Por Débora Alencar de Menezes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
Febre de Origem Indeterminada (FOI) é classicamente definida como a ocorrência de temperatura axilar maior que 38,3ºC, com pelo mínimo três semanas de evolução e diagnóstico incerto após uma semana de investigação hospitalar. Classifica-se em clássica, nosocomial, no neutropênico e no paciente infectado pelo HIV. Diagnósticos errôneos são frequentes diante de um paciente portador de FOI.
Palavras-chaves: Febre. Febre de Causa Desconhecida. Sinais e Sintomas.
A definição de Febre de Origem Obscura (FOO), ou febre de origem indeterminada (FOI), foi classicamente estabelecida por Petersdorf e Beeson, em 1961, como a febre caracterizada pela presença de temperatura axilar maior do que 38,3ºC (ou 101ºF), em várias ocasiões, pelo tempo mínimo de três semanas e com diagnóstico incerto após uma semana de investigação hospitalar. (PETERSDOR e BEENSON, 1996 apud KNOCKAERT, 2003).
Em 1991, Durak e Street, propuserem realizar uma distinção da FOI clássica da apresentada por pacientes hospitalizados, neutropênicos e portadores de vírus da imunodeficiência humana (HIV), a fim de direcionar o raciocínio clinico para causas de febre que são típicas de cada grupo.
Classificação: Definições de febre de origem indeterminada em diversos grupos
(1) FOI clássica: febre ≥ 37,8ºC em várias ocasiões com duração ≥ três semanas e ausência de diagnóstico após três dias de investigação hospitalar ou três consultas ambulatoriais.
(2) FOI nosocomial: pacientes internados com febre ≥ 37,8ºC em várias ocasiões na ausência de infecção ou doença incubada à admissão ausência de diagnóstico após três dias apesar de investigação adequada (incluindo pelo menos 48h de cultura microbiológica).
(3) FOI no paciente neutropênico: pacientes com contagem de neutrófilos inferior a 500mm³, febre ≥ 37,8ºC em várias ocasiões e ausência de diagnóstico após três dias apesar de investigação adequada (incluindo pelo menos 48h de cultura microbiológica).
(4) FOI associada à infecção pelo HIV: confirmada febre ≥ 37,8ºC em várias ocasiões duração ≥ quatro semanas (regime ambulatorial), ou ≥ três dias em pacientes internados ausência de diagnóstico após três dias apesar de investigação adequada (incluindo pelo menos 48h de cultura microbiológica).
A principal causa de febre de origem obscura são as infecções, seguidas pelas doenças neoplásicas e inflamatórias (LAMBERTUCCI, 2005; MOAWAD, 2010).
Dentre as doenças infecciosas, destacam-se abcessos, apendicite, colangite, tuberculose, meningococcemias, gonococcemias, endocardite, malária, toxoplasmose, salmonelose, leishmaniose e esquistossomose.
Em relação às neoplasias, a FOI está associado com as doenças malignas mais comuns, a exemplo da leucemia, dos linfomas e da doença de Hodgkin.
Dentre as etiologias inflamatórias, as colagenoses se destacam a exemplo do lupus eritematoso sistêmico, crioglobulinemias, arterite de células gigantes, granulomatose de Wegener e espondilite anquilosante.
Outras patologias elencadas como fatores causais da FOI são: febre causada por drogas, doença de Crohn, hipertireoidismo, tireoidite subaguda, colite ulcerativa e anemia hemolítica (ARNOW; FLAHERTY, 1997).
Na adequada abordagem do paciente com FOI é importante existir um bom relacionamento do médico com o paciente e com sua família, uma vez que, o quadro mantido de febre, mesmo com o uso de antitérmicos, produz grande ansiedade.
Lambertucci (2005) elencou alguns preceitos a serem seguidos na avaliação dos pacientes com febre de origem obscura:
- Certifique-se de que o paciente tem febre;
- O exame clínico deve ser sistematizado, minucioso e repetido;
-Exclua doenças potencialmente graves e tratáveis (tais como tuberculose, endocardite, colecistite, salmonelose e abcesso subfrênico);
- Exclua febre provocada por medicamentos ;
- Exclua imunodepressão subjacente;
-Procure trabalhar com exames complementares de qualidade;
- Pense sempre em associação de doenças Defina critérios para a indicação de terapêutica de prova e laparotomia exploradora;
- Esteja presente quando outros colegas forem chamados a opinar;
- Mantenha boa relação médico-paciente;
- Há um tempo para agir e um tempo para esperar .
A anamnese e o exame físico são imprescindíveis para o diagnóstico, devendo ser completos e repetidos periodicamente a fim de evitar diagnostico errôneo de febre de origem obscura.
É importante investigar hábitos de vida, rotina profissional, história familiar, uso de medicamentos ou tratamentos pregressos, patologias e intervenções cirúrgicas anteriores, assim como os aspectos psíquicos do paciente.
O exame físico deve incluir a curva térmica, o exame de fundo de olho, boca, orofaringe, dentes, região retal e anal. Os exames complementares são importantes para esclarecimento etiológico da FOI.
O rastreamento inicial envolve os seguintes exames listados, segundo Lambertucci (2005):
Hematologia e bioquímica sanguínea (hemograma e hematoscopia, velocidade de eritrossedimentação, pesquisa de hematozoários em gota espessa, transaminases, fosfatase alcalina (muito útil), bilirrubinas, eletroforese de proteínas, uréia e creatinina hormônios tireóideos: TSH e T4 livre), desidrogenase láctica), culturas (aeróbios, anaeróbios e BAAR), hemoculturas; culturas de urina e fezes; culturas de secreções corporais (escarro, lavado gástrico, derrame pleural, ascite, líquor, medula óssea); urina e fezes urina de rotina (elementos anormais e sedimentoscopia), exame parasitológico das fezes, pesquisa de sangue oculto nas fezes Sorologia antiestreptolisina O (ASLO) (febre reumática), fator antinúcleo (FAN), fator reumatóide, VDRL, FTA-abs (sífilis), imunofluorescência e ELISA para Trypanosoma cruzi, pesquisa de anti-VEB (mononucleose infecciosa), anticorpos antitoxoplasma (IgM e IgG), reações de aglutinação anti-Brucella e anti-Salmonella typhi, sorologia para calazar, anticorpos anti-citomegalovírus, anti-HIV (SIDA/AIDS), anti-VHB (anti-HBsAg, IgG e IgM anti-HBC), proteína C-reativa (PCR) quantitativa.
É bastante importante também realizar o teste cutâneo com derivado protéico purificado (PPD) para triagem de tuberculose, uma vez que ela é apontada como a principal causa infecciosa de febre de origem obscura. (LOPES, 2006; MOAWAD, 2010).
Outros procedimentos indicados são raios-X de tórax, considerando a possibilidade de realizar uma broncoscopia com lavado broncoalveolvar em caso de algum sinal ou sintoma pulmonar. Tomografia Computadorizada do tórax e abdome com contraste auxiliaria no diagnóstico de abscessos e neoplasias enquanto que um ecocardiograma seria útil para diagnosticar FOI desencadeada por endocardite, pericardite e mixoma atrial (HARRISON, 2008).
Procedimentos como cintigrafia com radionuclídeos podem identificar processos inflamatórios como sarcoidose, tireoidite e arterite de células gigantes (ARNOW; FLAHERTY, 1997).
A biópsia de linfonodos pode ser útil uma vez que eles são geralmente acometidos em doenças infecciosas e neoplásicas. Já as biópsias de fígado e da medula óssea são indicadas caso os exames realizados anteriormente mostrem-se inconclusivos e a febre permaneça.
Da mesma maneira, a laparotomia exploradora e a laparoscopia são indicadas apenas quando os demais métodos são ineficazes no diagnóstico etiológico da febre de origem obscura.
O tratamento do quadro depende do fator etiológico associado. Variáveis como idade, comorbidades e estado físico do paciente interferem na evolução e no prognóstico da febre de origem indeterminada.
Mesmo quando a causa da FOI não é identificada, o prognóstico é geralmente satisfatório e o tratamento é feito com antiinflamatórios não esteroidais, e até mesmo glicocorticóides em alguns casos.
Ainda mais importante que a terapêutica empírica é a instituição de uma assistência humanizada por parte do médico, uma vez que, a febre é considerada um sintoma bastante incômodo para os pacientes, causando-lhe transtornos físicos e psicológicos quando permanece por tempos prolongados. Atributo essencial para um atendimento adequado envolve paciência, compaixão, equidade e flexibilidade intelectual.
Referências
ARNOW, P.M.; FLAHERTY, J.P.; Fever of unknown origin. Lancet 350: 575–80, 1997.
FAUCI et al. Harrison: Medicina Interna 17ª Ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2008, v. 1, cap. 19
KNOCKAERT D. C.; VANDERSCHUEREN S.; BLOCKMANS D. Fever of unknown origin in adults: 40 years. Journal of Internal Medicine 253: 263–275, 2003.
LOPES, A. C. Tratado de Clínica Médica, 1ªed, São Paulo: Roca, 2006.
LAMBERTUCCI J.R.; ÁVILA R. E.; VOIETA, I. Febre de origem indeterminada em adultos Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 38 (6):507-513, 2005
MOAWAD, R. Fever of unknown origin: 98 cases. Saudi Arabia Annals Of Saudi Medicine, 30 (4): 289-294, 2010.
Imagem: Netter Images/Elsevier