29 de setembro de 2010

Exercício de Anamnese em Iniciação ao Exame Clínico

Por Ezemir Dantas Fernandes Júnior
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB


ANAMNESE:
Paciente do sexo feminino com poliartrite
1. Identificação A. L. B., 36 anos, branca, feminino, casada, do lar, analfabeta, evangélica, natural de (...) e residente em (...). 2. Queixa Principal: Inchaço nas mãos e pernas há dois anos. 3. História da Doença Atual

Paciente foi hospitalizada em um hospital universitário por quadro de edema recorrente nas articulações de mãos e membros inferiores há dois anos, com períodos assintomáticos de, no máximo, uma semana. Esse edema era intenso e comprometia grandes e pequenas articulações, evoluindo de forma cumulativa. Relata dor e hiperestesia associadas. Refere também que pela manhã percebe seu rosto bastante edemaciado. Não há fatores de melhora, salvo pelo alívio parcial obtido com o uso de medicação sintomática. Os episódios pioram em ambientes frios.
Associado à queixa principal, além da dor articular, a paciente também refere rubor no local edemaciado e febre de até 40°C. A dor articular é contínua e apresenta intensidade de 10 numa escala de 1 a 10. A paciente afirma que na maioria das vezes é necessário ir ao Pronto-Socorro, onde recebe medicação sintomática para reverter o quadro. Não sabe informar os nomes e as doses dos medicamentos de que fazia uso. Esse quadro clínico impossibilitava a paciente de realizar seus afazeres domésticos. Relata que nos episódios de "inchaço", a marcha e a preensão manual de objetos ficavam prejudicadas. Além disso, afirma insônia, falta de apetite e perda de peso. No momento da entrevista, a paciente já apresentava regressão do edema, mas relatava dor na articulação íleo-femural e no tornozelo, além de astenia. Está fazendo uso de Meticorten (60 mg por dia) desde o início da internação. 4. Interrogatório Sistemático - Pele e fâneros: apresenta alopecia. - Cabeça e pescoço: afirma ter cefaléia, cervicalgia e tonturas. - Olhos: Relata dor ocular, fotofobia, vermelhidão e sensação de corpo estranho. - Cardiovascular: afirma palpitações. - Digestório: menciona dor abdominal e constipação. - Urinário: apresenta alteração da cor da urina (tonalidade amarelada). - Genital: afirma ciclo menstrual irregular. - Osteoarticular: afirma artralgia e edema articular ( vide HDA). - Endócrino: relata tremor, insônia e hipersensibilidade ao frio. - Nervoso: afirma episódios de lipotímia. 5. Antecedentes Pessoais Fisiológicos A paciente não recorda se tomou a vacinação compulsória na infância. Afirma ter começado a andar aos cinco anos de idade. Comenta que entrou na puberdade aos 14 anos. Relata que teve dois parceiros sexuais e diz ter uma vida sexual normal. Gesta-3/Para-3 (três partos distócicos). 6. Antecedentes Pessoais Patológicos A paciente afirma que teve sarampo, varicela e parotidite infecciosa na infância. Relata ter se submetido a três cirurgias casárias e uma hemorroidectomia. A paciente menciona um "caroço" na mama direita e afirma ter feito mamografia cujo resultado deu negativo para o nódulo (sic). Ela afirma uso contínuo de bromazepam de 3 mg, um comprimido por dia, e uso de anticoncepcionais injetáveis trimestrais. Nega hipertensão e diabetes. Nega antecedentes alérgicos. 7. Antecedentes Familiares A paciente relata que na família não tem casos de hipertensão, diabetes, cardiopatias nem tuberculose. Diz que o pai morreu em decorrência de acidente vascular encefálico, uma tia materna faleceu com câncer de garganta e uma tia paterna teve câncer de pele. Desconhece algum parente que tenha os mesmos sintomas que ela na sua família. 8. Antecedentes Sociais Paciente em situação socioeconômica baixa, com família desestruturada (brigas com irmãos). É separada. Relata morar na casa da mãe com os três filhos. A renda total é de um salário mínimo. Afirma ter na residência água encanada, esgoto sanitário e coleta de lixo. Em relação à alimentação, a paciente relata que não costuma comer carne, frango, ovos, leite, arroz, feijão e macarrão. Diz que se alimenta sem seguir horários regulares e que consome frutas, bolacha, pão, iogurte e macaxeira.
Dorme em média cinco horas por noite e afirma ter insônia.
Nega tabagismo e etilismo.
A paciente relata que nunca tomou banhos de rios e desconhece se entrou em contato com o inseto triatomíneo. Nega ter contato com animais domésticos e diz que nunca viajou para fora do estado da Paraíba.

27 de setembro de 2010

Girolamo Fracastoro: Pioneiro da Teoria Microbiana

Girolamo Fracastoro (1478 - 1553)
Girolamo Fracastoro foi um médico e poeta italiano, nascido em Verona, Itália, que elaborou uma teoria racional sobre a infecção ainda em 1546, tornando-se pioneiro na afirmação de que várias doenças eram causadas por germes. Isso ocorreu 300 anos antes da comprovação experimental da existência de micróbios por Antoine Béchamp, Louis Pasteur e Robert Koch.
Coube, então, a Girolamo Fracastoro o mérito da primeira tentativa de analisar e compreender o contágio. Suas idéias acerca do contágio, que define como "uma infecção que passa de um ser vivo a outro ser vivo", são inspiradas na doutrina atomística de Leucipo e Demócrito. Aceitando que o corpo humano é constituído por um conjunto inumerável de partículas invisíveis e em constante movimento, Fracastoro, mesmo sem abandonar a teoria humoral, afirma que quando o indivíduo é atacado por uma doença infecciosa, ocorre no seu organismo uma "putrefação especial", que libera os "germes da doença", aos quais ele chamou de seminaria morbi (FERREIRA et al., 1996), ou "sementes da doença".
A sua principal contribuição para a Medicina foi o livro De contagione et contagiosis morbis ("Acerca do contágio e das Doenças Contagiosas"), publicado em 1546 e no qual afirmou que o contágio era causado por corpos minúsculos do agente causador da doença, facilmente multiplicáveis, passavam de um organismo infectado para o indivíduo sadio e aí, estes hipotéticos corpúsculos teriam o poder de se multiplicar no organismo do novo portador. Esta passagem se daria pela transmissão através de agentes inanimados ou fômites (roupas, objetos de uso manual, etc.) e à distância, pelo ar.
Em carta de Fracastoro a René Descartes, em 1547, lê-se o relato de suas idéias sobre o contágio:

Publiquei no início de 1546 o livro De contagione et contagiosis morbis et curatione, onde pela primeira vez foram descritas as enfermidades que podem classificar-se como contagiosas, incluindo a peste, a lepra, a tisis, a sarna, a raiva, a erisipela, a varíola, o antrax e o tracoma. Incluí ainda, como contagiosas, o tifo exantemático e a sífilis. (FRACASTORO, apud FERREIRA et al., 2010).

Em 1530 publicou seu poema com 1300 versos intitulado Syphilis Sive Morbus Gallicus, nos quais descreveu uma doença que assolava o mundo, a sífilis. No poema em três volumes, descreveu a sífilis e fez uma das primeiras descrições sobre o tifo exantemático, deu nome à doença, descreveu sua natureza e prescreveu seu tratamento.
Portanto, Girolamo Fracastoro foi um cientista do século XVI que descreveu detalhes de doenças e sua transmissão, comprovados somente alguns séculos depois, adotando para tanto a observação, o entendimento, a imaginação, a intuição e a dedução. De acordo com Ferreira et al. (1996), este "foi o primeiro passo, ainda incerto e tateante, numa longa caminhada", que continua ainda nos nossos dias.
Fracastoro teve pouca influência com suas idéias sobre o contágio, mas o interesse no seu trabalho foi reavivada no século XIX, quando surgiu a moderna teoria microbiana.
Referências
FERREIRA, L. A. P.; RAMOS, F. R.; ASSMANN, S. O encontro de Fracastoro com Descartes: reflexão sobre a temporalidade do método. Texto contexto - enferm. 19 (1): 168-175, 2010.
SOUSA, A. T. Curso de História da Medicina: Das Origens aos Fins do Século XVI. Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1996.
Figura: Retrato de Girolamo Fracastoro ("Dottore Fracastoro") feito por Tiziano Vecellio. Disponível em: http://www.nationalgallery.org.uk. Acesso em: 28 set. 2010.

26 de setembro de 2010

IV Seminário de MHB3 em 2010.2

27/09/10 - Seminário IV de MHB3 em 2010.2
Tema: O Desenvolvimento da Teoria Microbiana das Doenças Apresentação: Rachel, Maria José, Olga, Carlos Franklin, Teógenes, Vanessa Emanuelle Coordenação: Profa.Rilva
Imagem: Louis Pasteur, cientista francês, químico e bacteriologista tido como autor de descobertas que tiveram uma grande importância tanto na área de Química quanto na de Medicina. Disponível em: http://www.morning-earth.org

25 de setembro de 2010

Aviso de modificação no cronograma de MHB3 em 2010.2

Quadro 1- Cronograma atual, modificado, do Módulo de História da Medicina e da Bioética (MHB3)
Em virtude da não realização de aulas durante a "Semana Nacional de Ciência e Tecnologia" deste ano, que ocorrerá entre 18 e 24 de outubro de 2010, comunica-se a seguinte alteração no cronograma do Módulo de MHB3: O seminário programado para 18/10/2010 foi transferido para o dia 22/11/2010.
O cronograma atualizado pode ser visto acima (Quadro 1).

Demência Vascular

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

A demência é uma síndrome, ou seja, um grupo de sinais e sintomas que ocorrem paralelamente e que podem resultar de várias etiologias diferentes. As demências vasculares são a segunda causa de demência, após a Doença de Alzheimer, e acomete principalmente homens com idade acima de 60 anos. Em geral decorrem de doença arterosclerótica ou hipertensiva. A caracterização do quadro clínico é fundamental. Apresenta as seguintes características principais: prejuízo da memória, desorientação no tempo e espaço, problemas de comportamento e perda das habilidades adquiridas. O diagnóstico é clínico, os exames complementares apenas auxiliam o diagnóstico.

Palavras-chave: Demência Vascular; Transtornos Cerebrovasculares; Geriatria.

Cada vez é mais evidente o envelhecimento populacional pelo qual o Brasil passa. Com esse fenômeno demográfico, observa-se aumento da prevalência de doenças relacionadas com a velhice. Doença de Alzheimer e demência vascular (DV) são as principais causas de demência relacionadas ao envelhecimento. No Brasil, a DV é o segundo tipo mais prevalente de demência, enquanto em alguns países orientais constitui a principal causa de demência (SMID; NITRINI, 2001). A demência não é uma doença, e sim uma síndrome, ou seja, é um grupo de sinais físicos e sintomas que podem estar associados a várias etiologias diferentes (BALLONE, 2005).
Assim, como uma síndrome, a demência apresenta três características principais: prejuízo da memória, que podem ser desde um simples esquecimento leve até um prejuízo sério a ponto de o paciente não se recordar da própria identidade, além de desorientação no tempo e espaço. São outras manifestações das demências problemas de comportamento, normalmente se caracterizando por agitação, insônia, choro fácil, comportamentos inadequados, perda da inibição social normal e alterações de personalidade.
Pode ocorrer a perda das habilidades adquiridas durante a vida, tais como organizar os compromissos e objetos, dirigir, vestir a roupa, cuidar da vida financeira, cozinhar, julgar situações, etc. Ainda, pode haver perda do pensamento abstrato e prejuízo das funções cognitivas superiores, com apraxia, acalculia, afasia e agnosia, alterações de humor e de comportamento, com depressão e ansiedade, e passividade (FERREIRA; HIRATA, 2007).
Os sintomas iniciais de demência variam, mas a perda de memória em curto prazo costuma ser a característica principal ou única a ser trazida à atenção do médico na primeira consulta (BALLONE, 2005). Anteriormente conhecidas como demências arterioscleróticas e relatadas por muitos autores como demência multinfarto (MID), as demências vasculares correspondem à aproximadamente 20% dos casos de demência e ocorrem principalmente em homens com idade acima de 60 anos (FERREIRA; HIRATA, 2007). Em países como a Suécia, por exemplo, o risco de desenvolver demência de origem vascular de 29,8% em homens e 25,1% em mulheres (ANDRE, 1998). A demência vascular é, em geral, decorrente de doença arterosclerótica que compromete vasos de médio e grosso calibre, principalmente no território carotídeo. Os trombos que são formados em tais vasos desprendem-se sob forma de êmbolos, provocando infartos cerebrais e demência do tipo cortical.
Os principais fatores de risco são idade avançada, tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e história de infarto do miocárdio (FERREIRA;HIRATA, 2007). Em outros casos, a demência vascular é decorrente de doença vascular hipertensiva, que comprometendo a parede de pequenos vasos, produz isquemia e degeneração difusa de substância branca subcortical, ocasionando a encefalopatia cortical crônica ou doença de Binswanger (KAPLAN; SADOCK, 2008). Outras condições clínicas que pode facilitar a ocorrência de infartos cerebrais são colagenoses, vasculites, cardiopatias como fibrilação atrial e febre reumática (Ibidem). Na maioria dos casos, o paciente afetado é hipertenso, com história de tonturas, desmaios, paresias e parestesias, compatíveis com episódios isquêmicos recorrentes. É comum a ocorrência de alterações neurológicas focais. Sintomas de insuficiência vascular periférica, como extremidades frias e pulso fraco, podem estar presentes. Caracteristicamente, a demência vascular inicia-se de forma abrupta e evolui de forma gradativa, ou seja, há piora progressiva das alterações cognitivas a cada nova crise de insuficiência vascular cerebral.
Entre as crises, observa-se melhora parcial das alterações cognitivas. Pode ocorrer oscilação do estado mental, com episódios confusionais que pioram principalmente à noite. Dessa forma, a gravidade do déficit cognitivo pode variar em questão de dias ou horas.
A personalidade mantém-se relativamente preservada até estágios avançados da doença, e, com frequência, o paciente tem insight das perdas cognitivas. A percepção de suas deficiências pode contribuir para o surgimento de reações ansiosas e depressivas. Na forma cortical, o paciente apresenta deterioração intelectual progressiva, curso oscilante, sinais neurológicos focais, crises convulsivas, episódios confusionais, afasia, apraxia e agnosia. A doença de Binswanger, que é a forma subcortical, geralmente acomete pessoas hipertensas com idade entre 50 e 60 anos. O quadro demencial, nesse caso, é acompanhado de importantes alterações motoras, incontinência urinária e paralisia pseudobulbar. Sintomas como afasia, apraxia e agnosia são pouco frequentes. A caracterização do quadro clínico é fundamental. Os exames laboratoriais podem apenas auxiliar no diagnóstico, corroborando os achados clínicos. Na tomografia computadorizada e na ressonância magnética podem ser observadas áreas de infarto cerebral, alargamento ventricular e leucoaraiose. A constatação de áreas de infarto não implica diagnóstico de DV, sendo necessária apresentação clínica compatível com este tipo de demência. Nos exames funcionais do cérebro, como os de espectometria com emissão de pósitrons - SPECT e PET - aparecem áreas com redução acentuada do fluxo sanguíneo cerebral e hipometabolismo cerebral, ao lado de regiões com fluxo sanguíneo e atividade metabólica normais no restante do cérebro.
No eletroencefalograma, podem ser observadas alterações focais, dependendo da extensão do infarto e de sua proximidade em relação ao córtex cerebral. A fundoscopia é de extrema importância para a avaliação microvascular (KAPLAN; SADOCK, 2008).
O diagnóstico diferencial entre demência de Alzheimer e demência vascular é de fundamental importância devido às diferenças no tratamento e profilaxia. São descritas 11 escalas e conjuntos de critérios diagnósticos para o diagnóstico da DV, como a de Hachinski (Tab. 1), ou a de Loeb e Gandolfo, que utilizam dados de anamnese e achados clínicos, eventualmente achados em exames de neuroimagem, e sugerem maior ou menor probabilidade de origem vascular em casos individuais. Tais escalas parecem particularmente úteis em estudos sobre demências, ajudando na exclusão de pacientes com doença cerebrovascular associada.
Tabela 1. Escore Isquêmico de Hachinski (Fonte: ANDRE,1998).

Abaixo, encontram-se os critérios diagnósticos de demência vascular segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV) (Tab. 2). Tabela 2- Critérios diagnósticos do DSM-IV para demência vascular (Fonte: ANDRÉ, 1998).

Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 4th ed. Versão Eletrônica. PsiqWeb. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php?ltr=P. Acesso em: 18 mai. 2010. KAPLAN, H.I.; SADOCK. B. J. Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. 2.ed. São Paulo: Artmed, 2008. FERREIRA, M .P. ; HIRATA,E.S. Transtornos Mentais Orgânicos Crônicos. In: LOUZÃ NETO, M.R.; ELKIS, H. et al . Psiquiatria Básica. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. BALLONE,G.J. Demências. PsiqWeb. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=16&art=370 . Acesso em: 13 jul. 2010. SMID, J.; NITRINI, R. et al . Caracterização clínica da demência vascular: avaliação retrospectiva de uma amostra de pacientes ambulatoriais. Arq. Neuro-Psiquiatr. 59 (2B): 390-393, 2001 . ANDRE, C.. Demência vascular: dificuldades diagnósticas e tratamento. Arq. Neuro-Psiquiatr., 56 (3A): 498-510, 1998 . Foto da postagem: www.flickr.com

19 de setembro de 2010

Seminário III de MHB3 em 2010.2

20/09/10 - Seminário III de MHB3 em 2010.2
Tema - História da Medicina no Brasil Apresentação: Ana Carolina, Marina Domingues, Raiza, Débora, Rebeca e Jucélio. Coordenação: Prof. Josias Batista. Figura desta postagem: Caricatura representando o cientista brasileiro e médico sanitarista, Oswaldo Cruz, atrás do Castelo de Manguinhos (símbolo da FIOCRUZ, pavilhão em estilo neomourisco construído em 1904), no histórico combate à febre amarela e à peste bubônica. Autor da charge: H. Frantz; publicação original: Revista francesa Chanteclair - edição de outubro de 1911.

Crenças religiosas reduzem o estresse emocional?

A religião pode reduzir o estresse, segundo conclusões de um estudo da Universidade de Toronto, Canadá. Na pesquisa, publicada na Revista Psychological Science, investigaram-se de forma comparativa reações cerebrais de pessoas de diferentes religiões e de ateus, quando submetidos a uma série de testes (INZLICHT; TULLET, 2010).
Segundo os autores, quanto mais fé os voluntários tinham, mais tranquilos eles se mostravam diante de tarefas, mesmo quando cometiam erros.
Os pesquisadores afirmaram ainda que os participantes que obtiveram melhor resultado nos testes não eram fundamentalistas, mas acreditavam que "Deus deu sentido a suas vidas".
Comparados com os ateus, eles mostraram menos atividade no chamado córtex cingulado anterior, a área do cérebro que ajuda a modificar o comportamento ao sinalizar quando são necessários mais atenção e controle, geralmente como resultado de algum acontecimento que produz ansiedade, como cometer um erro.
Os voluntários religiosos eram cristãos, muçulmanos, hinduístas ou budistas. Grupos ateus argumentaram que o estudo não prova que Deus existe, apenas mostra que ter uma crença é benéfico.
Conforme os autores,

"O mundo é um lugar vasto e complexo que por vezes pode gerar sentimentos de insegurança e desconforto para seus habitantes. Embora a religião esteja associada com um senso de significado e ordem, não está claro se a crença religiosa pode realmente fazer as pessoas sentirem menos ansiedade."

Para testar o poder "ansiolítico" da religião, Inslicht e Tullet (2010) realizaram duas experiências enfocando a negatividade relacionados aos erros (NRE), um sinal neural que surge a partir do córtex cingulado anterior, e está associado com as respostas de defesa ao erro.
Os resultados indicaram, conforme as conclusões do estudo, que para os crentes, conscientes e inconscientes, a crença religiosa causa uma diminuição da amplitude do NRE. Em contraste, nos descrentes em relação aos conceitos religiosos, há um aumento na amplitude NRE. Portanto, concluem que os resultados sugerem que os processos básicos neurofisiológicos recebem influência do poder da religião, que age como um "amortecedor" contra reações ansiosas auto-geradas, erros genéricos, mas isso ocorre somente em pessoas que acreditam.
Referência do artigo resumido:
INZLICHT, M.; TULLET, A. M. Reflecting on God: religious primes can reduce neurophysiological response to errors. Psychol Sci. 21 (8): 1184-90, 2010.
Imagem acima: BBC Brasil.

18 de setembro de 2010

Semiologia das Coréias

Por Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

As coréias são hipercinesias caracterizadas pela presença de movimentos involuntários distais de caráter rápido e migratório. São transtornos que incidem em pacientes de diversas faixas etárias e apresentam etiologias bastante diversas. Assim como acontece com as outras discinesias, o diagnóstico das coréias é eminentemente clínico, sendo fundamental o adequado conhecimento semiológico para sua abordagem, a fim de que seja considerada corretamente a hipótese diagnóstica e feito o devido encaminhamento ao neurologista.

Palavras-chave: Coréia, Transtornos Motores, Neurologia. A coréia é um tipo de movimento involuntário anormal (discinesia), cujo nome vem do latim choreus, o que significa "dança". Consiste em um dos distúrbios neurológicos motores mais prevalentes.

A coréia manifesta-se por movimentos não controlados de localização mais comumente distal (mãos, antebraços, pés e face), breves, não-rítmicos, súbitos e irregulares, que parecem migrar de uma parte do corpo à outra, produzindo movimentos que chegam a lembrar uma dança. Na coréia, os movimentos são caracteristicamente aleatórios, com ocorrência, direção e distribuição imprevisíveis. É possível suprimir parcialmente a coréia ao incorporá-la a movimentos semi-voluntários, em um fenômeno chamado de paracinesia. Nesse caso, o paciente diminui em certo nível o movimento involuntário ao produzir contrações voluntárias da musculatura atingida pela coréia. A coréia é uma das mais prevalentes desordens do sistema extrapiramidal, o qual é responsável pelo controle “fino” das atividades motoras do organismo. A coréia, assim como outras hipercinesias de origem extrapiramidal, como o balismo, a atetose, os tiques e os tremores, apresenta sinais e sintomas bastante aparentes ao exame clínico.
Por isso, pode-se afirmar que a semiologia desse grupo é bastante reveladora, pois é possível diagnosticar uma hipercinesia e à qual grupo ela pertence através da simples inspeção do paciente. Apesar da facilidade do diagnóstico da hipercinesia, é muitas vezes difícil classificar e definir o grupo semiológico a qual ela pertence. De maneira geral, as posturas e o padrão de movimentos das hipercinesias examinados em um contexto estático são muito semelhantes entre si. No entanto, o exame dinâmico da movimentação é que permite o diagnóstico. Assim, fotos de pacientes com discinesias são pouquíssimo reveladoras, ao contrário de vídeos mostrando tais pacientes. Dentre as outras síndromes hipercinéticas, a atetose e o balismo são aquelas mais comumente confundidas com a coréia. A atetose é um conjunto de movimentos involuntários lentos, contorcidos e contínuos, de caráter vermiforme, que atinge principalmente os membros distais (mãos e dedos). O balismo é um sintoma mais comum que a coréia, e consiste em movimentos involuntários de grande amplitude e rapidez dos membros proximais, com movimentações do tipo lançamento e colisão das partes do corpo. Outra característica inerente às discinesias é o pouco valor dos exames complementares no diagnóstico das patologias, especialmente se compararmos com outras afecções do sistema nervoso central. O diagnóstico da coréia e de todas as outras discinesias é eminentemente clínico. Assim, dentro da semiologia das coréias, o diagnóstico se inicia por uma boa anamnese. É preciso atentar para o grupo etário do paciente envolvido, bem como para a presença de história familiar de discinesias e a duração e caráter dos movimentos, bem como sua presença ou ausência durante o sono.
Outra informação importante é o uso de medicações com potencial de intoxicação extrapiramidal (neurolépticos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina). Tais informações podem não só ajudar a confirmar o diagnóstico de coréia, assim como indicar sua possível etiologia. Para o diagnóstico, exige-se o uso acumulado de antipsicóticos durante pelo menos três meses, exclusão de outras causas de discinesia e persistência de movimentos discinéticos por, pelo menos, um mês após a descontinuação do agente causador. Portanto, são muitas as etiologias das coréias, recebendo destaque as imunológicas, como a Coréia de Sydenham, as adquiridas, como a coréia de Huntington, as por drogas, estruturais e metabólicas.
A coréia de Huntington, descrita inicialmente como coréia hereditária, é uma doença heredodegenerativa, caracterizada por alterações psiquiátricas, cognitivas e motoras progressivas. A suspeita de história familiar positiva é fundamental para o diagnóstico, por ser este tipo de coréia uma herança autossômica dominante. A idade média de início da doença é entre 35 e 44 anos. Os achados clínicos das coréias são variáveis e podem ocorrer isolados ou associados a outros fenômenos. A apresentação mais simples consiste em movimentos semi-voluntários que sugerem agitação, tais como movimentações rápidas dos dedos, punhos, mãos e artelhos. Os movimentos podem ser focais e repetitivos, com caráter estereotipado. Pode haver ainda contração dos lábios ou movimentos de "fazer bico", expansão das bochechas, protrusão da língua e movimentos mandibulares. Esses sintomas podem interferir na vida diária. Por exemplo, a coréia dos membros inferiores podem impedir a deambulação enquanto a coréia na face pode dificultar a comunicação verbal. Ao exame neurológico, aparecem diversas alterações. A prova dedo-nariz e os movimentos alternantes rápidos são feitos de maneira irregular e inconstante. Quando o paciente segura os dedos do examinador, nota-se às vezes um movimentos de compressão chamado pegada da ordenhadora, um sinal de perda da consistência motora. É comum a coréia aumentar durante a marcha. Pode haver alterações do movimento ocular e, com o avanço da doença, sinais de parkinsonismo, como bradicinesia e distonia. É importante ressaltar que em cada tipo de coréia, dependendo da etiologia, pode haver sinais e sintomas diversos associados. Por exemplo, na coréia de Huntington, a qual é a causa mais comum de coréia, há paralelamente com as mudanças motoras, um quadro demencial com claros distúrbios psiquiátricos associados. Na coréia de Syndenham, por sua vez, há um antecedente de infecção estreptocócica, acometendo principalmente crianças.
Salienta-se também que qualquer disfunção dos gânglios basais possui várias manifestações, todas sendo englobadas por uma síndrome ou um complexo de sintomas bem definido. É difícil basear-se somente nas manifestações clínicas para realizar um diagnóstico etiológico em transtornos causados por disfunção nos gânglios da base. Referências ANDRADE FILHO, E. A. et al. Perfil epidemiológico de pacientes com transtornos do movimento. Psiquiatria na Prática Médica. UNIFESP. 34 (1): s.p., 2001. Disponível em: http://www.unifesp.br/dpsiq/polbr/ppm/original5_02.htm. Acesso em: 18 set. 2010.
APETAUEROVA, D. Coréia. In: HOYDEN JONES JR, H. et al. (Ed.) Neurologia de Netter. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap 53. APETAUEROVA, D. Distúrbios do Movimento Induzidos por Medicamentos. In: HOYDEN JONES JR, H. et al. (Ed.) Neurologia de Netter. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap 50. PORTO, C. C. Semiologia Médica. 5 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. Cap 171; p. 1177-1185. SOUZA, V. C.; ARAUJO, A. P.; ANDRE, C. Como a coréia de Sydenham é tratada no Rio de Janeiro?. Arq. Neuro-Psiquiatr., São Paulo, 65 (3a): 653-658, 2007. Imagem: www.globalhealth.vanderbilt

13 de setembro de 2010

Médico do Século XIX questiona a Teoria Miasmática


Carlos Henrique Bronzeado, aluno de Graduação em Medicina da UFPB, mostra discurso médico no século XIX questionando a Teoria Miasmática como explicação para a origem das doenças infecciosas (vídeo ilustrativo apresentado no Seminário "Miasmas ou Microorganismos?" do Módulo de História da Medicina).

Teoria Miasmática: Reflexos sobre a higiene doméstica


Wagner Lopes Pedro da Silva e Gabriela Araújo Toscano Henriques, alunos do Curso de Graduação em Medicina da UFPB, encenam um quadro doméstico contextualizando a Teoria Miasmática ainda vigente no século XIX (Seminário II do Módulo de História da Medicina no semestre 2010.2).

Teoria Miasmática na Antiguidade


Representação de Artur Bastos Rocha, aluno de MHB3 (Módulo de História da Medicina - Curso de Graduação em Medicina da UFPB), contextualizando a Teoria Miasmática na Antiguidade, no discurso de um político romano. A Teoria dos Miasmas originou-se na Grécia Antiga, embora não tivesse ainda esta denominação (o termo "miasma" é de origem grega mas só foi cunhado posteriormente, e significa "poluição", "vapor ou névoa venenosa com partículas de matéria em decomposição").

John Snow e a veiculação hídrica da Cólera

John Snow (1813-1858)
John Snow foi um dos mais influentes sanitaristas do século XIX.
Médico inglês conhecido por seu trabalho pioneiro sobre a cadeia de transmissão do vibrião colérico, John Snow é considerado um dos fundadores da moderna Epidemiologia. Também tem uma grande contribuição na área da Anestesiologia.
Graduou-se na Universidade de Londres (1843). Nunca se casou e dedicou toda sua vida aos seus pacientes e à pesquisa médica.
No decênio de 1840 desenvolveu pioneiramente equipamentos empregados para aplicação do éter com segurança para pacientes. Seu livro On Ether (1847) permaneceu como referência padrão até meados do século XX (FERNANDES, 2002). Publicou artigos sobre o uso seguro da anestesia com éter (SNOW, 1852).
Em 1854, John Snow demonstrou que as fezes contaminavam a água e esta era a origem da infecção pela cólera quando, na época, acreditava-se que a contaminação ocorria através de miasmas.
Além da clareza de raciocínio, epidemiologica e clinicamente, dos escritos de John Snow, o seu exemplo bem adaptou-se bem à epidemiologia do iniício do século XX, uma vez que chegou muito perto do paradigma bacteriológico atual.
A evolução da interpretação da obra de John Snow foi inicialmente estudado em profundidade na literatura médica holandesa e, posteriormente, nos estudos de bacteriologia, higiene e literatura epidemiológica da Alemanha, o Reino Unido e Estados Unidos (WANDERBROUKE et al., 1991).
A hipótese de Snow de que a cólera era transmitida por água contaminada foi testada na epidemia da "Broad Street" de 1854. Snow rapidamente identificou a água utilizada nas casas atingidas pela cólera através da bomba da Broad Street, e convenceu a junta sanitária a remover a alça. A epidemia desapareceu. O Conselho não acreditou realmente, de modo que o pároco, Henry Whitehead, repetiu o trabalho de Snow, embora a um ritmo mais vagaroso, já que a epidemia tinha abrandado.
Através de mapas da cidade, Snow localizou 700 casos de mortes em um raio de quilômetros e mostrou que o uso de água da bomba da localidade Broad Street estava fortemente correlacionada com a morte por cólera. Descreveu então o comportamento da cólera por meio de dados de mortalidade, frequência e distribuição dos óbitos segundo os locais de ocorrência. Assim, começou a "epidemiologia geográfica", e por isso, John Snow é considerado um dos patronos da Epidemiologia (NEWSON, 2006).
Questiona-se na literatura por que as avaliações dos resultados de John Snow pelos contemporâneos foi o inverso da avaliação existente hoje. Na década de 1840 e 1850, o trabalho de William Farr, seu contemporâneo e também inglês, foi considerado definitivo, enquanto o de Snow foi tido como falho. Sua descoberta sobre o surto de cólera em Londres em 1849 não foi muito convincente para seus contemporâneos. Uma grande mudança no pensamento sobre as causas das doenças seria necessária antes que o trabalho de Snow pudesse ser amplamente aceito. Estudos posteriores de William Farr contribuíram para essa aceitação.
Mais de um quarto de século antes da descrição de Koch sobre o vibrião da cólera, na época de Snow foram visualizados ao microscópico "vibriões" nas fezes tipo "água de arroz" de doentes de cólera que, mais tarde, concluiu-se ter sido o bacilo da cólera. Apesar de este achado ser uma evidência potencial para a demonstração de Snow de que a cólera era devida a um agente contagioso e transmitida pela água, provavelmente na água de abastecimento, o conselho de saúde britânico rejeitou as suas conclusões (PANETH et al., 1998).
John Snow morreu aos 45 anos durante a terceira pandemia de cólera asiática (1846-1863) em Londres.
Referências
EYLER, J. M. The changing assessments of John Snow's and William Farr's cholera studies. Soz Praventivmed. 46(4):225-32, 2001.
FERNANDES, C. Só Biografias. Disponível em: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias. Acesso em 13 set. 2010.
NEWSON, S. W. Pioneers in infection control: John Snow, Henry Whitehead, the Broad Street pump, and the beginnings of geographical epidemiology. J Hosp Infect.;64 (3):210-6, 2006.
PANETH, N.; VINTEN-JOHANSEN, P.; BRODY, H.; RIP, M. A rivalry of foulness: official and unofficial investigations of the London cholera epidemic of 1854. Am J Public Health. 88(10):1545-53, 1998. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1508470/?tool=pubmed. Acesso em 13 set. 2010.
SNOW, J. Cause and Prevention of Death from Chloroform. Lond J Med, 4(40):320-329, 1852. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2544276/?tool=pubmed
VANDERBROUCKE, J. P.; EELKMAN, R. H. M.; BEUKERS, H. Who made John Snow a hero? Am J Epidemiol. 15;133(10):967-73, 1991.

12 de setembro de 2010

Seminário II de MHB3 em 2010.2

13/09/10 - Seminário II de MHB3 em 2010.2
Tema: Miasmas ou Microorganismos? Apresentação: Artur, Carlos Henrique, Lucas Neves, Gustavo, Wagner, Larissa, Gabriela. Coordenação: Profa. Rilva

11 de setembro de 2010

Relatório do Seminário "Síndromes Respiratórias" em 2010.2


A discussão sobre as síndromes respiratórias com a turma 2 de Semiologia em 2010.2 foi quase fatigante, mas aparentemente produtiva. Iniciou-se às 7h00 e foi concluída às 10h45, com um intervalo de 10 minutos. Compareceram 22 dos 23 alunos matriculados na turma 2.

Rogério iniciou a discussão, apresentando o conceito e as causas da síndrome de consolidação, assim como os sintomas da consolidação pneumônica. Ficou claro que a síndrome de consolidação representa o preenchimento, com substituição do ar, dos espaços alveolares, por um produto patológico qualquer, como, por exemplo, exsudato inflamatório (pneumonia), transudato (edema), sangue (hemorragia alveolar), células (carcinoma bronquioloalveolar, linfoma) ou até fibrose.

Polyanna complementou com a informação de que não há redução volumétrica pulmonar nesta síndrome, e Priscilla adiantou que, radiologicamente, esse quadro não cursa com desvio do mediastino. Divany acrescentou o mecanismo de hemorragia, o que suscitou a discussão sobre que tipo de hemorragia poderia levar a uma consolidação. Chegou-se à conclusão de que esse tipo poderia ser exemplificado com o quadro de edema pulmonar cardiogênico, pela ocupação do espaço aéreo alveolar por transudato. Gustavo lembrou que o abscesso pulmonar antes da vômica também constitui um quadro de consolidação. Questionei sobre outras causas de consolidação.

Priscilla comentou que a endocardite infecciosa poderia levar à embolização pulmonar séptica, podendo levar a uma quadro de consolidação. Complementei que este quadro poderia ocorrer na endocardite infecciosa, sobretudo em drogaditos, mas solicitei ainda maior detalhamento da informação. Gustavo acrescentou a possibilidade de necrose pulmonar por infarto. Ainda faltando integrar o mecanismo deste quadro, Alice mencionou a possível origem de trombos no sistema venoso de membros inferiores, levando à embolia e consequente infarto pulmonar. Alice ainda lembrou que a fibrose também pode constituir um quadro de consolidação pulmonar. Raissa adicionou a infecção por fungos como causa de consolidação.

Voltando à sintomatologia da consolidação pneumônica, Raissa afirmou que a dor ocorre no processo pneumônico e em outras consolidações quando há comprometimento da pleura, informação complementada por Lorena, que disse ser a pleura parietal o folheto onde se origina a dor pleurítica, uma vez que só este folheto contem terminações nervosas para dor. Lorena ainda acrescentou as características da dor pleurítica e Thiago lembrou que esta dor piora caracteristicamente com a inspiração e com a tosse. Aderaldo referiu que o paciente com este tipo de dor pode assumir um decúbito preferencial, que é lateral, do lado afetado pelo processo inflamatório. Ezemir questionou se esse decúbito preferencial ocorreria também no paciente afetado por derrame pleural. Camila acrescentou que o derrame ainda pode levar a atelectasia compressiva.

Priscilla comentou sobre as características da expectoração do paciente com consolidação pneumônica, que é mucopurulenta e às vezes com cor ferruginosa, o que caracteriza a pneumonia pneumocócica. Artur perguntou se poderia ocorrer hipocratismo digital no paciente com consolidação pulmonar, abrindo-se a discussão sobre esta conexão semiológica. Esclareci que este quadro não ocorre na consolidação pneumônica porque esta é um quadro agudo, mas pode ocorrer na consolidação de origem tuberculosa, por neoplasia, fibrose e no abscesso pulmonar. Thiago comentou que a hipoxemia crônica seria a causa do hipocratismo.

A fisiopatologia do hipocratismo digital ainda é pouco conhecida. Esclareci que a teoria atualmente mais aceita para a patogenia do hipocratismo digital envolve a liberação de fatores de crescimento vascular (VEGF, PDGF), o que resulta em neoformação de capilares nas extremidades. A presença de hipoxemia e a estase de plaquetas potencializam sua liberação (este tema pode ser visto neste blog no seguinte link: http://semiologiamedica.blogspot.com/2008/07/hipocratismo-digital.html). Ezemir questionou sobre a osteoartropatia hipertrófica pulmonar (OAHP), e qual seria sua relação com o hipocratismo digital. A maioria dos casos descritos de OAHP está associada a carcinomas broncogênicos e se caracteriza não apenas por baqueteamento digital, mas também por neoformação óssea no periósteo (ver sobre este tema também em http://semiologiamedica.blogspot.com/2008/11/osteoartropatia-hipertrfica.html).

Questionei sobre a fisiopatologia da síndrome de consolidação pneumônica na produção de disfunção respiratória. Alice respondeu que há redução da ventilação na área pulmonar consolidada, sendo acrescentado por Divany que este é o chamado efeito shunt, que significa a existência de uma área não ventilada, mas ainda perfundida. Alice e Gustavo complementaram a repercussão que este efeito pode causar nas trocas gasosas. Antônio lembrou que também pode haver o efeito “espaço morto”, que ocorre quando uma área é ventilada, mas mal perfundida. Na alta relação ventilação-perfusão (alta V/Q), que é o efeito espaço-morto, há áreas com baixa perfusão em relação à ventilação, e esta é uma condição em que o volume minuto está sendo "perdido" para áreas não perfundidas, portanto que não sofrem trocas gasosas. Estas constituem as principais causa de hipoxemia. Eduardo mencionou que, dependendo da extensão do processo pneumônico, poderá ocorrer cianose.

Gustavo apresentou as alterações do exame físico do tórax no quadro completo de consolidação. Ezemir mencionou o eventual achado de alteração do murmúrio vesicular e sopro tubário na evolução de uma consolidação pneumônica. Rogério comentou que murmúrio vesicular não é sopro tubário. Esclareci que a terminologia correta é a seguinte: murmúrio vesicular é o ruído pulmonar normal, sopro tubário ou respiração brônquica anormal é um som anormal que pode substituir o murmúrio vesicular quando há consolidação pulmonar.

Antônio acrescentou que também podem ser observados estertores crepitantes na síndrome de consolidação. Esclareci que pode ocorrer na fase de alveolite inflamatória fibrinoleucocitária, que é o início do processo. Depois, pode surgir o sopro tubário quando se dá a “solidificação” da área pulmonar afetada. Priscilla denominou corretamente este processo de solidificação da a´rea pulmonar afetada como “hepatização”. Camila, por sua vez, complementou as possibilidades de ausculta pulmonar na evolução de uma consolidação pneumônica, mencionando a broncofonia e a pectorilóquia à ausculta da voz, assim como a presença de estertores bolhosos na fase final do processo, pela liquefação da área solidificada, indicando a fase de resolução da pneumonia.

Priscilla perguntou se um processo de consolidação pode se tornar encapsulado. Exemplifiquei essa possibilidade com o caso de apresentação atípica da tuberculose como um "tuberculoma". Este é definido como uma lesão arredondada, de contornos bem delimitados, com uma parte de material caseoso e a periferia composta de material colágeno e tecido granulomatoso.

Camila falou sobre o conceito e as causas de atelectasia. Mencionou também os sintomas desta síndrome. Eduardo acrescentou que a atelectasia poderia ser classificada em central e periférica. Natália referiu outra classificação para as atelectasias, em intrínseca e extrínseca, exemplificando. Pollyanna lembrou da etiologia absortiva da atelectasia, como ocorre nas bases pulmonares nos pacientes em pós-operatório de cirurgia abdominal e nas grandes ascites. Thiago acrescentou a etiologia compressiva, que pode ser exemplificada pelos quadros de pneumotórax que pode rechaçar o pulmão para a região hilar.

Alice perguntou se ocorreria atelectasia também na gravidez, já que, como no quadro de ascite, há semelhante elevação da cúpula diafragmática. Afirmei que não conhecia esta relação considerando-a de forma direta, não tendo conhecimento de casos na prática clínica ou de relatos de casos. Pesquisando agora, encontrei um artigo estabelecendo uma eventual ocorrência de atelectasia em bases pulmonares durante a gravidez. Há elevação do diafragma, que é mais evidente no terceiro trimestre da gestação. Esse aumento, consequência do deslocamento dos órgãos abominais pelo útero gravídico, que pode ser de até 4 cm, diminui a capacidade de expansão pulmonar e consequentemente o volume pulmonar, o que torna mais evidente as marcas vasculares das bases dos pulmões. Ocasionalmente, pode-se ver em grávidas, inclusive, atelectasia (EDELSTEIN et al., 2005).

Priscilla perguntou se deformidades torácicas poderiam levar a atelectasia. Foi esclarecido que essa associação existe pela ocorrência de áreas de hipoventilação. Lee Van afirmou ter lido que a desnutrição protéico-calórica também poderia se associar à ocorrência de atelectasia. Ponderei que esta associação parecia não existir, até onde eu sabia. Pesquisando agora, verifiquei que os pacientes portadores de doença pulmonar crônica e desnutridos têm uma redução da força muscular respiratória e é provável que a unidade de ventilação possa ser influenciada pela melhora do estado nutricional. Ferrari-Balivieviera et al. (1889) afirmam que a incidência de pneumonia pós-operatória, ou mesmo de atelectasia, é maior em pacientes com depleção protéica em comparação com pacientes bem nutridos atendidos em centros de terapia intensiva. Então, pode-se deduzir, a partir deste trabalho, que deve haver uma maior probabilidade de atelectasia em pacientes que já têm doença pulmonar crônica e são tratados em unidades de tratamento intensivo, ou seja, pacientes críticos.

Ezemir falou dos canais de Lambert, que correspondem a vias aéreas acessórias entre bronquíolos respiratórios ou espaços aéreos ventilados por outras vias aéreas, o que reduz o risco de atelectasia. Acrescentei que também os poros alveolares de Kohn são pequenos cilindros que intercomunicam unidades de trocas gasosas adjacentes. Há ainda os canais interbronquiolares (canais de Martin). Assim, os alvéolos pulmonares estão em comunicação entre si através de canais intra-alveolares e broncoalveolares. A cada respiração o ar inspirado pode seguir preferencialmente para os alvéolos de maior tamanho, os quais teriam maior facilidade de expansão, já que a pressão em seu interior é menor. Contudo, esses mecanismos ocorrem entre os segmentos, mas não entre os lobos.

Lorenna comentou a ocorrência de estertores crepitantes na atelectasia obstrutiva periférica, referindo que leu sobre isso no livro-texto de Semiologia de Mário Lopez (Capítulo 35: "Síndromes Pulmonares e Pleurais", p. 589). Afirma-se nesta fonte bibliográfica que na atelectasia, “o fechamento e a reabertura de brônquios originam as crepitações” (CAMPOS; CAMPOS, 2004). Questionei esta afirmação por ser ela evidentemente contraditória. O estertor crepitante é um som de origem alveolar, ocorrendo nos alvéolos pulmonares que perderam a tonicidade por processo inflamatório ou congestivo em suas paredes. Quando o ar se projeta no foco patológico durante a inspiração, as superfícies alveolares se expandem, produzindo esses ruídos inspiratórios finos. Tais sons são observados no início da pneumonia lobar (fase de alveolite), no início do edema agudo do pulmão e nos estados congestivos agudos. Na atelectasia, a área alveolar comprometida está colapsada. Quando a via aérea (brônquio) está ocluída, o ar fica aprisionado no alvéolo e os gases são absorvidos pelo sangue dos capilares que perfundem o local anatômico do colapso pulmonar. Portanto, não entrando ar no alvéolo, este não será expandido, e sendo assim, não ocorrerá estertor crepitante.

Jéssyca falou sobre a fisiopatologia da síndrome de atelectasia e os achados do exame clínico do tórax em pacientes com este quadro. Ezemir comentou que o brônquio direito sofre mais frequentemente obstrução por corpo estranho e consequentemente, causa mais atelectasia, porque anatomicamente, este brônquio é mais verticalizado e tem maior diâmetro, o que favorece o alojamento de corpo estranho. Ezemir questionou também se o bronquíolo respiratório poderia ser sede de obstrução e com isso, causa de atelectasia. Este é o primeiro bronquíolo ao longo dos quais os alvéolos aparecem. Há duas a cinco gerações de bronquíolos respiratórios, que representam o final da via aérea condutora, e são, portanto, as primeiras estruturas que pertencem à porção respiratória do sistema respiratório, sendo responsáveis por troca gasosa, embora mínima.

Thiago discorreu sobre o conceito e as causas da síndrome pulmonar cavitária, assim como sobre a sintomatologia deste quadro. Larissa comentou o exame físico do paciente com uma grande cavidade pulmonar superficial e em contato com um brônquio pérvio. Priscilla lembrou que pode ser auscultado sopro tubário na área da cavidade, pois esta atua como uma caixa de ressonância, se houver um halo de consolidação pericavitária.

Alice resumiu o conceito, causas e sintomas de bronquiectasia, mencionando, porém a vômica, que é uma manifestação de outro quadro de supuração broncopulmonar, o abscesso pulmonar. Polyanna lembrou que é preciso distinguir a vômica da hemoptise. Acrescentei que é preciso, sobretudo, distinguir a vômica fracionada da expectoração purulenta abundante, e que o odor fétido associado à vômica é um fator diferencial importante, além das outras informações da anamnese do paciente.

Ezemir perguntou se o quadro de bronquectasia sempre está acompanhado de infecção e por que existe esta relação. Lee Van respondeu que a infecção se deve à presença de grande quantidade de muco nos brônquios, favorecendo a proliferação de bactérias. Complementei que a infecção é uma complicação frequente da bronquiectasia, o que constitui um círculo vicioso (infecção – dilatação dos brônquios – infecção). Ocorrem infecções recorrentesnos pacientes com bronquiectasia. Ezemir voltou a participar lembrando que além da bronquiectasia adquirida, existe também o tipo congênito de bronquiectasia, enquanto Camila mencionou a existência da bronquiectasia seca, em que o paciente evolui com hemoptises, sem o característico excesso de muco nos brônquios.

Antônio falou sobre o conceito, etiopatogenia e sintomas do abscesso pulmonar. Lorena enfatizou a elevada prevalência de abscesso pulmonar em pacientes que são sedados e têm seu reflexo da tosse abolido. Lembrou também que há abscessos primários e secundários. Raissa completou que qualquer alteração na função de deglutição pode também ser um fator predisponente para broncoaspiração e abscesso pulmonar. Salientei que também nos pacientes muito idosos, sobretudo com sequelas de acidente vascualr encefálico, há risco de broncoaspiração e consequente pneumonia necrosante e abscesso pulmonar. Larissa perguntou se há outro tipo de abscesso pulmonar que não seja associado a este mecanismo, ao que respondi que há os abscessos múltiplos causados pelo Staphyloccocus aureus, e que afetam mais crianças, produzindo um quadro de broncopneumonia e podendo complicar com a ocorrência de piopneumotórax.

Divany comentou os achados do exame físico geral e do tórax do paciente com bronquiectasia. Questionei o relato de aumento do frêmito toraco-vocal, porém vários alunos replicaram que esse dado estava descrito no livro de Semiologia denominado “Portinho”, 4a edição, p. 299. Verificando agora, não encontrei este registro na 3a edição (p. 266) da referida obra onde há menção ao exame físico do paciente com bronquiectasia (PORTO, 2008).

Leonardo Sales comentou o exame físico do paciente com abscesso pulmonar. Artur falou sobre as causas e a fisiopatologia da obstrução de via aérea superior (OVAS). Leonardo Guilherme complementou, mencionando o exame físico (ectoscopia e tórax) da OVAS. Aderaldo interveio, referindo por que a dificuldade respiratória na OVAS é predominantemente inspiratória, diversamente da obstrução da via aérea inferior, que é, sobretudo, uma dificuldade expiratória.

Raissa começou a falar sobre o quadro de obstrução brônquica por broncoespasmo e edema de mucosa, sendo auxiliada por Natália, que mencionou o mecanismo de hiperreatividade da árvore brônquica e os sintomas do quadro asmático. Aderaldo complementou com o relato dos achados do exame físico do paciente em crise asmática. Lorena referiu os componentes fisiopatológicos da asma, ou seja, o broncoespasmo, o edema inflamatório de parede brônquica e a hipersecreção de muco. Divany traçou diferenças entre a obstrução do quadro asmático das manifestações da bronquite crônica. Ezemir mencionou o mecanismo alérgico envolvido no quadro asmático.

Ezemir relatou os tipos de doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e a fisiopatologia da DPOC do tipo A, deixando claro que sempre há associação dos tipos A (alveolar; “soprador rosado”) e B (bronquítico; “inchado azul”) no paciente afetado pelos efeitos nocivos do cigarro. Mencionou também os sintomas do paciente com DPOC do tipo A predominante.

Raissa descreveu o exame físico do paciente com DPOC tipo A, confundindo-se apenas no relato dos achados da percussão, referindo a ocorrência de submacicez ou macicez, o que corrigiu depois, relacionando estes achados ao paciente do tipo B. falando sobre o tipo B, comentou os achados do exame físico e mencionou a ocorrência importante de hipoxemia e hipercapnia neste paciente. Rogério interveio ligando a hipoxemia crônica à vasoconstricção arterial pulmonar reativa e a consequente hipertensão pulmonar. Lee Van lembrou do quadro de poliglobulia que ocorre neste quadro pelo estímulo da produção de eritropetina resultante da hipoxemia crônica.

Ezemir perguntou se haveria estertores crepitantes no paciente do tipo A, já que neste ocorre comprometimento predominantemente alveolar. Respondi que este não é um achado tipicamente associado ao enfisema pulmonar, mas que pode ocorrer no paciente com fibrose pulmonar afetando septos alveolares.

Pedro falou sobre os sintomas e exame físico do comprometimento inflamatório da pleura (pleuris seco) e sobre o exame físico do tórax no quadro de paquipleuris. Thiago mencionou a possibilidade de se palpar o frêmito pleural no tórax do paciente que tem atrito pleural.

Priscilla foi convidada a falar sobre as causas e sintomas do derrame pleural, enquanto Lorena foi indicada a relatar o exame físico desta síndrome pleural. Divany mencionou que a tosse é um sinal que distingue, do ponto de vista de sintomatologia, a afecção pleural do comprometimento pulmonar isolado. Antônio perguntou se todos os quadros de derrame pleural deveriam ser drenados, ao que respondi que não. Os transudatos não requerem drenagem, mas sim o tratamento da doença de base. Os exsudatos, dependendo da etiologia e do volume, demandam drenagem torácica.

Eduardo falou sobre as causas e os sintomas do pneumotórax. Mas não lembrou do mecanismo do pneumotórax hipertensivo quando questionado. Lorena falou sobre o mecanismo e as implicações do pneumotórax hipertensivo. Pedro completou a explicação da fisiopatologia. Polyanna foi convidada a relatar o exame físico (ectoscopia e exame do tórax) do paciente com pneumotórax e mencionou o desvio da traquéia neste quadro.

Referências
CAMPOS, L. E. M.; CAMPOS, F. T. A. F. Síndromes Pulmonares e Pleurais. In: LOPEZ, M.; LAURENTIS, J. Semiologia Médica: As bases do diagnóstico clínico. Rio de Janeiro: Revinter, 2004, 5a. Ed. Cap. 35.
EDELSTEIN, M.; FEIJÓ, A. J. C.; PREUSSLER, C. M.; ORENGO, P. Rx de tórax nas cardiopatias e gravidez. Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul. 14 (5): 1-3, 2005.
FERRARI-BALIEVIERA, E.; PIERDOMICINI, S.; SARCINENELLI, L. Effects of the nutritional status on the respiratory system. Minerva Anestesiol, 55 (11): 443-50, 1989.
PORTO, C. C. Exame Clínico: Bases para a prática médica. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2008, 3a. ed., p. 298-307.

7 de setembro de 2010

Uma Breve História da Aids

"A peste é uma metáfora da aids e a aids é uma metamorfose da peste" 
(TEIXEIRA, 1993)

O homem herdou de seus ancestrais muitas doenças infecciosas transmissíveis. Outras, como a AIDS, ele adquiriu recentemente, enquanto se livrava de apenas algumas poucas, como a varíola. Desde fins do ano de 1980 a ocorrência de alguns casos de pneumocistose e Sarcoma de Kaposi intrigavam alguns médicos nos Estados Unidos. Acometendo pessoas jovens e previamente saudáveis, estes casos estavam completamente fora do padrão habitualmente esperado para as duas doenças. Portanto, chamou a atenção dos pesquisadores a raridade da detecção de infecções oportunistas e neoplasias em jovens. Uma característica das pessoas acometidas, contudo, se destacava: todas as pessoas acometidas pela doença eram homossexuais masculinos.
Iniciava-se assim mais um capítulo da História da Medicina que levaria a uma mobilização social nunca antes vista. Somente um ano depois, em 1981, foram feitos os primeiros diagnósticos da nova doença - já conhecida, então, como AIDS, sigla em inglês da expressão "Síndrome de Imunodeficiência Adquirida". Este termo foi adotado para evitar as denominações discriminatórias usadas até então, tais como GRID (gay-related immune defficiency, imunodeficiência relacionada aos gays), "câncer-gay" e "peste-gay" (CAMARGO, 2005). Em 5 de junho de 1981 uma publicação do Center for Disease Control (CDC) dos Estados Unidos registrou a descoberta da AIDS. Dezoito meses mais tarde os dados epidemiológicos indicavam que se tratava de uma doença infecciosa e transmissível por via sexual e/ou por transfusão de sangue ou derivados. A transmissão resultante da utilização de derivados do sangue levou à suposição de que o agente causal fosse um vírus (MACAMBIRA et al., 1993). O conhecimento disponível sobre a doença acumulou-se rapidamente. Novos agregados de casos em certos grupos foram descobertos, e surgiu a expressão "grupos de risco", que incluíam os homossexuais masculinos, hemofílicos, usuários de drogas injetáveis e haitianos. A falta de entendimento epidemiológico asociada à denominação "grupos de risco" levou à idéia de que a doença acometeria apenas pessoas desses grupos populacionais específicos; isto interferiu de modo negativo na própria pesquisa - o nexo de quadros com a "nova doença" deixa de ser percebido em função de os seus portadores não se enquadrarem nestes grupos.
O impacto foi maior ainda na falta da devida prevenção, dando às pessoas fora destes grupos uma falsa sensação de segurança e reforçando estigmas e preconceitos. Esta pesada herança repercute ainda hoje na luta contra a epidemia (CAMARGO, 2005). Hoje não se admite a existência de "grupos de risco" e sim de "comportamentos de risco". Em janeiro de 1983, Françoise Brum detectou a enzima transcriptase reversa, característica dos retrovírus. A "caçada" pelo vírus levou à sua identificação por dois grupos de pesquisadores, um nos Estados Unidos, liderado por Robert Gallo, que o chamou de HTLV-III, e outro na França, liderado por Luc Montaigner, que o chamou de LAV. A disputa entre estes dois grupos pela primazia na descoberta foi resolvida por arbitragem internacional, e o vírus passou a ser chamado de "vírus da imunodeficiência humana", pela sua sigla em inglês - HIV (Ibid). Os franceses, verdadeiros descobridores do vírus da imunodeficiência humana, mostraram que o vírus por eles descoberto não pertencia ao grupo do HTLV (MACAMBIRA et al., 1993). Já em 1985, foram liberados os primeiros testes diagnósticos, baseados na detecção de anticorpos para o vírus. Surge a dimensão da soropositividade, e com ela todo um novo espectro de possibilidades tecnológicas - e também, infelizmente, de discriminação (CAMARGO, 2005). Não há dúvida de que a pandemia de AIDS mudou o conceito de doença e de doente em todo o mundo. Por outro lado, essa doença desafiou a ciência e foi um empecilho aos avanços da Medicina que, até então, estava concentrada na guerra contra o câncer, e que teve de se deparar com uma síndrome tão perniciosa que, além de tudo, possuía um agravante: era contagiosa.
Desde o início da epidemia (1980) até o final de 1997, um número estimado de 30,6 milhões de pessoas foram infectadas pelo HIV em todo o mundo. Deste contingente, 17,2milhões (58%) são homens e 12,2 milhões (42%) mulheres. A maioria das infecções, aproximadamente 28 milhões (93%), ocorreu em países subdesenvolvidos economicamente - 68% na África e 18% no Sudeste Asiático (SANCHES, 1999).
O surgimento da AIDS, entretanto, deu-se no centro de um otimismo tecnológico do mundo ocidental moderno, e lançou sombras sobre uma cultura que acreditava avançar a passos largos para a conquista próxima de um mundo sem os males infecciosos de outrora, ou seja, para o "fim das pestilências" (TEIXEIRA, 1993). A comparação da AIDS com a Peste, portanto, pode ser justificada, segundo Teixeira (1993), não apenas por uma identidade comum definida a partir de critérios médico-sanitários, mas principalmente por recolocar na cena cultural elementos que pareciam desaparecidos há muito tempo, "a irrupção da tragédia com sua força mítica", levando a comparações entre a AIDS e as grandes pestes que assolaram a humanidade.
Mas se a epidemia de AIDS tem sido comparada, de algum modo, à Peste Bubônica, não se pode afirmar que aquela seja parecida com o que foi a experiência histórica da denominada "Morte Negra". Para Teixeira (1993), a principal diferença reside numa "espécie de modulação do medo que acompanha a experiência atual e que, em absoluto, estava dada nas antigas visitações da Peste" [a Peste Bubônica].
A introdução da terapia anti-retroviral de alta potência (TARV), somada às ações de prevenção e controle da infecção pelo HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis, tem resultado em alterações no padrão da epidemia de AIDS ao longo dos últimos 20 anos. No Brasil existem 200 mil pessoas com AIDS e que recebem os antirretrovirais. O emprego de inibidores de transcriptase reversa no tratamento da AIDS desde 1987 e os avanços mais significativos no âmbito da terapia antirretroviral só foram possíveis graças aos estudos que esclareceram a imunopatogênese dessa infecção. Em países desenvolvidos, a tendência de diminuição da morbimortalidade relacionada à AIDS havia sido observada mesmo antes do surgimento da TARV, tendo sido atribuída à profilaxia e ao melhor manejo clínico das infecções oportunistas. Contudo, com o advento dos inibidores de protease, esse fenômeno se acentuou (DOURADO et al., 2006).
O Brasil foi um dos primeiros países em desenvolvimento a garantir o acesso universal e gratuito aos medicamentos antirretrovirais no Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de 1996. Uma importante estratégia da Política de Medicamentos do Programa Nacional de DST e AIDS (PN-DST/Aids) foi o estabelecimento de recomendações técnicas consensuais para utilização da mesma, por meio de comitês assessores, dada pela Lei 9.313/96 (Ibid).
A epidemia no Brasil tem aproximadamente 60% dos casos notificados associados a alguma forma de contato sexual, sendo quase a metade (42,9%) do total de casos notificados. Os homossexuais masculinos foi o grupo que concentrou a maior parte dos casos nos primeiros anos da epidemia que, em seguida disseminou-se entre usuários de drogas injetáveis e aqueles que recebiam transfusão de sangue e/ou hemoderivados.
A partir de meados dos anos 1990 do Século XX, a epidemia se disseminou entre heterossexuais, que constituem atualmente a subcategoria de exposição sexual com o maior número de casos notificados da doença.
Como uma das consequências, a incidência de AIDS aumentou rapidamente entre as mulheres e a razão de casos homem/mulher decresceu de 19:1, em 1984, para 1,5:1, em 2004, chegando a 0,9:1 na faixa de 13 a 19 anos em 2006. A estimativa de gestantes infectadas é de 16.410 mulheres (0,4%) com idades entre 15-34 anos, com uma taxa de transmissão vertical que vem se reduzindo no país: de 16% em 1997 para 3,7% em 2002, com variações regionais (DOURADO et al., 2006).
De acordo com dados da Joint United Nations Programmes on HIV/AIDS (UNAIDS, 2004), estima-se que, até 2005, 3,1 milhões de pessoas morreram de aids: 2,6 milhões de adultos e 570 mil menores de 15 anos de idade. A situação da mortalidade por AIDS no mundo é mais crítica na África, onde continua elevada até os dias atuais. Nos países da região, barreiras econômicas, geográficas e socioculturais dificultam o acesso à terapia antirretroviral e a prevenção das doenças oportunistas entre os que vivem com o HIV/AIDS (REIS et al., 2007). O primeiro caso brasileiro conhecido de morte por AIDS ocorreu em 1980, no Estado de São Paulo. Nestes 30 anos de história, a doença foi se tornando uma das principais causas de morte da população, incidindo principalmente no adultos jovens e com maior intensidade no sexo masculino.
Porém, o padrão da mortalidade por AIDS observado nos primeiros quinze anos da epidemia alterou-se fortemente no final do século XX. A tendência crescente mantida até a metade dos anos 1990 cedeu lugar a uma expressiva queda registrada na década atual (Ibid). Por outro lado, a partir do eixo Rio-São Paulo, os casos de AIDS disseminaram-se para as demais regiões, inicialmente às metrópoles regionais, a partir do final da década de 1980. As transformações no perfil da AIDS no Brasil, embora com dinâmicas regionais e populacionais distintas, devem-se, sobretudo, à difusão geográfica da doença a partir dos grandes centros urbanos em direção aos municípios de médio e pequeno porte do interior do país, ao aumento da transmissão heterossexual e ao persistente crescimento dos casos entre usuários de drogas injetáveis (BRITO et al., 2001).
A epidemia da infecção pelo HIV e da AIDS constitui fenômeno global, dinâmico e instável. A AIDS tem propiciado uma discussão política e científica desde seu surgimento. A briga política científica entre Estados Unidos e França sobre o descobrimento do HIV, os testes com placebos realizados por empresas de medicamentos em países africanos e, mais recentemente, a quebra das patentes dos medicamentos – tudo isso tem tornado a AIDS, além de um problema epidemiológico, um fato e um fenômeno político.
Para finalizar, repetem-se perguntas feitas por Oltramari (2004):
as políticas de produção de conhecimento em relação à epidemia seriam diferentes se os organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), não tivessem sido pressionados por esses movimentos sociais [homossexuais norte-americanos e, posteriormente, brasileiros]? Será possível pensar na prevenção e no tratamento da doença sem usar metáforas de guerra, uma vez que vivemos em um período tão marcado por confrontos armados? (OLTRAMARI, 2004, p. 177).
O dia 1 de dezembro foi escolhido como Dia Mundial de Combate à AIDS pela Assembléia Mundial de Saúde desde outubro de 1987.
Referências BRITO, A. M.; CASTILHO, E. A.; SZWARCWALD, C. L. AIDS e infecção pelo HIV no Brasil: uma epidemia multifacetada. Rev. Soc. Bras. Med. Trop. 34 (2): 207-217, 2001.
CAMARGO, K. AIDS Vinte anos: Esboço histórico para entender o Programa Brasileiro. Adaptado do texto original de Kenneth Camargo (2005). Disponível em: http://www2.aids.gov.br/data/Pages/LUMISBD1B398DPTBRIE.htm DOURADO, I.; VERAS, M. A. S. M; BARREIRA, D.; BRITO, A. M. Tendências da epidemia de Aids no Brasil após a terapia anti-retroviral. Rev. Saúde Pública 40 (suppl): 9-17, 2006.
MACAMBIRA, R. et al. A síndrome da imunodeficiência humana adquirida: Estadod a arte. F Méd (BR), 106 (1-2) 11-12, 1993.
OLTRAMARI, L. As políticas da Aids em mundo globalizado: uma relação entre doença e política da ciência Rev. bras. Ci. Soc. 19 (54): 175-178, 2004.
REIS, A. C.; SANTOS, E. M.; CRUZ, M. M. A mortalidade por aids no Brasil: um estudo exploratório de sua evolução temporal. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 16 (3):195-205, 2007.
SANCHES, K. R. B. A AIDS e as mulheres jovens: uma questão de vulnerabilidade. [Doutorado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 143 p.
TEIXEIRA, R. R. Epidemia e Cultura A.I.D.S. e Mundo Securitário. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Área de Medicina Preventiva. São Paulo, 1993. Disponível em: http://www.corposem.org/rizoma/capitulo1.htm#metáforas. Acesso em 07 set. 2010.
UNAIDS. Report on the Global HIV/AIDS Epidemics, 2004. Geneva: Unaids, 2004.

Imagem desta postagem: A imagem do laço vermelho retorcido é visto como símbolo de solidariedade e de comprometimento na luta contra a AIDS e forma um "A" de "abraço". O projeto do laço foi criado em 1991 pela "Visual Aids", grupo de profissionais de arte de New York.

Semiologia das Afasias

Por Rafael Lucas de Carvalho
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
"Porque não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido" (Atos dos Apóstolos, 4:20)
Resumo
Afasia é uma denominação genérica utilizada para transtornos da linguagem decorrente de lesões cerebrais. As afasias têm sido classicamente divididas em dois grandes grupos: fluentes e não-fluentes, anteriores e posteriores, motoras e sensoriais. Apesar de não haver um consenso quanto à classificação semiológica das afasias, é necessário entender as suas variações, supostas relações com a topografia craniana e os aspectos fundamentais do exame clínico para a avaliação adequada do paciente disfásico.
Palavras-Chave: Afasia. Distúrbios da Fala. Sinais e Sintomas.
Apesar de o termo "afasia" significar estritamente uma completa ausência de linguagem, consagrou-se o seu uso no lugar da palavra mais correta, "disfasia", para se designar qualquer transtorno, incluindo os discretos, do uso simbólico das palavras. Assim, no presente texto, será empregado o termo "afasia".
As afasias são transtornos complexos que afetam a linguagem em vários níveis. Segundo Vendrell (2001), uma afasia consiste em um transtorno da linguagem ocasionado por uma lesão cerebral em uma pessoa que previamente podia se comunicar de maneira normal. Esta é uma condição singular, pois ao impedir uma comunicação adequada, o paciente adquire aparentemente o aspecto de enfermo psiquiátrico.
Nas afasias, raramente há uma abolição total das capacidades expressivas. Ainda que na fase inicial possa se observar isso, regularmente se conservam elementos falados, inclusive nas afasias mais graves. São considerados afásicos os sujeitos portadores de uma perturbação da linguagem em que há alteração de mecanismos linguísticos em todos os níveis, tanto do seu aspecto produtivo (relacionado à produção da fala), quanto interpretativo (relacionado à compreensão e ao reconhecimento dos sentidos) (MORATO et al., 2002). Sendo assim, as afasias afetam todas as modalidades linguísticas, a saber: falada, escrita, gestual, etc. As afasias têm sido classicamente divididas em dois grandes grupos: fluentes e não-fluentes, anteriores e posteriores, motoras e sensoriais. As afasias não-fluentes, cujas lesões são normalmente localizadas na parte frontal do cérebro, apresentam problemas de expressão, fala telegráfica, agramatismo, apraxia buco-lábio-lingual. Tais são as características das afasias de Broca, por exemplo.
As afasias fluentes, relacionadas às lesões localizadas na região mais posterior do cérebro têmporo-parietal, apresentam problemas de compreensão, ausência de déficits articulatórios, anomias, parafasias verbais ou semânticas. Tais são as características gerais das afasias de Wernicke, por exemplo (SILVA, 2007). Não existe uma classificação satisfatória das afasias. As classificações nunca dão conta da complexidade dos fenômenos. O sintoma pode ser visto até mesmo em função do modo como cada sujeito lida com suas dificuldades e com os limites impostos pela afasia. Em outras palavras, as classificações nada mais são que uma tentativa ilusória de se compreender regularidades subjacentes às alterações. A variação terminológica reflete as diferentes concepções de linguagem, de cognição e de cérebro, dos diferentes autores. Segundo Dronkers (2000 apud PINTO e SANTANA, 2009), apenas cerca de 50% a 60% dos pacientes com lesão na área de Broca possuem uma “afasia de Broca persistente” e apenas 30% dos pacientes com lesão na área de Wernicke são afásicos cronicamente. Há ainda cerca de 15% de pacientes com afasia de Broca crônica que não têm lesão na área de Broca e 35% de afásicos de Wernicke que não têm lesão na área de Wernicke.
A afasia de condução (afasia de Goldstein), por sua vez, é geralmente atribuída a lesões na região do fascículo arqueado (entre as regiões de Broca e Wernicke, o que explica o nome "condução"), e ocorre na maior parte das vezes devido a lesões no lobo parietal inferior. Estas informações exemplificam e confirmam o fato de que a tentativa de localizar a lesão e correlacioná-la diretamente com o sintoma nem sempre é correto. Com o advento e desenvolvimento dos exames de neuroimagem, a saber, tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, as informações convergem para o fato de que múltiplas áreas cerebrais estão relacionadas com a linguagem e podem, ao sofrerem lesões, afetar a comunicação do indivíduo (PINTO; SANTANA, 2009). Entretanto, a necessidade de classificação de doenças é corrente nas Ciências da Saúde, e contribui para a organização do pensamento clínico. A classificação que se segue é constantemente empregada no meio médico (MELO-SOUZA, 2005).

(1) Afasia motora ou verbal, conhecida como afasia de Broca, onde há dificuldade de variável intensidade para expressar-se pela fala ou pela escrita e, habitualmente, associa-s à hemiparesia ou hemiplegia direita, por lesão do opérculo frontal e área motora adjacente do hemisfério esquerdo. (2) Afasia receptiva ou sensorial, denominada afasia de Wernicke, na qual o paciente apresenta de leve a extrema dificuldade para a compreensão da fala e da escrita desacompanhada de outro déficit motor, por comprometimento do giro superior e posterior do lobo temporal esquerdo. Nesta forma clínica, o paciente pode apresentar parafasia, na qual os vocábulos ou frases estão erroneamente colocados; perseveração, ou seja, repetição de um mesmo vocábulo, jargonofasia, cuja manifestação é o uso de palavras novas e incompreensíveis. (3) Afasia global, decorrente de lesão das duas regiões anteriormente mencionadas, constitui a forma mais importante de afasia, em virtude de sua gravidade. A compreensão e a expressão da linguagem ficam amplamente reduzidas. A hemiparesia ou hemiplegia direita está presente. (4) Afasia de condução, ou afasia de Goldstein, que apresenta-se como repetição de vocábulos (parafasia). Embora consiga ler e falar razoavelmente, o paciente não é capaz de repetir palavras que lhe são ditas. Há também componente amnéstico. Ocorre, geralmente, por comprometimento do giro supramarginal dominante. (5) Afasia amnéstica. Ainda que discutível, admite-se que esta forma decorra de lesão de pequena área na junção dos lobos temporal, parietal e occipital esquerdos. O paciente apresenta incapacidade para designar ou nomear os vocábulos ou o nome de objetos, conservando, contudo, sua finalidade. Assim, o indivíduo sabe para que se destina o pente, por exemplo, mas não consegue lembrar e expressar a palavra pente. (6) Afasia transcortical. Trata-se de alteração da linguagem muito semelhante a do tipo motora, em que o paciente apresenta compreensão e repetição razoáveis, dificuldade para a leitura e escrita e leve incapacidade para designar os nomes dos objetos. A lesão situa-se no hemisfério dominante próximo ao centro da linguagem de expressão ou área de Broca.”

Na verdadeira afasia motora não estão abolidas a compreensão do significado das palavras nem as suas lembranças, e sim a faculdade de empregar de modo adequado os músculos de linguagem. Essa afasia é produzida por uma lesão do centro de Broca.
A lesão do próprio centro de Broca é, sem dúvida, muito mais rara que a das vias que nele terminam ou que dele saem, e cuja lesão produz o quadro clínico da afasia. Nos casos de hemorragia na cápsula interna no lado esquerdo, frequentemente produz-se uma afasia motora, por interrupção do sistema de vias que do centro de Broca seguem para os músculos de linguagem.
A análise clínica da linguagem deve envolver os distúrbios da expressão verbal (fala e escrita), da recepção verbal (áudio e visual) e da atividade gestual, excluindo-se, todavia, os distúrbios mentais patentes.
Como examinar clinicamente o paciente com afasia? A avaliação de um paciente com suspeita de afasia requer paciência do examinador. Além disso, há necessidade de uma sistematização do exame e, finalmente, um ambiente adequado. A análise de tais distúrbios em conturbadas salas de emergência nunca deveria ser tomada como definitiva. Pacientes com reais disfasias deveriam ser reavaliados apropriadamente e, persistindo dúvidas, especialistas em distúrbios de linguagem deveriam ser chamados a opinar.
É necessário verificar primeiro se compreende o que lhe é dito, fazendo, para tal, uma série de indicações (que feche os olhos, mostre a língua, apresente as mãos, etc.). Comprova-se sua maneira de falar, quando ele o faz espontaneamente ou ao responder ao que lhe é dito, ou quando solicitado a indicar o nome dos objetos e dizer palavras ou construir frases. Este exame pode ser feito ainda com mais detalhes com a apresentação de letras ou de cifras, separadamente. Eventualmente, pode ser verificado se o sentido musical se conservou, solicitando-se ao paciente que cante ou assobie. Também será examinado o modo como o paciente lê, fazendo-o ler em voz alta e, depois, em voz baixa; deverá ser interrogado sobre o que leu e, se o indivíduo é afásico, pede-se que confirme ou negue, com a cabeça, o significado das palavras. Por último, examina-se a sua maneira de escrever, convidando-o a fazer um ditado ou redigir por conta própria. Uma vez verificado que o paciente apresenta afasia, é necessário confirmar se é uma afasia motora, uma parafasia, uma surdez verbal ou uma afasia amnésica. Em duas doenças será necessário aprofundar ainda mais este exame: nos casos de tumor ou de abscesso cerebral com transtornos afásicos, aléxicos ou agráficos (DANTAS, 2008).
Segundo Trevisol-Bittencourt (1996), o seguinte esquema de investigação preenche os requisitos para um exame clínico essencial:
- O paciente tem dominância na mão direita ou esquerda? No caso de ser esta última, ele seria capaz de escrever com a mão direita também? - Tem algum problema de audição? Uni ou bilateral? Qual a intensidade? - Ele identifica sons musicais ou ruídos emitidos por objetos? - Qual o seu nível educacional? Conhece algum idioma estrangeiro? Entende e obedece aos comandos? - Ele compreende a natureza dos objetos exibidos individualmente e é capaz de identificar sua utilidade? - Ele entende o significado de gestos e de pantomima e demonstra capacidade para se fazer entender por estes recursos? - Sua fala espontânea é de bom padrão? Caso não, em qual extensão e qualidade ela está comprometida? - Ele emprega parafasias? Utiliza neologismos? Usa um jargão ininteligível? - Pode repetir palavras faladas ao seu ouvido? - Tem algum transtorno visual? Uni ou bilateral? Qual a gravidade? - Ele é capaz de ler? Ler alto e sem titubear? - Tem capacidade para identificar números? Realizar cálculos básicos? - Demonstra capacidade para escrever? Sua escrita é de boa qualidade? Reproduz textos ou gravuras apresentadas? É capaz de fazer ditados? - Quando uma série de objetos lhe são apresentados simultaneamente, ele é capaz de identificá-los de modo apropriado? Apontando? Falando? Escrevendo?
Por ordem crescente de importância, as causas mais comuns de afasia são: distúrbios vasculares, traumatismos cranioencafélicos que afetam o hemisfério esquerdo, processos inflamatórios, escleroses, abscessos e tumores e hematomas. De forma transitória, as afasias podem ser observadas durante uma uremia, no diabetes mellitus descompensado, nas intoxicações, nas crises epilépticas e de enxaqueca (FONTANA, 2005). Referências
DANTAS, A. M. Exame de paciente com doença neurológica. Disponível em: http://www.portaleducacao.com.br/medicina/artigos/6151/exame-de-paciente-com-doenca-neurologica. Acesso em: 07 set. 2010. FONTANA, A. M. Manual de Clínica em Psiquiatria. São Paulo: Atheneu, 2005.
NOVAES-PINTO, R. C.; SANTANA, A. P. Semiologia das Afasias: Uma Discussão Crítica. Psicologia: Reflexão e Crítica. 22 (3): 413-421 2009. MELO-SOUZA S. E. Sistema Nervoso. Exame Clínico In: PORTO, C.C. Semiologia Médica. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. MORATO, E. M. et. al. As afasias e os afásicos: subsídios teóricos e práticos elaborados pelo Centro de Convivência de Afásicos (CCA). Campinas: Ed. Unicamp, 2002. SILVA, R.C. O Estatuto de Repetição nas Afasias. Anais do Seminário de Teses em Andamento. Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, 2007. VENDRELL, J.M. Las afasias: semiologia y tipos clínicos. Rev Neurol. 32 (10): 980-986, 2001.
TREVISOL-BITTENCOURT, P. C. Considerações práticas sobre disfasias. Dendrito, 2:14-19, 1996.
Imagem da postagem: Obra cubista de Georges Braque "Castelo de La Roche-Guyon" (1909)