2 de dezembro de 2010

Complexo Pênfigo-Penfigóide

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
O Complexo Pênfigo-Penfigóide compreende um grupo de dermatoses auto-imunes que apresentam acantólise. É uma bulose, ou seja, uma dermatose que evolui clinicamente com surgimento de bolhas na pele e nas mucosas. A participação de fenômenos auto-imunes está demonstrada pela presença de anticorpos reagentes nos espaços intercelulares da epiderme. A principal diferença entre pênfigo e Penfigóide é o fato de que no Penfigóide as bolhas são sub-epiteliais e no Pênfigo são intra-epiteliais.
Palavras-chaves: Pênfigo. Penfigóide Bolhoso. Dermatologia. O Complexo Pênfigo-Penfigóide compreende um grupo de dermatoses de etiologia desconhecida, que apresentam alterações patológicas nas pontes intercelulares da epiderme, com diminuição ou perda da união entre as células (acantólise).
A participação de fenômenos auto-imunes está demonstrada pela presença de anticorpos reagentes nos espaços intercelulares da epiderme. São consideradas buloses, que são doenças auto-imunes caracterizadas clinicamente por bolhas. O Pênfigo e o Penfigóide possuem características em comum: são buloses auto-imunes. A principal diferença entre elas é que no Penfigóide, as bolhas são sub-epiteliais com deposição de imunoglobulinas e/ou complemento na região da membrana basal, separando o tecido epitelial do tecido conjuntivo, enquanto que no Pênfigo são bolhas intra-epiteliais formadas pela ruptura dos desmossomos. O grupo pênfigo apresenta quatro subtipos relacionados de etiologia auto-imune: o pênfigo vulgar, o pênfigo vegetante, o pênfigo eritematoso e o pênfigo foliáceo (chamado de "Fogo Selvagem"). O grupo das lesões penfigóide pode ser dividido em dois subgrupos: o primeiro é constituído pelo penfigóide bolhoso e pelo penfigóide (herpes) gestacional, os quais geralmente afetam somente a pele. O segundo é formado pelo penfigóide cicatricial que atinge principalmente as mucosas, tendo como sítios mais frequentes a oral e a ocular. Assim, os principais representantes do grupo das buloses auto-imunes são o Pênfigo Vulgar e o Penfigóide Bolhoso. Pênfigo Vulgar - Epidemiologia O pênfigo vulgar, apesar de sua baixa ocorrência em nosso meio, é considerado uma patologia importante, já que pode ser fatal quando não diagnosticado e tratado na fase inicial. É uma doença que acomete mais freqüentemente pacientes entre a 5a e a 6ª décadas de vida, sendo menos frequente em idosos com mais de 70 anos, crianças e adolescentes. Há discordância em relação à prevalência por sexo. - Etiologia A etiologia exata do pênfigo vulgar ainda não é totalmente definida. No entanto, afirmam ser esta uma doença de caráter autoimune. Isso pode ser evidenciado pela presença de autoanticorpos específicos para o epitélio estratificado escamoso.
Em geral, as bolhas e vesículas resultam da produção anormal de autoanticorpos contra as desmogleínas do tipo 3. Estas, por sua vez, do ponto de vista molecular, são glicoproteínas presentes nos desmossomos, estruturas responsáveis por fazerem a união entre as células.
Assim, as desmogleínas se unem aos autoanticorpos, ocorrendo, portanto, um ataque imunológico aos desmossomos. Uma vez destruídos os desmossomos, as células perdem sua adesão, caracterizando o fenômeno da acantólise, ou seja, a perda do contato entre as células. Surge, assim, uma fenda localizada no interior do epitélio, logo acima da camada basal, havendo uma separação entre esta camada e a camada espinhosa. Esta fenda é, então, preenchida por líquido ou material sanguinolento, ocorrendo, assim, a formação de uma vesícula ou bolha.
Acredita-se que o complemento tem um papel na etiologia do pênfigo, desempenhando uma função de reforço. É imprescindível para o desenvolvimento do pênfigo vulgar a presença de fatores endógenos, como é o caso dos defeitos imunológicos e de fatores exógenos, como vírus, drogas e agentes físicos. - Características Histológicas O pênfigo vulgar caracteriza-se histologicamente pela formação de uma vesícula ou bolha inteiramente intraepitelial, logo acima da camada basal, produzindo uma fenda suprabasilar bem visível. Há uma perda de coesividade entre as células ou acantólise na camada espinhosa.
Sendo assim, grupos de células podem ser encontrados flutuando neste espaço intraepitelial ou vesicular. Estas células são conhecidas como células de Tzanck, ou ainda células acantolíticas.
O líquido da maioria das vesículas, especialmente das que têm mais de um ou dois dias, contém leucócitos polimorfonucleares e linfócitos em número variável. No entanto, diferente da maioria das outras doenças bolhosas, o pênfigo vulgar possui, relativamente, pouca infiltração de células inflamatórias. Essa característica é importante para o diagnóstico da doença, mas a presença de infecções secundárias pode fazer com que aumente a quantidade de células inflamatórias no local, dificultando o diagnóstico.
Há também imunoglobulinas, predominantemente IgG, presentes nos espaços intercelulares, tanto no epitélio da lesão quanto no epitélio clinicamente normal adjacente à lesão. - Manifestações Clínicas O pênfigo vulgar afeta mucosas e pele através de vesículas e bolhas de diâmetros variáveis, podendo variar de alguns milímetros a vários centímetros. Elas podem aparecer solitárias ou em grupos. O conteúdo dessas inicialmente apresenta-se como um líquido fino, aquoso, podendo vir a se tornar posteriormente um líquido purulento ou sanguinolento.
Essas bolhas e vesículas tendem a se romper e originam, então, erosões ou úlceras de tamanhos variados, que possuem um fundo eritematoso, avermelhado, uma membrana esbranquiçada, e são circundadas por eritema difuso. Essas úlceras normalmente são bastante dolorosas e sangram com facilidade.
O pênfigo vulgar, muitas vezes, se inicia com lesões vesiculobolhosas, localizadas na cavidade bucal. Isso ocorre em mais da metade dos casos. O diagnóstico precoce nessa fase inicial da doença é de extrema importância, visto que, realizando-se o tratamento adequado, se pode prevenir a disseminação da doença para outros locais na pele, o que tornaria necessário um tratamento mais intensivo.
O prognóstico da doença é sempre melhor, se o tratamento puder ser instituído antes do aparecimento das lesões cutâneas. As lesões bucais são as últimas a cicatrizarem.
Há ainda outros sintomas que podem vir acompanhando as lesões, que são sialorreia, ou seja, salivação excessiva, dor intensa, halitose, dificuldade de falar, mastigar e deglutir, esfoliação protéica e mineral progressiva e debilidade geral.
O envolvimento ocular nesta doença é pequeno, podendo apresentar, apenas, conjuntivite bilateral, o que a difere do penfigoide cicatricial, que normalmente deixa cicatrizes oculares. A ação de irritantes locais e microorganismos pode resultar em superposição de infecções para as lesões bucais da doença, intensificando os sintomas e, muitas vezes, alterando o aspecto das lesões. - Diagnóstico O diagnóstico de pênfigo vulgar deve ser realizado, essencialmente, com base nas características clínicas apresentadas nos exames histopatológicos e imunológicos e na pesquisa do sinal de Nikolsky. Para ler sobre este sinal característico da doença, mas não patognomônico, vide outras postagens deste blog:
Deve-se observar se há a presença das manifestações clínicas típicas do pênfigo vulgar. Faz-se um exame de biópsia com a retirada de uma amostra de tecido de uma vesícula ou bolha intacta ou, quando esta já está rompida, retira-se uma amostra da sua margem, que é onde provavelmente podem ser observados melhor os aspectos específicos da doença.
Realizada a biópsia e, posteriormente, o exame histopatológico, observa-se as características histológicas típicas do pênfigo. Técnicas de anticorpos fluorescentes podem também ser usadas para se diagnosticar o pênfigo vulgar. Para isso, são utilizados os testes de imunofluorescência direta e indireta. Outro teste importante para o diagnóstico, já mencionado, é a pesquisa do Sinal de Nikolsky.
Este teste consiste em friccionar a pele ou mucosa nas proximidades das lesões, e, para o teste ser considerado positivo (Sinal de Nikolsky positivo), existem dois tipos de reação tecidual. No primeiro, existe a formação de uma bolha com líquido purpúreo hemorrágico no local onde foi feita a fricção. No segundo, as camadas epiteliais suprabasais são destacadas. Quando considerado considerado positivo, este teste não quer dizer, no entanto, que o pênfigo vulgar está obrigatoriamente presente, já que esse sinal não é patognomônico dessa doença. O pênfigo vulgar não é uma doença tão comum em nosso meio e pode ser considerada grave. Pode ser mortal acima de 90% dos casos não tratados. Antes do uso de corticosteróides, o índice de mortalidade era de 60 a 80%. No entanto, atualmente o índice de mortalidade varia de 5 a 10%, sendo que estas mortes, normalmente, ocorrem devido às complicações decorrentes do uso prolongado dos corticosteróides. Penfigóide Bolhoso - Epidemiologia O Penfigóide bolhoso não é uma doença incomum, caracterizando-se pela presença de conglomerados de vesículas e bolhas tensas, diminuindo a qualidade de vida e aumentando o risco de infecções. Basicamente, é uma doença de pessoas idosas, aproximadamente 80% dos pacientes tendo mais de 60 anos. O Penfigóide bolhoso (PB) é a mais comum das dermatoses bolhosas autoimunes, com uma incidência anual de mais de 400 novos casos. - Etiologia Assim como no pênfigo vulgar, a etiologia exata do Penfigóide bolhoso ainda não é totalmente definida. No entanto, a participação de fenômenos imunes tem sido demonstrada pela presença de autoanticorpos circulantes de classe Ig G, que reagem contra antígenos da membrana basal epidérmica. Revela-se também a participação da imunidade celular, em particular dos linfócitos T-helper, na iniciação e na perpetuação da resposta autoimune. - Características Clínicas As lesões cutâneas iniciam-se com uma erupção inespecífica generalizada, comumente nas pernas de aspecto urticariforme ou eczematoso, que pode persistir por várias semanas a vários meses, antes do aparecimento das lesões vesiculobolhosas. As vesículas e bolhas aparecem nessas lesões prodômicas da pele bem como na pele normal. Além da ocorrência nas pernas, o abdome é afetado com frequência. A pele é o principal local de envolvimento, enquanto as lesões bucais estão usualmente ausentes ou são comparativamente discretas. A manifestação bucal mais constante do Penfigóide bolhoso é uma gengivite descamativa, difusa e dolorosa. - Características Histopatológicas As vesículas e bolhas são subepdérmicas e inespecíficas. Não há evidência de acantólise das células epiteliais; o epitélio, na verdade, parece relativamente normal. As vesículas com exsudato fibrinoso de mistura com células inflamatórias ocasionais.
O exame microscópico mostra a separação entre o epitélio e o tecido conjuntivo. Observa-se uma pequena quantidade de células inflamatórias agudas e crônicas na área lesional, no entanto é característica a presença de eosinófilos no interior da bolha. Apresenta, clinicamente, semelhança com o pênfigo vulgar, líquen plano, eritema multiforme, reações por fármacos, dermatite herpetiforme.
Clinicamente, encontramos bolhas generalizadas, tensas, às vezes hemorrágicas, em pele eritematosa ou normal, com predileção pelas superfícies de flexão. Geralmente, as lesões não se agrupam, o sinal de Nikolsky é, na maioria das vezes, negativo, embora possa ser positivo. - Diagnóstico O Penfigóide bolhoso pode ser clinicamente indistinguível de outras dermatoses bolhosas, sendo fundamental o recurso a exames auxiliares. Analiticamente, a leucocitose com eosinofilia e o aumento da Ig E sérica total estão quase sempre presentes.
O citodiagnóstico de Tzanck, observação do esfregaço da base de uma lesão bolhosa, é útil para o diagnóstico presuntivo, uma vez que, se revelar a presença de células acantolíticas, o quadro clínico é sugestivo de pênfigo e não de penfigóide.
O diagnóstico histopatológico baseia-se na presença de bolhas subepidérmicas contendo eosinófilos e de infiltrado inflamatório dérmico, rico em eosinófilos e linfócitos. As técnicas de imunofluorescência são fundamentais para o diagnóstico diferencial com outras dermatoses bolhosas autoimunes.
A imunofluorescência direta, exame de maior valor diagnóstico, revela depósitos lineares de Ig G e C3 na membrana basal epidérmica. A indireta documenta antigênios séricos circulantes, antimembrana basal e antidesmossomas. O índice de mortalidade não é elevado, e podendo ocorrer remissões espontâneas. O prognóstico do penfigóide bolhoso é bom, apesar de ser incurável e se caracteriza por um curso clínico prolongado com exacerbações e remissões imprevisíveis.
As recorrências, de menor intensidade que o episódio inicial, são frequentes. A maioria dos casos regridem completamente em menos de um ano, em média, com a duração de cinco meses. Extingue-se com ou sem tratamento, ficando as sequelas nas mucosas. Raramente, o Penfigóide bolhoso tem evolução fatal.
Referências ARAÚJO, D. B.; SIMÕES, C. C.; ARAÚJO, R. P. Manifestações bucais do pênfigo. R. Ci. méd. biol., Salvador, 5 (2): 181-187, 2006. Online. Disponível em: www.cienciasmedicasbiologicas. ufba.br/artigo5. Acesso em: 02 dez. 2010. CARMO, K.T.; MAFFEZOLI, L. F.; MANIGLIA, J. V. Sinéquia Nasal e Estenose de Laringe na Cicatrização Penfigóide. Arquivos Internacionais de ORL. 2 (2), 1998. Online. Disponível em: http://www.arquivosdeorl.org.br/conteudo/ acervo_port_print.asp?id=50 . Acesso em 02 dez. 2010. FARIAS, A. B. L. et al. Pênfigo: revisão da literatura e relato de um caso. R. Bras. Patol. Oral, Natal, 3 (3): 145-150, 2004. FERREIRA, F. A, et al. Manifestações bucais dos pênfigos vulgar e bolhoso. Odontologia. Clín. -Científic., Recife, 8 (4) 293-298, out./ dez., 2009. MIZIARA et al. Acometimento oral no pênfigo vulgar. Rev Bras Otorrinolaringol. vol.69, n.3, 327-31, mai./jun. 2003. Fonte da Imagem: http://www.pediatrix.com