Foi com muita satisfação que li o seu post "Psicocirurgia para Doenças Mentais" no Semioblog. Gostaria de parabenizá-la pela escolha do tema, que certamente suscitará muitos comentários, e pelo excelente apanhado histórico e qualidade das fontes.
Desde março, estou envolvido em pesquisas desenvolvidas em um serviço privado de neurocirurgia funcional, que tem, entre seus colaboradores diretos, o Prof. Dr. Osvaldo Vilela Filho, de Goiás, que a senhora utiliza como referência.
Na oportunidade em que cumprimento a senhora pelo excelente texto, abordando um tema controverso e desconhecido da maioria dos estudantes, gostaria de contribuir de alguma forma, com algumas considerações que penso serem pertinentes sobre o tema, tomando como base alguns casos de psicocirurgia que acompanhei.
Tive a oportunidade de relatar 16 casos de pacientes que realizaram psicocirurgia em congressos, sendo 14 submetidos à cingulotomia estereotáxica bilateral (para tratamento de depressão associada à dor crônica) e 2 submetidos à hipotalamotomia póstero-medial (associada à capsulotomia anterior, para tratamento da agressividade), e nenhum utilizou a eletroconvulsoterapia, contrariando a proposição de Mashour et al. (2005).
A realização de psicocirurgia está condicionada à aprovação do Conselho Regional de Medicina, em um órgão especial, denominado Câmara de Neurologia e Psiquiatria.
Quanto aos pioneiros Moniz e Freeman, alguns dados curiosos sobre suas próprias percepções da psicocirurgia: O primeiro, em seu artigo "Essai d´un traitement chirurgical des certaines psychoses", de 1936, considera o procedimento inofensivo ("The intervention is harmless", afirma em certa altura).
O segundo, por sua vez, em seu artigo de 1942, intitulado "Psychosurgery", critica a necessidade de um médico cirurgião e de uma sala cirúrgica para realizar a lobotomia, o que dificulta ampla realização do procedimento em pacientes institucionalizados. Cria, pois, a "ice-pick lobotomy" para superar esses obstáculos (conforme ilustração do texto da postagem a que me refiro). O debate em torno dessa questão não pode desconsiderar as diferenças evidentes da psicocirurgia de Moniz e Freeman e a psicocirurgia dos dias de hoje. Atualmente, as técnicas de neurocirugia destinadas à psicocirurgia utilizam-se essencialmente da estereotaxia (seja para ablação, seja para implante de eletrodos de estimulação cerebral profunda - DBS), baseando-se em estudos dos sistemas neurais subjacentes aos quadros psicopatológicos, que se amparam em amplos recursos de neuroimagem estrutural e funcional. Nesse contexto, a psicocirurgia tem caráter dualista: é uma alternativa terapêutica válida e um procedimento experimental. Felizmente, como a senhora ressalta em seu texto, o debate ético em torno da psicocirurgia se desenvolve num contexto muito mais exigente quanto ao direito do paciente. Dessa forma, a sociedade deve proteger-se de aventuras terapêuticas, mas o medo infundado de novas técnicas pode levar ao zelo excessivo. Uma ética em que predomine a aversão ao risco pode produzir uma posição protecionista distorcida, que teria como consequência o cerceamento dos avanços potencialmente benéficos à própria população que a legislação busca proteger. Quanto às técnicas citadas como "tendências futuras", me alegro em dizer que a estimulação de nervo vago (para epilepsia refratária em crianças), estimulação profunda do cérebro (mais conhecida como DBS, que possui os mais diversos fins, como tratamento da dor, distúrbios do movimento e transtornos psiquiátricos) e a estimulação magnética transcraniana (também para fins diversos) já são uma realidade nos grandes centros brasileiros, sendo as duas primeiras já realizadas aqui em João Pessoa. Espero contribuir de alguma forma,
Atenciosamente,
Normando Guedes Pereira Neto
Estudante de Medicina da UFPB - Turma 2009.1
Foto: Normando Guedes Pereira Neto