27 de fevereiro de 2011

Moacyr Scliar, Médico-Escritor

"A morte de Ivan Ilitch, do Tolstoi, é uma verdadeira lição de vida, e a prova de que alguns livros de ficção podem ensinar mais do que qualquer manual de medicina." "A gente nunca pode desistir de encontrar sentido no aparente absurdo da nossa existência."
(Moacyr Scliar)
Moacyr Scliar, médico sanitarista, escritor prolífico e membro da Academia Brasileira de Letras, morreu hoje. Foi um dos escritores mais representativos da literatura brasileira contemporânea. Os temas dominantes de sua obra são a realidade social da classe média urbana no Brasil, a medicina e o judaísmo. Ainda na Faculdade de Medicina, começou a escrever histórias sobre suas vivências como estudante, depois reunidas em um livro, "Histórias de médico em formação." Mas o tema da medicina é recorrente em sua obra: "A Paixão Transformada: História da Medicina na Literatura", "Doutor Miragem", "Sonhos Tropicais", baseado na vida de Oswaldo Cruz, "A Majestade do Xingu", inspirado no sanitarista Noel Nutels, além de vários ensaios que escreveu sobre o tema. Segundo Scliar (2010), para a medicina, responder à pergunta do paciente, “o que vai me acontecer agora?” é sempre um desafio. "Um desafio que exige o desenvolvimento de habilidades especiais, tanto do ponto de vista científico como do ético e psicológico. E é um desafio que surge cedo na história da medicina. Podemos dizer que a arte do prognóstico antecipou mesmo a do diagnóstico" (SCLIAR, 2010, p. 14). Em uma das muitas entrevistas que concedeu, disse que gostaria de ser lembrado no futuro como alguém que amou as pessoas, amou seu país e sua cultura, amou a literatura, amou a medicina (http://livrosrevisados.forumeiros.com/t116-entrevista-moacyr-scliar).

Ele dizia que acreditava em inspiração como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas, como o sonho, por exemplo. Mas, para ele, só inspiração não era suficiente. Afirmou: "Não preciso de silêncio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais. Preciso só de um teclado."
Sobre o início de sua obra literária, disse:

[...] Tenho o livro número um e o número zero. O livro número zero resultou das minhas histórias como estudante de Medicina. Com essa vivência ia escrevendo e publicando meus contos no jornal da faculdade, que se chamava Bisturi. Alguns colegas achavam estranho esse negócio de escrever historinha e outros gostavam muito. E esses que gostavam me disseram para publicar um livro. Próximo à época da formatura... isso é interessante, porque faz exatamente 40 anos, e o livro saiu nesta época, outubro, novembro... Procurei um amigo que tinha uma pequena editora. Ele não levava fé nenhuma, e com toda a razão, mas como era amigo não podia dizer que não. Fizemos 500 livros. O título era “Histórias de um Médico em Formação”. Foi um sucesso, porque meus pais obrigavam todo mundo a comprar. Minha mãe ia de porta em porta dizendo: “Olha, saiu o livro do meu filho”. Houve alguns comentários, é claro, aí comecei a reler o livro e me dar conta de que tinha algumas coisas que estavam mal redigidas, algumas histórias mal construídas, mal terminadas. Era um livro de amador. Olha, entrei em depressão e comecei a achar que tinha me enganado, que só eu achei que era escritor. E decidi trabalhar só com Medicina. Nos seis anos seguintes continuei a escrever, é claro, mas daí eu aprendi. Escrevia, guardava, depois relia e seis anos depois tinha uma coleção de histórias e, tinha certeza, era o melhor que eu poderia fazer. [...] Trecho de Entrevista concedida por Moacyr Scliar - Disponível em: http://www.revistapress.com.br.

Em sua tese, defendida em 1999, "Da bíblia à psicanálise: saúde, doença e medicina na cultura judaica", analisa as ideias sobre saúde, doença e prática médica na cultura judaica. Mostrou que, como em outras culturas, essas idéias sao moduladas pelo contexto histórico, social, econômico e cultural. Quatro fases ou períodos sao identificados nesta trajetória, que abrange um período de três milênios: fase teológica ou bíblica; fase teológico-filosófica, ou talmúdica; fase médico-filosófica; fase moderna. Estas fases correspondem, aproximadamente, a três modelos de pensamento médico que se sucederam na cultura ocidental: mágico-religioso, empírico e científico. Em cada fase ou período há um figura polarizadora do pensamento sobre saúde e doença e da prática médica: o sacerdote, rabino, o filósofo, o médico com formaçao científica, codificada (SCLIAR, 1999). Para Guimarães (2005), a intensidade da ironia scliariana é característica de uma espécie de parábola contemporânea, que combina a fantasia com a tragicômica realidade. "Scliar cria narrativas aparentemente simples, semelhantes às do imaginário infantil que, na verdade, devem ser entendidas como metáforas, no universo adulto" (GUIMARÃES, 2005, p. 13). Scliar deixa legado fundamental e diverso, com uma grandiosa obra literária, sem deixar de lado sua carreira médica. Moacyr Scliar também tinha profundo conhecimento da história da medicina.

Referências GUIMARÃES, L. C. A ironia na recriação paródica em novelas de Moacyr Scliar. [Tese] São Paulo: Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2005. Disponível em: http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bas/33004048019P1/2005/guimaraes_lc_dr_assis.pdf. Acesso em: 27 fev. 2011. SCLIAR, M. A difícil arte do prognóstico. CREMESP: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. 50: 14, 2010. http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=459 SCLIAR, M. J. Da bíblia à psicanálise: saúde, doença e medicina na cultura judaica. [Tese]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1999.Disponível em:portalteses.icict.fiocruz.br/pdf/FIOCRUZ/1999/scliarmjd/capa.pdf. Acesso em: 27 fev. 2011.

26 de fevereiro de 2011

Síndrome Neuroléptica Maligna

Por Rosa-Maria Silva Soares Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

A síndrome neuroléptica maligna é um evento adverso grave relacionado ao uso de neurolépticos, antidepressivos e outras drogas antipsicóticas, provavelmente relacionada ao bloqueio dos receptores dopaminérgicos nos gânglios da base. Caracteriza-se, principalmente, por hipertermia, alteração do nível de consciência, hipertonia, disfunção autonômica e insuficiência respiratória. Os principais agentes implicados na gênese desta síndrome são o haloperidol e a clorpromazina.

Palavras-chave: Reações Adversas a Medicamentos. Síndrome Maligna Neuroléptica. Agentes Antipsicóticos. A síndrome neuroléptica maligna (SNM), também conhecida como síndrome da deficiência aguda de dopamina, é um evento adverso grave relacionado ao uso neurolépticos, antidepressivos e outras drogas antipsicóticas, provavelmente relacionado ao bloqueio excessivo dos receptores dopaminérgicos nos gânglios da base. Alguns estudos sugerem que fatores genéticos, como defeitos no gene do receptor da dopamina D2, possam estar envolvidos (LISTE et al., 2008). A SNM acomete 0,5 a 1% dos pacientes expostos ao uso de neurolépticos, e o pico de incidência ocorre aos 40 anos, predominando no sexo masculino, na proporção de 2:15. Oitenta por cento dos casos ocorrem no início tratamento (HANEL et al., 1998; KHALDI et al., 2008). Entretanto, alguns casos podem surgir mesmo após longo tempo de uso de um agente neuroléptico. Os principais agentes implicados na gênese desta síndrome são o haloperidol e a clorpromazina. Porém, diversas outras drogas têm sido citadas como causadoras da SNM, entre elas flufenazina, lítio, tioridazina, clozapina, metoclopramida, tetrabenazina, ecstasy e carbamazepina (HANEL et al., 1998). Condições clínicas associadas, como doença de Parkinson em pacientes sem exposição prévia a neurolépticos e infarto agudo do miocárdio, também são descritas. A SNM caracteriza-se por hiperpirexia, alteração do nível de consciência, hipertonia, disfunção autonômica e insuficiência respiratória, podendo ainda ser encontrados rabdomiólise e leucocitose. Porém, o quadro clínico mais típico é de alteração do estado mental e rigidez muscular, precedendo ou acompanhado de febre. A fisiopatologia da SNM não é claramente compreendida. Tem sido sugerido que o potencial para induzir este quadro pelos neurolépticos é paralela à potência do bloqueio da dopamina no trato nigroestriatal, mesocortical e núcleos do hipotálamo. No entanto, é intrigante que a síndrome possa aparecer com o uso de antipsicóticos atípicos, especialmente a clozapina, que é caracterizado principalmente pela sua baixa afinidade para receptores dopaminérgicos D1 e D2 (KHALDI et al., 2008). Os principais fatores de risco associados são episódio anterior de SNM, início de tratamento, rápido aumento das doses, associação com lítio, presença de síndrome mental orgânica (demência, alcoolismo), indivíduos desnutridos e desidratados, exaustão física, esquemas de polifarmácia, neuroléptico de alta potência (mesmo em doses baixas), neuroléptico de ação prolongada, entre outros (GUERRA, 2002). Múltiplos mecanismos, incluindo a resposta de fase aguda, a hipertermia induzida por estresse, o efeito de drogas, etc, envolvendo interações composição, são necessários a fim de precipitar a hipertermia (GILLMAN, 2010). A SNM é um quadro raro, mas potencialmente fatal. Foi descrita em 1960 por Delay et al., apud KHALDI et al., 2008] como a "síndrome hypertonique akinétique" (síndrome acinético hipertônica) com seus sintomas cardinais: hipertermia, sintomas extrapiramidais, alteração do estado mental e disfunção autonômica. O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos e laboratoriais, além da exclusão de outras possíveis causas de quadros semelhantes. Segundo a Associação Americana de Psiquiatria, no DSM-IV, são necessários rigidez muscular severa e febre acompanhados de, no mínimo, dois dos dez itens seguintes: diaforese, disfagia, tremor, incontinência, alteração do estado mental, mutismo, taquicardia, pressão arterial elevada ou lábil, leucocitose, creatinofosfoquinase elevada (HANEL et al., 1998). Segundo Flaherty et al., citados por Guerra (2002), ainda podem ocorrer outros sintomas adicionais, como anormalidades motoras (tremores, discinesia, acinesia, crise oculógira, opistótonos e coréia), sialorréia, complicações respiratórias e convulsões tônico-clônicas generalizadas. A presunção implicitamente aceite que SMN é uma síndrome hipermetabólico e hipertérmico é questionável e não explica a morbidade extensa na maioria dos casos, onde a temperatura é inferior a 39°C (GILLMAN, 2010). No diagnóstico diferencial da SNM várias situações clínicas devem ser consideradas. Pneumonia seguida de reação distônica generalizada é, sem dúvida, o principal diagnóstico diferencial da SNM (HANEL et al., 2008). Síndrome de abstinência como delirium tremens, hipertermia maligna, catatonia letal aguda, interações medicamentosas e infecções causando sintomas extrapiramidais também devem ser excluídas. A SNM está associada a uma série de complicações, com mais de um terço dos pacientes necessitando de cuidados em unidade de terapia intensiva. A maior causa de morbidade e mortalidade é a insuficiência respiratória (Ibid), que pode ser ocasionada por broncoaspiração, embolia pulmonar e choque. Outras complicações são insuficiência renal secundária à rabdomiólise e mioglobinúria, convulsões, coagulação intravascular disseminada, sepse e infarto agudo do miocárdio (MARCHIORI: CARVALHO, 2005). O prognóstico da SNM depende fundamentalmente da precocidade do diagnóstico e do tratamento instituído. Setenta e nove por cento dos pacientes com SNM podem ter recuperação completa e 8% tem recuperação não completa (Ibid).
A mortalidade da síndrome varia de 9 a 30% (HANEL et al., 1998), estando relacionada com os casos mais graves, que evoluíram muito tempo sem diagnóstico e sem tratamento adequado. Já os quadros diagnosticados rapidamente, nos quais a medicação neuroléptica foi suspensa imediatamente, têm um prognóstico bastante favorável com o tratamento específico.
Referências GILLMAN, P. K. Neuroleptic malignant syndrome: mechanisms, interactions, and causality. Mov Disord. 25 (12): 1780-90, 2010. GUERRA, D.S.L. Síndrome Neuroléptico Maligna: Impregnação Maligna? Jornal Mineiro de Psiquiatria, 19 (2), 2002. Disponível em: http://www.jmpsiquiatria.com.br/edicao_19/artigos_edicao_19/02_sindrome.htm HANEL, R. A.; SANDMANN, M. C.; KRANICH, M; BITTENCOURT, P. R. M. Síndrome neuroléptica maligna: relado de caso com recorrência associada ao uso de olanzapina. Arq. NeuroPsiquiatria. 56 (4): 833-837, 1998. KHALDI, S. et al. Neuroleptic malignant syndrome and atypical antipsychotics: a brief review. Encephale. 34(6): 618-24, 2008. LISTE, J.Y.V.; AVILA, H.M.; HERNANDEZ, S.I.T.; CHAVIANO, D.M. Síndrome neuroléptico maligno. Rev Cubana de Medicina Intensiva y Emergencias, 7 (2): 1033-1039, 2008. MARCHIORI, P.E.; CARVALHO, N.B. Síndrome Neuroléptica Maligna. Rev Neurociências, 13(3): 47-48, 2005. SILVA, H.C.A.; BAHIA, V.S.; OLIVEIRA, R. A. A.; MARCHIORI, P.E.; SCAFF,M.; TSANACLIS, A. M. C. Susceptibilidade à hipertermia maligna em três Pacientes com síndrome maligna por neurolépticos. Arq Neuropsiquiatria 58 (3-A): 713-719, 2000.
Imagem: ccforum.com

24 de fevereiro de 2011

Falácia Semiológica: "a doença como uma realidade concreta"

"Há erros mortos, como há mortas verdades." (SARTRE, 1948)

Uma falácia é um defeito lógico que torna um argumento inválido. Argumentos falaciosos frequentemente parecem convincentes, mas a uma inspeção mais atenta revelam-se falsos. Encontramos falácias no texto abaixo, transcrito do livro de Lucchesi e Ledur (2008):
A Medicina é uma ciência e, como tal, caracteriza-se pela objetividade. A doença, igualmente, é uma realidade concreta, e por isso, deve ser enfrentada com ações objetivas. Não há, portanto, lugar para tergiversações, subjetivismos. (LUCCHESI; LEDUR, 2008, p. 29).
Contestando os argumentos falaciosos do trecho acima: A Medicina é ciência e arte; a doença é uma abstração; há sempre lugar para subjetivismo na Medicina.
Mesmo diante das mudanças paradigmáticas que têm ocorrido no pensamento ocidental quanto ao processo de adoecer, ainda se costuma desconhecer a subjetividade do paciente. Como afirma Botelho (2004), existe uma persistência para diminuir a abstração e aumentar a materialidade do processo saúde-doença.
O pensamento médico atual vive o curioso paradoxo de considerar objetivo o que é, em essência, uma abstração - a doença -, enquanto relega ao espaço secundário da subjetividade aquilo que é especificamente humano no adoecer, o sofrimento dos pacientes (CAMARGO JR., 1999) A linguagem da doença não é apenas a linguagem em relação ao corpo, mas à sociedade e às relações sociais. Seja qual for a dinâmica efetiva do 'ficar doente', no plano das representações, o indivíduo julga seu estado, não apenas por manifestações intrínsecas, mas retira atitudes e comportamentos em relação ao seu estado e assim se torna doente para o outro, para a sociedade. É preciso ter a capacidade de enxergar e de entender o paciente-pessoa, o paciente com seus valores (MINAYO, 1991). Segundo Pessotti (1996), é necessário que o médico conheça a essência da chamada natureza humana: a criação de valores, a atribuição de significado e sentido aos eventos e condições da vida.” A permanente presença da doença e do sofrimento no cotidiano das pessoas tem gerado a tendência natural de pensar a saúde em termos de - ausência de doença -, ou seja, como ausência de sinais objetivos de que o corpo não está funcionando adequadamente, e/ou de sintomas subjetivos de mal-estar, doença ou lesão.
Sofrimento e doença não se reduzem a uma evidência orgânica, natural, objetiva, mas estão intimamente relacionados com as características de cada contexto sócio-cultural. Existe toda uma ordem de significações culturais socialmente construídas, que influenciam o uso que cada indivíduo faz do seu corpo, bem como as formas pelas quais cada pessoa experimenta os seus estados de saúde e doença, a expressão dos sintomas, assim como os hábitos e estilos de vida e as próprias práticas de atendimento à saúde (TRAVERSO-YEPEZ, 2001). Muitos diagnósticos nosológicos em medicina não podem ser estruturados através dos critérios considerados objetivos, como a identificação de uma lesão/disfunção ou reconhecimento de uma causalidade. Há constantemente nos ambulatórios uma demanda de sofrimentos que estão, muitas vezes, permeadas por questões de ordem social, psíquica ou moral, não enquadráveis nos diagnósticos possíveis do modelo biomédico (GUEDES et al., 2008). Quanto mais o médico enfatiza o órgão doente e não a pessoa, menos chance terá de entender os sintomas do paciente. A desconsideração da subjetividade e da experiência de vida do paciente implica também uma série de consequências negativas para o relacionamento profissional-paciente/cliente. Essa relação está alicerçada na crença de que é somente o profissional de saúde, e não o próprio usuário, que sabe a respeito do seu estado de saúde ou doença (TRAVERSO-YEPEZ; MORAES, 2004). A subjetividade do adoecimento, isto é, a complexidade e a singularidade do sofrimento humano, e mais ainda, a sua dimensão fenomenológica, experiencial, nunca chegou a ser objeto das ciências biomédicas, uma vez que o modelo da medicina ocidental é herdeiro da racionalidade científica moderna.
Nem todas as manifestações da doença podem ser explicadas a partir do modelo doença-lesão e seus correspondentes; e aquelas que não se encaixam nos referenciais da biomedicina tornam-se um problema para o diagnóstico, colocando em xeque o saber médico, já que estes pacientes possuem persistentes sintomas físicos sem que o médico possa detectar uma doença (GUEDES et al., 2006). Portanto, sendo o adoecer um processo singular, uma experiência única, que apresenta tantos aspectos objetivos como subjetivos, ambos importantes, não se pode ver esse processo de forma linear e cartesiana. 

Referências 
BOTELHO, J. B. História da Medicina: da abstração à materialidade. Manaus: Valer, 2004. 
CAMARGO Jr, K. R. Em defesa da arte de curar. Ars Cvrandi, 32 (8): 3-7, 1999, p. 7. MINAYO, M. C. S. Um desafio sociológico para a formação médica: Apresentações sociais de saúde-doença. R Bras Educ Med, 15 (1): 25-32, 1991. 
GUEDES, C. R.; NOGUEIRA, M. I.; CAMARGO JR., K. R. Vague and diffuse symptoms in biomedicine: a review of the literature. Ciênc. saúde coletiva 13 (1): 135-144, 2008
GUEDES, C. R.; NOGUEIRA, M. I.; CAMARGO JR., K. A subjetividade como anomalia: contribuições epistemológicas para a crítica do modelo biomédico. Ciênc. saúde coletiva, 11 (4): 1093-1103, 2006.
LUCCHESI, F. A.; LEDUR, P. F. Comunicação Médico-Paciente: Um Acordo de Cooperação. Porto Alegre: AGE, 2008. 
PESSOTTI, I. A formação humanística do médico. Medicina, Ribeirão Preto, 29: 440-448, 1996 
TRAVERSO-YEPEZ, M.; MORAIS, N. A. Reivindicando a subjetividade dos usuários da Rede Básica de Saúde: para uma humanização do atendimento. Cad. Saúde Pública, 20 (1): 80-88, 2004. 
TRAVERSO-YEPEZ, M. A interface psicologia social e saúde: perspectivas e desafios. Psicol. estud. 6 (2): 49-56, 2001. 

Imagem: Obra "Exploding Raphaelesque Head", de Salvador Dali (1951)

23 de fevereiro de 2011

Fasciite Necrotizante: Aspectos Clínico-Epidemiológicos

Fig. 1

Fig. 2

Fig. 3
Por Bruno Melo Fernandes Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo

Entidade rara, mas de extrema gravidade, a fasciite necrotizante é um processo infeccioso/inflamatório do tecido celular subcutâneo e pele adjacente, que pode levar rapidamente a perda de segmentos importantes do tegumento. Em geral, ocorre após pequenos traumas locais e é importante o seu pronto reconhecimento clínico, visando a um tratamento rápido para que sejam evitadas lesões extensas.

Palavras-chave: Infecção. Fasciite Necrosante. Celulite. A fasciite necrotizante (FN) é uma afecção rara, mas de gravidade significativa que afeta, a princípio, o tecido celular subcutâneo profundo e a fáscia a ele associada. Nesses locais ocorre o início de um processo infeccioso e inflamatório agudo, de caráter necrotizante e rapidamente progressivo, cuja principal característica é a presença de extensa necrose do tecido celular subcutâneo associada a uma relativa preservação do músculo subjacente. É caracterizada por necrose ampla do tecido celular subcutâneo e fáscias, que avança rapidamente em extensão superficial. Os sintomas e sinais clínicos característicos da FN geralmente começam no sétimo dia após o início do processo infeccioso.
Os primeiros sinais são o surgimento de área de celulite eritematosa, com grande intumescimento local e calor local, geralmente precedida por dor muito intensa na área afetada e acompanhada de toxemia sistêmica. Deve-se suspeitar do diagnóstico sempre suspeitado que existe desproporção entre a dor e os achados clínicos em pacientes toxêmicos. Pode ocorrer febre entre 38 e 40 graus Celsius. Com a evolução o eritema se espalha difusamente, tornando difícil distinguir com nitidez a transição entre a pele íntegra e a acometida pelo processo inflamatório. Em pouco tempo, a coloração da região cutânea acometida se torna azul-escuro ou acinzentado, com formação de bolhas contendo fluido seroso, tornando-se em seguida hemorrágica e de coloração roxa. Secundariamente ao processo infeccioso nos sítios primários de inflamação, são acometidos os tecidos mais superficiais e a pele em decorrência da lesão vascular, trombose e isquemia, resultantes da ação das citocinas pró-inflamatórias, proteinases e endotelinas. A destruição de nervos subcutâneos ocorre em fases mais avançadas. Após um traumatismo, em geral inicia-se, em 12 a 72 horas, dor intensa no local traumatizado associada hiperemia, hipertermia e edema locais. Em geral a dor é desproporcionalmente maior que os achados inflamatórios locais, o que também sugere a profundidade da infecção.
Com a evolução do quadro, há progressivo aumento da área inflamada, com aparecimento de sintomas gerais como febre e calafrios. A continuação do processo inflamatório também cursa com o surgimento de lesões vesiculares e áreas de necrose nos locais acometidos. A FN pode atingir qualquer parte do corpo, porém é mais comum na parede abdominal, extremidades e períneo. Não existem dados precisos quanto a sua real incidência, especialmente no Brasil. Nos Estados Unidos, segundo o Centers for Disease Control (CDC), são estimados entre 500 a 1500 casos de fasciite necrotizante anualmente. Ainda segundo o CDC, a mortalidade relatada varia de 13% a 76%, sendo influenciada pela precocidade do diagnóstico, abordagem cirúrgica e doenças associadas. A FN ocorre, em geral, em indivíduos de ambos os sexos na quinta e sexta décadas de vida. Na maior parte dos casos, a extensão da lesão ocorre a partir de pequenos traumas, picadas de insetos ou incisões cirúrgicas. Contudo, em 20% das situações, nenhum trauma prévio pode ser identificado.
A fasciite necrotizante pode ser classificada em FN tipo I, que tem flora polimicrobiana representada por bactérias anaeróbias, anaeróbias facultativas e enterobactérias, e tipo II, monomicrobiana e causada pelo Streptococcus pyogenes ou, mais raramente, pelo Staphylococcus sp. Em geral, o paciente acometido é previamente hígido, porém algumas condições predispõem à fasciite necrotizante, como o diabetes mellitus, a corticoterapia, o alcoolismo, o uso de drogas injetáveis e a presença de queimaduras. O termo fascite necrosante foi primeiramente utilizado por Wilson, em 1952. Hoje esta doença é conhecida pelos leigos como "doença da bactéria comedora de carne" e de "gangrena galopante". O diagnóstico dessa afecção é eminentemente clínico, configurando um quadro de celulite rapidamente progressiva que evolui com necrose intensa.
A confirmação, em geral, é realizada pelos achados cirúrgicos, que revelam pouca aderência do tecido subcutâneo, observada à manipulação cirúrgica, ausência de sangramento e liquefação da gordura subcutânea. O estudo ultra-sonográfico de partes moles, quando realizado, pode denotar edema intenso adjacente à fáscia, com ou sem coleções ou hiperrefringência.
A tomografia computadorizada e, especialmente, a ressonância nuclear magnética, são os métodos de escolha em casos duvidosos, apesar de caracteristicamente não alterarem a conduta a ser tomada, o que torna a sua requisição questionável. Além disso, os exames de imagem são falhos em detectar as fases mais precoces da fasciite necrotizante. É importante o pronto reconhecimento clínico desse quadro, visando a um tratamento rápido para que sejam evitadas lesões extensas. Referências COSTA, I. M. C. et al . Fasciíte necrosante: revisão com enfoque nos aspectos dermatológicos. An. Bras. Dermatol. 79 (2): 211-224, 2004. MILLER, A. T. et al. Postprocedural necrotizing fasciitis: a 10-year retrospective Review. Am Surg. 74 (5): 405-9, 2008. NETO, G. P. B. Fasciíte necrotizante. In: Tavares W, Marinho LAC. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 421-6. SOARES, T. H. et al. Diagnóstico e tratamento da Fasciíte Necrosante (FN): relato de dois casos. Rev. Med. de Minas Gerais, 18 (2): 136-140, 2008.
SPROVIERI, S. R. S. et al. Fascite Necrosante. Rev Bras Med. 2011. Disponível em: http://www.cibersaude.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=103. Acesso em: 23 fev. 2011. Figuras Figura 1: Lesão antes do tratamento cirúrgico. Disponível em: http://www.allhealth.com.au/ Figura 2: Lesão antes do tratamento. Disponível em: www.jyi.org Figura 3: Lesão após tratamento cirúrgico. Disponível em: http://www.antimicrobe.org/

22 de fevereiro de 2011

As Singularidades da Vida Acadêmica


No segundo dia da Oficina de Avaliação e Planejamento do Centro de Ciências Médicas da UFPB, o Dr. Jacicarlos Lima de Alencar, professor adjunto e chefe do Departamento de Medicina Interna / CCM / UFPB, realizou palestra sobre o tema "A Singularidade da Pesquisa em Medicina"

O Prof. Jacicarlos iniciou sua fala apreciando o termo "singularidade" escolhido para o título da apresentação. Afirmou que essa é uma palavra muito empregada em outras áreas, como na Psicanálise. Fez então a distinção entre os objetos da Ciência, que agrupa, não trabalha com um caso, mas sim com grupos, diferentemente da Psicanálise, que discute "caso a caso".
Ponderou que a pesquisa experimental é artificial, exemplificando que os resultados de um estudo científico nesses moldes não servem sequer para os próprios pesquisados.
Continuou, afirmando que uma das falhas do nosso discurso é de que conhecimento é tudo. Para ele, "o conhecimento em si não garante que as coisas sejam diferentes", por exemplo, um médico como paciente não será diferente de um paciente leigo.
Para o Prof. Jacicarlos, "a ciência só evolui na dúvida, não existem certezas". A ciência não é religião e, portanto, não pode ser dogmática. Porém, na prática estamos nos comportando de maneira cada vez mais positivista.
Conforme sua opinião, em uma sociedade plural, as pessoas deveriam ter o direito de decidir segundo sua própria vontade. Para ele, do ponto de vista institucional, isso não está ocorrendo. Percebe-se o problema de que nem todos os professores universitários querem trabalhar com pesquisa. Mas na academia, se o professor não tem doutorado, nada vale... e o que vigora é o postulado dominante do "publicar ou perecer". Isso pode, infelizmente, levar à fraude e à corrupção na vida acadêmica.
Exemplificou o problema com um caso ocorrido há alguns anos em que um aluno seu de pesquisa pré-clínica em iniciação científica, sugeriu, pela falta de ratos de laboratório para o trabalho empírico, que se multiplicassem os efeitos observados nos três ratos de que dispunham para a investigação, por três vezes, obtendo-se um resultado fictício de nove unidades experimentais. Assim, a pesquisa hoje pode chegar a induzir à corrupção já tão precocemente na academia!...
O Prof. Jacicarlos lembrou que problemas também atingem o ensino. No dia anterior na oficina do CCM, alunos do curso expuseram sua opinião sobre a graduação em medicina, posicionando-se contra a realização de seminários. Explicou, então, que esse posicionamento estudantil pode ter relação com o fato de ser mais cômodo para os estudantes ter o professor na frente ministrando uma aula do que assumir alguma atitude ativa.
Um outro tipo de situação que pode ocorrer com o pesquisador e escapa ao sentido da lógica científica propriamente dita, mas que faz parte do cotidiano de uma investigação, é o de uma pesquisa longitudinal envolvendo seres humanos, em que se acompanham pacientes durante certo tempo. Neste tipo de pesquisa, inevitavelmente se vão perdendo os participantes da investigação ao longo do tempo, e o pesquisador acaba adotando atitudes de adulação em relação aos sujeitos da pesquisa para poder chegar até o fim do trabalho.
Por outro lado, em pesquisa, não se aceitam resultados negativos. Só se publicam resultados positivos. Mas existem, sim, resultados negativos, e estes devem ser considerados tão importantes quando os "resultados positivos", pois o resultado dito negativo é aquele em que a pesquisa não permitiu o alcance de conclusões. Com relação a este aspecto da obrigatoriedade de pesquisar na vida acadêmica para obter ascensão funcional, o Prof. Jacicarlos posicionou-se contra tal política. Para ele, deveria pesquisar apenas quem quisesse realmente fazê-lo.
Então, fez a pergunta retórica: Por que não fazer as coisas de forma correta? Por que não percorrer todo o caminho de maneira ética?
Lembrou, então, de que antes mesmo de o semestre começar, já havia recebido vários e-mails de alunos com intenção de ingressar em um projeto de iniciação científica, e interrogou "será que eles querem mesmo fazer iniciação científica?"
O professor Jacicarlos fez, então, a pergunta "Por quem os sinos dobram?", em analogia ao título de um romance de Ernest Hemingway, e respondeu ele mesmo: "os sinos dobram por si mesmos". Continua, então, ao traduzir a assertiva, referindo que cada pessoa faz as coisas para si própria. Afirmou, então, que ele chegou a esta conclusão a partir da própria prática, exemplificando com a questão da aprendizagem dos alunos. Os professores não podem exigir que os seus alunos aprendam, porque só o próprio aluno pode construir seu aprendizado. Questionou a seguir "Como pode ser possível encontrar um aluno do quarto período de Medicina que não sabe o que é uma catecolamina? Isso aconteceu em sua sala de aula de Farmacologia". Disso, depreendeu que ele, professor, ensinara Farmacologia para ele próprio.
Para o Prof. Jacicarlos, disciplina é algo que deve vir da própria pessoa, e não deveria ser imposta de fora.
Perguntou, então, qual seria a chance de um aluno que foi brilhante no ensino médio e que passa no vestibular para Medicina, e que ao concluir que não gosta do curso, decida-se por abandoná-lo. Respondeu ele mesmo: nenhuma. A pressão na sociedade faz com que este aluno persista no curso que escolheu ainda muito jovem, mesmo que perceba que não é o que esperava. Ponderou que não deveria ser considerado "normal" quase inexistir evasão escolar no curso de Medicina.
O Prof. Jacicarlos mencionou que sua formação foi científica. Durante 20 anos seguiu o modelo científico tradicional nos seus estudos. Só se interessou por outras áreas do conhecimento quando se viu em situações que impuseram a necessidade de ver o mundo de outra forma. Continuou dizendo que "nós não somos apenas biológicos". É preciso ver o simbolismo, a subjetividade e a representação que as pessoas trazem consigo e que permitem interpretar os fatos da vida de um modo mais pleno e com reações adaptativas mais consistentes.
No caso da prática médica, por exemplo, cada consulta é nova. A medicina da prática clínica cotidiana não teria respaldo no discurso científico, na mentalidade cartesiana. O médico tem que estar apto para resolver os problemas que aparecem no seu dia-a-dia, concluiu.

Estes foram alguns dos pontos expostos pelo Professor Jacicarlos na palestra de hoje da Oficina do CCM, e que o Semioblog registra, destacando apenas alguns aspectos apresentados, não tendo, porém, coberto toda a sua exposição.

21 de fevereiro de 2011

Carta à Editoria do Semioblog

Olá, Dra. Rilva Sousa-Muñoz Somos do grupo Link Médica (www.linkmedica.com.br), e em retorno de nossos serviços após restruturação do site, pedimos novamente a permissão de publicação em nosso servidor de artigos desenvolvidos por seus alunos. Integramos o sistema wordpress em nosso site para melhor acessibilidade de postagens. Planejamos abrir um login e senha em nome do Semioblog para denominar sua autoria. Aguardo retorno da proposta. Obrigado. Bruno Rocha Pessoa Coordenador do Link Médica

20 de fevereiro de 2011

Princípio da Refutabilidade de Karl Popper‏

Por Priscilla Ferreira Duarte
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Karl Popper defendeu que não existe processo algum de indução pelo qual possam ser confirmadas as teorias científicas. Um dos momentos da criação de uma teoria, segundo Karl Popper, consiste na investigação lógica da teoria para verificar se ela apresenta o caráter de uma teoria empírica ou científica. De acordo com esta visão popperiana, o critério de demarcação entre ciência e não ciência reside no fato da teoria se submeter à condição de poder ser refutada. Ele indicou a condição transitória da validade de uma teoria científica. Determinado sistema científico só é válido até o momento em que é refutado, mostrando-se sua falsidade. O refutacionismo tem profundas implicações no Método Científico.

Palavras-chave: Neopositivismo. Epistemologia. Método Científico.

As ciências empíricas são aquelas que estudam, com base na experiência, tanto os fenômenos naturais quanto os sociais. A finalidade é descobrir e explicar os padrões e regularidades desses fenômenos, enunciados rigorosamente sob a forma de leis. As leis genuinamente científicas constituem generalizações corroboradas acerca dos fenômenos que descrevem, permitem realizar previsões rigorosas e são passíveis de ser testadas. O século XX trouxe uma nítida transformação de conceitos epistemológicos que abriram espaço para o desenvolvimento de teorias construídas com base em proposições conjeturais, partindo de um conceito de razão, não já como instrumento de verdade, como foi considerado na modernidade, mas como instrumento de crítica, debate e discussão. Nesse sentido, assistiu-se a um conceito de ciência que, no século XX, adquiriu delineamentos nitidamente diferentes do século anterior. Vários foram os epistemólogos e investigadores da história das ciências que contribuíram para uma superação da concepção positivista da ciência e de forma particular para o surgimento do que se veio a designar por "nova filosofia da ciência". O neopositivismo, também denominado positivismo lógico ou empirismo lógico, propõe um critério de demarcação entre estados de fatos e estados mentais, ou entre fatos empíricos demonstráveis pela verificabilidade e os princípios metafísicos. Entre tais filósofos da ciência, destaca-se Karl Popper. 
Karl Popper (1902-1994), físico, matemático e filósofo da ciência, foi um dos mais significativos defensores da racionalidade crítica do século XX. Ele criticou o critério da verificabilidade do indutivismo empirista do positivismo lógico e propôs, como possibilidade para o saber científico, o critério da não-refutabilidade ou da falseabilidade. Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. Popper defende que a Ciência é hipotético-dedutiva (do geral para o particular, ou seja, só é científica aquela teoria que possa ser falseável (refutável). A pedra angular da ideia de Popper de método científico parte dessa atitude crítica que o cientista deve manter. Segundo Popper, a ciência avança através de um processo de eliminação, chamado de "Conjectura e Refutação".

Os cientistas usam a lógica dedutiva para fazer predições a partir da hipótese e comparam, depois, as observações com as predições. As hipóteses cujas predições são concordantes com as observações são confirmadas no sentido em que podem continuar a ser usadas como explicações dos fenômenos naturais. A qualquer momento, no entanto, podem ser refutadas por novas observações e substituídas por outras hipóteses que expliquem melhor as observações. A esta maneira de encarar a inferência científica é dado o nome de refutacionismo ou falcificacionismo. Para Popper: "Independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos." Ou seja, não é nada óbvio que se justifique a inferência de proposições universais de assertivas singulares, por mais numerosas que sejam as evidencias práticas. Karl Popper rejeita o método indutivo na ciência. Para ele, por trás da idéia de indução, encontra-se a convicção errada de que o investigador pode observar e experimentar a realidade sem pressupostos e sem preconceitos. Popper argumenta que não se justifica inferir resultados universais a partir de resultados particulares, mesmo depois de um grande número destes resultados singulares,porque, não é possível especificar “quantos” são necessários para se satisfazer ao critério “um grande número de observações”, ou seja, independentemente de quantos cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos. Sobre os métodos de raciocício científico indutivo, dedutivo e hipotético-dedutivo, ver neste blog as seguintes postagens:
Para Popper, somente a refutabilidade de uma teoria pode ser provada, mas nunca a sua veracidade absoluta. Segundo seu pensamento, a recusa da Lógica Indutiva consiste "em ela não proporcionar conveniente sinal diferenciador do caráter empírico, não-metafísico, de um sistema teorético"; em outras palavras, consiste em ela não proporcionar adequado "critério de demarcação". Popper diz que a invenção de uma nova teoria ou de um novo sistema científico pressupõe que, em qualquer hipótese, para sua validade, devam ser submetidos à prova em um processo de "reconstrução racional". Desta forma, a objetividade dos enunciados científicos reside na condição deles poderem ser submetidos a teste. Por fim, na concepção epistemológica popperiana o jogo da ciência é, em princípio, interminável. Uma teoria submetida à prova e tendo suas qualidades comprovadas não se pode superá-la facilmente sem uma "boa razão , a não ser por outra teoria que resista melhor às provas ou ao falseamento de uma teoria anterior". O refutacionismo tem profundas implicações em relação ao Método Científico. Este processo encoraja uma abordagem que considere múltiplas hipóteses e a procura de testes que permitam decidir entre hipóteses concorrentes através da falsificação de uma delas. Uma vez que a falsificação é o objetivo, este processo tende a despersonalizar as teorias. Isto é positivo por evitar os viéses inerentes à afetividade do cientista em relação às suas próprias teorias. Assim, é a possibilidade de falsificar uma hipótese científica que permite a correção e o desenvolvimento das teorias científicas, e em última análise o progresso da ciência, embora nenhuma teoria possa jamais ser fundamentada de forma conclusiva. O conhecimento é portanto essencialmente conjectural, sendo impossível a certeza definitiva. 

Referências

DAL LAGO, E. M. M. Implicações da Racionalidade Científica em Karl Popper. [Dissertação]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2006. MARQUES, A. A Doutrina do Falseamento em Popper. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/popper5.htm. Sem data de publicação. Acesso em: 20 fev. 2011.
MOREIRA, M. A. Subsídios metodológicos para o professor pesquisador em ensino de ciências. Métodos quantitativos e qualitativos. Porto Alegre: Ed. do Autor, 2009. Disponível em: http://www.if.ufrgs.br/~moreira/Subsidios8.pdf. Acesso em: 20 fev. 2011. 
NEVES, F. R. Karl Popper e Thomas Kuhn: reflexões acerca da epistemologia contemporânea I. Natal (Rio Grande do Norte): Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do RN - FARN, Revista Eletrônica, 2 (1): 143-148, 2002. 

Imagem: Foto de Karl Popper.

16 de fevereiro de 2011

Carta à Editoria do Semioblog

Cara Professora Rilva,
Confesso que não foi tão difícil ficar grudado na tela do computador até a madrugada vasculhando os artigos e postagens do SEMIOBLOG. Quero parabenizá-la, e a todos os envolvidos com o projeto, pela criação desse portal de comunicação e divulgação de revisões e atualizações no conhecimento médico. Fiquei maravilhado com as temáticas abordadas, especialmente os QUIZ, que nos conduzem a um raciocínio clínico mais apurado, a despeito da incipiência de meus conhecimentos em clínica médica; as diversas citações, por vezes, me tocavam profundamente, o que fez com que eu confirmasse ainda mais que Medicina é a paixão da minha vida... Fico feliz por tudo isso, e mais uma vez parabenizo e agradeço pela iniciativa. Um grande abraço,
Cícero Faustino Ferreira Medicina - UFPB (P6)

15 de fevereiro de 2011

O Médico diante da Morte e do Morrer

Por Débora Alencar de Menezes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

[...] E somos Severinos Iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, da mesma morte, severina: que é a morte de que se morre / De velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte / De fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença / É que a morte severina ataca em qualquer idade / E até gente não nascida).
(João Cabral de Mello Netto, "Morte e Vida Severina")
Resumo
A medicina caracteriza-se por uma rotina profissional na qual a morte está constantemente inserida, e percebe-se que a maioria dos médicos apresenta uma postura de dessensibilizaçao diante de tais situações. Nesse contexto, é preciso investir na formação acadêmica voltada para a discussão e reflexão sobre a morte, considerando-a parte do desenvolvimento humano.
Palavras-chave: Morte. Educação médica. Ética.  
 
A morte, por razões históricas e culturais, é uma das grandes problemáticas da dimensão humana. Desde os mais remotos povos e culturas, a prática de facear a morte é um constante desafio para o homem, que se sente impotente diante do significado e da imposição da morte como algo intrínseco a sua própria existência. Na Idade Média, a morte apresentava-se como um fenômeno natural vivenciado em domicílio junto com os familiares e amigos. O rápido avanço da tecnologia médica e da grande variedade de novos procedimentos que visam a manutenção da vida, deslocou o cenário da morte para o ambiente hospitalar.
Nesse contexto, a Medicina passou a ser uma das ciências que mais exige do profissional uma convivência constante com a dimensão da morte. O médico lidar e busca combater a morte, tendo que atender às demandas idealizadas de ser um preservador de vidas, e esse desafio é muitas vezes encarado com sentimentos de insegurança e frustrações pelo profissional. Ele é constantemente obrigado a se deparar com doenças incuráveis e com situações irreversíveis nas quais mesmo o máximo de esforço e competência são insignificantes diante da finitude da vida. A postura dessensibilizante apresentada pela maioria dos médicos é usualmente iniciada e promovida ao longo da própria formação médica, desde os primeiros períodos quando o estudante de medicina é obrigado a conviver diariamente com o contexto da morte ao entrar em contato com os cadáveres das aulas práticas de anatomia.
Essa primeira aproximação com a morte, após o impacto inicial, aciona as defesas do estudante e ele passa a ser treinado a encarar o cadáver com objetividade científica, em busca de conhecimentos práticos da anatomia do corpo humano. Os próximos anos de formação continuam estabelecendo um modelo racional, não emocional e cientifico de atuação médica, contribuindo para criar um profissional incapaz de lidar humanamente com situações do morrer e da morte, apenas prevalecendo sensações de angustia e ansiedade em situações-limite. Em um estudo em que foram entrevistados 120 médicos residentes de um hospital, observou-se que 22% deles consideravam ideal envolver-se com pouca intensidade ou não se envolver com o paciente-família diante da morte e em situações de pacientes terminais. Na mesma pesquisa, questionou-se também o preparo pessoal para lidar com a morte e o processo do morrer, ao qual 30% afirmaram que provavelmente ou certamente não estavam preparados para a situação (MARTA et al, 2009).
Nessa questão, as causas das possíveis falhas apontadas pelos respondentes foram, principalmente, falta de debates, de preparo prático, de vivência com pacientes terminais, de disciplinas específicas, de psicologia médica, de acompanhamento psicológico dos alunos e o fato de a formação do médico estar voltada para salvar vidas (MARTA et al., 2009).
Segundo pesquisa realizada por Moritz e Nassar (2004) em uma unidade de terapia intensiva, os profissionais médicos entrevistados relataram terem conversado muito pouco com os pacientes e seus familiares sobre a morte e o morrer. Porém, nos 30 dias que se seguiram ao primeiro tempo do estudo, foram alertados sobre a importância de debater essa temática, e ao serem novamente questionados, declararam ter dialogado com os familiares e pacientes sobre o tema em questão. Vianna e Piccelli (1998) mostraram em sua pesquisa que médicos e professores, apesar de terem presenciado a morte de pacientes terminais com certa freqüência, nunca discutiam o assunto com tais pacientes. Os pesquisadores relataram ainda que apenas o fato de responder ao questionário chamou a atenção da maioria dos respondentes, estimulando-os a obter mais informações sobre o assunto. Starzewski Júnior et al. (2005) demonstraram que apenas 18,9% dos profissionais acharam a formação acadêmica sobre o assunto adequada, principalmente no que se refere a comunicação com os familiares sobre a morte do paciente.
Vários autores, ao discorrerem sobre o tema, também abordam a carência de uma educação formal sobre morte e o morrer nas escolas médicas do país, e defendem que a abordagem do tema ainda durante a formação do estudante pode diminuir a dificuldade de tratar do assunto com pacientes terminais. A Universidade Federal da Paraíba, ao se adotar o novo Projeto Político Pedagógico (PPP) no curso de Medicina, inseriram-se em seu currículo módulos cujo objetivo é a implementação de uma educação médica continuada a respeito de temas que se propõem a humanizar a formação e a atuação do futuro médico.
Nesse contexto, desde o início do curso de graduação, os estudantes discutem em sala de aula a respeito de suas angústias, medos, frustrações, e impotência diante da morte, além de debater dinamicamente acerca da melhor maneira de lidar com situações conflitantes que o médico é obrigado a deparar-se envolvendo a efemeridade da vida. 

Referências 
ALELUIA L.M.; PEIXINHO, A. L. O médico diante da morte: Aspectos da relação médico-paciente terminal. Rev Bras Terap Intens, 14 (3): 99-102, 2002
STARZEWSKI JÚNIOR, A..; ROLIM L.C.; MORRON L.C O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev. Assoc. Med. Bras. 51 (1): 11-16, 2005 MARTA, G. N.; MARTA, S. N.; ANDREA FILHO, A. et al. O estudante de Medicina e o médico recém-formado frente à morte e ao morrer. Rev. bras. educ. med, 33 (3): 405-416, 2009 MORITZ, R. D.; NASSAR S. M. A Atitude dos Profissionais de Saúde Diante da Morte. Rev Bras Terap Intens, 16 (1):14-21, 2004
VIANNA A.; PICCELLI, H. O estudante, o médico e o professor de medicina perante a morte e o paciente terminal. Rev. Assoc. Med. Bras., 44 (1): 21-27, 1998 Imagem: http://joelteixeira.net/

14 de fevereiro de 2011

A Relação Terapêutica em "O Discurso do Rei"

O filme "O Discurso do Rei", indicado ao Oscar este ano, é sobre o rei George VI, duque de York, e sua luta contra um transtorno da fala - a tartamudez, ou gagueira.
A história conta como o rei George IV, "Bertie", trabalhou com um ator, Lionel Logue, que se converteu em seu terapeuta da fala, para superar uma doença crônica, que foi a fonte de significativo estresse psicossocial.
Mavromatis (2011) reflete sobre os aspectos da relação terapêutica exibidos no filme. Apesar de sua falta de credenciais oficiais, Lionel Logue demonstrou profissionalismo como um prestador de cuidados. Segundo Mavromatis (2011), um aspecto importante do filme foi a verdadeira amizade que se desenvolveu entre os dois homens. A amizade entre médicos e pacientes tem sido um assunto controverso. No campo da psiquiatria, isso tem sido visto como uma violação de fronteira profissional e um fator repleto de problemas para a relação terapêutica. No entanto, a autora comenta que, dentro de limites de outros campos da medicina, essa "norma" não pode ser tão rigidamente aplicada. Na sua opinião, a amizade, às vezes, pode melhorar um relacionamento terapêutico. Outro aspecto bem-sucedido dessa relação terapêutica do filme, segundo Mavromatis (2011), foi a exploração de Lionel, não só biológica, mas também dos fatores psicossociais relacionados ao transtorno da fala do rei George, que tinha raízes na sua dinâmica familiar na infância. A autora confessa-se uma crente do modelo biopsicossocial da medicina.
A fim de compreender e tratar a doença, é necessário compreender não só a fatores biológicos, mas o psicológico e o contexto social em que a doença ocorre. Isso também é conhecido como "medicina holística", embora essa terminologia seja muito mal utilizado hoje por aqueles que a confundem com "naturopatia" ou "homeopatia" (grifo da autora). Um terceiro aspecto que melhorou a relação cuidador-paciente é que esta era não-hierárquica, nem Lionel era "doutor", nem Bertie foi "Rei". Foi importante para Lionel que cada homem fosse um igual no contexto do tratamento, e insistiu em que cada um chamasse o otro pelo primeiro nome. Por fim, Lionel era muito discreto, servindo como guardião confiável de informações sobre a saúde do paciente, mantendo-as confidencialmente. Ele protegeu a privacidade de seu paciente e autonomia. Referência
MAVROMATIS, J. K. The therapeutic relationship in "The King's Speech". 2011. ACP Internist. Disponível em: http://blog.acpinternist.org/2011/02/therapeutic-relationship-in-kings.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+AcpInternistBlog+(ACP+Internist+Blog). Acesso em: 14 fev. 2011.
Imagem: Cena do filme "O Discurso do Rei" (The King's Speech), Reino Unido/ Austrália, 2010.

13 de fevereiro de 2011

Epônimos em Semiologia Respiratória

REVISÃO CRÍTICA DOS EPÔNIMOS EM SEMIOLOGIA RESPIRATÓRIA: VALOR CLÍNICO VERSUS VALOR HISTÓRICO Matheus Gurgel Saraiva (1); Rosa-Maria Silva Soares (1); Charles Saraiva Gadelha (1); Pablo Alves Moreira (1); Stephanie Galiza Dantas (1); Gabriela Lemos Negri (1); João Vitor Nóbrega e Melo Pereira (1); Débora Alencar de Menezes (1); Larissa Vieira Baracuhy (1); Jose Luis Simões Maroja (4); Rilva Lopes de Sousa Muñoz (3). Centro de Ciências Médicas/ Departamento de Medicina Interna/ MONITORIA
RESUMO Introdução: O uso de epônimos é uma das características da terminologia médica. Epônimos são itens lexicais originados de nomes próprios. Estes costumam designar sinais, sintomas, doenças, técnicas ou aparelhos. A tradição desse emprego terminológico faz parte da cultura histórica em Medicina, contudo também é útil na comunicação entre pares. Existem epônimos em praticamente todas as áreas da Semiologia Médica. Nesta, destaca-se o papel dos epônimos relacionados ao aparelho respiratório. Objetivos: Descrever, no XII Encontro de Iniciação à DoCência da UFPB, epônimos que nomeiam sinais clínicos do exame do tórax respiratório e distinguir os que têm maior importância clínica e perduraram no decorrer do tempo e os que possuem apenas valor histórico. Descrição metodológica: Foi realizado um levantamento bibliográfico nos principais livros-texto de Semiologia Médica e na base de dados da SciELO. Nesta, a busca foi realizada com os termos “epônimos”, “sinais e sintomas” e “sistema respiratório”, catalogando-se os epônimos e seus correspondentes significados. Foram reunidos os termos relacionados a sinais, sintomas e técnicas, excluindo-se síndromes, aparelhos e exames de imagens. Resultados: Foram encontrados oito sinais semiológicos eponímicos relacionados ao sistema respiratório: (1) sinal de Abrahams, submacicez ou estertores crepitantes sobre a parte acromial da clavícula, que sugere tuberculose pulmonar de ápice pulmonar; (2) sinal de Signorelli, presença de som maciço devido a derrame pleural durante a percussão do 7º ao 11º espaço intervertebral; (3) sinal de Litten, sombra do diafragma na parede torácica durante a respiração do paciente em decúbito ventral com luz crânio-caudal; (4) sinal de Lemos Torres, presença de abaulamento expiratório intercostal localizado na face lateral do hemitórax durante a inspiração; (5) sinal da Hoover, maior aproximação das costelas na inspiração; (6) sinal de Hamman, ausculta de estertores crepitantes em coincidência com os batimentos cardíacos; (7) sinal de Ramond, presença da contratura da musculatura paravertebral; e (8) respiração de Kussmaul, alteração periódica do ritmo respiratório. Conclusão: Percebe-se a riqueza de epônimos relacionados à semiologia do sistema respiratório. O conhecimento desses termos é importante na linguagem médica, pois ainda são utilizados em publicações recentes de livros e artigos relacionados à semiologia do sistema respiratório. Mesmo criticáveis, não é impróprio usar as expressões correntes no âmbito médico se trazem comunicação clara e consagrada na literatura. É preciso valorizar os epônimos clássicos que perduraram no tempo porque têm maior importância clínica e significação diagnóstica. Palavras-chave: Epônimos; Sinais e Sintomas; Exame Clínico.
(1) Monitores de Semiologia Médica da UFPB em 2010;
(2) Professor Colaborador;
(3) Professora Orientadora.

12 de fevereiro de 2011

Diarreia Crônica no Adulto

Por Rodolfo Augusto Bacelar de Athayde
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
Diarreia crônica é o aumento no número de evacuações diárias ou alteração na consistência das fezes, ou ambos, há mais de 30 dias. Manifesta-se como aumento de massa (ou volume) de fezes em mais de 200g (ou mL) por dia em pessoas com dieta ocidental. As principais causas de diarreia crônica são síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal, infecções, desordens endócrinas, intolerância e alergia alimentar e medicamentos. Uma classificação importante é baseada no mecanismo provocador da diarreia, podendo esta ser osmótica, secretória, disabsortiva, invasiva e funcional. Na anamnese do paciente, é necessário investigar as características do início da diarreia, se contínua ou intermitente, a duração, fatores epidemiológicos, características das fezes (aquosas, sanguinolentas, gordurosas), incontinência fecal, dor abdominal associada e suas características, perda de peso, fatores agravantes, fatores de melhora, medicamentos usados, resultados de exames já realizados, doença sistêmica. Ao exame físico, avaliar a presença de desidratação e desnutrição, eritemas, úlceras orais, nódulos na tireoide, sibilos pulmonares, artrite, ruídos cardíacos, hepatomegalia, massa abdominal, ascite, edemas e exame anorretal. A abordagem diagnóstica complementar está sempre indicada, a não ser que o diagnóstico seja óbvio.
Palavras-chaves: Diarréia; Classificação; Sinais e Sintomas. A diarreia é um sinal e um sintoma. Como sintoma, é referida pelo paciente como queixa de aumento no número de evacuações diárias ou alteração na consistência das fezes, ou ambos, há mais de 30 dias. Como sinal, manifesta-se como aumento de massa (ou volume) de fezes em mais de 200g (ou mL) por dia em pessoas com dieta ocidental (BINDER,2006). A diarreia pode ser classificada de diversas maneiras. Uma das classificações refere-se à duração do quadro. A distinção entre fenômenos agudos e crônicos é dada exclusivamente pelo tempo: será considerada diarréia crônica quando o quadro perdurar por mais de 30 dias.
As causas de diarreia crônica são principalmente as seguintes (LAMONT,2010): 1. Síndrome do intestino irritável (SII); 2. Doença inflamatória intestinal (DII); 3. Infecções; 4. Desordens endócrinas; 5. Intolerância e alergia alimentar; 6. Medicamentos. Uma classificação importante e bastante útil é baseada no mecanismo provocador da diarreia, podendo esta ser osmótica, secretória, disabsortiva, invasiva (ou inflamatória) e funcional.
1. Osmótica: causada pela presença de solutos não absorvidos na luz intestinal; tais solutos, por permanecerem no lúmen intestinal, impedem a absorção do líquido; deve ser suspeitada quando os sintomas desaparecem no estado de jejum e reaparecem após a alimentação ou ingestão de determinado alimento; são principais causas: intolerância à lactose, uso de laxativos, ingestão de grande quantidade de sorbitol (presente em doces e gomas de mascar) e uso de lactulose ou manitol oral. 2. Secretória: causada por substâncias que estimulam a secreção de cloreto (e consequentemente de sódio e água) pelos enterócitos; um exemplo de tal processo é a Síndrome Colérica Pancreática causada pelo VIPoma, onde tal tumor das ilhotas pancreáticas secreta excessivamente o peptídeo intestinal vasoativo (VIP), agindo de maneira semelhante à toxina colérica ao aumentar o AMPc intracelular. 3. Disabsortiva: característica das síndromes disabsortivas; o mecanismo é decorrente de má absorção de carboidratos e de ácidos graxos. Estes pacientes evoluem com perda ponderal e com deficiências específicas de nutrientes, especialmente ferro, ácido fólico, vitaminas B12, D e K; as fezes são oleosas, grudam ou bóiam no vaso e são mal cheirosas. A esteatorréia é confirmada por métodos quantitativos e qualitativos. 4. Invasiva ou inflamatória: ocorrem por lesões inflamatórias ou infecciosas que acometem o delgado ou cólon, inibindo a absorção e estimulando a secreção; estes pacientes podem apresentar febre, dor abdominal, perda ponderal, e algumas vezes, muco e sangue; causas comuns são amebíase e outras parasitoses, DII, alergia ao leite de vaca, e diversas causas de enterite e colite. 5. Funcional: o protótipo deste tipo de diarréia é a síndrome do intestino irritável; os pacientes costumam apresentar redução de consistência das fezes e aumento da frequência de evacuação diária; não ocorre no período noturno; a maioria alterna diarréia e constipação e frequentes são os episódios de cólica abdominal; pode ser considerada “pseudodiarreia” pois não atinge os 200g para caracterizá-la.
Na história do paciente com diarreia, é necessário que se investiguem os seguintes aspectos (DANTAS, 2004): 1. As características do início da diarreia (início abrupto ou gradual); 2. O curso da diarreia (contínua ou intermitente); 3. Duração do sintoma/sinal; 4. Fatores epidemiológicos, como viagens antes do início da diarreia; 5. Características das fezes: aquosas, sanguinolentas, piosanguinolentas, mucoides ou gordurosas, com ou sem restos alimentares; 6. Presença ou ausência de incontinência fecal; 7. Presença ou ausência de dor abdominal associada e suas características; 8. Perda de peso; 9. Fatores agravantes, como alimentação ou estresse; 10. Fatores de melhora, como alterações na alimentação; 11. Medicamentos usados; 12. Resultados de exames já realizados; l3. Fatores iatrogênicos (história pregressa de ingestão de medicações, radioterapia e cirurgias); 14. Presença de doença sistêmica (hipertireoidismo, diabetes mellitus, doenças do colágeno, doenças inflamatórias, neoplasias ou síndrome da imunodeficiência adquirida). Diarreia crônica é problema comum em doentes infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Nas fases iniciais da imunodeficiência os agentes são os mesmos da população soronegativa; entretanto, com a piora da imunodeficiência, o sintoma é causado por agentes oportunistas (MANZIONE et al., 2003). A diarreia crônica do paciente com AIDS é multifatorial e parece estar associada à má-absorção de nutrientes, infecções oportunistas, efeito osmótico dos antiretrovirais, alteração das vilosidades, defeito na maturação dos enterócitos e desnutrição. O tecido linfóide intestinal pode estar atingido pela ação direta do vírus HIV, ocasionando a enteropatia do HIV, com atrofia das vilosidades e infiltração linfática no jejuno, reduzindo a capacidade absortiva. A desnutrição energéticoprotéica, comumente observada na AIDS, pode reduzir a atividade enzimática do pâncreas e alterar a permeabilidade intestinal, contribuindo para o quadro de má-absorção (SILVA et al., 2007). É importante considerar também, uma vez afastadas outras causas, a possibilidade de diarréia factícia, provocada pela ingestão de laxantes, deve ser considerada em todo paciente com o sintoma. Ela está, geralmente, associada a desordens na alimentação, ganhos secundários ou antecedentes de simulação de doença (DANTAS, 2004). Nas informações a serem obtidas do paciente com diarreia, não podem ser esquecidas aquelas referentes à duração, o que define se é aguda ou crônica, o seu padrão, que orienta quanto à localização da causa, o comprometimento sistêmico associado à diarreia, a presença de sangue nas fezes, que pode vir misturado com as mesmas, vir após a evacuação ou mesmo haver evacuação unicamente de sangue, a existência de esteatorréia, restos alimentares nas fezes, o hábito intestinal noturno e sintomas de comprometimento de outros órgãos, como dor articular e lesões cutâneas. O exame físico deve ser completo, para que se conheça a repercussão da diarreia. Os achados do exame físico também pode sugerir o diagnóstico, embora isso nãos eja frequente. O mais importante, no exame físico, é caracterizar a desidratação e a desnutrição, se estiverem presentes. Outros dados importantes são eritemas, úlceras na boca, nódulos na tireóide, sibilos na ausculta pulmonar, artrite, ruídos cardíacos, hepatomegalia, massa abdominal, ascite, edemas e o exame anorretal. A abordagem diagnóstica complementar está sempre indicada, a não ser que o diagnóstico seja óbvio. Devem ser solicitados, além de hemograma e bioquímica, um exame de fezes completo, com parasitológicos, pesquisa de leucócitos, sangue oculto e gorduras fecais.
A dosagem de eletrólitos fecais e a determinação do pH fecal podem ser úteis. Coproculturas são realizada, e nos imunodeprimidos é fundamental a pesquisa de agentes oportunistas (DPD-CDC, 2010).
Uma retossigmoidoscopia ou colonoscopia é a melhor opção para pacientes com DII. O trânsito de delgado e a biópsia ou aspirado duodenal podem ser de grande valia (diagnóstico de giardíase e de estrongiloidíase).
A biópsia duodenojejunal é feita vai endoscopia digestiva alta (EDA) e está indicada na avaliação da síndrome disabsortiva ou na suspeita de doença celíaca. A síndrome do intestino irritável é diagnóstico de exclusão, via critérios clínicos. Mesmo após exaustivos exames não se encontra a causa, é dita de origem indeterminada (DANI,1993).
Fazem parte do rol de exames a serem solicitados na busca da causa da diarreia crônica: 1. Hemograma; 2. Ionograma; 3. Proteínas totais e frações; 4. Transferrina, ferritina e ferro sérico; 5. Triglicerídeos e colesterol; 6. Cálcio, fósforo, zinco; 7. Exame parasitológico de fezes; 8. Pesquisa de sangue oculto nas fezes; 9. VHS/PCR; 10. pH fecal; 11. Eletroforese de proteína; 12. pANCA/ASCA; 13. Colonoscopia e biópsia; 14. Clinetest; 15. Sangue oculto e leucócitos; 16. ELISA fecal - Ag específicos para giárdia; 17. D-xilose; 18. Teste do H2 expirado; 19. Teste de sobrecarga de açúcares (curva de tolerância à lactose); 20. Dosagem de gordura nas fezes: método de Van de Kamer (quantitativo), Sudan II (qualitativo) e esteatócrito (semiquantitativo); 21. Pesquisa de alfa-1-antitripsina e alfa-1-globulina; 22. Dosagem de Cl e Na no suor: iontoforese com pilocarpina; 23. Sorologia para doença celíaca e doenças imunes; 24. Radiologia: Rx simples de abdomen (dilatação de alças, níveis líquidos), Rx contrastado com bário, EDA ou colonoscopia com biópsia (diagnóstico). Referências
BINDER, H. J. Causes of Chronic Diarrhea. N Engl J Med, 355 (3): 236-239, 2006. DANI R., CASTRO L.P. Gastroenterologia Clínica. 3ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1993. DANTAS, R. O. Diarréia e constipação intestinal. Medicina, Ribeirão Preto, 37: 262-266, 2004. CENTER OF DISEASE CONTROL (CDC). Center od Parasitic Disease. Chronic Diarrhea: Fact Sheet. In: DPD-CDC. Disponível em: http://www.cdc.gov/ncidod/dpd/parasites/diarrhea/factsht_chronic_diarrhea.htm . Acesso em 26 out. 2010. LAMONT, J.T. Patient information: Chronic diarrhea in adults. In: UPTODATE. Última revisão em Maio, 2010. Disponível em: http://www.uptodate.com/patients/content/topic.do?topicKey=~fFlf3hs2rpzs_9. Acesso em 26 out. 2010.
MANZIONE CR; NADAL SR; CALORE EE; MANZIONE TS. Achados Colonoscópicos e Histológicos em Doentes HIV+ com Diarréia Crônica. Rev bras Coloproct, 23(4): 256-261, 2003. SILVA, P. R.; BURGOS, M. G. P. A.; DIAS, C. A. et al. Terapia nutricional na diarréia crônica refratária associada à síndrome consumptiva em paciente HIV positivo: relato de caso. An. Fac. Med. Univ. Fed. Pernamb., Recife, 52 (2): 158-160, 2007.

11 de fevereiro de 2011

A Percepção da Dor Depende de Representações Multissensoriais


Vídeo do BBC Brasil: Matéria "Cientistas controlam limites da dor humana".
Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/multimedia/2011/02/110210_videodorebc.shtml. Acesso em: 11 fev. 2011. Por Rebecca Morelle, Science reporter, BBC News Publicado online em 10 de fevereiro, 2011 - 10:29 (Brasília) 12:29 


Esta pesquisa foi publicada na Psychological Science por Mancini et al. (2011).

Comentário: As pessoas têm uma tendência a olhar para o local do corpo durante um evento doloroso, como uma injeção, punção venosa ou coleta de sangue. Geralmente se pede que não olhem para o local da injeção. Mas verificou-se através deste trabalho que olhar para o seu corpo no local da dor pode diminuir a sensação álgica que se experimenta. Resumo do artigo A dor é uma experiência complexa e subjetiva, formada por inúmeros fatores contextuais. Por exemplo, ver o corpo reduz a intensidade relatada de dor física aguda. Neste estudo, nós investigamos se esta analgesia visualmente induzida é modulada pelo tamanho visual da parte do corpo estimulada. Medimos limiares de dor ao contato com calor, enquanto os participantes viram uma ou outra mão própria ou um objeto neutro em três tamanhos: tamanho reduzido real, ou de ampliação. A visão do corpo foi analgésico, aumentando o limiar da dor ao calor por uma média de 3,2° C. Nós encontramos mais que o alargamento visual da analgesia da mão foi reforçada, enquanto que a redução da mão visual diminuiu analgesia. Esses resultados demonstram que a percepção da dor depende de representações multissensoriais do corpo e que as distorções visuais do tamanho do corpo modulam os componentes sensoriais da dor. 

Referência: Mancini F, Longo MR, Kammers MP, Haggard P. Visual Distortion of Body Size modulates Pain Perception. Psychol Sci; 2011 Feb 8. [Epub ahead of print]

10 de fevereiro de 2011

SEMIOQUIZ: Placa lisa e mediana na língua

Paciente de 65 anos, sexo feminino, apresenta uma placa lisa (área despapilada), bem delimitada, na parte mediana do dorso da língua (figura acima). Porções posterior, anterior e lateral esquerda com aspecto saburroso.
Esta lesão foi encontrada por acaso, durante um exame da orofaringe. Ela disse que observa esta aparência incomum de sua língua desde a infância e que o tamanho da lesão e sua forma tinham se mantido estáveis desde então. Negava dor na língua, disfagia, disartria, ou sangramento. Não havia nenhuma evidência de candidíase na língua ou nas estruturas adjacentes. Não havia linfadenopatia regional nem sintomas constitucionais tais como febre ou perda de peso. Negava história de uso de álcool ou fumo. Qual a sua hipótese diagnóstica?
Aguardamos dois comentários com hipóteses.

7 de fevereiro de 2011

Práticas de Leitura Crítica de Artigos Científicos: Estudos de Coorte

PRÁTICAS DE LEITURA CRÍTICA DE ARTIGOS CIENTÍFICOS ENFOCANDO ESTUDOS DE COORTE EM SEMINÁRIOS DO MÓDULO DE PESQUISA APLICADA À MEDICINA
Lorena Luryann Cartaxo da Silva (Monotora); Priscilla Duarte Ferreira (Monitora); Rilva Lopes de Sousa-Muñoz (Orientadora).

Centro de Ciências Médicas/ Departamento de Medicina Interna/ MONITORIA/ Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
RESUMO

Introdução:
Para exercitar o espírito analítico do estudante de Medicina, é importante realizar práticas de análise de trabalhos científicos, um aprendizado necessário durante a graduação. Este exercício de crítica de pesquisas científicas constitui verdadeira ferramenta didática, pois o médico terá de aprender e manter-se atualizado com as melhores evidências durante toda sua vida profissional.
Objetivos: Descrever, no XIII Encontro de Iniciação à Docência da UFPB, a experiência didática das práticas de análise crítica de artigos científicos originais em sala de aula enfocando estudos de coorte e inseridos nas práticas do Módulo de “Pesquisa Aplicada à Medicina” da UFPB em quatro semestres letivos consecutivos.
Descrição Metodológica: Trata-se de um relato de experiência das práticas de análise crítica de artigos originais contendo estudos de coorte em sala de aula pelas turmas de “Pesquisa Aplicada à Medicina” de quatro semestres letivos consecutivos. Este relato baseou-se na revisão de relatórios produzidos pelos monitores e professora dos módulos a partir das discussões referentes aos artigos científicos do referido modelo de estudo. Excluíram-se os relatórios de análise crítica dos demais modelos de estudo. Os monitores elaboraram relatórios dos seminários, aos quais estavam presentes como secretários. Estes relatórios foram divulgados em mídia eletrônica.
Resultados: Todos os alunos do módulo de Pesquisa Aplicada à Medicina leram previamente o artigo selecionado para cada data de seminário. Os questionamentos dos alunos versaram sobre a metodologia científica e estatística empregadas pelos autores dos trabalhos em questão. O monitor anotador assinalou as participações dos alunos no seminário, as quais consistiram de críticas ao artigo científico apresentado; ele sintetizou em umas poucas palavras as posições dos que tenham usado a palavra. As falhas recorrentes apontadas na leitura dos artigos selecionados foram problemas e hipóteses de pesquisa não explícitos, vieses que não foram completamente explicados, falta de demonstração das características dos pacientes perdidos e excluídos durante a coorte, lacunas existentes na descrição metodológica do trabalho, falhas na apresentação dos resultados e referências antigas.
Conclusões: As falhas apontadas durante a leitura crítica pelos alunos indicam tanto problemas inerentes aos estudos de coorte quanto a aspectos sugestivos de mal preparo científico dos autores. A análise de artigos científicos pelos alunos do módulo possibilitou estimular sua visão crítica, familiarizando-os com métodos científicos, uso de ferramentas estatísticas e técnicas de pesquisa, de modo a proporcionar o desenvolvimento do pensamento científico e a sua aplicabilidade na prática clínica.

Palavras-chave: Revisão da Pesquisa por Pares; Relatórios de Pesquisa; Estudante de Medicina.