metodologia só poderia ser utilizada em outro estado se houvesse um contato com os autores para conseguir detalhes e os questionários da pesquisa, pois a leitura do artigo não é suficiente para que outros autores, por exemplo, de João Pessoa, na Paraíba, pudessem replicar a pesquisa.
- Os autores também não indicaram o motivo ou a fundamentação da seleção de entrevistados que residissem na região metropolitana de São Paulo há no mínimo seis meses. Por que não um ano, ou dois? Que critério ou fundamentação foi empregado para essa definição temporal de seis meses?
5- Resultados- Todos os dados apresentados são descritos nos métodos (e vice-versa). Contudo, os títulos das tabelas 1 e 2 estão incompletos. Observaram-se também erros nas somas de sujeitos em cada categoria na Tabela 1.
- Novamente se faz menção a resultados sem significância estatística senso considerados como associados: “...maior escolaridade (ensino médio/ensino superior) esteve associada, sem significância estatística, ao menor risco de câncer de laringe (OR = 0,39; IC95%: 0,14-1,12). Se não há significância estatística, não há associação. O mesmo problema de interpretação que foi aludido na análise da Introdução.
- A proporção de mulheres no grupo controle é quase duas vezes maior que a proporção de mulheres no grupo caso.Questionou-se se esse aspecto poderia constituir um viés, já que os homens são mais suscetíveis ao desenvolvimento de câncer de laringe. A porcentagem de casos femininos é de 14% do total de sujeitos deste grupo (n=122), enquanto que a de controles femininos é de 24% (n=187). Aqui deveria ser feito um teste estatístico para verificar se há diferença significativa em relação ao total de participantes da pesquisa. Seria estatisticamente significativa a diferença entre 14% e 24%? Um teste com tabela 2 x 2 tipo qui-quadrado. Esta diferença não é estatisticamente significativa ( p=0,22).

6- Discussão
- A discussão deveria ter sido iniciada com a resposta à pergunta da pesquisa e se a hipótese foi corroborada pelos resultados. Este é um aspecto metodologicamente importante, mas geralmente omitido ou negligenciado nos trabalhos publicados no Brasil.
- Verificou-se também uma das principais deficiências frequentemente encontradas nos artigos médicos é encarar a Discussão como referente apenas aos resultados do estudo. A realidade é que a Discussão deve se referir à globalidade do estudo, incluindo uma forte e consistente discussão da metodologia, abordando os seus pontos fortes e as suas falhas.
- A consistência e a força das associações encontradas deveriam ter sido comentadas na Discussão, assim como a relação dose-efeito verificada, o que dá mais consistência ao resultado encontrado. O aumento cumulativo do risco de acordo com o tempo de duração do hábito e a dose de consumo deveriam ter sido discutidas também.
- A abordagem utilizada neste estudo para avaliar o efeito dos fatores ocupacionais, por ramo de atividade e ocupação, não permite inferências sobre exposições específicas, pois foi elaborada sem a construção de hipóteses a priori sobre os agentes físicos e químicos ocupacionais possivelmente associados ao câncer de laringe.
- Ao tentar explicar achados inesperados, como a falta de associação de câncer de laringe e exposição a ácidos orgânicos fortes, os autores
- Na Discussão, são repetidos resultados no segundo e sétimo parágrafos, inclusive com vários dados numéricos.
- Deveria ter sido avaliada a implicação dos resultados para a prática clínica, assim como para o conhecimento teórico sobre o problema.
- Outro problema é o viés de seleção de casos e controles, que pode ser atenuado se os casos forem selecionados em uma única área com a observação de critérios bem padronizados para sua inclusão no grupo. Isso resultaria em maior comparabilidade interna entre casos e controles e, portanto, uma estimativa mais consistente do risco.
- A escolha do grupo controle constitui um dos pontos mais importantes do delineamento dos estudos tipo caso-controle, devendo buscar a máxima semelhança entre casos e controles, à exceção do fato de os controles não apresentarem a doença objeto do estudo. No entanto, isso é difícil de ser obtido, pois até irmãos gêmeos são submetidos a diferentes exposições ambientais.
- De uma maneira geral, para evitar possíveis distorções determinadas pela escolha dos controles entre pacientes hospitalizados, recomenda-se que esses controles sejam escolhidos entre indivíduos que vivam na vizinhança dos casos, ou sejam parentes, ou colegas de trabalho ou de escola, ou que mantenham alguma relação de proximidade com os casos.
- Não foi discutido o potencial viés de seleção representado pela escolha dos sujeitos dos dois grupos do estudo, no sentido de que a presença de fatores de risco deve ter afetado a probabilidade de hospitalização. Os casos foram selecionados em quatro hospitais eram gerais e dois, especializados em câncer. Como os autores afirmam na discussão: "Em estudos caso-controle, a seleção dos participantes constitui uma grande preocupação. Para os casos selecionados nos hospitais especializados, foram recrutados controles em hospitais gerais que atendiam população proveniente da mesma área ou população similar." Assim, justificaram que os hospitais especializados atendiam à mesma população. Mesmo assim, esses sujeitos podem não ter as mesmas características do grupo de casos. A taxa de admissão dos casos pode ter sido diferente da dos controles.
- A inclusão no grupo controle de pacientes admitidos no hospital por doenças associadas positiva ou negativamente com os fatores de risco conhecidos ou suspeitos para câncer de laringe podem introduzir um viés de seleção. Não mencionaram este aspecto no trabalho. Pela descrição dos diagnósticos dos controles, observa-se que as doenças estavam distribuídas em várias categorias diagnósticas, de modo que nenhuma doença fosse representada em excesso no grupo. Não mencionaram também quantos pacientes foram incluídos no grupo controle e que eram portadores de outros tipos de câncer.
- A etnia dos pacientes estudados também não foi mencionada como possível fator de confusão. O grupo étnico dos pacientes pode constituir um fator de confusão também, assim como idade e sexo. Também o status sócio-econômico deveria ter sido considerado. Etnia e nível sócio-econômico não foram variáveis controlados e sequer mencionados.
- Além disso, em poucas investigações foram apresentadas as medidas de efeito das categorias socioeconômicas antes e após a incorporação das variáveis de controle no modelo. Esse aspecto poderia ter sido considerado no estudo que discutimos. Tal conduta permitiria estimar quais fatores mediam a ação das condições socioeconômicas na ocorrência do câncer, porém identificou-se que essa dimensão ainda está pouco explorada nas investigações epidemiológicas sobre o tema (MENEZES et al., 2002).
- Dado que a análise retrospectiva dos dados obtidos depende muito da memória dos casos e dos controles, isso pode gerar vieses de memória, que os autores tentaram minimizar com a aplicação de instrumentos detalhados e longos, mas isso pode ter gerado outro viés, ao levar ao cansaço e fadiga dos pacientes em entrevistas que duraram em média, 85 minutos.
- Deveria ter sido mencionado na Discussão o risco que é apontado para o uso profissional da voz, com destaque para a ocupação de professor do sexo feminino com risco elevado para o câncer de laringe (ANDREOTTI et al., 2006). Os autores deveriam ter mencionado que esse aspecto não pôde ser avaliado devido á existência de apenas um paciente na amostra com essa história ocupacional, comentando-se também a razão deste achado na casuística.
- Alguns aspectos da estrutura desta pesquisa podem ser assinalados como tendo influência nos resultados: falhas na obtenção da história ocupacional, erro de classificação não diferencial da exposição, e a influência de fatores de confusão não avaliados, como dieta, fatores genéticos, infecção por vírus.
- Este trabalho apresenta o aspecto inovador de fazer análises que classificam os indivíduos não apenas pelo título da atividade, mas distinguindo quais indivíduos foram ou não expostos a agentes carcinogênicos. Assim, informações adicionais considerando-se exposições específicas a substâncias químicas ou agentes físicos foram importantes para qualificar os riscos observados por este tipo de abordagem e deveria ter sido salientado como um ponto forte do estudo.
- Poderia ter sido feita uma sugestão de trabalhos futuros, ou seja, a descrição de trabalhos futuros que os autores sugerem e sua importância/objetivo.

7- Conclusões
- As conclusões foram diretas e concisas e anunciadas de maneira parcimoniosa, embora não tenha figurado no resumo, como foi salientado anteriormente.
- As conclusões não figuraram em uma seção a parte. As regras de publicação de diferentes revistas médicas não são consensuais acerca da independência desta seção dos artigos científicos. O leitor, antes de criticar a inclusão ou não das Conclusões na Discussão, deve verificar se os autores se limitaram a cumprir as regras editoriais que lhes foram impostas. É nossa opinião, no entanto, que os princípios de clareza da escrita científica são favorecidos pela existência de uma seção de Conclusões independente para os artigos de investigação original.
- O trabalho apresentado tem implicações sociais, sobretudo na área de saúde do trabalhador, e que deveriam ter sido salientadas. Os fatores identificados no estudo como associados ao câncer de laringe devem ser informados aos gestores públicos e agências governamentais, indicando-se a necessidade de ações específicas de vigilância na área de saúde do trabalhador, para controle da exposição a esses agentes nos ambientes de trabalho.
8- Referências- A bibliografia do artigo não é atualizada. Ao serem pesquisados no banco de dados Medline com os unitermos, “laryngeal”, “cancer”, “case-control”, limitando-os do ano de 2000 a 2007, foram encontrados 212 artigos, indicando que a falta de referência mais atuais (entre 2000 e 2007) não se deveu à escassez de trabalhos sobre o problema de pesquisa abordado.



9- Referências utilizadas para a análise crítica do artigoANDREOTTI, M. et al. Ocupação e câncer da cavidade oral e orofaringe. Cad. Saúde Pública 22 (3): 543-552, 2006.
CRESPO, A. N.; CHONE, C. T.; TINCANI, A. J. Câncer de laringe: Diagnóstico. http://www.fcm.unicamp.br/diretrizes/d_n_c/diagn_ca_%20laringe/diag_ca_laringe_pag1.html
GIMENO, S. G. A.; SOUZA, J. M. P. Utilização de estratificação e modelo de regressão logística na análise de dados de estudos caso-controle. Rev. Saúde Pública 29 (4): 283-289, 1995.
IARC (2002) International Agency of Reaserch in Cancer. Tobacco Smoke and Involuntary Smoking. Monographs on the Evaluation of Carcinogenic Risks to Humans. Volume 83. 2002.
IARC (1987). Environmental Carcinogens methods of analysis and exposure measurement. Passive Smoking. Vol 9, Scientific Publications n.31, International Agency of Reaserch in Cancer. Lyon, France 1987.
MENEZES, A. M. B. et al. Risco de câncer de pulmão, laringe e esôfago atribuível ao fumo. Rev. Saúde, 36 (2): 129-134, 2002.



Fonte da imagem utilizada nesta postagem: greghren.wordpress.com/2009/04/