Por Charles Saraiva Gadelha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado pela presença de obsessões e/ou de compulsões repetidas e persistentes. Estes sintomas costumam interferir no cotidiano do paciente e limitar suas atividades, causando-lhe sofrimento, assim como a seus familiares. O diagnóstico de TOC é clínico, através de critérios do DSM-IV ou da CID-10. Sua etiopatogenia parece envolver fatores genéticos e ambientais.Palavras-chave: Transtorno obsessivo-compulsivo; transtornos de ansiedade; saúde mental.
A descrição do quadro obsessivo-compulsivo remonta há pelo menos 300 anos. Até metade do século XIX, os fenômenos obsessivo-compulsivos eram considerados entre os vários quadros referidos como insanidade, evoluindo posteriormente para o conceito de neurose (LOUZÃ-NETO; ELKINS, 2007).
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado pela presença de obsessões e/ou de compulsões repetidas e persistentes.
As obsessões podem ser definidas como eventos mentais recorrentes, como pensamentos, ideias, impulsos e imagens, vivenciados como intrusivos e incômodos (APA, 1994). Como produtos mentais, as obsessões podem ser criadas a partir de qualquer substrato da mente, tais como palavras, medos, preocupações, memórias, imagens, músicas ou cenas.
As compulsões são definidas como comportamentos ou atos mentais repetitivos, realizados para diminuir o incômodo ou a ansiedade causados pelas obsessões ou para evitar que uma situação temida venha a ocorrer (Ibid). Não existem limites para a variedade possível das obsessões e das compulsões. Na infância, as compulsões comumente antecedem o início das obsessões, que podem ser menos frequentes que na idade adulta (ROSÁRIO-CAMPOS, 1998).
Um amplo estudo realizado pelo Cross National Collaborative Group avaliou a prevalência de TOC em sete países (Estados Unidos, Canadá, Porto Rico, Alemanha, Taiwan, Coréia e Nova Zelândia) e detectou taxas variando de 1,1% e 1,8% (BEBBINGTON, 1998). No Brasil, Almeida Filho et al. (1992) encontraram prevalências estimadas de TOC entre 0,4% e 1,7% dependendo da região do país estudada. A distribuição entre os sexos parece variar de acordo com as diversas faixas etárias, sendo que em crianças há uma preponderância de meninos.
O TOC possui três apresentações frequentes. Na primeira, predominam os pensamentos obsessivos; na segunda, prevalecem os rituais de verificação repetidos, como lavar as mãos diversas vezes ou retornar dezenas de vezes para se certificar de que fechou a porta, por exemplo. São também frequentes as arrumações sem fim em rituais que prejudicam a vida cotidiana do paciente. A terceira forma de apresentação deste transtorno é a forma mista, onde além dos pensamentos obsessivos e repetitivos, também estão presentes os rituais de verificação (LECKMAN et al., 1997).
O colecionismo também pode ser observado no TOC. Trata-se de uma obsessão em armazenar objetos sem valor, inúteis ou em excesso. Os portadores de TOC não conseguem distinguir entre objetos de valor afetivo e lixo (CORDIOLLI, 2007).
A lentidão obsessiva também é descrita em portadores de TOC. O paciente apresenta uma lentidão ao executar tarefas, o que pode ocorrer em virtude de dúvidas e repetições para "fazer as coisas da forma mais correta e exata".
Uma questão importante para a avaliação de crianças com TOC é a semelhança entre os sintomas obsessivo-compulsivos e os comportamentos repetitivos característicos de algumas fases do desenvolvimento, tais como os rituais e as superstições (ROSÁRIO-CAMPOS, 1998).
Portanto, para o diagnóstico do TOC é necessário que as obsessões e/ou as compulsões causem interferência ou limitação nas atividades do paciente, que consumam tempo (ao menos uma hora por dia) e que causem sofrimento ou incômodo ao paciente ou a seus familiares (OMS, 1993).
O diagnóstico do TOC é clínico, feito através de critérios diagnósticos segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) da American Psychiatric Association, ou ainda segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial de Saúde. Estes critérios diagnósticos são os mesmos para crianças, adolescentes e adultos, ressaltando-se apenas que na infância não é imprescindível o reconhecimento de que os sintomas sejam excessivos ou irracionais.
O DSM-IV estabelece que o diagnóstico de TOC deva ser dado quando presente obsessões e/ou compulsões, cujas definições já foram citadas. A CID-10 acrescenta ainda necessidade de os sintomas estarem presentes na maior parte dos dias, por duas semanas.
Outra proposta de avaliação psicopatológica do TOC procura agrupar os sintomas que tendem a ocorrer em conjunto. Neste sentido, algumas dimensões sintomatológicas foram estabelecidas, como: "obsessões de agressão e compulsões relacionadas"; "obsessões religiosas, sexuais e compulsões relacionadas"; "obsessões de simetria e compulsões de arrumação"; "obsessões de contaminação e compulsões de limpeza"; e "obsessões de colecionismo"(LECKMAN et al., 1997).
Embora se tenha avançado na elucidação das causas do TOC, ainda não se conhece a etiologia deste transtorno. Supõe-se que o TOC é uma doença neuropsiquiátrica, ao contário do que se pensava antes, que era um problema de natureza eminentemente psicológica (CORDIOLLI, 2007). Há dois fatores que estão implicados: um componente hereditário (familiar) e conflitos de natureza psicossocial iniciados na infância (LOUZÃ-NETO; ELKINS, 2007).
É preciso destacar que a presença de obsessões nem sempre significa que o indivíduo seja portador de TOC. Na população geral, as pessoas apresentam obsessões e executam rituais de forma passageira e que são rapidamente esquecidos (CORDIOLLI, 2007). Muitas obsessões são um fenômeno universal e fazem parte da atividade mental normal. Elas ocorrem espontaneamente e da mesma forma que surgem, desaparecem. Como não acarretam preocupação para a maioria das pessoas, que não dão importância a elas, facilmente são esquecidas (Ibid).
Acredita-se que certas características pessoais, como senso exagerado de responsabilidade, dificuldade de conviver com incertezas e elevado nível de exigência (perfeccionismo), desempenham papel importante no surgimento e na manutenção das obsessões e rituais.
Nem sempre o diagnóstico do TOC é simples. Há uma variedade de apresentações clínicas psiquiátricas com as quais pode ser confundido. Por outro lado, existe também o transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC), frequentemente confundico com o TOC.
No TPOC, os indivíduos são perfeccionistas, detalhistas, meticulosos e exigentes, mas não sofrem com sua maneira de ser, que consideram correta. Não são compelidos a realizar rituais e nem sentem desconforto associado ao seu comportamento. Segundo Cordiolli (2007), atualmente, o TPOC e o TOC são considerados transtornos distintos e não há um continuum entre eles, como se supunha antes.
Referências
ALMEIDA-FILHO, N. et al. Estudo multicêntrico de morbidade psiquiátrica em áreas urbanas brasileiras (Brasília, São Paulo, Porto Alegre). Revista ABP APAL 14: 93-104, 1992.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders- DSM-IV. 4a ed. Washington, DC: APA; 1994.
BEBBINGTON, P. E. Epidemiology of obsessive-compulsive disorder. Brit J Psychiatry Suppl. 173(35):2-6, 1998.
CORDIOLLI, A. V. TOC: Manual de terapia cognitivo-comportamental para o transtorno obsessivo-compulsivo. Porto Alegre: Artmed, 2007.
LECKMAN, J. F. et al. Symptoms of obsessive-compulsive disorder. Am J Psych 154:911-7, 1997.
LOUZÃ-NETO, M. R.; ELKINS, H. (Org.). Psiquiatria Básica. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED. 2007.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10 - descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas Editora, 1993.
ROSÁRIO-CAMPOS, M. C. Transtorno obsessivo-compulsivo de início precoce e início tardio: características clínicas, psicopatológicas e de comorbidade [Dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1998.
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