25 de setembro de 2010

Demência Vascular

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

A demência é uma síndrome, ou seja, um grupo de sinais e sintomas que ocorrem paralelamente e que podem resultar de várias etiologias diferentes. As demências vasculares são a segunda causa de demência, após a Doença de Alzheimer, e acomete principalmente homens com idade acima de 60 anos. Em geral decorrem de doença arterosclerótica ou hipertensiva. A caracterização do quadro clínico é fundamental. Apresenta as seguintes características principais: prejuízo da memória, desorientação no tempo e espaço, problemas de comportamento e perda das habilidades adquiridas. O diagnóstico é clínico, os exames complementares apenas auxiliam o diagnóstico.

Palavras-chave: Demência Vascular; Transtornos Cerebrovasculares; Geriatria.

Cada vez é mais evidente o envelhecimento populacional pelo qual o Brasil passa. Com esse fenômeno demográfico, observa-se aumento da prevalência de doenças relacionadas com a velhice. Doença de Alzheimer e demência vascular (DV) são as principais causas de demência relacionadas ao envelhecimento. No Brasil, a DV é o segundo tipo mais prevalente de demência, enquanto em alguns países orientais constitui a principal causa de demência (SMID; NITRINI, 2001). A demência não é uma doença, e sim uma síndrome, ou seja, é um grupo de sinais físicos e sintomas que podem estar associados a várias etiologias diferentes (BALLONE, 2005).
Assim, como uma síndrome, a demência apresenta três características principais: prejuízo da memória, que podem ser desde um simples esquecimento leve até um prejuízo sério a ponto de o paciente não se recordar da própria identidade, além de desorientação no tempo e espaço. São outras manifestações das demências problemas de comportamento, normalmente se caracterizando por agitação, insônia, choro fácil, comportamentos inadequados, perda da inibição social normal e alterações de personalidade.
Pode ocorrer a perda das habilidades adquiridas durante a vida, tais como organizar os compromissos e objetos, dirigir, vestir a roupa, cuidar da vida financeira, cozinhar, julgar situações, etc. Ainda, pode haver perda do pensamento abstrato e prejuízo das funções cognitivas superiores, com apraxia, acalculia, afasia e agnosia, alterações de humor e de comportamento, com depressão e ansiedade, e passividade (FERREIRA; HIRATA, 2007).
Os sintomas iniciais de demência variam, mas a perda de memória em curto prazo costuma ser a característica principal ou única a ser trazida à atenção do médico na primeira consulta (BALLONE, 2005). Anteriormente conhecidas como demências arterioscleróticas e relatadas por muitos autores como demência multinfarto (MID), as demências vasculares correspondem à aproximadamente 20% dos casos de demência e ocorrem principalmente em homens com idade acima de 60 anos (FERREIRA; HIRATA, 2007). Em países como a Suécia, por exemplo, o risco de desenvolver demência de origem vascular de 29,8% em homens e 25,1% em mulheres (ANDRE, 1998). A demência vascular é, em geral, decorrente de doença arterosclerótica que compromete vasos de médio e grosso calibre, principalmente no território carotídeo. Os trombos que são formados em tais vasos desprendem-se sob forma de êmbolos, provocando infartos cerebrais e demência do tipo cortical.
Os principais fatores de risco são idade avançada, tabagismo, diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e história de infarto do miocárdio (FERREIRA;HIRATA, 2007). Em outros casos, a demência vascular é decorrente de doença vascular hipertensiva, que comprometendo a parede de pequenos vasos, produz isquemia e degeneração difusa de substância branca subcortical, ocasionando a encefalopatia cortical crônica ou doença de Binswanger (KAPLAN; SADOCK, 2008). Outras condições clínicas que pode facilitar a ocorrência de infartos cerebrais são colagenoses, vasculites, cardiopatias como fibrilação atrial e febre reumática (Ibidem). Na maioria dos casos, o paciente afetado é hipertenso, com história de tonturas, desmaios, paresias e parestesias, compatíveis com episódios isquêmicos recorrentes. É comum a ocorrência de alterações neurológicas focais. Sintomas de insuficiência vascular periférica, como extremidades frias e pulso fraco, podem estar presentes. Caracteristicamente, a demência vascular inicia-se de forma abrupta e evolui de forma gradativa, ou seja, há piora progressiva das alterações cognitivas a cada nova crise de insuficiência vascular cerebral.
Entre as crises, observa-se melhora parcial das alterações cognitivas. Pode ocorrer oscilação do estado mental, com episódios confusionais que pioram principalmente à noite. Dessa forma, a gravidade do déficit cognitivo pode variar em questão de dias ou horas.
A personalidade mantém-se relativamente preservada até estágios avançados da doença, e, com frequência, o paciente tem insight das perdas cognitivas. A percepção de suas deficiências pode contribuir para o surgimento de reações ansiosas e depressivas. Na forma cortical, o paciente apresenta deterioração intelectual progressiva, curso oscilante, sinais neurológicos focais, crises convulsivas, episódios confusionais, afasia, apraxia e agnosia. A doença de Binswanger, que é a forma subcortical, geralmente acomete pessoas hipertensas com idade entre 50 e 60 anos. O quadro demencial, nesse caso, é acompanhado de importantes alterações motoras, incontinência urinária e paralisia pseudobulbar. Sintomas como afasia, apraxia e agnosia são pouco frequentes. A caracterização do quadro clínico é fundamental. Os exames laboratoriais podem apenas auxiliar no diagnóstico, corroborando os achados clínicos. Na tomografia computadorizada e na ressonância magnética podem ser observadas áreas de infarto cerebral, alargamento ventricular e leucoaraiose. A constatação de áreas de infarto não implica diagnóstico de DV, sendo necessária apresentação clínica compatível com este tipo de demência. Nos exames funcionais do cérebro, como os de espectometria com emissão de pósitrons - SPECT e PET - aparecem áreas com redução acentuada do fluxo sanguíneo cerebral e hipometabolismo cerebral, ao lado de regiões com fluxo sanguíneo e atividade metabólica normais no restante do cérebro.
No eletroencefalograma, podem ser observadas alterações focais, dependendo da extensão do infarto e de sua proximidade em relação ao córtex cerebral. A fundoscopia é de extrema importância para a avaliação microvascular (KAPLAN; SADOCK, 2008).
O diagnóstico diferencial entre demência de Alzheimer e demência vascular é de fundamental importância devido às diferenças no tratamento e profilaxia. São descritas 11 escalas e conjuntos de critérios diagnósticos para o diagnóstico da DV, como a de Hachinski (Tab. 1), ou a de Loeb e Gandolfo, que utilizam dados de anamnese e achados clínicos, eventualmente achados em exames de neuroimagem, e sugerem maior ou menor probabilidade de origem vascular em casos individuais. Tais escalas parecem particularmente úteis em estudos sobre demências, ajudando na exclusão de pacientes com doença cerebrovascular associada.
Tabela 1. Escore Isquêmico de Hachinski (Fonte: ANDRE,1998).

Abaixo, encontram-se os critérios diagnósticos de demência vascular segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV) (Tab. 2). Tabela 2- Critérios diagnósticos do DSM-IV para demência vascular (Fonte: ANDRÉ, 1998).

Referências AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders 4th ed. Versão Eletrônica. PsiqWeb. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/dsm.php?ltr=P. Acesso em: 18 mai. 2010. KAPLAN, H.I.; SADOCK. B. J. Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. 2.ed. São Paulo: Artmed, 2008. FERREIRA, M .P. ; HIRATA,E.S. Transtornos Mentais Orgânicos Crônicos. In: LOUZÃ NETO, M.R.; ELKIS, H. et al . Psiquiatria Básica. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. BALLONE,G.J. Demências. PsiqWeb. Disponível em: http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=16&art=370 . Acesso em: 13 jul. 2010. SMID, J.; NITRINI, R. et al . Caracterização clínica da demência vascular: avaliação retrospectiva de uma amostra de pacientes ambulatoriais. Arq. Neuro-Psiquiatr. 59 (2B): 390-393, 2001 . ANDRE, C.. Demência vascular: dificuldades diagnósticas e tratamento. Arq. Neuro-Psiquiatr., 56 (3A): 498-510, 1998 . Foto da postagem: www.flickr.com