Por Débora Alencar de Menezes
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
[...] E somos Severinos Iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, da mesma morte, severina: que é a morte de que se morre / De velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte / De fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença / É que a morte severina ataca em qualquer idade / E até gente não nascida).
(João Cabral de Mello Netto, "Morte e Vida Severina")
Resumo
A medicina caracteriza-se por uma rotina profissional na qual a morte está constantemente inserida, e percebe-se que a maioria dos médicos apresenta uma postura de dessensibilizaçao diante de tais situações. Nesse contexto, é preciso investir na formação acadêmica voltada para a discussão e reflexão sobre a morte, considerando-a parte do desenvolvimento humano.Palavras-chave: Morte. Educação médica. Ética.
A morte, por razões históricas e culturais, é uma das grandes problemáticas da dimensão humana. Desde os mais remotos povos e culturas, a prática de facear a morte é um constante desafio para o homem, que se sente impotente diante do significado e da imposição da morte como algo intrínseco a sua própria existência.
Na Idade Média, a morte apresentava-se como um fenômeno natural vivenciado em domicílio junto com os familiares e amigos. O rápido avanço da tecnologia médica e da grande variedade de novos procedimentos que visam a manutenção da vida, deslocou o cenário da morte para o ambiente hospitalar.
Nesse contexto, a Medicina passou a ser uma das ciências que mais exige do profissional uma convivência constante com a dimensão da morte. O médico lidar e busca combater a morte, tendo que atender às demandas idealizadas de ser um preservador de vidas, e esse desafio é muitas vezes encarado com sentimentos de insegurança e frustrações pelo profissional. Ele é constantemente obrigado a se deparar com doenças incuráveis e com situações irreversíveis nas quais mesmo o máximo de esforço e competência são insignificantes diante da finitude da vida.
A postura dessensibilizante apresentada pela maioria dos médicos é usualmente iniciada e promovida ao longo da própria formação médica, desde os primeiros períodos quando o estudante de medicina é obrigado a conviver diariamente com o contexto da morte ao entrar em contato com os cadáveres das aulas práticas de anatomia.
Essa primeira aproximação com a morte, após o impacto inicial, aciona as defesas do estudante e ele passa a ser treinado a encarar o cadáver com objetividade científica, em busca de conhecimentos práticos da anatomia do corpo humano. Os próximos anos de formação continuam estabelecendo um modelo racional, não emocional e cientifico de atuação médica, contribuindo para criar um profissional incapaz de lidar humanamente com situações do morrer e da morte, apenas prevalecendo sensações de angustia e ansiedade em situações-limite.
Em um estudo em que foram entrevistados 120 médicos residentes de um hospital, observou-se que 22% deles consideravam ideal envolver-se com pouca intensidade ou não se envolver com o paciente-família diante da morte e em situações de pacientes terminais. Na mesma pesquisa, questionou-se também o preparo pessoal para lidar com a morte e o processo do morrer, ao qual 30% afirmaram que provavelmente ou certamente não estavam preparados para a situação (MARTA et al, 2009).
Nessa questão, as causas das possíveis falhas apontadas pelos respondentes foram, principalmente, falta de debates, de preparo prático, de vivência com pacientes terminais, de disciplinas específicas, de psicologia médica, de acompanhamento psicológico dos alunos e o fato de a formação do médico estar voltada para salvar vidas (MARTA et al., 2009).
Segundo pesquisa realizada por Moritz e Nassar (2004) em uma unidade de terapia intensiva, os profissionais médicos entrevistados relataram terem conversado muito pouco com os pacientes e seus familiares sobre a morte e o morrer. Porém, nos 30 dias que se seguiram ao primeiro tempo do estudo, foram alertados sobre a importância de debater essa temática, e ao serem novamente questionados, declararam ter dialogado com os familiares e pacientes sobre o tema em questão.
Vianna e Piccelli (1998) mostraram em sua pesquisa que médicos e professores, apesar de terem presenciado a morte de pacientes terminais com certa freqüência, nunca discutiam o assunto com tais pacientes. Os pesquisadores relataram ainda que apenas o fato de responder ao questionário chamou a atenção da maioria dos respondentes, estimulando-os a obter mais informações sobre o assunto.
Starzewski Júnior et al. (2005) demonstraram que apenas 18,9% dos profissionais acharam a formação acadêmica sobre o assunto adequada, principalmente no que se refere a comunicação com os familiares sobre a morte do paciente.
Vários autores, ao discorrerem sobre o tema, também abordam a carência de uma educação formal sobre morte e o morrer nas escolas médicas do país, e defendem que a abordagem do tema ainda durante a formação do estudante pode diminuir a dificuldade de tratar do assunto com pacientes terminais.
A Universidade Federal da Paraíba, ao se adotar o novo Projeto Político Pedagógico (PPP) no curso de Medicina, inseriram-se em seu currículo módulos cujo objetivo é a implementação de uma educação médica continuada a respeito de temas que se propõem a humanizar a formação e a atuação do futuro médico.
Nesse contexto, desde o início do curso de graduação, os estudantes discutem em sala de aula a respeito de suas angústias, medos, frustrações, e impotência diante da morte, além de debater dinamicamente acerca da melhor maneira de lidar com situações conflitantes que o médico é obrigado a deparar-se envolvendo a efemeridade da vida.
Referências
ALELUIA L.M.; PEIXINHO, A. L. O médico diante da morte: Aspectos da relação médico-paciente terminal. Rev Bras Terap Intens, 14 (3): 99-102, 2002
Referências
ALELUIA L.M.; PEIXINHO, A. L. O médico diante da morte: Aspectos da relação médico-paciente terminal. Rev Bras Terap Intens, 14 (3): 99-102, 2002
STARZEWSKI JÚNIOR, A..; ROLIM L.C.; MORRON L.C O preparo do médico e a comunicação com familiares sobre a morte. Rev. Assoc. Med. Bras. 51 (1): 11-16, 2005
MARTA, G. N.; MARTA, S. N.; ANDREA FILHO, A. et al. O estudante de Medicina e o médico recém-formado frente à morte e ao morrer. Rev. bras. educ. med, 33 (3): 405-416, 2009
MORITZ, R. D.; NASSAR S. M. A Atitude dos Profissionais de Saúde Diante da Morte. Rev Bras Terap Intens, 16 (1):14-21, 2004
VIANNA A.; PICCELLI, H. O estudante, o médico e o professor de medicina perante a morte e o paciente terminal. Rev. Assoc. Med. Bras., 44 (1): 21-27, 1998
Imagem: http://joelteixeira.net/