20 de julho de 2010

A Falácia de Berkson

Por Priscilla Duarte Ferreira Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

A Falácia de Berkson diz respeito a um erro sistemático que afeta geralmente estudos caso-controle nos quais a amostragem é feita a partir de pacientes hospitalizados. Esse tipo de erro pode levar a associação distorcida entre as variáveis. Essa distorção viabiliza uma generalização incongruente para a população geral a partir dos resultados obtidos na amostra. Foi descrita pelo estatístico J. Berkson em 1946, quando abordou as limitações de dados originados de estudo com uma população hospitalizada.

Palavras-chave: Viés. Caso-controle. Amostragem. Por maior que seja a rigor metodológico no desenvolvimento de estudos epidemiológicos, há possibilidade de erros que podem comprometer a validade dos resultados. Esses erros sistemáticos podem distorcer as conclusões do estudo. Assim, é necessário que o pesquisador esteja atento no sentido de evitar os possíveis erros, ou vieses. O termo viés refere-se ao erro sistemático (bias, em inglês), sendo definido como qualquer processo, em qualquer estágio da inferência de uma pesquisa científica, que tende a produzir resultados e conclusões que diferem sistematicamente da verdade. Seu efeito é o de distorcer a estimativa de uma variável, por exemplo, aumentando ou diminuindo a média ou a prevalência de uma determinada característica (MARCONDES, 2010; COUTINHO, 1998).
Não existe, de fato, um desenho de estudo perfeito. O importante é reconhecer as limitações específicas de cada pesquisa de modo a ampliar a capacidade de prever e corrigir os possíveis vieses. Existem vários tipo de erros, entre eles os de seleção, informação e confundimento. O viés de Berkson, também denominado paradoxo ou falácia de Berkson, resulta da diferença de probabilidade de hospitalização dos casos e controles, condicional ao status de exposição. Trata-se de um problema de encaminhamento (drenagem) diferenciado que pode ser mitigado com a escolha de patologias-controle com o mesmo sistema de referenciamento dos casos (REICHENHEIM et al.,1998). Berkson (1946, apud WERNECK; ALMEIDA, 2007) publicou um importante trabalho cujo objetivo foi mostrar as limitações da aplicação da tabela 2x2 quando da utilização de dados originados de população hospitalizada. Demonstrou que cada doença na população geral tem uma probabilidade definida de resultar em internação, e que estas probabilidades seletivas atuam de forma independente para cada doença.
Berkson chegou à conclusão de que a probabilidade de um indivíduo com mais de uma doença ser internado é crescente (duas doenças, duas vezes; três doenças, três vezes e assim sucessivamente), o que caracteriza a população hospitalar como não representativa da população geral (REGO, 2001). O viés de Berkson foi descrito a partir da observação de uma associação negativa entre câncer (variável dependente) e tuberculose pulmonar. Nesse estudo, os pacientes casos corresponderam a pacientes com câncer e o controle foi selecionado a partir da população hospitalizados por outras causas. O resultado foi a baixa frequência de pacientes com câncer que tinham antecedente de tuberculose comparados com o grupo controle, com um valor de odds ratio inferior a um, apontando para a paradoxa conclusão acerca da tuberculose como um fator de proteção para o câncer. A dificuldade de interpretar esse viés derivou da baixa frequência de tuberculose entre os hospitalizados por câncer, o que significa que entre estes enfermos a ocorrência da enfermidade fora menor (RADA, 2007). Assim, esse paradoxo se deve ao viés de seleção dos controles. Observa-se que existe uma relação na pequena amostra que na realidade não existe na população. Decorrente desse viés, quanto mais transtornos sofre uma pessoa, maior é a probabilidade de que ela solicite assistência médica. Por essa causa, as amostras de pacientes internadas em hospitais são inevitavelmente tendenciosas para realizar estudos de comorbidade.
O procedimento adequado seria, portanto, avaliar amostras de população geral. Recomenda-se, então, que o grupo controle seja selecionado a partir da mesma base populacional dos grupo dos casos. Um aspecto a ser salientado é que para o viés de Berkson ocorrer é necessário que tanto o desfecho de interesse quanto o fator de risco sob estudo afetem independentemente as taxas de hospitalização (WERNECK; ALMEIDA, 2007). Ao contrário do que foi apontado no estudo de Berkson, fatores de risco não são, em geral, doenças, e, portanto, não devem afetar tão frequentemente as taxas de hospitalização. Neste sentido, o viés de Berkson não seria uma ameaça tão grande na maioria dos estudos. Entretanto, este viés pode ocorrer, particularmente quando a exposição sob estudo está associada ao status socio-econômico (ibid). Uma vez ocorrido o viés, a possibilidade de recuperação da informação exclusa e, mais grave, não ignorável, é extremamente complicada, senão impossível (REICHENHEIM et al., 1998). Portanto, faz-se mister o cuidado na seleção de amostra para a composição do grupo controle em estudos caso-controle.
O pesquisador deve ser capaz compreender detalhadamente o processo de construção de resultados válidos na pesquisa clínica, sendo parcimonioso em suas conclusões e cauteloso nas generalizações, evitando estender para a população o que foi obtido através da amostra de pacientes internados. Referências
COUTINHO, M. Princípios de epidemiologia clínica aplicada à cardiologia. Arq. Bras. Cardiol. 71 (2): 109-116, 1998. MARCONDES, E. Viéses em estudos epidemiológicos. 2010. Disponível em: http://www.webartigos.com. Acesso em: 10 jul. 2010. RADA, G. Los sesgos más frecuentes. 2007. Disponível em: http://escuela.med.puc.cl Acesso em: 10 jul. 2010. REICHENHEIM, M.; MORAES, C. L. Alguns pilares para a apreciação da validade de estudos epidemiológicos. Rev. bras. epidemiol., São Paulo, 1 ( 2): 131-148, 1998. REGO, M. A. V. Aspectos históricos dos estudos caso-controle. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17 (4): 1017-1024, 2001. WERNECK, G. L.; ALMEIDA, L. M. Validade em estudos epidemiológicos. In: MEDRONHO,R. et al. (eds.). Epidemiologia. São Paulo: Atheneu, São Paulo, 2002. Fonte da imagem ilustrativa: http://www.abap-tutorials.com