O portador de diabetes melito tem uma sobrevida maior a cada dia, convivendo com complicações crônicas da doença. O pé diabético é um importante problema de saúde pública, sendo a maior causa de internação nestes pacientes e de amputações, com redução importante da qualidade de vida. É necessária a realização de avaliação sistemática do pé do paciente diabético nos vários níveis de atenção à saúde. O Consenso Internacional sobre Pé diabético preconiza o rastreamento do pé em risco com o diapasão para avaliar a sensibilidade vibratória, monofilamento de Simmes-Weinstein e chumaço de algodão para a sensibilidade tátil e tubos de ensaio com substâncias frias e mornas para sensibilidade térmica, assim como objetos pontiagudos para sensibilidade dolorosa.
Palavras-chave: Diabetes melito. Pé diabético. Lesões podais.
Com o avanço da abordagem geral do indivíduo portador de diabetes melito (DM), houve aumento da sobrevida do portador da doença e, com isso, as complicações passaram a ser constatadas com maior frequência, destacando-se, entre outras, as lesões nos pés, que podem levar a algum tipo de amputação de membro inferior.
A despeito de todo o avanço tecnológico na medicina, as taxas de amputação em membros inferiores em pacientes portadores de DM têm sido elevadas, o que deve levar a refletir sobre o assunto e, consequentemente, buscar novas formas de atuação (LOPES, 2003).
O chamado "Pé Diabético" constitui uma complicação crônica de etiologia frequentemente multifatorial, com comprometimento vascular, neural articular e infeccioso (BRASILEIRO et al., 2005). Segundo o grupo de trabalho internacional sobre o problema (2001), a síndrome do pé diabético é a presença de qualquer infecção, ulceração e/ou destruição dos tecidos profundos associadas a anormalidades neurológicas e vários graus de doença vascular periférica nos membros inferiores.
Lopes (2005) mostra que a lesão no pé do paciente portador de DM resulta da presença de dois ou mais fatores de risco associados. Na maioria dos pacientes portadores de DM, a neuropatia periférica tem um papel central: mais de 50% dos pacientes diabéticos tipo 2 apresenta neuropatia e pés em risco. A neuropatia leva a uma insensibilidade (perda da sensação protetora) e, subsequentemente, à deformidade do pé, com possibilidade de uma marcha anormal.
A neuropatia torna o paciente vulnerável a pequenos traumas (motivados, por exemplo, pelo uso de sapatos inadequados ou lesões da pele ao caminhar descalço), que podem precipitar uma úlcera. A deformidade do pé e a mobilidade articular limitada podem resultar em carga biomecânica anormal do pé, com formação de hiperqueratose (calo), que culmina com alteração da integridade da pele (úlcera). Com a ausência de dor, o paciente continua caminhando, o que prejudica a cicatrização.
A doença vascular periférica, resultante da lesão endotelial por hiperglicemia, associada a pequeno trauma pode resultar em dor e úlcera puramente isquêmicas. Entretanto, deve ser lembrado que, em pacientes com isquemia e neuropatia (úlcera neuro-isquêmica), os sintomas podem estar ausentes apesar de isquemia severa. Finalmente, algumas lesões podem servir de porta de entrada para infecções, o que pode agravar ainda mais a situação do portador de DM.
O resultado é que a interação da doença vascular, da infecção (facilitada pela imunodeficiência e suprimento sanguíneo insuficiente) e da neuropatia periférica transforma o pé diabético em um órgão-alvo de altíssimo risco, originando lesões ulceradas com risco de amputação em 15 por cento dos indivíduos diabéticos (VIRGINI-MAGALHÃES; BOUSKELA, 2008).
Como medida de prevenção do pé diabético, além das atividades educativas para o autocuidado, o Consenso Internacional sobre Pé diabético (2001) preconiza o rastreamento do pé em risco com o diapasão de 128 Hz que avalia a sensibilidade vibratória, o monofilamento 5.07 (10g) de Simmes-Weinstein e o chumaço de algodão a sensibilidade tátil, o martelo de Dejerine e martelo neurológico para exame dos reflexos de aquileu e patelar, tubos de ensaio com substâncias frias e mornas para sensibilidade térmica e objetos pontiagudos para testar a sensibilidade dolorosa.
Após essa busca de sinais de neuropatia, é feita uma avaliação da perfusão sanguínea com provas de enchimento e esvaziamento capilar para identificar vasculopatia. É recomendado conferir o tipo de calçado, higiene e corte de unhas, situação de hidratação da pele e, por fim, é estabelecido o grau de risco, utilizando a classificação indicada pelo referido Consenso.
Estudos referenciados pela Federação Nacional de Diabetes apontam que cerca de 50 a 70% das amputações dos membros inferiores de pessoas diabéticas poderiam ser evitadas se os mesmos fossem orientados sobre medidas de cuidados preventivos para complicações e praticassem estes cuidados (GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE PÉ DIABÉTICO, 2001). O quadro 1 (adaptado por Gross e Nehme, 1999) apresenta os parâmetros clínicos a serem considerados na avaliação do pé em risco.
A detecção de diminuição de sensibilidade ao monofilamento ou de insuficiência circulatória periférica, assim como a presença de lesões pré-ulcerativas cutâneas ou estruturais, definem o paciente em risco para úlceras. Esses pacientes devem receber material informativo de educação, avaliação freqüente, receber cuidados por profissional habilitado a cerca do uso de calçados adequados e acesso a um tipo de calçado especial, se houver deformidades (GROSS; NEHME, 1999).
O pé em risco é um importante problema de saúde pública, e, como tal, deve receber atenção especial por parte de todos os segmentos da saúde. Destaca-se a ação da atenção primária, na prevenção primária do diabetes melito e secundária das complicações deste. Não menos importantes, os segmentos secundário e terciário devem ser sempre acionados quando necessário, para que assim, o usuário receba atenção a saúde de excelência e mantenha a sua qualidade de vida, diminuindo custos hospitalares e taxas de amputação.
Referências
BRASILEIRO, J. L. et al. Pé diabético: aspectos clínicos. J Vasc Bras. 4 (1): 11-21, 2005.
GROSS, J. L.; NEHME, M. Detecção e tratamento das complicações crônicas do diabetes melito: Consenso da Sociedade Brasileira de Diabetes e Conselho Brasileiro de Oftalmologia. Rev Ass Méd Brasil. 45 (3): 279-284, 1999.
GRUPO DE TRABALHO INTERNACIONAL SOBRE PÉ DIABÉTICO. Consenso
Internacional sobre Pé Diabético. Brasília: Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal, 2001.
LOPES, C. F. Assistência ao paciente com pé diabético. J Vasc Bras, 2 (1): 79-82, 2003.
VIRGINI-MAGALHÃES, C. E.; BOUSKELA, E. Pé diabético e doença vascular: Entre o conhecimento acadêmico e a realidade clínica. Arq Bras Endocrinol Metab 52 (7), 1073-1075, 2008.
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