Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
O diagnóstico precoce da doença de Alzheimer (DA) representa importante desafio na prática médica. Como decorrência do envelhecimento, a prevalência de DA nas próximas décadas apresentará proporções epidêmicas em escala mundial. Esse cenário só poderá ser modificado com o advento de terapêuticas capazes de prevenir ou modificar a história natural da doença, o que torna imperativa a detecção precoce. Este diagnóstico precoce é decisivo não apenas para instituir a terapêutica da doença, permitindo o tratamento imediato dos sintomas reversíveis, e levando muitas vezes a uma melhora de sintomas cognitivos, mas também proporciona às pessoas mais tempo para tomar decisões críticas de sua vida.
Palavras-chave: Demência; Doença de Alzheimer; Proteína beta Amilóide.
O diagnóstico da Doença de Alzheimer (DA) é feito fundamentalmente através de critérios clínicos pré-estabelecidos juntamente com a exclusão de outras possíveis causas para a demência. A exclusão de outras causas é feita através de um conjunto composto pelo exame clínico, por exames laboratoriais e pela neuroimagem cerebral.
O exame clínico deve-se abordar a história prévia do paciente como doenças preexistentes, traumas, cirurgias, uso de álcool ou outras substâncias, uso de medicações, exposições ambientais e a tóxicos, entre outros fatores que podem ocasionar prejuízo cognitivo e até mesmo a síndrome demencial propriamente dita. A história deve contar com a presença de um familiar ou cuidador para auxiliar nas informações obtidas através do paciente (1).
O exame físico visa identificar déficits neurológicos focais, como paresias e parestesias, sinais de hidrocefalia, como alteração de marcha e incontinência urinária, alterações na motricidade, lentificação e tremores, sugestivos de parkinsonismo, sinais de hipotiroidismo, entre outras alterações consistentes com os diagnósticos diferenciais mais comuns com a demência do tipo Alzheimer. Dentre os diagnósticos diferenciais, destaca-se a depressão grave encontrada em pacientes com demência, a deficiência de vitamina B12, comum entre idosos, e também o hipotiroidismo (6).
A avaliação cognitiva desde o rastreio de demência até testes neuropsicológicos específicos é recomendada. Os testes de rastreio cognitivo como o Mini-Exame do Estado Mental, o teste do Desenho do Relógio, o teste de Fluência Verbal para categorias e a Escala de Demência de Blessed são exemplos de testes utilizados para a avaliação inicial de pacientes com suspeita de comprometimento cognitivo.
Além de testes mais simples como os mencionados para triagem inicial e avaliação mais breve, há exames neuropsicométricos mais abrangentes como o Consortium to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease (CERAD), a Mattis Dementia Rating Scale e o CAMDEX, traduzido para o português (1).
Os critérios preestabelecidos mais utilizados no diagnóstico de Alzheimer são o do Manual de Diagnóstico e Estatística das Doenças Mentais da Associação de Psiquiatria Americana, versões III-R e IV, e os critérios propostos pelo National Institute of Neurological and Communicative Disorders and Stroke (NINCDS) em conjunto com o Alzheimer’s Disease and Related Disorders Association (ADRDA). Ambos DSM III-R e IV são equivalentes para utilização no diagnóstico de demência. No Brasil, os critérios diagnósticos do NINCDS-ADRDA são os mais recomendados (1).
Com relação aos exames laboratoriais, deve-se realizar dosagem de hormônio tíreo-estimulante (TSH) e nível sérico de vitamina B12, além de hemograma completo, concentrações séricas de uréia, creatinina, tiroxina (T4) livre, albumina, enzimas hepáticas (transaminases e gama-GT) e cálcio, reações sorológicas para sífilis e, em pacientes com idade inferior a 60 anos, sorologia para HIV (7).
A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) através de níveis de Aβ42 e proteína tau, por exemplo, não deve ser realizada como rotina, estando indicada nas seguintes situações: demência de início pré-senil (antes dos 65 anos); apresentação ou curso clínico atípicos; hidrocefalia comunicante; e ainda qualquer evidência ou suspeita de doença inflamatória ou infecciosa do sistema nervoso central. No entanto, baixos níveis de Aβ42 e altos de proteína tau total parecem auxiliar na predileção da conversão de pacientes com comprometimento cognitivo leve.
Os exames de neuroimagem, como a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância nuclear magnética (RNM) de crânio, são necessários primordialmente para afastar outras causas de demência ou lesões estruturais não detectáveis. Pode-se utilizar tanto a tomografia computadorizada como a ressonância magnética de crânio dependendo de custo, do protocolo de determinado serviço médico ou de suas eventuais contra-indicações para um exame ou outro.
O eletroencefalograma (EEG) de rotina e o EEG quantitativo têm uso estabelecido como auxiliar na avaliação de demências e encefalopatias, especialmente quando o diagnóstico permanece aberto após as avaliações clínicas iniciais (1).
Diagnóstico Precoce
Cem anos após a sua caracterização clínica e patológica por Alois Alzheimer, o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer (DA) continua a representar um importante desafio na prática médica. Como decorrência do envelhecimento populacional, as estimativas de crescimento da prevalência de DA nas próximas décadas apontam para proporções epidêmicas em escala mundial.
Esse cenário só poderá ser modificado com o advento de terapêuticas capazes de prevenir ou modificar a história natural da doença, bloqueando suas principais cascatas patogênicas. É o caso das terapias antiamilóides e das drogas que impedem a hiperfosforilação da proteína Tau, eventos patogênicos ligados, respectivamente, à formação das placas senis e dos emaranhados neurofibrilares (3).
Um impasse contemporâneo é distinguir as alterações cognitivas próprias do envelhecimento normal das manifestações das fases iniciais dos transtornos demenciais. Entre diversas propostas conceituais, destaca-se o comprometimento cognitivo leve (CCL). Embora o CCL seja uma categoria heterogênea do ponto de vista do prognóstico, nela se encontram os indivíduos com alto risco de evoluírem para demência nos anos subsequentes a esse diagnóstico. Por essa razão, o CCL tem recebido grande destaque na pesquisa de manifestações pré-clínicas da DA (3).
A caracterização do CCL é um procedimento clínico complexo, que depende da avaliação do desempenho do paciente em testes neuropsicológicos, devidamente aferidos segundo a faixa etária e o nível de instrução dos pacientes. Não obstante estar associada a risco aumentado para uma ulterior deterioração cognitiva, a caracterização do CCL não é sinônimo de Alzheimer prodrômica nem incipiente: uma proporção significativa dos pacientes com CCL retorna à função cognitiva normal na evolução, enquanto outros se mantêm estáveis nos seus déficits, não evoluindo para demência.
Clinicamente, fases iniciais da DA são caracterizadas por deteriorização da memória para fatos recentes, dificuldade de concentração, fadigabilidade e alteração de personalidade. Modificações no discurso são discretas, e raras são as alterações de comportamento e os déficits neurológicos focais, todos passíveis de dissimulação, o que dificulta ainda mais o diagnóstico (6).
Nas fases iniciais, tendo a amnésia como manifestação mais importante, o exame de ressonância magnética (RM) de alta resolução pode mostrar atrofia hipocampal, principalmente do córtex entorrinal, onde se têm observado as alterações neuropatológicas mais precoces da doença.
Outras técnicas com valor para o diagnóstico que ainda não são aplicadas rotineiramente incluem a espectroscopia por ressonância magnética (RM) e a técnica de subtração de imagens. Os estudos de Positron Emission Tomography (PET) e Single-Photon Emission Computed Tomography (SPECT) são os de melhor sensibilidade-especificidade, mostrando redução bilateral e frequentemente assimétrica do fluxo sanguíneo e do metabolismo em regiões temporais ou têmporo-parietais.
Estas alterações podem estar ausentes nas fases iniciais da doença e não são específicas de DA podendo ocorrer na demência vascular e na doença de Parkinson. Tanto o SPECT quanto o PET não são recomendados para uso rotineiro, principalmente pelo alto custo, no entanto podem facilitar o diagnóstico precoce e aumentar a acurácia associada de outros métodos (3).
O uso da apolipoproteína E4 (APOE4), a presença de um alelo para APOE4 e a presença da homozigose para APOE4 conferem maior risco “preditivo” para o desenvolvimento do comprometimento. Há crescente interesse na aplicação da pesquisa de neurofilamentos relacionadas no líquido cefalorraquidiano (LCR).
A utilização da pesquisa do β-amilóide1-42 no LCR apresenta sensibilidade variando entre 78% e 92% e especificidades entre 81% e 83%, assim como a proteína tau. Ainda, a análise conjunta da β-amilóide1-42 e da proteína tau com neurofilamentos de cadeia leve permitem aumentar a sensibilidade para 83% e a especificidade para 100%. A proteína tau, isoladamente, também é útil.
Níveis baixos de β-amilóide-42 e elevados de proteínas T-tau e P-tau demonstram maior risco de conversão para a doença. Ainda, estudam-se outros “preditores” em níveis sérico e liqüóricos, como a presença de neuroserpina (da superfamília de inibidores de protease derivados da serina), alfa-1-antitripsina e alfa-1-antiquimotripsina (inibidores de proteases da família das serpinas). A combinação dos biomarcadores com dados de neuroimagem oferecem maior valor preditivo de risco do que cada uma das medidas isoladamente (5).
Atualmente, existem três principais linhas de pesquisa: Os níveis séricos de Clusterina, a técnica radiológica de "imagens realçadas por difração" e a Detecção de Degeneração Retiniana via Marcador Fluorescente. Investigação do Instituto de Psiquiatria do King's College of London refere ligação entre DA e os níveis séricos de clusterina (8) mostrou que a presença de elevados destes no sangue podem ser detectado em até dez anos antes do surgimento de sintomas em futuros portadores de DA, o que criaria a possibilidade da realização de exame de sangue específico para diagnóstico precoce da doença de Alzheimer.
O Laboratório Nacional Brookhaven, do governo dos Estados Unidos, demonstrou uma nova técnica radiológica, denominada "imagens realçadas por difração", que usa feixes de raios-X extremamente brilhantes de sincrotron, que são milhares de vezes mais intensos e extremamente concentrados em relação aos raios-X convencionais. O resultado é uma menor dose de raios-X com uma maior qualidade de imagem. Este exame é capaz de revelar imagens detalhadas de formações iniciais de β-amilóide (10).
Ainda, estudos do Instituto de Neuroftalmologia da University College of London afirmam a associação entre degeneração retiniana e DA (4,9). Tal estudo é feito através da utilização de fluorescência, que consegue “marcar” a célula retiniana e demonstrar o ritmo e grau da degeneração, em tempo real. Sendo a retina uma extensão do sistema nervoso central, acredita-se que a utilização do exame proposto seja utilizado na triagem dos pacientes, sendo a relação DA e degeneração já confirmada em cobaias. Ainda, outra linha de estudo observa que pacientes com DA apresentam além da diminuição da celularidade retiniana uma tortuosidade vascular e diminuição do fluxo sanguíneo (2).
O diagnóstico precoce é decisivo para o tratamento da doença de Alzheimer, pois permite o manejo imediato dos sintomas reversíveis. Isso muitas vezes pode levar a uma melhora de sintomas cognitivos e dá às pessoas mais tempo para tomar decisões críticas de sua vida. Alem disso, o diagnóstico precoce permite ao paciente e seus familiares ter mais tempo para se armar com o conhecimento sobre este tipo de demência, e a melhor maneira de conviver com a doença. Conhecimento realmente é poder.
Referências
1. APRAHAMIAN I., MARTINELLI J.E., YASSUDA M.S. Doença de Alzheimer: revisão da epidemiologia e diagnóstico. Rev Bras Clin Med, 7: 27-35, 2009.
2. BERISHA, F., et al. Retinal Abnormalities in Early Alzheimer’s Disease. Investigative Ophthalmology and Visual Science. 48: 2285-2289, 2007.
3. BOTTINO, C. M. C. Diagnóstico precoce da doença de Alzheimer: contribuição da neuroimagem estrutural. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo, 30 (3), 2003 .
4. CORDEIRO M.F., DUGGAN J., GUO L. Alzheimer's disease and retinal neurodegeneration. Curr Alzheimer Res. 7 (1): 3-14, 2010.
5. DINIZ, B.S.O.; FORLENZA, O.V. O uso de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano no diagnóstico precoce da doença de Alzheimer. Rev. Psiq. Clín. São Paulo. 34 (3): 144-145, 2007. 6. FERREIRA, M .P. ; HIRATA,E.S. Transtornos Mentais Orgânicos Crônicos. In: LOUZÃ NETO, M.R.; ELKIS, H. et al . Psiquiatria Básica. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
7. KAPLAN, H.I.; SADOCK. B.J. Manual Conciso de Psiquiatria Clínica. 2ed. São Paulo: Artmed, 2008.
8. REUTERS. Cientistas encontram relação entre proteína do sangue e Alzheimer. Estadão.com.br – Estado de São Paulo. Publicado em 06 de julho de 2010, às 11:30h. Disponível em <>. Acesso em 18 set. 2010.
9. UNIVERSITY OF CALIFORNIA. Alzheimer's Lesions Found In The Retina. ScienceDaily Publicado em 22 de Outubro 2009. Disponível em . Acesso em 18 set. 2010.
10. U.S. DEPARTMENT OF ENERGY(DOE) - BROOKHAVEN NATIONAL LABORATORY. X-Rays for Early Alzheimer's Disease Detection. BNL News. Disponível em < prid="978"> Acesso em 18 set. 2010.