
Por que terá acontecido semelhante equívoco no exame de um aspecto tão elementar de semiotécnica? Terá ele (a) confundido a pesquisa do frêmito na tireóide por aumento do fluxo sanguíneo sobre a glândula? Ou teria ele (a) tentado pesquisar primeiro a vibração glótica, origem do FTV, para depois examinar o tórax, topografia correta para pesquisa clínica do FTV? Pelo contrário, teria aprendido de forma equivocada o significado semiológico do FTV? Ou estaria ele (a) ansioso (a) demais durante essa aula prática no ambulatório, já que não houve prática ambulatorial durante a Semiologia?
Claro que essas perguntas são puramente retóricas.
Então focalizaremos uma questão mais importante e que aqui nos interessa: terá havido um problema de natureza pedagógica? Há deficiências importantes na execução do programa de nossa disciplina?
Devemos considerar que o aluno iniciante em clínica, como o estudante na Semiologia, defronta-se com uma ampla gama de novos conceitos que, em tão pouco tempo, não pode assimilar plenamente ou praticar de forma eficaz. O que deve ter ocorrido nesse caso é compreensível, de certa maneira, e seguramente, se o (a) estudante não apreendeu o conceito de FTV em Semiologia, provavelmente, após esse fato, não o esquecerá jamais. Daí a importância de se revisarem aspectos semiológicos durante todo o restante do Curso de Medicina, quando os alunos cumprem outras disciplinas, sejam clínicas ou cirúrgicas.
Queremos chamar a atenção para o fato de que ensinar Semiologia ao aluno do quarto período de Medicina ainda pode adquirir contornos de mero processo de "despejamento" de conteúdos, sem considerar a singularidade de cada aluno, no ato de recepção e elaboração cognitiva dos conteúdos.
Como o ensino é geralmente caracterizado pela urgência de se transmitir o máximo de informações no mínimo tempo disponível, a capacidade do estudante de memorizar é que é considerada. Aí, remete-se à questão da "concepção bancária da educação" do educador Paulo Freire. Dessa maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os "depositários" e o educador, o "depositante".
Por outro lado, a educação libertadora, ou "problematizadora", já não pode consistir no ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir, “conhecimentos” e valores aos educandos, à maneira da educação “bancária”, mas deve ser um ato cognoscente (FREIRE, 1975).
Por outro lado, considerando o fato de uma maneira mais específica, é preciso salientar um aspecto pedagógico que pode ter contribuído para a falta de assimilação de um elemento clássico da Semiologia são os os ajustes que ainda estão ocorrendo na programação e na metodologia da disciplina de Semiologia neste momento de reforma curricular na nossa escola.
Com a recente implantação do novo Projeto Pedagógico do Curso de Medicina (PPC) na UFPB, ao contrário de aulas estruturadas por disciplinas, passamos a ter um currículo baseado em módulos de conhecimento.
As habilidades clínicas relacionadas à interação com pacientes, a obtenção da história clínica, realização do exame físico e interpretação dos dados clínicos - objeto do Módulo de Semiologia Médica -, persistem no mesmo momento do curso que ocupava anteriormente à reforma curricular, mas estão sendo implementadas adaptações às mudanças gerais do novo Projeto Pedagógico do Curso, buscando-se uma maior interface no seu desenvolvimento no momento atual.
Devemos salientar o fato de que estamos observando melhorias importantes no desempenho dos alunos do novo currículo ao chegarem à Semiologia. A criação de novas disciplinas para os primeiros anos da graduação, com enfoque na promoção e educação em saúde, propicia a inserção do estudante precocemente em atividades práticas relevantes para o cumprimento do módulo de Semiologia, permitindo-lhe conhecer e vivenciar situações variadas de vida e incentivando sua interação ativa com usuários e profissionais de saúde desde o início de sua formação.
Contudo, as modificações sofridas pela disciplina de Semiologia para absorver conteúdos de semiologia pediátrica e gineco-obstétrica no novo currículo levaram à redução dos encontros didáticos voltados à Semiologia Geral.
Outras alterações metodológicas agregadas recentemente (nos três últimos semestres) também forçaram mudanças no formato da disciplina. Os pequenos grupos de aulas práticas que eram acompanhados por um professor durante todo o semestre, passaram a ser acompanhados por dois professores, um em cada turno.
Evidentemente esta modificação, por um lado, foi benéfica, na medida em que se passou a mesclar os ensinamentos de mais de um professor nas orientações práticas; porém, dificultou o acompanhamento e conhecimento dos alunos pelo professor, já que os encontros pedagógicos tornaram-se mais esparsos. Muitas vezes, os contatos com alguns alunos reduziram-se a dois ou três durante todo o semestre de Semiologia.
É fundamental a observação mais detida das necessidades do aluno para subsidiar as intervenções. O nosso sistema de ensino tradicional geralmente não considera que os estudantes são indivíduos que aprendem em ritmos diferentes e têm interesses e motivações também diferentes.
A adoção de um método de tutoria poderia ser um elemento importante para a superação de problemas dessa natureza. O acompanhamento pedagógico de um grupo de alunos pelo mesmo professor durante todo o semestre pode ser um caminho para superação de muitas dificuldades didáticas.
Claro que há um certo número de inadequações no nosso sistema de ensino que tornam essa tarefa difícil. Nós, docentes, ainda temos limitações e não temos uma vivência anterior facilitadora nesse processo. Mas a melhoria do ensino de Semiologia na nossa disciplina exige uma mudança de paradigma para se adaptar ao novo curso de Medicina.
Voltando ao caso relatado acima sobre o equívoco estudantil no exame do FTV, e que serve de ilustração para estes comentários - embora possa ter sido um fato isolado -, deveria ser considerado também como possivelmente sintomático de uma inadequação pedagógica, ou pelo menos, levar à discussão da nossa metodologia de ensino.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 2. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975, p. 63-87.
SOUSA-MUÑOZ, R. L. ; CRUZ, C. B. ; LIMA JÚNIOR, Z. B. Aplicação da semiotécnica pulmonar por médicos residentes e internos de um hospital de ensino. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 255-260, 2002.
SOUSA-MUÑOZ, R. L. ; CRUZ, C. B. ; LIMA JÚNIOR, Z. B. ; BRANCO, B. P. C. . Valorização do exame físico do tórax em prontuários de clínica médica. Pulmão RJ, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 19-24, 2001.
Fonte da imagem que ilustra esta postagem: BEVILACQUA, F. et al. Manual do Exame Clínico. 13a. Ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica, 2003