Professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da Universidade Federal da Paraíba, Campus I
Nos últimos dias, através de e-mails, professores e estudantes, participantes da listagem de correspondentes da Coordenação do Curso de Medicina, emitiram opinião a respeito da denúncia feita pelo Centro Acadêmico de Medicina Napoleão Laureano (CANAL) ao Ministério Público Federal a respeito de professores do Curso de Medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que não cumprem a carga horária legal, nem realizam a contento as suas atividades docentes, com prejuízo para a formação acadêmica dos alunos do curso.
Senti-me tentado a fazer um comentário mais extenso, mas a escassez de tempo impediu-me de fazê-lo antes. Faço-o agora.
Em minha opinião, a discussão ficou muito restrita à questão dos professores que acumulam atividades privadas com aquelas que têm no âmbito da UFPB.
Pelo discurso do movimento sindical dos docentes e dos funcionários e do movimento estudantil, o maior problema da UFPB é a falta de recursos financeiros para custear as atividades que lhes são próprias e a falta de professores e de servidores técnico-administrativos, tudo isto fazendo parte de uma explícita intenção do governo federal de privatizar as universidades.
Analisando a questão sem o viés do corporativismo do movimento sindical e da miopia ideológica de setores do movimento estudantil, podemos ver que são outros os principais problemas da UFPB. Destaco dois deles: a má gestão dos recursos financeiros e a insuficiência qualitativa e quantitativa do trabalho dos professores e dos servidores técnico-administrativos. Sobre o primeiro problema, não me ocuparei agora.
Com relação ao segundo problema, primeiro me deterei sobre o trabalho dos servidores técnico-administrativos.
Na UFPB, há o absurdo de termos apenas um turno de trabalho, que deveria ser de seis horas, mas que, na realidade, em média, não passa de três.
Se fizermos um “tour” pelos diversos setores da UFPB, aí incluída a administração central, às 08h00 da manhã, com certeza, não encontraremos nem metade dos servidores lotados em cada setor. O mesmo ocorrerá se o “tour” for feito às 11h00. À tarde e à noite , a situação é a mesma. Nos recessos escolares, período de férias dos alunos e de trabalho para professores e servidores, poucos deles serão encontrados.
Tirando as férias, as greves (sempre longas, com os portões fechados com a conivência da administração central), os dias de mobilização (normalmente dois dias: quarta-feira e quinta feira, com a sexta-feira degolada), os feriados (sempre mais numerosos do que os feriados para os trabalhadores em geral), os pontos facultativos, o Processo Seletivo Seriado (PSS), os dias que não vêm pelos mais diversos motivos ou falta deles, quantos dias, afinal, trabalham nossos servidores?
Mas, quando estão no ambiente de trabalho, os servidores estão trabalhando? E qual é a qualidade deste trabalho?
Não obstante a melhoria salarial advinda de acordos feitos com o governo federal e da febre de capacitação que assolou os servidores, não percebo melhora na qualidade do trabalho prestado. Mas posso estar errado. Alguém percebe alguma melhora?
Como resultado do turno único, muitos setores só funcionam em um turno, com prejuízo daqueles que demandam estes setores. Por outro lado, o horário de trabalho do servidor, muitas vezes, é definido tendo em vista o interesse do servidor e não o interesse do serviço. Assim, temos setores com dois ou mais servidores em um turno e nenhum servidor no outro.
A sequência de absurdos continua com a má distribuição dos servidores pelos diversos setores.
Imaginemos um departamento da área básica, com seis laboratórios, um para cada disciplina. Em cada laboratório, trabalha um, dois, ou três funcionários. Cada funcionário trabalha só um turno. Se o laboratório tem só um servidor, não pode realizar práticas no outro turno. Se o laboratório tem servidor nos dois turnos, as práticas estarão garantidas? Não, pois nem sempre o servidor está presente ou se recusa a fazer determinadas tarefas, alegando que não é sua atribuição. O professor que a faça. Ou os monitores.
Como as disciplinas têm aulas práticas só em alguns dias em cada semestre... férias longas para todas! Nestes cinco laboratórios trabalham cerca de dez servidores. Como os laboratórios estão lado a lado e as aulas práticas não são diárias, dois servidores, trabalhando dois turnos, dariam conta de todo o trabalho.
Eis o desperdício. Agora, o amplie para toda a UFPB.
E os professores?
Estes também não cumprem a carga horária e isto não se deve tão somente às ocupações privadas que têm quando deveriam ser exclusivos da UFPB.
Há professores nesta situação que são muito dedicados à atividade docente. Do outro lado, há professores sem ocupações profissionais privadas que não cumprem a carga horária devida.
Além disto, há insuficiências qualitativas. Neste aspecto, encheríamos páginas com exemplos.
Escuto de meus alunos reclamações sobre professores que foram meus professores. Vinte e cinco anos depois, tudo se repete. O absurdo maior não é esta repetição de falta de compromisso e postura docente, mas o fato de este professor nunca ter sofrido qualquer tipo de sanção. Mesmo a mais leve delas.
Por que isto ocorre?
Porque, na UFPB, trabalha quem quer.
Quase ninguém cobra.
De quem é a culpa?
De todos nós, em graus diferentes.
Do aluno, que silencia diante do professor ausente, e do professor, que não cumpre adequadamente, qualitativa e quantitativamente, suas obrigações. Muitas vezes, os alunos preferem o professor relapso ao professor responsável. Aqueles que terminam a aula mais cedo, fazem provas mais fáceis, retiram assuntos do conteúdo a ser estudado, fazem “trabalho” ao invés de prova, aplicam prova em dupla, repetem a mesma prova, ano após ano.
Conheço o caso de um aluno que foi aprovado em uma disciplina sem comparecer a uma aula sequer e sem realizar um só estágio. O professor também não veio ministrar aula. Passou trabalho, veio recolhê-lo, botou a nota. Na ausência do trabalho do aluno “X” deve ter pensado: “Será que o perdi?” Na dúvida, colocou a nota! Sete!
Culpa dos professores que cometem estes erros ou que silenciam sobre o erro do colega.
Dos chefes de departamentos, dos coordenadores de cursos e dos responsáveis por outros setores da UFPB, que não cumprem com suas atribuições de cobrar. Adoram o bônus do cargo, mas não assumem o ônus.
Dos diretores de centro e da direção central da UFPB, que não se propõem a discutir e a resolver este problema, por interesses eleitoreiros. Para não perder votos, são coniventes com este descalabro. Colocam os interesses pessoais acima dos interesses coletivos.
Da sociedade com um todo e dos atores sociais com maior poder de pressão, como a imprensa. Um exemplo: é muito comum ver na imprensa cobranças sobre os profissionais dos serviços públicos de saúde da esfera municipal e da esfera estadual, dependendo da vinculação partidária do órgão de imprensa.
Mas, por que não mostram o que ocorre no HU [Hospital Universitário Lauro Wanderley/UFPB]?
E o paciente que vem do interior, de lá saindo de madrugada ou na véspera, e que está no ambulatório às 07h00 e só começa a ser atendido às 09h00, às 10h00 às 11h00?
Este não sai na mídia.
Qual seria a solução?
Um sistema de avaliação e cobrança do cumprimento da carga horária e da qualidade do trabalho realizado, com metas pré-estabelecidas a cumprir, com vinculação de parte do salário a esta avaliação.
No momento, não temos esta avaliação. Então, o professor e o servidor técnico administrativo sem compromisso não estão nem um pouco preocupados em ter um bom desempenho. No início do mês, o salário é regiamente pago.
Então, uma minoria de professores, servidores abnegados levam nas costas o trabalho que deveria ser de todos. Mas, muitos destes estão desencantados, desmotivados.
Por que a reitoria não implanta o ponto eletrônico?
Por que a reitoria não convoca os conselhos superiores para discutir a questão da avaliação?
Por que as entidades sindicais qualificam qualquer iniciativa neste sentido de produtivista e privatizante? Na realidade, estão defendo o interesse do mau professor e do mau servidor técnico administrativo.
Então, o que nos resta?
Denunciar ao Ministério Público Federal, à Controladoria Geral da República, ao Tribunal de Contas da União. Utilizar a internet, dando publicidade a estes problemas.
Vale ressaltar que os três órgãos acima listados têm formulário eletrônico de denúncia, nos seus sítios eletrônicos. É muito simples denunciar!
E para que não digam que não falei das flores, afirmo que o que disse acima não se aplica a todos. Nos três segmentos que compõem a UFPB e nos diferentes níveis da administração, das coordenações de curso à administração central, há pessoas que não concordam com este estado de coisas e que lutam para mudá-lo.
Infelizmente, não têm conseguido!