“O remédio mais usado em Medicina é o próprio médico, o qual como os demais medicamentos precisa ser conhecido em sua posologia, efeitos colaterais e toxicidade.” (BALINT, 1975)
Resumo
As atitudes transferenciais, em pacientes que trazem para a relação conflitos externos, e contratransferenciais, em profissionais que apresentam movimentos afetivos em reação ao de seu paciente, podem ser positivas ou negativas para a relação médico-paciente, repercutindo sobre a terapêutica.
Palavras-chave: Relação Médico-Paciente. Transferência (Psicologia). Contratransferência (Psicologia).
No contexto da relação médico-paciente na prática clínica, o complexo emocional chamado transferência-contratransferência tem grande importância. Não é um tema central apenas na disciplina de Psicologia Médica e no âmbito da Psicanálise, mas de toda a Medicina. Todas as atitudes do profissional repercutem sobre o paciente e terão significado terapêutico ou antiterapêutico segundo as vivências que despertarão no paciente e nele, profissional.
Balint (1975) deu ênfase à "aliança terapêutica" que deve existir na relação profissional-paciente, para que haja uma interação clínica adequada. A técnica de diagnosticar e tratar, por mais aprimorada que seja, tenderá a ser ou inócua ou alienante, se não for permeada por uma boa relação profissional-paciente.
Tavares (2007), por sua vez, comenta que, para evitar fenômenos iatrogênicos, deve-se dar a importância devida aos fenômenos contidos em toda relação médico-paciente (transferência, contratransferência e mecanismos de defesa – negação, projeção, racionalização, repressão).
Segundo Porto et al. (2005), transferência "diz respeito aos fenômenos afetivos que o paciente passa para a relação que estabelece com o médico". São sentimentos inconscientes já vividos anteriormente no âmbito de seus relacionamentos primários nos quais aparecem, basicamente, as figuras dos pais, dos irmãos e de outros membros da família. Ao entrar em contato com o médico, o paciente revive nas profundezas de seu mundo emocional, inconscientemente, como se fossem situações novas, sentimentos nascidos e vivenciados nas relações primárias.
O referido autor comenta que o paciente não percebe que o médico está ocupando a posição de substituto de outra pessoa, a qual, de fato, foi que originou o sentimento por ele. Cabe ao médico compreender o fato, pois o fenômeno conduz ao respeito e cria condições psicológicas para que suas palavras e atitudes sejam capazes de despertar segurança, tranquilidade e esperança.
A maneira como o médico recebe o paciente, o modo de tratá-lo no exame clínico, em particular ao fazer a anamnese, e o tempo que o médico põe a disposição do paciente são fatores de suma importância no desenvolvimento dos mecanismos de transferência (ibid).
Fala-se em transferência positiva quando o paciente vivencia o relacionamento de maneira agradável, confirmando a expectativa que tinha de encontrar no medico uma pessoa disponível, atenciosa e com capacidade para ajudá-lo (FERNANDES et al., 1993).
Do ponto de vista psicodinâmico, o paciente estaria transferindo para o médico o afeto já sentido por outra pessoa. O contrário pode acontecer se o paciente reviver fatos desagradáveis de relações anteriores. Neste caso, fala-se, então, em transferência negativa ou resistência, constituindo um fator psicológico que atrapalha a relação. Manifesta-se, por parte do paciente, como esquecimentos de horário, adiamento ou recusa em realizar exames, má adesão ao tratamento estabelecido ou dieta, deturpação de sintomas etc. (PORTO et al., 2005).
A contratransferência designa os movimentos afetivos do profissional como reação aos de seu paciente e em relação à sua própria vivência infantil. A contra-transferência pode também ser positiva ou negativa e depende de inúmeros fatores, advindos tanto do paciente (idade, sexo, situação social, apresentação e comportamento) como do próprio profissional (estado de cansaço, irritação, situação conjugal, social e de trabalho) (JEAMMET et al., 1989 apud NOGUEIRA-MARTINS, 1997).
Uma relação médico-paciente com características iatropatogênicas pode acontecer tanto pela insegurança do médico como por suas atitudes hostis, desencadeadas pelo estado e emoções do paciente e/ou pela insatisfação do profissional com seu trabalho. Em síntese, o médico pode desenvolver em relação aos pacientes uma contra-transferência negativa (NOGUEIRA-MARTINS; NOGUEIRA-MARTINS, 1998).
A contratransferência, quando negativa, pode se manifestar por atitudes que ocultam rejeição ou agressividade inconsciente, como por exemplo: recusa de ouvir o paciente, por motivo de pressa ou falta de tempo, atos falhos, como esquecimento do horário de atendimento, "ameaça" de consulta psiquiátrica ou de hospitalização.
A relação médico-paciente é uma relação de expectativas e esperanças mútuas; o doente espera alívio e, se possível, cura; o terapeuta espera reconhecimento de seu paciente, verificação de seu poder de reparação ou da adequação de seus pontos de vista. A expectativa pode ser de tal ordem, em cada um, que há o risco de as relações de troca serem transformadas em relações de força (JEAMMET et al., 1989 apud NOGUEIRA-MARTINS, 1997).
É necessário, portanto, o conhecimento desses conceitos para que se possa evitar uma relação conturbada e iatrogênica. Contudo, precisa-se mais que isso. Discussões e abertura para conversar sobre o tema é necessário, tendo em vista a constância que os fenômenos aparecem na prática clínica diária. A atenção plena e constante a estes fenômenos tão recorrentes pode evitar mecanismos psicológicos negativos, que interferem na ação terapêutica.
Referências
BALINT, M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Ed Atheneu, 1975.
FERNANDES, J. C. L. A quem interessa a relação médico paciente? Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 1993.
NOGUEIRA-MARTINS, M.C.F. Relação profissional-paciente: subsídios para profissionais de saúde. Psychiatry On-line Brazil. [on-line] Disponível em: http://www.priory.co.uk/. Acesso em 28 jun. 2010.
NOGUEIRA-MARTINS, L.A.; NOGUEIRA-MARTINS, M.C.F. O exercício atual da Medicina e a relação médico-paciente. Revista Brasileira de Clínica Terapêutica. São Paulo, 1998.
NOGUEIRA-MARTINS, M.C.F. Relação profissional-paciente: subsídios para profissionais de saúde. Psychiatry On-line Brazil. [on-line] Disponível em: http://www.priory.co.uk. Acesso em: 28 jun. 2010.
PORTO, C.C.; BRANCO, R.F.G.R.; OLIVEIRA, A.M. Relação Médico-Paciente. In: PORTO, C.C. Semiologia Médica. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.
TAVARES, F.M. Reflexões acerca da iatrogenia e educação médica. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, 2007.
Fonte da figura ilustrativa: http://www.aafp.org/