30 de maio de 2010

Prevenção terciária em saúde: Estratégias para reabilitação e reinserção social do indivíduo

Por Francisco José Sousa de Athaíde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (Período 7)

Resumo

A prevenção terciária engloba não apenas estratégias para reabilitação, mas também para reinserção social do indivíduo. Este nível de prevenção consiste em medidas de tratamento e reabilitação de casos estabelecidos de doença e visa à redução da duração e do grau de incapacidade. É necessária a adoção de práticas interdisciplinares para esse atendimento terciário adequado .

Palavras-chave: Prevenção. Saúde. Qualidade de vida.

Prevenção é definida como “ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença”. As ações de prevenção podem ser divididas em três níveis: primária, secundária e terciária. A primária compreende a adoção de medidas preventivas no período pré-doença. A secundária se refere a formas de identificação, diagnóstico e tratamento precoce (LEAVELL e CLARCK, 1976, apud CZERESNIA, 2003) A prevenção terciária consiste no planejamento e execução de medidas de tratamento e reabilitação de casos de doença já estabelecidos, visando à redução da duração e do grau de incapacidade. Envolve terapia ocupacional em hospitais, colocação seletiva, serviços hospitalares e comunitários e ações que visam o emprego do reabilitado (ROUQUAYROL, 1995). Para atingir os objetivos da prevenção terciária, é necessária a intervenção que associa a medicina curativa da preventiva. Não se devem separar essas duas vertentes na atenção ao usuário. Existem vários exemplos de ações de caráter não médico, que são fundamentais para o restabelecimento do indivíduo. Como a melhoria do bem-estar, reintegração familiar e social. Aos profissionais em saúde, cabe não apenas a sua ação técnica, mas também a atuação educativa.
O sucesso da prevenção, em termos gerais, não depende exclusivamente da ação de profissionais especialistas. A ação coletiva deve começar na atuação governamental sobre estruturas sócio-econômicas. A comunidade precisa cobrar ações de suas instituições sociais e econômicas favorecedoras de saúde ou de doença (CZERESNIA, 2003). A prevenção terciária também envolve ações que buscam melhorar a qualidade de vida do usuário junto a família, ao trabalho e à comunidade. Noto e Galduroz (1999) cita a importância dos grupos de apoio e abordagens cognitivas comportamentais. Estes podem ser utilizados como parte da prevenção terciária em indivíduos dependentes de drogas psicotrópicas. É necessária a criação de redes de assistência integral ao dependente, incluindo serviços de orientação familiar e encaminhamento para tratamento de comorbidades configuram medidas fundamentais para aumentar os índices de recuperação (OMS, 1992, apud NOTO e GALDUROZ, 1999). Yeng (2001) sugere a superação do modelo tradicional de condução e tratamento de enfermidades emergentes. É importante que o profissional atente para a complexidade do processo de adoecer. Isso determina a necessidade de meios interdisciplinares para a intervenção, cuja meta é fornecer controle mais avançado para os múltiplos fatores envolvidos no processo de adoecimento (YENG et al, 2001)
Referências CZERESNIA, D. Ações de promoção a saúde e prevenção e doenças: o papel da ANS. Texto elaborado para o fórum de saúde suplementar, 2003. Disponível em: http://www.ans.gov.br/data/files/8A958865266CAFE201267F9A54570102/TT_AS_02_DCzeresnia_AcoesPromocaoSaude.pdf. Acesso em: 07/05/2010 NAOMAR FILHO, A. O conceito de saúde e vigilância sanitária: Notas para a compreensão de um conjunto organizado de práticas em saúde. Documento comissionado pela ANVISA, 2000. Disponível em: http://www7.anvisa.gov.br/institucional/snvs/coprh/relatorios/gestao_2000_2002/plano_trabalho_anexosi.htm/conceito.pdf LIN, T. Y. et al. Medicina física e reabilitação em doentes com dor crônica. Rev. Med. (São Paulo), 80 (Ed.esp.pt.2): 245-55, 2001 NOTO, A. R., GALDUROZ, J. C. F.O uso de drogas psicotrópicas e a prevenção no Brasil. Ciênc. saúde coletiva 4 (1): 145-151, 1999.
ROUQUAYROL, M. Z. Epidemiologia e Saúde. 5 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1999. Fonte da imagem: http://www.fundacentro.gov.br

28 de maio de 2010

Relato de Caso: Surto psicótico atribuível a interação medicamentosa

Os medicamentos que contêm a substância saciogênica sibutramina passaram a ter um controle maior de prescrição e venda a partir do dia 30 de março passado (30/03/2010). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução (RDC 13/2010) que remaneja a substância da lista C1 para a Lista B2 dos medicamentos sujeitos à controle especial (Portaria 344/98).
Com a mudança, a sibutramina passou a ser classificada como psicotrópico anorexígeno e a tarja do medicamento muda de vermelha para preta. Além disso, esses medicamentos só poderão ser vendidos com receituário azul (em que a numeração é fornecida pela vigilância sanitária). Antes disso, a sibutramina era comercializada com receita branca, que não é numerada pela autoridade sanitária.
A sibutramina demonstrou ser um medicamento eficaz antiobesidade, porém deverá ser evitado ou ministrado sob rigoroso controle posológico, quando seu uso for concomitante com outros medicamentos que sejam metabolizados preferencialmente pela isoenzima 3A4 do sistema citocromo P450. Nessas condições, sempre haverá a possibilidade de ocorrer interações medicamentosas indesejáveis.
A propósito desta mudança, transcrevemos abaixo trechos de um artigo publicado em 2002 na Revista Brasileira de Psiquiatria por autores das universidades federais do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, sobre uma possível interação medicamentosa envolvendo a sibutramina.
Paciente do sexo masculino, médico, 30 anos, medindo 1,73 m de altura e com cerca de 92 kg de peso corporal, iniciou tratamento para obesidade com um endocrinologista que lhe prescreveu sibutramina 10 mg, em uma única dose ao dia, pela manhã, além de uma dieta balanceada. Nessa fase, o paciente encontrava-se em plena atividade profissional, em ótimo estado geral, sem antecedente de transtorno mental, sem história, sinal ou sintoma de qualquer outra patologia nos últimos dois anos.
Em sua história pessoal pregressa e familiar, destacaram-se os seguintes fatos: (1) dois irmãos anteriores com deficiência mental congênita; (2) período de vida intra-uterino marcado por uma gravidez de risco, com ameaça de aborto sem hemorragia por volta do sexto mês; (3) nasceu de parto cesariana após período indefinido de sofrimento fetal; (4) dois parentes de segundo grau com dependência química ao álcool; e (5) um outro de terceiro grau com história de esquizofrenia que não ficou bem definida. Dois meses após o início do tratamento, o paciente apresentou uma perda significativa de peso, em torno de 20 kg. Houve discreta elevação de sua atividade psicomotora, que se caracterizava principalmente por aumento nas atividades de trabalho e por diminuição no tempo total de sono. Entretanto, o paciente relatava sensação de bem-estar e de felicidade com a perda de peso e com a vida cotidiana. Nesse período, procurou um dermatologista para fazer um tratamento para calvície, sendo prescrita finasterida em uma única dose de 1,0 mg ao dia, no período da tarde. Após 15 dias de uso conjunto da sibutramina com a finasterida, o paciente tornou-se logorréico, hiperativo, irritado e, por vezes, agressivo, com sinais concomitantes de alucinações auditivas e visuais, delírios de conteúdo predominantemente paranóide e, às vezes, místico, com notório prejuízo em seu desempenho profissional e interpessoal. Em torno do 30º dia, passou a criar histórias sem nexo, a ter delírios de controle e de inserção. Passou a acreditar que seu corpo adquiria formas femininas. Por esse motivo, passou a ter um comportamento de isolamento, evitando comparecer ao trabalho ou ter contato com outras pessoas, uma vez que temia ser visto como um homossexual. Em decorrência desses sintomas, apresentou humor deprimido, praticamente não dormia e alimentava-se precariamente. Com o uso da dosagem em dias alternados, apresentou discreta melhora clínica. Por não haver remissão total do quadro, foi, então, atendido em caráter de urgência por um psiquiatra, que prescreveu tioridazina 200 mg ao dia, sem obter resultado clínico satisfatório. O paciente foi atendido no Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Onofre Lopes. Após minuciosa avaliação clínica e de todos os aspectos envolvidos no caso, foi firmado o diagnóstico de surto psicótico paranóide, decorrente da interação medicamentosa da sibutramina com a finasterida. Esse diagnóstico ficou melhor categorizado pela CID-10 como transtorno psicótico devido ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas.
Mediante os fatos, foram, então, tomados os seguintes procedimentos terapêuticos: (1) retirada da sibutramina e manutenção da finasterida, tendo melhora acentuada do quadro clínico por volta do 12º dia. Todavia, persistiu um humor deprimido, sinais e sintomas menos intensos de alucinações auditivas, delírios paranóides e comportamento de evitação; (2) foi retirada a finasterida e prescrita risperidona 3,0 mg, meio comprimido às 20h, e clonazepam 2,0 mg, um comprimido às 20h, com a finalidade de acelerar o tratamento e dar mais qualidade de vida ao paciente. Após 30 dias, o paciente estava completamente assintomático, tendo sido retirada gradativamente sua medicação. Um ano após a alta clínica, estava totalmente assintomático e em pleno desempenho de suas atividades profissionais e socioculturais, pesando 76 kg em regime dietético regular e não fazendo uso de nenhuma medicação.
Os autores discutiram que o fato da finasterida e da sibutramina serem intensamente metabolizadas pelo fígado por meio do citocromo P450 e, preferencialmente, serem degradadas pela mesma isoenzima 3A4, levou o presente estudo a formular a primeira etapa da hipótese. A finasterida provavelmente apresentou, nesse sítio, uma maior afinidade pelas isoenzimas, principalmente pela 3A4, fazendo com que sua disponibilidade não fosse mais suficiente para o metabolismo adequado da sibutramina.
Em função do aumento de sua concentração plasmática e da ampliação de seu efeito farmacológico, a sibutramina passou a inibir a recaptação de serotonina e noradrenalina e a aumentar a liberação de dopamina na fenda sináptica.
A segunda hipótese foi formulada em função da intensidade dos sintomas, da sua correlação às doses e da farmacocinética dos medicamentos usados. Ambos os medicamentos possuem altíssima afinidade com as proteínas plasmáticas com maior índice de ligação para a sibutramina. Nesse sentido, tornou-se lógico supor que a sibutramina, ao ter seu metabolismo inibido e, consequentemente, apresentar aumento de sua concentração no plasma, deslocasse a finasterida de sua ligação para as proteínas plasmáticas. Por causa disso, aumentou a fração livre da finasterida e, por conseguinte, acelerou a metabolização pelas isoenzimas 3A4. O resultado final foi a diminuição do metabolismo da sibutramina.
Fonte:
SUCAR, D. D.; SOUGEY, E. B.; BRANDÃO NETO, J. Surto psicótico pela possível interação medicamentosa de sibutramina com finasterida. Rev. Bras. Psiquiatr. 24 (1): 30-33, 2002.

26 de maio de 2010

Alterações dermatológicas associadas ao Diabetes Mellitus

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB, Campus I (Período 10)

Resumo O diabetes mellitus (DM) representa um grupo de distúrbios metabólicos marcados pela presença de hiperglicemia. O descontrole glicêmico e a desregulação metabólica do DM implicam uma série de manifestações sistêmicas, incluindo também alterações dermatológicas. É de importância clínica conhecer as alterações do tegumento associadas ao DM, assim como reconhecer as dermatoses mais prevalentes dos paciente diabéticos. Palavras-chave: Diabetes mellitus, dermatopatias, endocrinologia.

O Diabetes Mellitus (DM) constitui uma síndrome clínica caracterizada pelo fenótipo da hiperglicemia, a qual agrupa uma série de distúrbios metabólicos distintos cujas etiologias provêm de complexas interações entre fatores genéticos e ambientais. A depender do fator etiológico do DM, o quadro de hiperglicemia é propiciado pela secreção reduzida ou ausente de insulina, pela menor utilização da glicose a nível periférico, e/ou ainda pela maior produção orgânica de glicose. Apesar de ser uma patologia de caráter basicamente endócrino, a desregulação metabólica do indivíduo com DM, em especial no metabolismo dos carboidratos, acarreta uma série de alterações fisiopatológicas secundárias em todos os outros sistemas orgânicos, sendo a pele, ou melhor, o tegumento em geral, um dos órgãos mais afetados.
Segundo FOSS (2005), cerca de 80% de todos os diabéticos apresentam alguma alteração dermatológica associada ao DM. As afecções dermatológicas associadas ao DM estão especialmente relacionadas à maior predisposição a infecções, à resistência insulínica periférica e à maior dificuldade de cicatrização tecidual; alterações essas tipicamente encontradas em portadores de DM. Em todas as formas de diabetes mellitus (DM tipo 1, DM tipo 2, DM gestacional), há descrição bem documentada e evidenciada de um aumento da incidência de infecções que, em diabéticos, apresentam um curso clínico mais grave e constituem uma das complicações crônica frequentes na evolução da doença (SHAH; HUX, 2003). As causas dessa maior suscetibilidade não são totalmente esclarecidas, mas estudos sugerem relação com o defeito imunológico característico do diabético, assim como com as complicações degenerativas vasculares e nervosas. As lesões cutâneas de origem infecciosa mais comuns em pacientes diabéticos, segundo Foss (2005), são as piodermites e as micoses superficiais, sendo as dermatofitoses as alterações dermatológicas mais comuns do DM. Entre as piodermites, os casos mais prevalentes são de foliculites, furunculoses, ectima e, em menor grau, erisipela. Entre as dermatomicoses, os quadros mais comuns são de onicomicose, tinea pedis e candidíase interdigital, com prevalência também aumentada de tinea cruris, tinea corporis e ptiríase versicolor. Foi evidenciado ainda que as afecções dermatológicas de origem infecciosa estão presentes principalmente naqueles pacientes diabéticos sem controle metabólico adequado. Além das alterações de fundo infeccioso, o paciente diabético também é predisposto a alterações de pele de caráter degenerativo e metabólico, as quais se apresentam em geral de maneira mais crônica e insidiosa que os quadros infecciosos. Nesse sentido, uma das alterações mais prevalente é a acantose nigricans, caracterizada pela presença de placas hiperpigmentadas aveludadas observadas em regiões do pescoço, axila ou superfícies extensoras. A acantose nigricans resulta tipicamente da acentuada resistência periférica à insulina, sendo mais comum nos diabéticos tipo 2, especialmente nos obesos. Muitas vezes, a acantose surge antes da instalação do quadro de DM propriamente dito, sendo uma alteração sinalizadora do descontrole metabólico, e possuindo, portanto, uma valor semiológico significativo. Nos pacientes diabéticos com controle metabólico adequado, predominam as alterações dermatológicas de fundo degenerativo e metabólico como dermatite seborréica, elastose solar, ceratose seborréica e, especialmente, xerose cutânea. A pele xerótica, isto é, a pele seca, espessada e descamante, constitui a mais prevalente das alterações dermatológicas não-infecciosas associadas ao DM.
O diabetes mellitus também acelera o envelhecimento da pele e aumenta a incidência de doenças de pele normalmente relacionadas ao envelhecimento, como a xerose cutânea e as ceratoses. A dermopatia diabética (pápulas pré-tibiais pigmentadas) começa como áreas eritematosas, que se transformam em regiões de hiperpigmentação circular. São resultantes de pequenos traumatismos mecânicos na região pré-tibial e mais comuns em homens idosos com DM. Outras afecções dermatológicas mais comuns no paciente com DM, mas de prevalência pouco significativa, são o vitiligo, necrose lipóide diabética, o escleredema, o granuloma anular e a bullosa diabeticorum. Além da alterações citadas, o DM implica ainda o aparecimento de uma variedade extremamente vasta de patologias dermatológicas, sendo impossível ao clínico conhecer todas de maneira aprofunda. O que é necessário então, é que o médico saiba reconhecer a lesões elementares da pele e o seus principais significados, e que tenha a iniciativa de fazer periodicamente um exame dermatológico detalhado e minucioso em todos os pacientes diabéticos, mesmo que não haja queixas, visto a maior parte das dermatoses apresentadas serem assintomáticas ou oligossintomáticas. O exame do tegumento no paciente diabético tem valor diagnóstico e evolutivo na condução do DM, e o controle do próprio distúrbio metabólico é fator fundamental para que sejam evitadas complicações dermatológicas. Referências FOSS, N T et al. Dermatoses em pacientes com diabetes mellitus. Rev. Saúde Pública 39 (4): 67-682, 2005. POWERS, A. C. Diabetes melito. In: FAUCI, A. S. et al. (Ed.) Harrison: Medicina Interna. 17. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2008, Cap. 338, p. 2275-2293. SHAH, B. R.; HUX, J. E. Quantifying the risk of infectious disease for people with diabetes. Diabetes Care, 26:510-3., 2003 UK Prospective Diabetes Study Group (UKPDS). Intensive blood-glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes (UKPDS 33). Lancet, 352 (9131): 854-65, 1998.

23 de maio de 2010

Adiposidade abdominal e risco cardiovascular

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB, Campus I (Período 10)
Resumo
Aponta-se uma estreita relação existente entre gordura visceral, resistência à insulina e risco cardiovascular. Achados sugerem que a obesidade visceral contribui significativamente para o desenvolvimento de doença arterial coronariana também em indivíduos não-obesos. A circunferência da cintura é o método mais comumente usado na literatura para avaliar a adiposidade visceral, havendo sugestões de pontos de corte associados a maior risco cardiovascular. Todas as propostas de critérios diagnósticos para a síndrome metabólica levam em consideração a obesidade abdominal. A relação entre doença cardiovascular e circunferência abdominal e o índice de massa corporal foi verificada em todas as regiões geográficas, mesmo naquelas onde as pessoas eram magras. Entretanto, em 75% das regiões, a associação das doenças cardiovasculares com a circunferência abdominal foi mais forte que a associação com o índice de massa corporal.
Palavras-Chave: Obesidade. Risco cardiovascular. Epidemiologia.
O acúmulo de tecido adiposo visceral está relacionado com anormalidades metabólicas, as quais contribuem para o aumento do risco de doença cardiovascular. Síndrome metabólica (ou Síndrome X) é um termo utilizado­ para descrever um conjunto de anormalidades metabólicas e hemodinâmicas, frequentemente presentes no indivíduo obeso. Hoje é amplamente conhecido o papel da resistência à insulina (RI) como elo entre a obesidade de distribuição central, intolerância à glicose, hipertensão arterial, dislipidemia, distúrbios da coagulação, hiperuricemia e microalbuminúria (RIBEIRO FILHO et al., 2004).
A prevalência da síndrome metabólica é estimada entre 20 a 25% da população geral, com comportamento crescente nas últimas décadas, entre homens e mulheres mais velhos, chegando a 42% entre indivíduos com idade superior a 60 anos. Indivíduos com síndrome metabólica apresentam risco 2 a 3 vezes maior de morbidade cardiovascular que indivíduos sem a síndrome. Considerando que existam cerca de 200 milhões de pacientes diabéticos em todo o mundo e que 80% vão falecer devido a doenças cardiovasculares, há um enorme apelo médico e sócio-econômico para se identificar marcadores da síndrome metabólica que possam auxiliar no combate à progressão da atual epidemia (Op. Cit). Em estudos epidemiológicos, o ganho ponderal é um fator de risco independente para o desenvolvimento da síndrome metabólica. Obesidade é considerada um grave problema de saúde pública da atualidade, apresentando prevalência crescente nas últimas décadas em diversas populações. No entanto, descrevem-se "obesos metabolicamente saudáveis", sem características da síndrome metabólica, inclusive em indivíduos com obesidade grau III. Do outro lado estão os pacientes com índice de massa corpórea (IMC) normal que preenchem os critérios para serem considerados portadores da síndrome metabólica.
São descritos também indivíduos com peso normal, ou até mesmo com taxa de gordura corporal total baixa, que apresentam tal diagnóstico devido à quantidade de tecido adiposo intra-abdominal; para a gordura subcutânea não foi encontrada associação com a síndrome metabólica. A observação que populações com baixo IMC poderiam apresentar elevada prevalência das anormalidades características da síndrome metabólica levantou o questionamento de que não seria o excesso de gordura corporal total, mas, sim, a distribuição da adiposidade. Nos últimos anos, o tecido adiposo deixou de ser considerado apenas um reservatório de energia para ser reconhecido como órgão com múltiplas funções. Atualmente, sabe-se que o adipócito recebe a influência de diversos sinais, como a insulina, cortisol e catecolaminas, e, em resposta, secreta uma grande variedade de substâncias que atuam tanto local como sistemicamente, participando da regulação de diversos processos como a função endotelial, aterogênese, sensibilidade à insulina e regulação do balanço energético. Também é conhecido que o adipócito, de acordo com sua localização, apresenta características metabólicas diferentes, sendo que a adiposidade intra-abdominal é a que apresenta maior impacto sobre o risco cardiovascular. Atualmente, a associação da adiposidade abdominal com os componentes da síndrome metabólica está bem estabelecida. Pacientes com maior grau de resistência à insulina apresentam maior deposição intra-abdominal de gordura. Ainda, aponta-se a estreita relação existente entre gordura visceral, resistência à insulina e risco cardiovascular. Achados sugerem que a obesidade visceral também possa contribuir para o desenvolvimento de doença arterial coronariana em indivíduos não-obesos.
Diante da relevância da gordura visceral no estudo da síndrome metabólica, diversos métodos vêm sendo propostos para avaliação da distribuição da gordura corporal e quantificação da adiposidade intra-abdominal. A tomografia computadorizada do abdome é considerada o método "padrão-ouro" para determinação da gordura visceral, permitindo a diferenciação da adiposidade subcutânea e visceral nesta região (DINIZ et al., 2009). Entretanto, a necessidade de equipamento sofisticado e pessoal especializado, seu alto custo e a exposição do indivíduo à irradiação, limitam seu uso na rotina clínica e em estudos epidemiológicos.
As medidas antropométricas são, sem dúvida, dentre os métodos de avaliação da adiposidade corporal, os mais amplamente utilizados na avaliação do estado nutricional dos indivíduos e dos riscos associados à inadequação das mesmas. O IMC é empregado para classificação dos graus de obesidade que, em estudos epidemiológicos, se associam a risco crescente de morbi-mortalidade. Todavia, o IMC é limitado para determinar qual dos "componentes" corporais (por exemplo, massa gorda ou massa magra) encontra-se alterado, e ainda, na vigência de excesso de adiposidade corporal, é incapaz de avaliar a distribuição do tecido adiposo. Dentre os métodos antropométricos propostos para analisar a distribuição central da gordura corporal, destacam-se a circunferência abdominal e a razão cintura-quadril (REZENDE et al., 2006). A circunferência da cintura é o método mais comumente usado na literatura para avaliar a adiposidade visceral, havendo sugestões de pontos de corte associados a maior risco cardiovascular. Todas as propostas de critérios diagnósticos para a síndrome metabólica levam em consideração a obesidade abdominal. Os valores da circunferência da cintura de 88 cm para mulheres e 102 cm para homens, associados à presença de risco cardiovascular muito elevado, integram os critérios do National Cholesterol Education Program (NCEP-ATPIII). Recentemente, a International Diabetes Federation estabeleceu os valores de 94 cm para homens e 80 cm para mulheres. Ainda, parece haver uma diferença racial na relação entre distribuição de gordura e síndrome metabólica. Negros e brancos com a mesma quantidade de gordura visceral teriam riscos diferentes.
A razão cintura-quadril faz parte dos critérios diagnósticos para a síndrome metabólica propostos pela Organização Mundial de Saúde; entretanto, vem perdendo espaço, para a circunferência da cintura, que, por se tratar de uma única medida, estaria menos sujeita à variabilidade na mensuração e características raciais. A antropometria tem, portanto, as vantagens de ser de fácil execução e de não necessitar de material ou pessoal especializado, e as desvantagens de ser incapaz de diferenciar a gordura visceral da subcutânea e da variabilidade intra e inter-examinador relativamente elevadas. Estes fatos conferem aos métodos antropométricos uma boa sensibilidade e baixa especificidade para o diagnóstico da obesidade visceral. O estudo INTERHEART, em que se avaliaram os fatores de risco para o infarto do miocárdio na população global (YUSUF et al., 2004), foi o primeiro grande estudo internacional a estabelecer que a obesidade é um fator de risco de doença cardiovascular estatisticamente significativo em basicamente todas as populações do mundo. As análises subsequentes previamente estabelecidas a partir dos resultados do INTERHEART determinaram adicionalmente que um simples cálculo da relação cintura-quadril é um preditivo mais poderoso do nível de risco de doença cardiovascular associado à obesidade que qualquer outra medida de obesidade (por exemplo, índice de massa corporal) ou grupo de medidas (por exemplo, síndrome metabólica).
Um segundo grande estudo, o estudo IDEA (International Day for the Evaluation of Abdominal Obesity), também demonstrou que a circunferência abdominal é um melhor preditor de resultados das doenças cardiovasculares que o índice de massa corporal (MORRELL; FOX, 2009). Os primeiros resultados deste grande estudo de mais de 170.000 pessoas indicam que a medida abdominal está associada às doenças cardiovasculares, independentemente da relação que o índice de massa corporal tenha com o risco de doença cardiovascular, sem considerar idade ou geografia.
Referências DINIZ, A. L. D. et al. Avaliação da reprodutibilidade ultrassonográfica como método para medida da gordura abdominal e visceral. Radiol Bras 42 (6): 353-357, 2009.
MORREL, J.; FOX, K. A. Prevalence of abdominal obesity in primary care: the IDEA UK study. Int J Clin Pract, 63 (9): 1301-7, 2009
RIBEIRO FILHO, F. F. et al. Gordura visceral e síndrome metabólica: mais que uma simples associação. Arq Bras Endocrinol Metab 50 (2): 230-238, 2006. REZENDE, F. A. C. et al. Índice de massa corporal e circunferência abdominal: associação com fatores de risco cardiovascular. Arq. Bras. Cardiol. 87 (6): 728-734, 2006. BROOKES, L. Circunferência abdominal é um fator preditor independente mais forte de doença cardiovascular que índice de massa corporal, de acordo com estudo internacional. In: MEDCENTER/MEDSCAPE. Disponível em < bpid="93&id=">. Acesso: 5 maio 2010.
YUSUF, S. et al. Effect of potentially modifiable risk factors associated with myocardial infarction in 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet, 364 (9438): 937-52, 2004.
Foto ilustrativa da postagem: http://4pack.wordpress.com

19 de maio de 2010

Resolução das Provas de MCO2 em 2010.1

Prova do Grupo 1 - 10/05/2010
Quesitos
1- O que é nível de significância? E a que tipo de erro estatístico o nível de significância se refere? 2- Os resultados de uma triagem de acuidade visual de 411 crianças escolares feita por professores de ensino básico foram comparados com os realizados do exame feito por oftalmologistas, nas mesmas crianças. Os achados foram os seguintes: verdadeiros positivos (56 alunos), falsos positivos (5 alunos), falsos negativos (48); verdadeiros negativos (302). Monte uma tabela 2x2 e calcule os parâmetros que expressam validade do exame 3- O que significa associação espúria? Exemplifique. 4- O que expressa a reprodutibilidade de um teste diagnóstico e como se estima esta propriedade? 5- Classifique os tipos de dados das variáveis abaixo: a) Pressão arterial; b) Grau de satisfação com o atendimento no HULW/UFPB; c) Marca de analgésico; d) Renda familiar; e) Grau de temperatura corpórea. 6- Considerando-se os valores de nível de glicose no sangue (mg%) para a amostra de 10 pacientes: 237, 257, 161, 237, 176, 123, 218, 124, 161, 143. Calcule: a) Nível médio de glicemia; b) Nível mediano de glicemia; c) Desvio padrão da glicemia 7- Cite duas representações gráficas adequadas para resumir variáveis qualitativas e quantitativas. 8- Com o objetivo de avaliar a associação entre fatores prognósticos e a recuperação da capacidade de deambulação após cirurgia para correção de fratura de colo de fêmur, foi desenvolvido um estudo em que 500 pacientes com 50 anos ou mais, que sofreram cirurgia para correção de fratura de quadril, foram acompanhados após a alta por um ano através de consultas mensais no ambulatório do hospital. Os resultados estão na tabela abaixo.

IC 95%: Intervalo de confiança de 95%; p: nível de significância Responda: (a) Qual é o modelo deste estudo? (b) Qual deve ter sido a medida de associação usada? (c) Interprete o valor das medidas de associação encontradas e dos valores de p (nível de significância). 9- A distribuição de pressões sanguíneas diastólicas para a população de mulheres entre 30 e 34 anos tem média 74,4 mmHg e desvio-padrão 9,1 mmHg. Deseja-se saber se a média dessa população é igual à pressão sanguínea diastólica média da população de mulheres diabéticas dessa faixa etária. Uma amostra de 10 mulheres diabéticas foi selecionada, obtendo-se uma pressão diastólica média de 84 mmHg. Suponha que as variâncias são iguais. Pede-se: a) Determine as hipóteses nula (H0) e alternativa (H1); b) Elabore um teste de hipóteses para verificar se as pressões médias das duas populações são diferentes, assumindo um nível de significância de 5% 10- O que significam “randomização” e “mascaramento”?

Prova do Grupo 2 - 17/05/2010

Quesitos

1- Classifique as variáveis quanto ao seu nível de mensuração: a) Uma lista de diferentes especialidades médicas; b) Classificação do estágio de câncer de mama em tipos I, II, III ou IV; c) Pressão arterial diastólica, medida em mmHg; d) Etnia dos pacientes; e) Número de sessões de diálise realizadas em um mês; f) Número de crises de hipertensão nos últimos 12 meses. 2- Qual o propósito de um teste de hipótese? Explique. 3- Para estudar o problema de pesquisa “Perda fetal associada com ingestão de cafeína durante a gravidez” um pesquisador avaliou um grupo composto por 80 mulheres grávidas que consumiram 151 mg de cafeína/dia ou mais, no qual foi verificada uma frequência de 13 abortos espontâneos. Comparando esses resultados com o percentual de abortos espontâneos de 9% em mulheres não consumidoras de cafeína, conforme referido na literatura, e assumindo a aproximação normal da distribuição binomial, elabore uma conclusão a respeito da relação entre consumo de cafeína na gravidez e perda fetal, pede-se: a) Teste a diferença entre o resultado experimental e a literatura; b) Elabore a sua conclusão considerando um nível de significância de 5%. 4- Quando a área de aceitação da Hipótese Nula aumenta: a) O erro tipo I aumenta? b) O erro tipo II aumenta? 5- Qual a diferença entre média e mediana? Em que situação você utilizaria a mediana e não a média? 6- Formule um problema de pesquisa (tema de livre criação) para um delineamento (modelo) de estudo caso-controle. 7- O que é acurácia de um teste diagnóstico e que modelo de pesquisa melhor avalia esta propriedade? 8- Um estudo de coorte com 3.000 fumantes e 5.000 não fumantes mostrou os resultados apresentados na tabela abaixo:

- Calcule a medida de associação indicada para doença coronariana com relação ao hábito de fumar.
9- Um pesquisador, investigando a incidência de Doença da Membrana Hialina, escolheu como amostra os primeiros 200 partos ocorridos nas quartas-feiras no Serviço de Obstetrícia do HULW/UFPB. Com base nessa amostra, determinou a incidência da referida doença no berçário escolhido e extrapolou para a população de João Pessoa. Este procedimento merece críticas? Justifique. 10- O que são “intervalo de confiança” e “erro amostral” e qual a relação entre os dois conceitos?

I- Resolução da Prova do Grupo 1

1- A significância estatística é uma ferramenta matemática utilizada em análise inferencial dos dados para determinar se os resultados encontrados em uma pesquisa empírica decorre de uma relação real entre variáveis ou se essa relação se deve apenas ao acaso. Uma diferença observada entre médias de duas amostras aleatórias, por exemplo, é descrita como estatisticamente significativa quando a probabilidade de obtenção de tal diferença só pelo acaso é relativamente baixa. Adotando-se o nível de significância convencional (alfa ou p) de 0,05, o resultado será considerado estatisticamente significativo quando a probabilidade de se dever ao acaso for menor que 5% e, nesse caso, não haveria diferença entre os grupos que estão sendo comparados. A palavra "significância", em estatística, tem um significado inteiramente distinto do seu significado usual. Além disso, se a diferença encontrada nos dados é estatisticamente significativa, não significa que ela é biologicamente ou clinicamente importante ou interessante. Assim, a significância estatística de um resultado é a probabilidade de que a relação observada, por exemplo, entre variáveis, ou a diferença entre as médias ou proporções, em uma amostra, ocorreu por puro acaso, e que na população de onde essa amostra foi retirada, não há realmente relação ou diferença. Trata-se, portanto, de uma probabilidade. Resumindo, o valor p, ou nível de significância observado, é uma medida da plausibilidade dos resultados da amostra quando a hipótese nula é assumida como verdadeira. Quanto menor o valor p, menos provável é que os resultados da amostra venham de uma população onde a hipótese nula é verdadeira.

2- Sensibilidade = a/ac = 56/56+48 = 56/104 = 0,538 = 0,54 = 54%; Especificidade = d/b+d = 302 / 302+5 = 0,98 = 98%.

3- É uma relação estatística na qual duas variáveis não têm uma associação causal direta, havendo um terceiro fator, relacionando com as duas que aparecem associadas, e que é a real causa da associação encontrada. A relação espúria dá a impressão da existência de um vínculo entre duas variáveis, mas se trata de uma associação falsa. Uma associação espúria ocorre quando x e y são influenciadas por outra (s) variável (is). Se o enquadramento teórico do estudo não for o correto, é fácil chegar a conclusões erradas porque os resultados estatísticos são espúrios. Um exemplo de uma de uma associação espúria é a associação estatisticamente significativa entre cessação do tabagismo e morte. Muitos tabagistas que já estão com doença avançada relacionada ao cigarro deixam este vício e morrem pouco depois. Nesse caso, a associação encontrada entre cessação do hábito de fumar e a morte é espúria, porque os pacientes que deixaram de fumar já estavam muito doentes. Há aqui uma terceira variável escondida, que pode provocar uma associação estatisticamente significativa, mas totalmente espúria, falsa.

4- A reprodutibilidade é a consistência ou stabilidade das medidas, ou seja, o grau em que as medidas ou observações efetuadas pelo mesmo observador/instrumento ou por outros observadores/instrumentos são concordantes, mantidas as mesmas condições. Em estatística, reprodutibilidade refer-se à confiabilidade e fidedignidade de uma medida ou exame ou teste. Esta propriedade pode ser estimada pela comparação inter-observadores ou intra-observador através do teste Kappa (variáveis nominais) ou uma análise de correlação (variáveis ordinais ou contínuas).

5- (a) Contínua; (b) ordinal; (c) nominal; (d) contínua; (e) contínua.

6- a) Nível médio de glicemia = 183,7; b) nível mediano de glicemia = 168,5; c) desvio-padrão da glicemia = 43,9

7- Qualitativas: gráfico de setores e gráfico de barras; quantitativas: diagrama de caixas e gráfico de barras.

8- (a) Coorte; (b) risco relativo; (c) 48 h ou mais: não houve associação; menos de 48h: a probabilidade de ocorrência de recuperação foi quatro vezes maior, e esta associação foi significativamente estatística (p = 0,01).

9- O erro padrão da média é 2,88 e o valor de z calculado é 3,34, correspondendo a p=0,0009. Logo, para um nível de significância de 1%, as médias entre os dois grupos são estatisticamente diferentes. O teste será bicaudal.

10- Randomização: De random, em inglês, derivam o verbo randomizar, com o seu particípio randomizado, e o adjetivo randômico. Em seu sentido mais simples, randomização é o que acontece quando uma moeda é lançada, ou um nome em um pedaço de papel é retirado de uma urna às cegas. O equivalente vernáculo do verbo randomizar poderia ser casualizar, acidentalizar,ou aleatorizar. um arranjo aleatório de observações deliberadamente, de modo a simular a chance randomização ajuda a aumentar a comparabilidade dos grupos de tratamento. Quando dois grupos são selecionados aleatoriamente da mesma população, ambos são representativos desta . Eles não são apenas estatisticamente equivalentes à população, mas também são estatisticamente equivalentes entre si. A mesma lógica se aplica quando dois grupos são escolhidos aleatoriamente. Isso é chamado de atribuição aleatória. Designação aleatória é o elemento chave da avaliação ao acaso, representando um um princípio fundamental da teoria estatística. Mascaramento ou cegamento é a prática de não dizer aos participantes de uma pesquisa se eles estão recebendo uma medicação ativa ou um placebo. Desta forma, os indivíduos dos grupos controle e tratamento de experimentar o efeito placebo da mesma forma. Muitas vezes, o mascaramento de que o grupo receberá placebo ou a medicação também é mantido por analistas que avaliam a experiência. Esta prática é chamada de cegueira dupla, e o ensaio de duplo-cego.

II- Resolução da Prova do grupo 2

1- (a) Nominal; (b) ordinal; (c) contínua; (d) nominal; (e) discreta; (f) discreta.

2- A finalidade dos Testes de Hipóteses é avaliar afirmações sobre os valores de parâmetros populacionais a partir de uma amostra da população. Nos estudos analíticos, além da descrição estatística, às vezes é necessário tomar uma decisão. O teste de hipóteses é um procedimento estatístico que tem por objetivo ajudar o pesquisador, a tomar uma decisão em relação a uma população através da observação de uma amostra desta população. Uma hipótese estatística é uma afirmativa a respeito de um parâmetro de uma distribuição de probabilidade. Muitas aplicações de teste de hipóteses têm um objetivo de tomada de decisão. A conclusão rejeitar H0 fornece o suporte estatístico para concluir que H1 é verdadeiro e tomar a decisão apropriada, seja ela qual for. A declaração "não rejeitar H0" embora não conclusiva, pois há uma margem de erro (geralmente assumida como 5%) leva à decisão de que a hipótese alternativa não deve ser aceita, pois a probabilidade de esta ser real é muito pequena. Os testes de hipótese são uma das aplicações da estatística mais usadas. A regra do teste de hipóteses divide o espaço amostral em duas regiões: uma de rejeição e outra de não rejeição de Ho. A partição é, em geral, obtida utilizando-se uma estatística amostral. Região crítica (Rc) é o conjunto de valores assumidos pela variável aleatória ou estatística de teste para os quais a hipótese nula é rejeitada. Exemplo: Um pesquisador propõe um tratamento para combater a obesidade em uma população, que tem peso médio de 90 kg, consiste de exercícios físicos, dietas e ingestão de um medicamento. Ele afirma que com seu tratamento o peso médio da população diminuirá em 90% dos casos em um período de três meses. Neste caso as hipóteses estatísticas que deverão ser testados são: H0 = média igual a 90 e H1 = média menor que 90, onde 90 é a média dos pesos do homens em estudo após o tratamento. Esta é a forma mais clássica de inferência estatística e consiste em verificar se a informação estatística é suficientemente significante para rejeitar uma dada hipótese em favor de outra (que é, de fato, o que se pretende comprovar estatisticamente).

3- (a) Primeiro, faz-se a aproximação da binomial pela curva normal: média 80 x 0,09 = 7,2; desvio-padrão = raiz quadrada de 80 x 0,09 x 0,91 = 13. Calculando o valor de z, obtem-se z = 2,265, correspondendo a p = 0,0235. Logo, a chance de se observar a diferença ao acaso é menor que 0,05 e rejeitamos H0. (b) Conclusão: a proporção de abortos espontâneos em gestantes consumidoras de cafeína (151 mg por dia ou mais) é diferente da proporção esoerada em gestantes não consumidoras de cafeína (o teste foi bicaudal).

4- (a) Não; (b) Sim. O erro tipo I diminui, ou seja, será menor a probabilidade de se rejeitar a H0 e ela ser, de fato, verdadeira. O erro tipo II aumenta, pois será maior a probabilidade de se aceitar H0 e ela ser, de fato, falsa.

5- Média e mediana são ambas medidas de tendência central ou posição. A média é a medida descritiva que mais caracteriza a variável que está sendo analisada. Esta estatística (ou estimador) dá um quadro mais balanceado do conjunto de valores que assume dada variável, mas é afetada pelos valores extremos da distribuição. A mediana é o valor que, numa série de medidas, tem tantos valores acima quanto abaixo dela e, ao contrário da média, não é influenciada por valores extremos da série, nem se presta para análise inferencial. A mediana pode ser usada para dados de mensuração ordinal e contínua; a média é usada para dados de mensuração contínua. Deve-se usar a mediana, ao invés da média, quandoa distribuição dos valores analisados é assimétrica ou a variável é de nível ordinal.

6- Problema de pesquisa para um estudo caso-controle: O estudo caso-controle é um estudo epidemiológico observacional, longitudinal, geralmente retrospectivo, analítico, em que um grupo de casos, isto é, indivíduos com a doença (ou a condição em estudo), é comparado, quanto a exposição a um ou mais fatores, a grupo de indivíduos semelhante ao grupo de casos, chamado de controle (sem a doença). Exemplo do problema de pesquisa para este tipo de estudo: O consumo de álcool aumenta a chance de amputação de extremidades inferiores em pessoas com diabetes mellitus na rede de serviços do Município de João Pessoa/PB?

7- Entende-se por "acurácia" a proporção de testes verdadeiramente positivos e verdadeiramente negativos, em relação à totalidade dos resultados. Acurácia significa validade de uma medida ou exame ou teste. Portanto, a acurácia de uma estimativa é uma medida da correlação entre o valor estimado e os valores reais, ou seja, mede o quanto a estimativa que obtemos é relacionada com o "valor real" do parâmetro. Ela nos informa o quanto o valor estimado é "bom", ou seja, quanto o valor estimado é "próximo" do valor real e nos dá a "confiabilidade" daquela estimativa ou valor. [sobre acurácia neste weblog: http://semiologiamedica.blogspot.com/2008/12/diagnstico-probabilstico.html)]. O modelo de pesquisa para avaliar acurácia é o estudo transversal, em que se comparam os resultados do teste/exame/medida que está sendo avaliado com um padrão-ouro.

8- Risco relativo (RR) = [a/(a+b)]/[c/(c+d)] = [84/3000]/[87/5000] = 1,6. Interpretação: O risco de doença coronariana é 1,6 vezes maior, ou 60%, maior nos fumantes que nos não-fumantes.

9- A escolha de um dia específico da semana não foi apropriada para investigar a incidência da doença, pois esta se relaciona ao tipo de parto: a equipe do dia escolhido pode ser mais ou menos intervencionista (tende a indicar mais cesarianas que partos normais ou o inverso) do que as dos outros dias da semana, interferindo nos resultados e constituindo um viés de seleção. Além disso, todos os recém-nascidos do berçário não tiveram a mesma chance de fazer parte da amostra, portanto, o pesqusiador não pode generalizar os resultados da sua pesquisa para a comunidade, pois nem todas as gestantes desta são usuárias deste mesmo serviço.

10- Um intervalo de confiança de uma estimativa expressa o nível de precisão de que a média (ou outra estatística) encontrada em uma amostra se encontra dentro daquele intervalo na população. O erro padrão é uma medida da precisão da média amostral calculada, sendo obtido dividindo o desvio padrão pela raíz quadrada do tamanho da amostra. O erro padrão, portanto,é usado para calcular o intervalo de confiança, pois é o erro admitido num intervalo (erro de estimação). Como o intervalo de confiança tem centro na média da amostra, o erro máximo provável que está sendo admitido é igual à metade da amplitude do intervalo. A estatística inferencial envolvida na construção de intervalos de confiança, etambém nos testes de significância são baseadas no erro-padrão. Este, por sua vez, depende do tamanho da amostra (quanto maior o tamanho da amostra, menor o erro-padrão).

18 de maio de 2010

De Quem é a Culpa?

Por Climério Avelino de Figueredo
Professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da Universidade Federal da Paraíba, Campus I

Nos últimos dias, através de e-mails, professores e estudantes, participantes da listagem de correspondentes da Coordenação do Curso de Medicina, emitiram opinião a respeito da denúncia feita pelo Centro Acadêmico de Medicina Napoleão Laureano (CANAL) ao Ministério Público Federal a respeito de professores do Curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que não cumprem a carga horária legal, nem realizam a contento as suas atividades docentes, com prejuízo para a formação acadêmica dos alunos do curso. Senti-me tentado a fazer um comentário mais extenso, mas a escassez de tempo impediu-me de fazê-lo antes. Faço-o agora. Em minha opinião, a discussão ficou muito restrita à questão dos professores que acumulam atividades privadas com aquelas que têm no âmbito da UFPB. Pelo discurso do movimento sindical dos docentes e dos funcionários e do movimento estudantil, o maior problema da UFPB é a falta de recursos financeiros para custear as atividades que lhes são próprias e a falta de professores e de servidores técnico-administrativos, tudo isto fazendo parte de uma explícita intenção do governo federal de privatizar as universidades. Analisando a questão sem o viés do corporativismo do movimento sindical e da miopia ideológica de setores do movimento estudantil, podemos ver que são outros os principais problemas da UFPB. Destaco dois deles: a má gestão dos recursos financeiros e a insuficiência qualitativa e quantitativa do trabalho dos professores e dos servidores técnico-administrativos. Sobre o primeiro problema, não me ocuparei agora. Com relação ao segundo problema, primeiro me deterei sobre o trabalho dos servidores técnico-administrativos. Na UFPB, há o absurdo de termos apenas um turno de trabalho, que deveria ser de seis horas, mas que, na realidade, em média, não passa de três. Se fizermos um “tour” pelos diversos setores da UFPB, aí incluída a administração central, às 08h00 da manhã, com certeza, não encontraremos nem metade dos servidores lotados em cada setor. O mesmo ocorrerá se o “tour” for feito às 11h00. À tarde e à noite , a situação é a mesma. Nos recessos escolares, período de férias dos alunos e de trabalho para professores e servidores, poucos deles serão encontrados. Tirando as férias, as greves (sempre longas, com os portões fechados com a conivência da administração central), os dias de mobilização (normalmente dois dias: quarta-feira e quinta feira, com a sexta-feira degolada), os feriados (sempre mais numerosos do que os feriados para os trabalhadores em geral), os pontos facultativos, o Processo Seletivo Seriado (PSS), os dias que não vêm pelos mais diversos motivos ou falta deles, quantos dias, afinal, trabalham nossos servidores? Mas, quando estão no ambiente de trabalho, os servidores estão trabalhando? E qual é a qualidade deste trabalho? Não obstante a melhoria salarial advinda de acordos feitos com o governo federal e da febre de capacitação que assolou os servidores, não percebo melhora na qualidade do trabalho prestado. Mas posso estar errado. Alguém percebe alguma melhora? Como resultado do turno único, muitos setores só funcionam em um turno, com prejuízo daqueles que demandam estes setores. Por outro lado, o horário de trabalho do servidor, muitas vezes, é definido tendo em vista o interesse do servidor e não o interesse do serviço. Assim, temos setores com dois ou mais servidores em um turno e nenhum servidor no outro. A sequência de absurdos continua com a má distribuição dos servidores pelos diversos setores. Imaginemos um departamento da área básica, com seis laboratórios, um para cada disciplina. Em cada laboratório, trabalha um, dois, ou três funcionários. Cada funcionário trabalha só um turno. Se o laboratório tem só um servidor, não pode realizar práticas no outro turno. Se o laboratório tem servidor nos dois turnos, as práticas estarão garantidas? Não, pois nem sempre o servidor está presente ou se recusa a fazer determinadas tarefas, alegando que não é sua atribuição. O professor que a faça. Ou os monitores. Como as disciplinas têm aulas práticas só em alguns dias em cada semestre... férias longas para todas! Nestes cinco laboratórios trabalham cerca de dez servidores. Como os laboratórios estão lado a lado e as aulas práticas não são diárias, dois servidores, trabalhando dois turnos, dariam conta de todo o trabalho. Eis o desperdício. Agora, o amplie para toda a UFPB. E os professores? Estes também não cumprem a carga horária e isto não se deve tão somente às ocupações privadas que têm quando deveriam ser exclusivos da UFPB. Há professores nesta situação que são muito dedicados à atividade docente. Do outro lado, há professores sem ocupações profissionais privadas que não cumprem a carga horária devida. Além disto, há insuficiências qualitativas. Neste aspecto, encheríamos páginas com exemplos. Escuto de meus alunos reclamações sobre professores que foram meus professores. Vinte e cinco anos depois, tudo se repete. O absurdo maior não é esta repetição de falta de compromisso e postura docente, mas o fato de este professor nunca ter sofrido qualquer tipo de sanção. Mesmo a mais leve delas. Por que isto ocorre? Porque, na UFPB, trabalha quem quer. Quase ninguém cobra. De quem é a culpa? De todos nós, em graus diferentes. Do aluno, que silencia diante do professor ausente, e do professor, que não cumpre adequadamente, qualitativa e quantitativamente, suas obrigações. Muitas vezes, os alunos preferem o professor relapso ao professor responsável. Aqueles que terminam a aula mais cedo, fazem provas mais fáceis, retiram assuntos do conteúdo a ser estudado, fazem “trabalho” ao invés de prova, aplicam prova em dupla, repetem a mesma prova, ano após ano. Conheço o caso de um aluno que foi aprovado em uma disciplina sem comparecer a uma aula sequer e sem realizar um só estágio. O professor também não veio ministrar aula. Passou trabalho, veio recolhê-lo, botou a nota. Na ausência do trabalho do aluno “X” deve ter pensado: “Será que o perdi?” Na dúvida, colocou a nota! Sete! Culpa dos professores que cometem estes erros ou que silenciam sobre o erro do colega. Dos chefes de departamentos, dos coordenadores de cursos e dos responsáveis por outros setores da UFPB, que não cumprem com suas atribuições de cobrar. Adoram o bônus do cargo, mas não assumem o ônus. Dos diretores de centro e da direção central da UFPB, que não se propõem a discutir e a resolver este problema, por interesses eleitoreiros. Para não perder votos, são coniventes com este descalabro. Colocam os interesses pessoais acima dos interesses coletivos. Da sociedade com um todo e dos atores sociais com maior poder de pressão, como a imprensa. Um exemplo: é muito comum ver na imprensa cobranças sobre os profissionais dos serviços públicos de saúde da esfera municipal e da esfera estadual, dependendo da vinculação partidária do órgão de imprensa. Mas, por que não mostram o que ocorre no HU [Hospital Universitário Lauro Wanderley/UFPB]? E o paciente que vem do interior, de lá saindo de madrugada ou na véspera, e que está no ambulatório às 07h00 e só começa a ser atendido às 09h00, às 10h00 às 11h00? Este não sai na mídia. Qual seria a solução? Um sistema de avaliação e cobrança do cumprimento da carga horária e da qualidade do trabalho realizado, com metas pré-estabelecidas a cumprir, com vinculação de parte do salário a esta avaliação. No momento, não temos esta avaliação. Então, o professor e o servidor técnico administrativo sem compromisso não estão nem um pouco preocupados em ter um bom desempenho. No início do mês, o salário é regiamente pago. Então, uma minoria de professores, servidores abnegados levam nas costas o trabalho que deveria ser de todos. Mas, muitos destes estão desencantados, desmotivados. Por que a reitoria não implanta o ponto eletrônico? Por que a reitoria não convoca os conselhos superiores para discutir a questão da avaliação? Por que as entidades sindicais qualificam qualquer iniciativa neste sentido de produtivista e privatizante? Na realidade, estão defendo o interesse do mau professor e do mau servidor técnico administrativo. Então, o que nos resta? Denunciar ao Ministério Público Federal, à Controladoria Geral da República, ao Tribunal de Contas da União. Utilizar a internet, dando publicidade a estes problemas. Vale ressaltar que os três órgãos acima listados têm formulário eletrônico de denúncia, nos seus sítios eletrônicos. É muito simples denunciar! E para que não digam que não falei das flores, afirmo que o que disse acima não se aplica a todos. Nos três segmentos que compõem a UFPB e nos diferentes níveis da administração, das coordenações de curso à administração central, há pessoas que não concordam com este estado de coisas e que lutam para mudá-lo. Infelizmente, não têm conseguido!

15 de maio de 2010

O paciente psiquiátrico na clínica geral

Por Francisco José Sousa de Ataíde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB, Campus I (VII Período), extensionista de Projeto Continuum/PROBEX/UFPB
Resumo
Os transtornos psiquiátricos são muito comuns na prática médica geral. Além de estarem, muitas vezes, relacionados a diversas enfermidades somáticas, tais distúrbios são geralmente subdiagnosticados pelo clínico geral. A reforma psiquiátrica propõe a descentralização no atendimento ao paciente psiquiátrico e , nessa conjuntura, o médico da atenção básica torna-se fundamental e deve ter conhecimentos no campo da saúde mental. Palavras-chave: Saúde Mental. Assistência ao Paciente. Clínica Médica. A prevalência de transtornos mentais na população adulta brasileira encontra-se em torno de 30%. Apresentam uma maior frequência no sexo feminino e tendem a aumentar a incidência com a idade. Transtornos de ansiedade, depressivos e somatoformes são os mais prevalentes na clínica geral. Por outro lado, estudos epidemiológicos demonstram que é o clinico geral quem mais atua no cuidado em saúde mental (MARI; JORGE, 1997). A prática psiquiátrica no Brasil passa por um processo de reforma. O modelo centrado no hospital psiquiátrico vem dando lugar a práticas que favorecem o cuidado ao portador de doença mental em unidades de cuidado. Espera-se a reintegração do doente à sociedade e que este se torne ativo no seu tratamento. Essa nova concepção em saúde mental elege o SUS e a atenção básica como atores no processo de cuidado ao paciente psiquiátrico. O médico generalista, assim como toda a equipe multiprofissional de saúde, são responsáveis por promover uma escuta diferenciada e pela integração do paciente à comunidade. A integração da saúde pública com a saúde mental, através da criação de Centros de Atenção Psicossocial e hospitais-dia, mostra a tendência a uma descentralização do atendimento ao paciente psiquiátrico. A escuta individualizada e o atendimento integral constituem modelos que os gestores da reforma psiquiátrica tentam colocar em prática. Nesse sentido, equipes de saúde multiprofissionais necessitam receber treinamento para lidar com os problemas mais frequentes de saúde mental (LINS et al., 2009). Em estudo realizado numa Unidade Básica de Saúde da cidade de São Paulo, verificou-se que os pediatras apresentaram dificuldades em reconhecer problemas de saúde mental em crianças. Também foi verificado que estes profissionais reconhecem que não tem o domínio de temas da psiquiatria, em detrimento de outras especialidades médicas. Os médicos relataram ainda problemas na formação médica, em que os aspectos subjetivos são geralmente deixados em segundo plano. A falta de interesse pela área e sua grande complexidade também foram citados pelos clínicos entrevistados no referido estudo (TANAKA; RIBEIRO, 2006). Além disso, é comum que distúrbios mentais venham associados a outros problemas de saúde. Todo médico, eventualmente, enfrentará situações em que tenha de atender quadros psiquiátricos.Por outro lado, várias enfermidades aparentemente somáticas podem ter transtornos emocionais como fator de causa (PORTO, 2005). Os profissionais da Ginecologia e Obstetrícia, por exemplo, lidam constantemente com quadros depressivos puerperais. Transtorno disfórico premenstrual, sintomas depressivos frequentes na perimenopausa e quadros psicológicos associados a abortamentos constituem exemplos da importância dos fatores emocionais no quadro clínico na área. A depressão é encontrada em 5 a 10% dos pacientes ambulatoriais e 9 a 16% dos pacientes internados. Este quadro é frequente em quase todas as doenças crônicas. Apesar de significativa prevalência, esta enfermidade ainda é subdiagnosticada, o que leva a uma menor adesão do doente ao tratamento e, consequentemente, a uma maior morbimortalidade. (KATTON, 2003, apud TENG et al ,2005) Portanto, é fundamental que o clínico geral saiba diagnosticar e tratar os principais distúrbios psiquiátricos. Além disso, ele deve saber quando encaminhar os casos de maior complexidade para um profissional especializado em saúde mental.
Referências BREDA, M. Z., AUGUSTO, L. G. S. O cuidado ao portador de transtorno psíquico na atenção básica de saúde. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2001, vol.6, n.2, pp. 471-480. ISSN 1413-8123. doi: 10.1590/S1413-81232001000200016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232001000200016&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 06/05/2010 LINS, E. C.; OLIVEIRA, V. M., COUTINHO, M. F. Clínica ampliada em saúde mental: cuidar e suposição de saber no acompanhamento terapêutico. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2009, vol.14, n.1, pp. 195-204. ISSN 1413-8123. doi: 10.1590/S1413-81232009000100026. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000100026&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08/05/2010 MARI, J. J., JORGE, M. R. Transtornos psiquiátricos na clínica geral. In: Psychiatry On-line Brazil (2) Maio 1997, Internet. Disponível em: http://www.polbr.med.br/arquivo/tpqcm.htm. Acesso em: 06/05/2010. PORTO, C. C. Semiologia Médica. 5a. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. TANAKA, O.Y.,LAURIDSEN-RIBEIRO, E. Desafio para a atenção básica: incorporação da assistência em saúde mental. Cad. Saúde Pública [online]. 2006, vol.22, n.9, pp. 1845-1853. ISSN 0102-311X. doi: 10.1590/S0102-311X2006000900015. Disponivel em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-311X2006000900015&script=sci_arttext. Acessado em: 07/05/2010 TENG, C. T., HUMES, E. C., DEMETRIO, F. N. Depressão e comorbidades clínicas. Rev. psiquiatr. clín. [online]. 2005, vol.32, n.3, pp. 149-159. ISSN 0101-6083. doi: 10.1590/S0101-60832005000300007.Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832005000300007&lng=en&nrm=iso&tlng=pt . Acessado em: 08/05/2010
A imagem da presente postagem pertence ao filme "Bicho de Sete cabeças" dirigido por Laís Bodanzky. Foto extraída de: http://ubermenschbydebord.files.wordpress.com/2008/07/bicho-de-7-cabecas04.jpg

13 de maio de 2010

Semio-Quiz: Alteração ungueal

Qual é a mais provável causa desta anormalidade ungueal? 1. Quimioterapia 2. Hipertireoidismo 3. Síndrome nefrótica 4. Psoríase 5. Sífilis
A referência da fonte da imagem será acrescentada posteriormente. 16/05/10
Resposta: 1. Quimioterapia. Estas várias linhas brancas nas unhas, conhecidas como linhas de Beau, correspondem a ciclos de quimioterapia em um paciente com câncer gástrico. Agentes citotóxicos quimioterápicos podem induzir o bloqueio temporário da função proliferativa da matriz ungueal.
Referência: The New England Journal of Medicine. v. 362, n. 19, Image Chalenge publicada em 13/05/2010

12 de maio de 2010

Análise crítica de artigo científico: Um exercício para aprendizado e avaliação

COSTA, M. C. et al. Fatores associados ao baixo risco cardiometabólico em mulheres obesas. Arq Bras Endocrinol Metab 54 (1): 68-77, 2010.
A avaliação escrita de MCO3 em 2010.1 teve como objetivo a análise crítica de um artigo científico original (referência acima). Trata-se de um bom artigo, bem redigido, sobre um tema relevante e atual. Diferentemente da maioria dos artigos publicados, este apresenta explicitamente a hipótese de pesquisa.

Contudo, mesmo bons artigos têm falhas. Este foi o exercício proposto à turma. O estudante de Medicina precisa ser capaz de julgar os argumentos apresentados em cada artigo, contra ou a favor de evidências, resultados, dados, interpretações ou intervenções.

Ajuda muito, ao se ler um trabalho, ter uma lista de pontos específicos que precisam ser observados. Assim, foi fornecida, uma semana antes da prova, uma lista de questões que poderia ser usada na análise de qualquer tipo de pesquisa, tornando o trabalho de leitura crítica mais fácil, principalmente quando se tem em conta que é mais difícil detectar uma omissão do que um erro. Obviamente, avaliou-se não apenas o seguimento da lista, mas o julgamento dos alunos em termos de profundidade e senso crítico na leitura do artigo.

As questões propostas na avaliação foram as seguintes:

(1) Analise criticamente a seção de Introdução.

(2) A metodologia é suficientemente descrita possibilitando sua replicação? Justifique.

(3) As tabelas são auto-explicativas? Estão apresentadas de forma completa e adequada conforme as normas ABNT?IBGE?

(4) Todos os dados apresentados são descritos na metodologia (e vice-versa)?

(5) As limitações do trabalho são discutidas pelos autores? Se não, que limitações apresenta a pesquisa?

Comentários sobre a análise e elementos essenciais a serem considerados nas respostas à avaliação

Quanto à Introdução (primeira questão), considerou-se como essencial na análise, a consideração do problema e hipótese de pesquisa, a delimitação do tema, sua relevância e a qualidade da fundamentação teórica, assim como o estilo e correção da redação.

Outros aspectos que agregaram valor às respostas foram:
a) Não foi definido o que se considerou como baixo risco cardiometabólico, sendo este o desfecho do estudo e, portanto, deveria ser conceituado nominalmente na Introdução. [Foi feita a conceituação operacional da seção de Métodos].
b) As autoras não mencionaram se havia estudos anteriores abordando o mesmo problema de pesquisa; se havia, quais seriam as lacunas daqueles trabalhos e portanto, qual a contribuição deste estudo; se não havia, este deveria ser um aspecto salientado como originalidade do trabalho.
c) Não foram referidos na Introdução outros fatores cardioprotetores já bem estabelecidos na literatura, como níveis adequados de HDL-colesterol, dieta pobre em gorduras saturadas, prática regular de exercícios físicos, baixos níveis de homocisteína e consumo alimentar de fibras/frutas.
d) A sigla FRCM, presente no texto da Introdução, não foi escrita por extenso nenhuma vez.
e) Foram usados termos pouco precisos, tais como "mais recentemente" e "nas últimas décadas".
f) Nos objetivos (último parágrafo da Introdução), não foi especificada a população-fonte invertigada no estudo, ou seja, mulheres obesas atendidas em ambulatórios especializados do SUS, Salvador, BA, embora esteja redigido de forma completa nor esmo. Porém este é independente do texto do artigo e este último deve estar refletir de forma fidedigna no resumo e vice-versa.
g) As referências empregadas na revisão da literatura foi recente, incluindo trabalhos publicados nos últimos cinco anos em 55,6% das citações contidas na Introdução.
h) Não foi feita uma introdução com lista exaustiva de citações bibliográficas, o que foi adequado, havendo apenas as citações que mostraram que o problema existe e é relevante (ressalvando-se a observação feita no item [b] acima).
Quanto à segunda questão, sobre a seção de Métodos, a resposta é não, apesar de ter sido razoavelmente descrita; considerou-se como fundamental a inclusão dos seguintes aspectos na resposta ao quesito:
a) A falta de esclarecimentos sobre o cálculo do tamanho da amostra não permite a concreta replicação do estudo, a não ser fazendo-se nova estimativa daquele. Tem surgido, mais recentemente, muita discussão em torno do tamanho das amostras. Isto porque muitas pesquisas que não detectaram diferença estatística entre tratamentos tinham, na verdade, pouca chance de fazê-lo devido ao pequeno tamanho. É preciso muita atenção neste ponto. Ainda, são poucos os trabalhos que relatam como foi estabelecido o tamanho da amostra. Aliás, a idéia de calcular o tamanho da amostra é pouco conhecida na pesquisa médica e, por causa disso, muitos trabalhos são feitos com amostras muito pequenas. O cálculo do tamanho da amostra deste trabalho poderia ter se baseado em estudo anterior que estimasse a prevalência de obesidade em mulheres, que poderia ser em torno de 20%, com uma aceitável uma margem de erro de 2,5% e nível de confiança de 95%. Por outro lado, para estudar a associação com os fatores de risco, deveria ter sido considerado o sedentarismo como a exposição de maior frequência. b) Deveria ter ficado mais claro como foi verificada a existência de obesidade dos pais das participantes da pesquisa (poderia ter sido esclarecido, por exemplo, que tinha sido referida pela entrevistada através da pergunta se seu pai/mãe é ou era gordo/gorda);
c) A determinação do índice de massa corporal também não foi feita de modo preciso; e qual terá sido o tipo e a marca da balança usada e qual a sua capacidade e precisão?.
d) Não foi especificado o período em que foi realizado o trabalho de campo, apenas se sabe que começou em 2006.
e) Quantos entrevistadores participaram? Estes trabalharam em duplas com a finalidade de obter medidas antropométricas mais fidedignas?
f) Não foram mencionados os critérios de exclusão da pesquisa; será que foram excluídas as mulheres com obesidade mórbida?
- Outros aspectos da análise da metodologia no sentido de avaliar se o estudo é replicável são o esclarecimento de se no modelo hierárquico empregado, foram analisadas as variáveis de cada bloco conjuntamente, ajustadas para aquelas que se encontravam no nível imediatamente superior, e se foram mantidas no modelo as variáveis que apresentavam significância estatística; também não há menção a ajustes realizados na metodologia em virtude de resultados dos pré-testes, nem se faz alusão aos resultados destes.
Quanto à terceira questão, as tabelas não estavam auto-explicativas nem totalmente de acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Esta define normas para tabelas e figuras através das normas NBR 6029 e NBR 6822. As tabelas devem permitir, o mais possível, uma leitura direta sem que seja necessário recorrer ao texto, ou seja, toda tabela deve ter significado próprio, dispensando consultas ao texto. Nas tabelas 1 e 2 deveria haver notas de rodapé com a explicação das siglas usadas e sinais; os títulos das tabelas 2, 3 e 4 estavam incompletos; como as tabelas 3 e 4 não couberam na página, deveriam ter sido subdivididas, pois, ao não caber na página, foram partidas, continuando na página seguinte, mas com final não delimitado por traço horizontal na parte inferior, e o cabeçalho deveria ter sido repetido.
- Claro que as tabelas não devem conter um título muito extenso, mas este deve indicar a natureza e abrangência do seu conteúdo, tornando-a auto-suficiente em relação ao texto. A inclusão do ano e do local no título da tabela não é obrigatória, mas deve ser feita quando for necessário à compreensão dos dados tabulados. O título está limitado a uma linha em duas tabelas, quando deveria ter duas linhas. Os títulos com apenas uma linha deveriam ter sido centralizados.
Em relação à questão quatro, a resposta é sim. Não foi necessário justificar esta resposta.
Finalmente, em relação à questão cinco, a resposta é sim, as autoras relataram a maior parte das limitações do estudo. Em grande parte das provas (exceto três), os alunos enumeraram as limitações consideradas no trabalho; em algumas provas, houve indicação de outras limitações que não foram apresentadas pelas autoras. Esse aspecto tornou-se um diferencial entre as respostas a esta questão e, por comparação, as que apresentaram as respostas expandidas receberam maior pontuação.

10 de maio de 2010

Aspectos éticos do uso de placebo em pesquisa científica

Por Gilson Mauro Fernandes Filho
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB (V Período)
Resumo A utilização de um grupo-controle com placebo em pesquisas é considerada como a metodologia padrão-ouro para determinação da eficácia de novos tratamentos clínicos, mas tem havido muitas discussões e normatização acerca dos aspectos éticos relacionados a esta prática considerada científica.
Palavras-chave: Placebo, ética em pesquisa, pesquisa terapêutica. O uso de placebo em pesquisas foi considerado eticamente aceitável até 1945. Ao final da II Guerra Mundial, contudo, estava claro que deveria ser feita uma avaliação crítica rigorosa desse emprego. Com o crescente reconhecimento da noção de respeito à pessoa do paciente e participante de pesquisas, o uso de placebo passou a ser progressivamente questionado do ponto de vista ético. O uso dos placebos em pesquisas científicas é um assunto que ultrapassa a questão metodológica e assume também importante dimensão ética. O placebo tem sido usado historicamente em pesquisas clínicas. Sua função básica é a comparação científica entre resultados de um tratamento novo com nenhum tratamento ativo, para se determinar sua eficácia com adequada validade interna para o estudo experimental. Após a 2ª Guerra Mundial, em 1947, uma corte formada por juízes dos Estados Unidos reuniu-se para julgar os crimes cometidos pelos médicos nazistas em campos de concentração. Surgia assim o Código de Nuremberg, um conjunto de dez preceitos éticos para a pesquisa clínica (MOREIRA DE SÁ, 2008). Mesmo após a instituição do Código, pesquisadores banalizaram tais preceitos e continuaram a realizar pesquisas com placebo sem uma avaliação ética adequada. Utilizavam-se minorias étnicas, setores marginalizados da sociedade, comunidades de países subdesenvolvidos, presos, dentre outros grupos vulneráveis, para a realização de experimentos sem fins terapêuticos, colocando muitas vezes em iminente risco os participantes das pesquisas (MOREIRA DE SÁ, 2008). Nesse contexto, a Associação Médica Mundial instituiu, em 1964, a Declaração de Helsinki, que é ainda hoje a referência ética mais importante para a regulamentação de pesquisas médicas envolvendo seres humanos (MOREIRA DE SÁ, 2008).

Em 1964, quando foi elaborada a Declaração de Helsinque, o Art. 29 mencionava que “Em todo ensaio clínico, cada paciente, mesmo aquele que pertence ao grupo controle, se houver, deve receber tratamento de eficácia comprovada”. Na revisão de 1996, consta que [...] “Isto não exclui o uso de placebo inerte, quando não existir tratamento eficaz”. Em 2000, em nova revisão, manteve-se que o uso de placebo deve ser considerado eticamente inaceitável havendo terapêutica disponível. Mais recentemente, na revisão de 2008, a Declaração de Helsinqui afirma que o sujeito da pesquisa em que for demonstrado eficácia e segurança de uma nova droga, deverá ter acesso ao medicamento após pesquisa clínica.

No Brasil, a regulamentação dos aspectos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos é feita pelas Diretrizes e Normas de Pesquisa em Seres Humanos: Resolução 196/96 – Conselho Nacional de Saúde (Ministério da Saúde). Esta Resolução normatiza que o uso de placebo em pesquisas clínicas deve ser justificado em termos de não maleficência e necessidade metodológica perante um Comitê de Ética e Pesquisa da instituição e analisada pela Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado para a pesquisa com placebo deve ser aprovado pelo CONEP, e os participantes do experimento devem ser informados da possibilidade de receber uma substância inerte em lugar do medicamento ativo durante a pesquisa.
Na Resolução 404/2008 (01/08/2008), o Conselho Nacional de Saúde (Brasil, Ministério da Saúde) manteve os seguintes textos da versão 2000 da Declaração de Helsinque: a) Sobre o acesso aos cuidados de saúde: No final do estudo, todos os pacientes participantes devem ter assegurados o acesso aos melhores métodos comprovados profiláticos, diagnósticos e terapêuticos identificados pelo estudo; b) Utilização de placebo: Os benefícios, riscos, dificuldades e efetividade de um novo método devem ser testados comparando-os com os melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos atuais. Isto não exclui o uso de placebo ou nenhum tratamento em estudos onde não existam métodos provados de profilaxia, diagnóstico ou tratamento. Assim, em 2000, a 5ª revisão da Declaração de Helsinki trouxe à tona novamente a discussão acerca dos preceitos éticos da utilização dos placebos em pesquisas clínicas. Segundo este, “os benefícios, os riscos, e a eficácia de um método novo devem ser comparados aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos ou terapêuticos atuais” (GARRAFA; PRADO, 2001). Desta forma, o placebo passou a ser aceito apenas quando nenhuma outra modalidade terapêutica existir para determinada condição clínica. Em consonância, o US National Bioethics Advisory Committee (NBAC) considerou que deveriam ser impedidos os estudos placebo-controlados em pacientes com doenças em que já exista uma terapia efetiva (MOREIRA DE SÁ, 2008). A recente discussão sobre a eticidade do placebo nos foros internacionais foi motivada, em última instância, pelos experimentos sobre AIDS na África e tratamento da tuberculose em Uganda. Esses experimentos envolveram dois aspectos considerados antiéticos pela comunidade científica internacional: dano permanente para os participantes e emprego de modalidades de tratamento com qualidade inferior, planejadas para o Terceiro Mundo em função do menor custo (VERSIANI, 2000). Apesar desse cenário, a US Food and Drug Admnistration (FDA), instituição que regula a aprovação ao uso de medicamentos em todo o mundo, continua a exigir a testagem com o placebo para a aprovação de uma nova droga por razões metodológicas. Também a União Européia se mostrou contrária às imposições éticas reguladoras, tendo o Comitê Científico da European Agency for the Evaluation of Medical Products (EMEA) se posicionado contrária aos interesses da saúde pública a proibição dos estudos placebo-controlados (MOREIRA DE SÁ, 2008). A FDA classifica os grupos-controle de experimentos clínicos em cinco tipos: placebo concorrente, tratamento ativo concorrente, nenhum tratamento concorrente (estudo aberto), comparação de dose concorrente e externo (MARQUES, 2000). Assim, grupo-controle placebo concorrente é considerado o padrão-ouro, mas para o Código de Helsinki, o tratamento ativo concorrente é a alternativa mais ética ao placebo. De acordo com Rothman (1994), a comparação com um grupo-controle de tratamento ativo poderia se tornar até inviável em certas situações. A partir da comparação com um tratamento comprovadamente eficaz, a significância estatística só seria atingida utilizando-se grandes amostras, o que tornaria o estudo demasiadamente caro e poderia expor mais pacientes a efeitos ainda não totalmente esclarecidos das novas drogas. As pesquisas com placebo são realizadas de forma rápida, com amostras pequenas, possibilitando suficiente significância estatística. O novo Código de Ética Médica vigente no Brasil desde 13/04/2010 reforça a questão ética negativa em relação ao uso de placebo em pesquisas. Passa a ser proibido também conforme o novo código usar placebo em pesquisa quando há tratamento eficaz. É o que diz o artigo 106 do capítulo XII, sobre Ensino e Pesquisa Médica, que veda ao médico “manter vínculo de qualquer natureza com pesquisas médicas, envolvendo seres humanos, que usem placebo em seus experimentos, quando houver tratamento eficaz e efetivo para a doença pesquisada.” Em meio aos conflitos gerados com o novo Código, permanece a questão se de possíveis prejuízos aos avanços na pesquisa clínica, ou se foi uma atitude desmedida e deva ser reconsiderada mais adiante, avaliando-se sempre a integridade e o bem-estar dos participantes das pesquisas científicas. Para Jordão et al. (2008), ainda há a necessidade de maior rigor no cumprimento dos preceitos éticos quanto ao uso de grupo controle-placebo que promoverão a proteção devida aos sujeitos da pesquisa. Além disso, cuidados por parte dos pesquisadores e do Comitê de Ética devem ser intensificados, pois, existem estudos que não justificam o uso do placebo.
A conduta ética em todas as pesquisas realizadas deve estar presente não somente entre os responsáveis pelo estudo, mas também entre as agências reguladoras, patrocinadores de pesquisa, instituições de revisão e editores de revistas, que devem sempre contestar o uso do placebo e exigir explicação para seu uso em cada protocolo e edição da pesquisa, evitando que estudos não-éticos sejam divulgados. Referências
(Não estão em ordem alfabética) JORDÃO, C. E. et al. Uso de placebo em experimentos clínicos envolvendo seres humanos no Brasil. Rev. Direito Sanit. 9 (2): 31-46, 2008
MOREIRA DE SÁ, R. A. Uso do placebo na pesquisa clínica! Aquinate 6: 426-428, 2008. VERSIANI, M. A necessidade do grupo-controle com placebo em pesquisas sobre a eficácia de tratamentos psiquiátricos. Bioética 8 (1): 29-42, 2000. MARQUES, R. Grupo placebo: psiquiatria não é exceção. Bioética 8 (1): 43-50, 2000. GARRAFA, V.; PRADO, M. M. Mudanças na Declaração de Helsinki: fundamentalismo econômico, imperialismo ético e controle social. Cad. Saúde Pública, 17 (6), 2001. ROTHMAN, K. J.; MICHELS, K. B. The continuing unethical use of placebo controls. N Engl J Med. 331 (6): 394-8, 1994.