Descritores: doença de Raynaud, fisiopatologia, diagnóstico.Resumo O Fenômeno de Raynaud (FR) consiste em episódios de vasoespasmos em extremidades, obedecendo a uma sequência de palidez, cianose e rubor. Quando ocorre primariamente, denomina-se doença de Raynaud, mas quando se identifica uma patologia subjacente, fala-se em FR secundário, ou simplesmente FR. A distinção entre fenômeno e doença de Raynaud é fundamental para um adequado manejo clínico e definição de prognóstico.
O Fenômeno de Raynaud (FR) caracteriza-se por espasmos das arteríolas, habitualmente dos dedos, mas ocasionalmente de outras extremidades, como nariz, lábios e língua, expressando-se como um fenômeno trifásico que obedece classicamente a uma sequência de palidez, cianose e rubor (GAYRAUD, 2007).
Essa sequência de alterações de cores no FR tem sido comparada às cores da bandeira da Rússia – do branco para o azul e para o vermelho. O vasoespasmo inicial da artéria digital causa palidez dos dedos, a qual é substituída por cianose pelo sangue desoxigenado. A hiperemia reativa causa o estágio final, o rubor.
As hipóteses atualmente consideradas na fisiopatologia desta condição derivam de duas teorias antigas: (1) hiperreatividade vascular local ao estímulo simpático (RAYNAUD, 1862, apud BOIN e WIGLEY, 2005); (2) desregulação local do tônus vascular com diminuição de prostaciclinas e/ou aumento de tromboxano (LEVIS, 1929, apud BOIN e WIGLEY, 2005).
Além de alterações funcionais, no FR secundário à Esclerose Sistêmica Progressiva (ESP), ocorrem alterações estruturais da parede vascular levando a um estado de isquemia crônica dos órgãos envolvidos (SUDERKÖTTER; RIEMEKASTEN, 2006).
Segundo Gayraud (2007), este fenômeno, na maioria dos casos, caracteriza-se por ser um evento funcional benigno, não havendo qualquer patologia subjacente, sendo assim chamado de FR primário, ou mesmo de doença de Raynaud. No entanto, o FR pode ser decorrente de uma série de afecções locais ou sistêmicas, destacando-se as doenças reumatológicas autoimunes, principalmente a esclerodermia ou esclerose sistêmica progressiva (ESP). Nesse caso, é conhecido como FR secundário, ou simplesmente “Fenômeno de Raynaud”.
LeRoy e Medsger (1992) propuseram os seguintes critérios para o diagnóstico FR primário (doença de Raynaud):
· episódios característicos de vasoespasmo, excitados pelo frio ou emoção, bilateralmente;
· pulsos periféricos palpáveis, com amplitude normais e simétricos;
· ausência de gangrena;
· ausência de qualquer doença causal (fator anti-núcleo/FAN negativo; velocidade de hemossedimentação normal);
· capilaroscopia periungueal normal.
Uma apresentação bilateral, simétrica e afetando múltiplos dedos é sugestiva de doença de Raynaud, geralmente surgindo em mulheres entre 15 e 45 anos de idade. Os dedos das mãos são mais comumente afetados, e mais de 40% dos pacientes têm ataque também nos dedos dos pés (REILLY; SNYDER, 2005).
Já o FR (forma secundária) – marcador para uma variedade de doenças reumatológicas autoimunes – quase sempre se apresenta assimetricamente, com comprometimento de poucos dedos e com um risco maior de desenvolvimento de gangrena, muitas vezes já encontrando-se alterações tróficas nos dedos. Geralmente ocorre na terceira e quarta década de vida, e tem prevalências semelhantes tanto em homens quanto em mulheres. Muitas vezes, o FR é a primeira manifestação de doenças do tecido conjuntivo (FLAVAHAN et al, 2003).
Diante de um paciente com FR, a presença de alterações na capilaroscopia ungueal (alças capilares gigantes, tortuosas ou presença de áreas avasculares) e a positividade de auto-anticorpos específicos para ESP tornam-se suficientes para confirmação diagnóstica desta entidade (GAYRAUD, 2007).
Em relação ao prognóstico, pacientes com doença de Raynaud têm uma excelente evolução, muitas vezes as crises desaparecendo completamente. Já para o FR secundário, o prognóstico geralmente está relacionado à condição subjacente, à severidade da isquemia e efetividade do manejo em restaurar a circulação (GRASSI et al, 1998).
Referências
Boin F, Wigley FM. Understanding, assessing and treating Raynaud's phenomenon. Curr Opin Rheumatol 2005; 17 (6):752-760.
Flavahan NA, Flavahan S, Mitra S, Chotani MA. The vasculopathy of Raynaud’s phenomenon and scleroderma. Rheum Dis Clin North Am 2003; 29: 275-291.
Gayraud M. Raynaud´s phenomenon. Joint Bone Spine 2007; 74:e1-e8.
Grassi W, De Angelis R, Lapadula G, Leardini G, Scarpa R. Clinical diagnosis found in patients with Raynaud's phenomenon: a multicentre study. Rheumatol Int 1998; 18:17-20.
Herrick A. Diagnosis and management of scleroderma peripheral vascular disease. Rheum Dis Clin North Am 2008; 34:89-114.
LeRoy EC, Medsger TA Jr. Raynaud´s phenomenon: a proposal for classification. Clin Exp Rheumatol 1992; 10:485-488.
Reilly A, Snyder B. Raynaud Phenomenon. Am J Nur 2005; 105:56-65.
Suderkötter C, Riemekasten G. Pathophysiology and clinical consequences of Raynaud’s phenomenon related to systemic sclerosis. Rheumatology 2006; 45 (S3): 33-35.
Imagem acima: figura adaptada de ilustrações capturadas nos seguintes sítios: www.clarian.org e http://armchairgeneralist.typepad.com