Resenha do livro "Relación clínica: Guía para aprender, enseñar e investigar" organizado por Roger Ruiz Moral; apresentada por Perosa (2008) na Revista "Interface: Comunicação, Saúde, Educação"
Segundo Perosa (2008), neste livro o autor se propõe a abordar um tema recorrente dos manuais de Psicologia Médica: a relação médico-paciente. Cumpre tal objetivo com qualidade e tem particularidades que recomendam sua leitura e uso nas práticas de ensino e educação permanente em saúde. Dentre estas, pode-se apontar o fato de ter sido elaborado e orientado para a atenção primária à saúde, por docentes e médicos de família que atuam neste campo.
Ainda que voltado especialmente para médicos de família, não se restringe a estes e, certamente, será útil a médicos de qualquer especialidade, bem como a enfermeiros e residentes. Diferentemente de outros compêndios, como guia, sugere exercícios em habilidades comunicativas e traz situações que permitem ao leitor refletir sobre sua própria experiência, à luz de novos conhecimentos e habilidades.
Estruturado com base em metodologia aplicada em oficinas e cursos de formação, o autor pretende apoiar a aquisição de habilidades comunicativas essenciais à prática médica, ao aprimoramento da relação com pacientes e alunos e a uma práxis reflexiva na rotina do exercício profissional, a qual os autores propõem em oposição a uma prática automatizada. Coerente com tal assertiva, seus autores entendem cada encontro médico-paciente como único e singular, exigindo do profissional, a todo momento, habilidades na escolha e no desempenho de estratégias que estabeleçam uma boa relação.
O organizador, Roger Ruiz-Moral, é docente e médico de uma unidade de saúde da família, em Córdoba, Espanha, onde pôs em prática e aplicou as estratégias propostas, em centenas de cursos de formação médica continuada, seminários e oficinas, por todo o território espanhol. Ruiz-Moral toma como premissas, na construção deste guia: o entendimento de que, na atenção primária, uma boa relação comunicativa é tão importante quanto uma atuação clínica "tecnicamente" correta; que a comunicação e a relação médico-paciente podem ser aprendidas, ou seja, são áreas de capacitação e, portanto, elementos-chave na formação do profissional de saúde. Por fim, reconhece que a forma mais efetiva de adquirir e modificar atitudes é promovendo comportamentos, ao invés de oferecer recomendações bem-intencionadas sobre como o médico deve se comportar e o que deve fazer.
Estruturado em três partes bem definidas e articuladas, Relación clínica apresenta, inicialmente, o marco conceitual que orientou sua elaboração: as evidências científicas que fundamentam a relevância da relação médico-paciente e seu lugar na Clínica.
Com base no conceito de "semiosis ilimitada" de Umberto Eco, Ruiz-Moral define a entrevista clínica como um espaço semiótico, no qual uma imensa variedade de signos são interpretados de múltiplas formas pelos participantes podendo, assim, levar a ações bem diversas por seus interlocutores. A esta noção incorpora o conceito de estrutura rizomática, na qual a comunicação é acêntrica, seus sujeitos ocupam posições intercambiáveis, definidas apenas pelo seu estado, em um momento dado.
Sob esta articulação "semiótico–rizomático" Ruiz-Moral define a relação clínica como:
um ato relacional, que se produz em um contexto institucional, histórico, cultural, social, temporal e físico, entre protagonistas com bagagens históricas, culturais, sociais, e físicas diversas que, neste processo e em função de tudo o que ocorreu anteriormente, se comunicam a partir de um tipo particular de signos, construindo e selecionando significados. (p.28)
Contrariamente à forma como se estrutura a maioria dos cursos de Semiologia, em que o aluno aborda o paciente com um roteiro, a definição acima implica uma prática diversa. Considerando que os objetivos principais da consulta não se apresentam de modo linear ou hierárquico, e que o ato clínico não se limita a um encontro ou ação pontual, a consulta deve ser vista como ponto de partida de novos processos relacionais.
O núcleo principal do livro, por sua vez, está organizado em quatro capítulos, nos quais se detalha uma estrutura básica de currículo de habilidades relacionais, que inclui: acolher o paciente, escutar, mostrar empatia, finalizar, perguntar, verificar o entendimento, integrar as informações, informar, negociar, motivar e facilitar a adesão.
(...)
Para ensinar a finalizar uma consulta, os autores fazem uma analogia com o modo como os apresentadores televisivos encerram seus programas, provocando o leitor a contrastar sua atuação como médico, nessa situação, à atuação do apresentador. Assim, lista os seguintes passos para um bom encerramento: orientar sobre a finalização, resumir a sessão, verificar a compreensão dos objetivos, oferecer apoio, despedir-se cordialmente. Cada uma destas etapas é tratada detalhadamente, com exercícios e relatos de sessões, conformando-se num excelente material para o treinamento dessas habilidades.
As habilidades básicas (ouvir, perguntar, informar etc.) são, também, tratadas e assumem diferentes nuances em função dos objetivos estabelecidos em cada capítulo. Escutar o paciente, por exemplo, tem determinadas características quando o interesse é manter uma relação terapêutica de confiança ou quando se busca identificar e compreender os problemas de saúde do paciente. Da mesma forma, a habilidade de informar não é a mesma quando se quer partilhar decisões com o paciente e sua família, ou, ainda, quando se pretende ajudar o paciente e seus familiares a compreender o processo que vivem e a fazer escolhas.
"Relación clínica" contempla, ainda, em sua última parte, a qualificação para ensinar a relação clínica, o desenvolvimento de pesquisas sobre a relação médico-paciente, e a avaliação da comunicação na relação clínica, com fins pedagógicos e de pesquisa. Deste modo, as bases da psicologia da aprendizagem, especialmente do adulto, são abordadas orientando-se por seu objeto: a relação clínica. Os princípios motivacionais de autores clássicos são aí tratados: Carl Rogers (aprendizagem significativa e ensino centrado no aluno), Maslow (o papel das motivações internas e externas) e Knowles (o papel da experiência prévia); bem como as metodologias de aprendizagem centradas no professor ou aluno.
A avaliação das atividades profissionais, acadêmicas e de pesquisa é tratada com destaque, com reconhecimento da importância da avaliação contínua, envolvendo diferentes sujeitos: estudantes, professores, monitores, pacientes (simulados ou reais) e os próprios métodos de avaliação e seus instrumentos.
Resenha (resumida) do livro "Relación clínica: guía para aprender, enseñar e investigar". Barcelona: Sociedad Española de Medicina de Familia y Comunitaria, 2004.
Autoria da resenha: PEROSA, G. B. Interface (Botucatu), 12 (24): 211-213, 2008.