18 de dezembro de 2010

Semiologia das Unhas


Bruno Melo Fernandes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Rilva Lopes de Sousa-Muñoz
Professora de Semiologia Médica da UFPB

Resumo
As unhas frequentemente apresentam sinais ou sintomas de doenças sistêmicas e muitas vezes fornecem pistas para doenças que ainda nem foram diagnosticadas em outras partes do corpo, embora seu exame seja frequentemente neglicenciado. O conhecimento do padrão normal das unhas e de suas principais alterações constitui ferramenta semiológica de extrema importância, sendo o exame das unhas parte fundamental da ectoscopia na avaliação clínica de um paciente. Na presente revisão, são mencionadas as principais anormalidades das unhas e sua correlação clínico-patológica.

Palavras-chave: Unhas. Exame Físico. Dermatoses da Mão.

As unhas são formações queratinizadas endurecidas que recobrem a última falange dos dedos das mãos e dos pés. São fixadas sobre uma superfície cutânea denominada leito ungueal. Estas lâminas de citoqueratina originam-se na matriz ungueal, que é a porção posterior da unha, recoberta por uma dobra de pele e cutícula. Além da matriz, são os seguintes os componentes das unhas: lúnula, eponíquio, lâmina ungueal, leito ungueal e hiponíquio. 

A espessura normal das unhas varia entre 0,5 a 0,75 mm, com crescimento de cerca de 0,5 a 1,2 mm por semana. As unhas dos quirodáctilos crescem muito mais rapidamente que as unhas dos pododáctilos: a unha do polegar cresce cerca de 0,095 mm por dia, enquanto a unha do hálux cresce cerca de 0,006 mm por dia. Tanto a espessura quanto o crescimento da unha podem ser alterados por processos patológicos locais e sistêmicos.
As unhas são os anexos da pele que melhor refletem processos patológicos. Por isso, o exame ungueal é parte obrigatória e essencial do exame físico geral e da pele do paciente, embora seu exame seja negligenciado. 

Em relação à semiologia das unhas, os principais aspectos analisados são a forma ou configuração da unha, a forma de implantação, a espessura, a superfície, a consistência, o brilho e a coloração.
Como seria uma unha normal? A unha normal apresenta uma implantação que forma um ângulo menor que 160º, o que configura uma curvatura nítida visualizada lateralmente. A unha normal tem superfície lisa e é brilhante, tem cor róseo-avermelhada, e espessura e consistência firmes. As unhas dos pés possuem constituição mais variada, e ocasionalmente fogem da descrição acima.
Devem-se examinar todas as unhas das mãos e pés e, também, as partes ao redor das unhas. As alterações ungueais causada por doenças sistêmicas ou por outras injúrias sistêmicas, como as reações medicamentosas, podem ocorrer devido às anormalidades da matriz ou vasculares. Entretanto, outras alterações podem ser observadas ao redor do aparelho ungueal, nas estruturas como cutículas, dobra ungueal proximal, leito ungueal, dobra ungueal lateral e hiponíquio.
É importante sempre examinar todos os dez dedos das mãos e todas as dez unhas. Geralmente as unhas das mãos fornecem informações mais sutis do que as unhas dos pés, porque o trauma comumente muda ou esconde determinadas manifestações clínicas nas unhas dos pés e porque estas crescem mais lentamente.
Deve-se pressionar o dedo para ver se a anomalia pigmentar é totalmente alterada. Este teste pode ajudar a distinguir a descoloração do leito vascular da unha da descoloração da lâmina ungueal.
A iluminação da unha pode ser feita com uma pequena lanterna colocada contra a polpa do dedo e com esta luz incidindo sobre a unha. Se a descoloração no tecido da matriz, a sua posição exata pode ser mais facilmente identificada. Se com a iluminação, a coloração desaparece, é mais provável que a alteração seja no leito vascular.
As mudanças associadas com doença sistêmica (e não por trauma local) ocorrem frequentemente na matriz. Para estimar o tempo em que ocorreu o insulto inicial, pode-se medir a distância entre a cutícula e a parte em que há a anormalidade.
Quanto à coloração, a unha apresenta as mesmas variações da pele, podendo ser cianóticas ou pálidas. Comumente, encontram-se pacientes, em geral homens acima de 40 anos que trabalham na zona rural, que apresentam alterações na espessura das unhas, que se apresentam rugosas e com forma irregular. São unhas distróficas, vistas, em geral, em pessoas que trabalham descalças, ou sujeitas a repetidos traumatismos ungueais. As unhas distróficas também podem ser encontradas em pacientes portadores de isquemia crônica dos membros inferiores, como portadores de insuficiência cardíaca congestiva e doença arterial obstrutiva periférica.
A forma das unhas pode se alterar em estados de desnutrição e hipovitaminoses, em processos infecciosos como as onicomicoses, em doenças inflamatórias da pele, e em pessoas que lidam com sustâncias cáusticas, como pedreiros e lavadeiras.
As alterações semióticas mais comumente encontradas nas unhas são decorrentes de onicomicoses, que são infecções fúngicas, responsáveis por 15 a 40% das doenças ungueais. Sua prevalência está em crescimento, por fatores como o aumento da incidência de imunodeficiências e do envelhecimento da população e do uso de calçados impermeáveis de poliamida.
As unhas também podem refletir um transtorno psiquiátrico. A onicofagia, ou ato compulsivo de roer as unhas, é comumente associada a quadros ansiosos e maníacos.
Tendo em vista o exposto, as unhas apresentam uma variedade de conformações em consonância com diversas entidades patológicas. É interessante notar que mesmo doenças sistêmicas ou localmente distantes podem refletir em alterações nas características ungueais.
O conhecimento dos padrões de uma unha normal e suas possíveis alterações é de extrema importância para a realização de um bom exame físico e, assim, de uma boa avaliação clínica.
O estudo da unhas é também uma fonte de informações em medicina legal e, mais especialmente, criminal. A análise toxicológica das unhas em Medicina Legal também pode revelar os sinais nas unhas produzidos pelo envenenamento por arsênico: faixas brancas transversais em todas as unhas (linhas de Mees).
Várias alterações das unhas recebem denominações específicas, apresentadas a seguir:
- Hemorragia em estilhaço (splinter): linhas filiformes, longitudinais, de coloração avermelhada escura, na região distal da lâmina ungueal (endocardite bacteriana subaguda, estenose mitral, glomerulonefrite, vasculite, traumas locais);
- Hiperqueratose subungueal: espessamento da unha (onicomicoses, unha em telha - unha elevada, em geral encontrada no hálux, por alteração da falange subjacente), dermatoses congênitas;
- Leuconíquia: unhas brancas consequentes a traumatismos ou doença sistêmica - a leuconíquia pode ser parcial ou total, estriada ou puntata (puntiforme), pela presença de pontos ou estrias brancas, como resultado de dano mínimo ou manipulação da cutícula;
- Linhas de Mees: faixa branca, geralmente única e que não desaparece à digitopressão (malária, intoxicação por arsênico);
- Linhas de Muehrcke: unhas com faixas brancas paralelas transversais - leuconíquia transversal (hipoalbuminemia, pelagra, doença de Hodgkin, insuficiência renal, anemia falciforme);
- Onicofagia: unhas submetidas ao ato compulsivo de roedura pelo paciente;
- Onicogrifose: unha em formato de garra - alongamento e espessamento com acentuada curvatura;
- Onicólise: separação da lâmina ungueal do leito na sua parte distal - a placa ungueal fica descolada e este descolamento começa na borda distal e progride para a proximal (onicomicoses, causas traumáticas [uso de sapatos apertados, traumas locais, manipulação excessiva por manicures], psoríase ungueal, drogas (fotonicólise por tetraciclina), doenças sistêmicas [vasculopatias periféricas, tireoidopatia]);
- Onicorrexe: fragilidade anormal das unhas que se fissuram longitudinalmente - nas formas avançadas, a unha apresenta-se rugosa, estriada e com a extremidade livre amolecida e quebradiça - também faz parte da "síndrome das unhas frágeis" - deficiências nutricionais (ferro), desidratação da unha, agressão local da unha por produtos cáusticos e imersão frequente em água;
- Onicosquizia: distrofia lamelar - a borda livre da unha apresenta-se fragmentada em duas ou três lâminas superpostas - mais comum em mulheres (associa-se ao hábito de molhar frequente as mãos, exposição a detergentes e solventes orgânicos); 

- Hematoma subungueal: ocorre por trauma na lâmina ungueal com sangramento imediato e dor, podendo haver separação e perda da lâmina ungueal, e o hematoma permanece até que a unha cresça completamente; 
- Pitting: pequenas depressões (puntiformes) nas unhas por focos de paraceratose na matriz ungueal, e; são observadas na psoríase.
- Paroníquia: eritema e edema periungueais, ocasionalmente acompanhados por onicodistrofia - há inflamação aguda ou crônica dos tecidos moles periungueais, assim além de eritema e edema, pode haver dor e saída de secreção purulenta à expressão (traumas locais, unhas das mãos de donas de casa devido à exposição contínua a água e produtos de limpeza - a contaminação fúngica pode acontecer, mas é geralmente secundária;
- Linhas de Beau: sulcos transversais que aparecem na base da lúnula em todas as unhas, resultantes da interrupção temporária da formação da matriz ungueal - uma vez cessada a doença de base, a unha volta a crescer e a posição do sulco vai se tornando cada vez mais distal ao leito ungueal (doença febril pregressa grave, infarto do miocárdio, farmacodermias, psoríase, doença de Raynaud, trauma local, exposição a frio intenso);
- Unhas amarelas: podem fazer parte da Síndrome da Unha Amarela (entidade rara: unhas amarelas, linfedema e derrame pleural);
- Síndrome da unha azul: a lúnula adquire coloração azulada (argiria, Doença de Wilson);
- Unhas metade-metade ou Unhas de Lindsay: a metade proximal da unha é normal ou esbranquiçada, enquanto a porção distal (20-60% do comprimento da unha) pode ser roxa, vermelha, rosa ou marrom (indicam doença renal crônica - encontradas em até um terço dos pacientes com doença renal crônica submetidos a hemodiálise);
- Unhas de Terry: alteração parecida com a anterior, exceto por ser a parte distal rosada bem estreita; podem ser observadas em pacientes com cirrose hepática e insuficiência cardíaca congestiva;

Unhas napolitanas: três faixas similares às cores do sorvete napolitano, isto é, uma porção proximal com branco, um rosa central normal e uma borda livre distal opaca - vista em até 20% das pessoas acima de 70 anos;
- Estrias longitudinais: alteração no crescimento da unha; um único sulco longitudinal pode estar relacionado com a pressão que exercem tumores na dobradura ungueal, cistos mixoides; se forem múltiplos podem ser fisiológicas, onicorrexe ou unha senil, insuficiência vascular, líquen plano, artrites reumatoide;
- Distrofia mediana canaliforme: estria longitudinal e recorrente da unha, geralmente nos polegares; a unha pode ficar dividida na parte mediana - traumatismos auto-infligidos, traumas, tumores
- Unhas em “vidro de relógio” (unhas hipocráticas): unha com a convexidade exagerada, configurando um aspecto em “vidro de relógio” - a unha fica convexa em todos os seus sentidos, e ainda apresenta um ângulo de implantação maior que 160º (em geral, 180º) - apesar de ser caracteristicamente patológica, essa anormalidade pode ser encontrada em algumas pessoas de raça negra sem nenhuma enfermidade, porém em condições patológicas podem indicar doenças crônicas, especialmente pulmonares e cardíacas, que cursam com hipóxia crônica de extremidades, como cardiopatias congênitas cianóticas, insuficiência cardíaca congestiva de longa data, enfisema pulmonar, fibrose cística, bronquiectasia, abscesso pulmonar, câncer de pulmão, entre outras - nesse quadro hipóxico/isquêmico, a “unha-em-vidro-de-relógio” faz parte do denominado hipocratismo digital; 
- Unha vermelha: lúnula vermelha, associada a alopecia areata, doença vascular do colágeno, uso de prednisona oral na artrite reumatoide, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica, cirrose hepática, urticária crônica, psoríase, intoxicação por monóxido de carbono;
- Coiloníquia: unhas em forma de colher, com depressão central e elevação lateral da lâmina ungueal (anemia ferropriva, policitemia, hemocromatose, sífilis, hipotireoidismo) - [figura no topo desta postagem];
- Cromoníquia: unhas de coloração anormal - branco-esverdeada (infecção por pseudomonas), castanho-avermelhado (trauma local por calçados) ou várias outras cores (infecção por fungos, exposição a agentes externos - medicamentos, corantes);
- Melanoníquia: coloração acastanhada de origem adquirida da unha (onicomicoses, traumas locais, deficiência de vitamina B12, etiologia racial, lesões névicas da matriz ungueal);
- Síndrome das unhas frágeis: anomalia heterogênea caracterizada por aumento da fragilidade da placa ungueal - unhas quebradiças; presença de onicosquizia e onicorrexe - afeta quase 20% da população geral, ocorrendo mais em mulheres;

- Onicocriptose: chamada vulgarmente de  "unha encravada" ou encarcerada; é uma condição comum que ocorre geralmente por fator mecânico, representado por sapatos apertados, manipulação excessiva por pedicures ou hiper-curvatura excessiva da unha, afetando geralmente o hálux; a unha penetra a prega ungueal lateral e cresce para dentro da derme, causando dor intensa e edema, além de várias morbidades associadas. Apesar de alguns fatores subjacentes terem sido identificados (agentes mecânicos como calçados inadequados, traumatismos, corte incorreto e fatores hereditários), sua etiologia precisa permanece desconhecida;
- Onicocauxe: hipertrofia da placa ungueal, geralmente se manifesta por perda de translucidez placa ungueal, descoloração, e, muitas vezes hiperqueratose subungueal. Unha espessada, endurecida e de coloração acinzentada. Idade avançada e problemas biomecânicos (calçados inadequados, dedos sobrepostos) podem contribuir para esta alteração. Pode se associar a traumatismos, doença circulatória periférica, psoríase, hanseníase, onicomicoses.
- Onicoclavus: processo hiperceratótico da unha comumente observado em idosos. Geralmente localizado sob as margens ungueais distais (mais comumente  na unha do hálux), apresenta-se como uma área escura que pode ser  facilmente confundida com lesões melanocíticas subungueais benignas ou malignas. As causas incluem trauma crônico persistente e localizado e pressão secundária a anomalias ósseas.
Onicomadese: descolamento proximal da placa ungueal partindo da matriz, que resulta em perda da unha; geralmente ocorre por agressão aos componentes matriciais  e culmina com o descolamento completo da placa ungueal (traumatismos, desnutrição, doenças crônicas);
- Onicofose: hiperqueratose difusa ou localizada nas pregas laterais ou proximal da unha, no espaço entre as pregas da unha e a placa ungueal - resultado de pequenos traumas repetidos, sendo o primeiro e o quinto dedos dos pés os mais comumente afetados;
Pterígio ungueal: adesão da parte proximal do leito ungueal à face ventral da lâmina da unha - há uma forma congênita e outra adquirida (associado às doenças do tecido conjuntivo, especialmente a esclerodermia sistêmica progressiva);
- Unha em "bico de papagaio": hiper-curvatura na margem distal da unha, costuma respeitar o leito ungueal - associa-se a psoríase, esclerose sistêmica e traumatismos;
- Unha em "mancha de óleo": mancha amarelada no leito ungueal - associa-se à psoríase;
- Traquioníquia: unhas com aumento da espessura, estriações longitudinais, rugosidade, aspereza e opacidade - pode ser idiopática (desde a infância, também descrita como distrofia das vinte unhas), estar associada a algumas dermatoses ou ainda ser secundária à exposição a agentes químicos;
- Unha "em pinça": hiper-curvatura da unha no eixo transversal, provocando o pinçamento do leito ungueal em sua porção distal - a curvatura da unha aumenta da porção proximal para a distal, o que pode gerar a aparência de trompete - pode ser hereditária (simétrica) ou adquirida (assimétrica, secundária a defeito ortopédico ou dermatose crônica)
- Unha "em telha": também há hiper-curvatura transversa da unha, porém com as margens laterais permanecendo paralelas, sem pinçamento como na unha "em pinça";
- Unha "em garra": As unhas crescem em forma de garra em virtude de perda do suporte ósseo, uso de salto alto e de sapatos apertados - pode estar associada a calosidade local; 
-Paquioníquia: condição hereditária, difeente da hiperceratose subungueal, e caracterizada por espessamento anormal de todas as unhas das mãos e dos pés; 
- Hepaloníquia: presença de duas ou mais unhas em um mesmo dedo;
- Platoníquia: unha plana e achatada, sem a convexidade normal - anemia, acromegalia;
- Braquioníquia: unha curta e larga; a unha em raquete do polegar é uma forma de braquioníquia;
- Elconyxis: grande erosão do dorso da placa ungueal em sua porção proximal e que se move distalmente com o crescimento da unha; 
Ocorre mais comumente com uso de etretinato, trauma, psoríase 
- Anoníquia: Atrofia da matriz ungueal que evolui para ausência da lâmina ungueal.

Imagens com anormalidades das unhas podem ser vistas neste mesmo blog, acessando-se o seguinte link: 
http://semiologiamedica.blogspot.com.br/2013/07/anormalidades-das-unhas.html

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