22 de fevereiro de 2011

As Singularidades da Vida Acadêmica


No segundo dia da Oficina de Avaliação e Planejamento do Centro de Ciências Médicas da UFPB, o Dr. Jacicarlos Lima de Alencar, professor adjunto e chefe do Departamento de Medicina Interna / CCM / UFPB, realizou palestra sobre o tema "A Singularidade da Pesquisa em Medicina"

O Prof. Jacicarlos iniciou sua fala apreciando o termo "singularidade" escolhido para o título da apresentação. Afirmou que essa é uma palavra muito empregada em outras áreas, como na Psicanálise. Fez então a distinção entre os objetos da Ciência, que agrupa, não trabalha com um caso, mas sim com grupos, diferentemente da Psicanálise, que discute "caso a caso".
Ponderou que a pesquisa experimental é artificial, exemplificando que os resultados de um estudo científico nesses moldes não servem sequer para os próprios pesquisados.
Continuou, afirmando que uma das falhas do nosso discurso é de que conhecimento é tudo. Para ele, "o conhecimento em si não garante que as coisas sejam diferentes", por exemplo, um médico como paciente não será diferente de um paciente leigo.
Para o Prof. Jacicarlos, "a ciência só evolui na dúvida, não existem certezas". A ciência não é religião e, portanto, não pode ser dogmática. Porém, na prática estamos nos comportando de maneira cada vez mais positivista.
Conforme sua opinião, em uma sociedade plural, as pessoas deveriam ter o direito de decidir segundo sua própria vontade. Para ele, do ponto de vista institucional, isso não está ocorrendo. Percebe-se o problema de que nem todos os professores universitários querem trabalhar com pesquisa. Mas na academia, se o professor não tem doutorado, nada vale... e o que vigora é o postulado dominante do "publicar ou perecer". Isso pode, infelizmente, levar à fraude e à corrupção na vida acadêmica.
Exemplificou o problema com um caso ocorrido há alguns anos em que um aluno seu de pesquisa pré-clínica em iniciação científica, sugeriu, pela falta de ratos de laboratório para o trabalho empírico, que se multiplicassem os efeitos observados nos três ratos de que dispunham para a investigação, por três vezes, obtendo-se um resultado fictício de nove unidades experimentais. Assim, a pesquisa hoje pode chegar a induzir à corrupção já tão precocemente na academia!...
O Prof. Jacicarlos lembrou que problemas também atingem o ensino. No dia anterior na oficina do CCM, alunos do curso expuseram sua opinião sobre a graduação em medicina, posicionando-se contra a realização de seminários. Explicou, então, que esse posicionamento estudantil pode ter relação com o fato de ser mais cômodo para os estudantes ter o professor na frente ministrando uma aula do que assumir alguma atitude ativa.
Um outro tipo de situação que pode ocorrer com o pesquisador e escapa ao sentido da lógica científica propriamente dita, mas que faz parte do cotidiano de uma investigação, é o de uma pesquisa longitudinal envolvendo seres humanos, em que se acompanham pacientes durante certo tempo. Neste tipo de pesquisa, inevitavelmente se vão perdendo os participantes da investigação ao longo do tempo, e o pesquisador acaba adotando atitudes de adulação em relação aos sujeitos da pesquisa para poder chegar até o fim do trabalho.
Por outro lado, em pesquisa, não se aceitam resultados negativos. Só se publicam resultados positivos. Mas existem, sim, resultados negativos, e estes devem ser considerados tão importantes quando os "resultados positivos", pois o resultado dito negativo é aquele em que a pesquisa não permitiu o alcance de conclusões. Com relação a este aspecto da obrigatoriedade de pesquisar na vida acadêmica para obter ascensão funcional, o Prof. Jacicarlos posicionou-se contra tal política. Para ele, deveria pesquisar apenas quem quisesse realmente fazê-lo.
Então, fez a pergunta retórica: Por que não fazer as coisas de forma correta? Por que não percorrer todo o caminho de maneira ética?
Lembrou, então, de que antes mesmo de o semestre começar, já havia recebido vários e-mails de alunos com intenção de ingressar em um projeto de iniciação científica, e interrogou "será que eles querem mesmo fazer iniciação científica?"
O professor Jacicarlos fez, então, a pergunta "Por quem os sinos dobram?", em analogia ao título de um romance de Ernest Hemingway, e respondeu ele mesmo: "os sinos dobram por si mesmos". Continua, então, ao traduzir a assertiva, referindo que cada pessoa faz as coisas para si própria. Afirmou, então, que ele chegou a esta conclusão a partir da própria prática, exemplificando com a questão da aprendizagem dos alunos. Os professores não podem exigir que os seus alunos aprendam, porque só o próprio aluno pode construir seu aprendizado. Questionou a seguir "Como pode ser possível encontrar um aluno do quarto período de Medicina que não sabe o que é uma catecolamina? Isso aconteceu em sua sala de aula de Farmacologia". Disso, depreendeu que ele, professor, ensinara Farmacologia para ele próprio.
Para o Prof. Jacicarlos, disciplina é algo que deve vir da própria pessoa, e não deveria ser imposta de fora.
Perguntou, então, qual seria a chance de um aluno que foi brilhante no ensino médio e que passa no vestibular para Medicina, e que ao concluir que não gosta do curso, decida-se por abandoná-lo. Respondeu ele mesmo: nenhuma. A pressão na sociedade faz com que este aluno persista no curso que escolheu ainda muito jovem, mesmo que perceba que não é o que esperava. Ponderou que não deveria ser considerado "normal" quase inexistir evasão escolar no curso de Medicina.
O Prof. Jacicarlos mencionou que sua formação foi científica. Durante 20 anos seguiu o modelo científico tradicional nos seus estudos. Só se interessou por outras áreas do conhecimento quando se viu em situações que impuseram a necessidade de ver o mundo de outra forma. Continuou dizendo que "nós não somos apenas biológicos". É preciso ver o simbolismo, a subjetividade e a representação que as pessoas trazem consigo e que permitem interpretar os fatos da vida de um modo mais pleno e com reações adaptativas mais consistentes.
No caso da prática médica, por exemplo, cada consulta é nova. A medicina da prática clínica cotidiana não teria respaldo no discurso científico, na mentalidade cartesiana. O médico tem que estar apto para resolver os problemas que aparecem no seu dia-a-dia, concluiu.

Estes foram alguns dos pontos expostos pelo Professor Jacicarlos na palestra de hoje da Oficina do CCM, e que o Semioblog registra, destacando apenas alguns aspectos apresentados, não tendo, porém, coberto toda a sua exposição.