14 de maio de 2011

Linfedema Primário

Por Gilson Mauro Fernandes Filho
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB


Resumo
Linfedema primário é um quadro caracterizado por edema persistente, principalmente nas extremidades e com predominância em mulheres. Pode ser subdividido nas formas congênita (Doença de Milroy), presente no nascimento; linfedema precoce (Doença de Meige), que aparece geralmente entre os 10 e 35 anos; e linfedema tardio, que aparece após os 35 anos. O diagnóstico pode ser feito através da história clínica e do exame físico, além de exames complementares. As complicações mais frequentes são ataques recorrentes de celulite e linfangite, e raramente linfangiosarcoma.
Palavras-chave: Doença de Milroy, Linfedema. Edema.

A classificação das doenças linfáticas obedece, sobretudo, as características clínicas relacionadas a uma de suas mais visíveis manifestações: o edema. Linfedema, ou edema linfático, são sinônimos de aumento de volume de segmentos corpóreos causado por distúrbios do sistema linfático. Trata-se de uma síndrome caracterizada pelo acúmulo de fluido hiperprotéico na derme e tela subcutânea, porém não nos tecidos profundos da parede muscular. A etiologia inclui anormalidades congênitas no desenvolvimento do sistema linfático ou secundário; a obstrução, destruição ou mau funcionamento da rede linfática (ROESLER et al., 1999).


No início, o edema é discreto, mole e depressível à compressão, mas, com a evolução da doença, torna-se duro e não depressível. A cronicidade da estase linfática com acúmulo de líquido de alto conteúdo protéico produz uma modificação histopatológica no tecido celular subcutâneo.

Esta modificação decorre de dermatofibrose: os fibroblastos vão substituindo progressivamente os tecidos nobres, com a formação de colágeno de intensidade crescente, do tipo irreversível. Observam-se mudanças fibróticas no tecido celular subcutâneo e engrossamento com paquidermização da pele; nos vasos linfáticos, produzem-se alterações em sua morfologia e funcionalidade por avalvulação e perda da contratilidade. Cronicamente, esse aumento do volume do membro pode acarretar deformidades significantes, invalidez e, em um grau extremo, o aspecto elefantiásico; além disso, pode malignizar-se.

O linfedema divide-se em primário e secundário,  conforme a classificação de Kinmoth. O primário ocorre por alterações congênitas, como: agenesia, hipoplasia ou hiperplasia dos vasos linfáticos, e pode ser subdividido em congênito, precoce e tardio. No linfedema secundário, há alterações adquiridas do sistema linfático devido a traumas, infecções, cirurgias, radioterapia, insuficiência venosa crônica, dentre outras (KAFEJIANN-HADDAD et al., 2005).

O linfedema primário ou idiopático pode ser subdividido em forma congênita (Doença de Milroy), presente no nascimento; linfedema precoce (Doença de Meige), que aparece geralmente entre os 10 e 35 anos; e linfedema tardio, que aparece após os 35 anos.

Embora a primeira correlação entre hereditariedade e linfedema tenha sido feita no século XIX, somente nos últimos anos houve avanço significativo na compreensão dos mecanismos de transmissão genética e dos genes envolvidos na linfangiogênese. A doença de Milroy é transmitida de forma autossômica dominante e se caracteriza por apresentar linfáticos hipoplásicos ou aplasia linfática nas áreas afetadas.

Trata-se também de característica importante o fato dos pacientes não apresentarem outras doenças congênitas associadas, embora possam haver variações genotípicas, fenotípicas e linfocintilográficas em pacientes com esse diagnóstico (WITTE, 1998). A análise do genoma identificou a mutação no locus q35.3 do cromossomo 5 (FERRELL, 1998; HOLBERG, 2001). O gene relacionado a essa área foi identificado como sendo o Flt-4, gene responsável pela produção do VEGFR-3 (KARKKAINEN, 2000).

O linfedema hereditário foi primeiramente descrito por Nonne, em 1891. Em 1892, William F. Milroy descreveu o caso de um missionário que havia retornado de seu trabalho na Índia e que apresentara sudorese nas pernas por toda a vida. Sua mãe sofria da mesma condição. Milroy também havia estudado os 250 anos de história de uma família, e identificou 22 pessoas com a condição ao longo de seis gerações. Ele pôde ainda apontar quando a condição entraria na família a partir de um casamento em 1768.

Um modelo experimental para o linfedema hereditário tipo I, utilizando ratos, foi criado por mutagênese, com inativação do gene do VEGFR-3. Os ratos com a mutação apresentavam hipoplasia dos vasos linfáticos cutâneos e linfedema das patas, mas sem alteração dos linfáticos viscerais (KARKKAINEN, 2001).

Foi observado elevação dos níveis séricos de VEGF-D em pacientes com linfedemas primários. A falta de estimulação do VEGFR-3 poderia ser responsável pela maior produção de VEGF-D, para tentar compensar a linfangiogênese insuficiente pela falta de VGEFR-3 (FINK, 2004).

A doença de Milroy representa o linfedema hereditário mais raro, correspondendo a apenas 2% destes. A condição geralmente se apresenta ao nascimento, com sudorese em uma ou nas duas pernas. Se o acometimento for unilateral, o outro membro pode continuar em estado de latência por anos, antes de expressar a doença.

Quanto à sua evolução, a doença se divide em quatro estágios, a saber (LINPHEDEMA PEOPLE):
ESTÁGIO DE LATÊNCIA:
- Capacidade do transporte linfático está diminuída;
- Edema não visível e não palpável;
- Possíveis queixas subjetivas.
ESTÁGIO I (Linfedema reversível):
- Acúmulo de edema fluido rico em proteínas;
- Edema com formação de cratera;
- Reduz com elevação do membro.
ESTÁGIO II (Linfedema espontaneamente irreversível):
- Acúmulo de edema fluido rico em proteínas;
- Formação de cratera no edema se torna progressivamente mais difícil
- Proliferação de tecido conectivo (fibrose)
ESTÁGIO III (Elefantíase linfostática):
- Acúmulo de edema fluido rico em proteínas;
- Sem formação de cratera no edema
- Fibrose e esclerose
- Alterações da pele (papilomas, hiperceratoses, etc.)

O diagnóstico pode ser sugerido a partir do achado de suderese presente desde o nascimento (geralmente em membros inferiores) e com história similar na família. Portanto, apesar de a maioria dos casos de linfedema ser diagnosticada clinicamente, métodos de imagem podem ser úteis para excluir obstrução venosa e detectar ou confirmar o sítio linfático com disfunção.

Atualmente o método diagnóstico mais preciso pode ser feito através do teste de linfocintilografia. Nesse teste, uma substância radioativa é injetada no membro e a estrutura linfática é traçada na tela do computador. Através desse método, a localização exata do bloqueio linfático pode ser identificada. Através da ultrassonografia, essa condição pode ser sugerida intra-útero pelo achado de um edema isolado no dorso do pé do feto, com cariótico normal e ausência de outras malformações significativas (MIRLESSE, 2002)

As complicações mais usuais relacionadas ao linfedema de Milroy incluem fibrose dos tecidos do membro e celulites (e/ou linfangites e erisipelas). Se identificada e tratada precocemente, a condição tem bom prognóstico.

Referências
FERRELL, R.E.; LEVINSON, K.L.; ESMAN, J.H. et al. Hereditary lymphoedema: evidence for linkage and genetic heterogeneity. Hum Mol Genet. 7: 2073-8, 1998.
FINK, A.M.; KALTENEGGER, I.; SCHNEIDER, B.; FRÜHAUF, J.; JURECKA, W.; STEINER, A. Serum level of VEGF-D in patients with primary lymphedema. Lymphology. 37:185-9, 2004.
HOLBERG, C.J.; ERICKSON, R.P.; BERNAS, M.J. et al. Segregation analyses and a genome-wide linkage search confirm genetic heterogeneity and suggest oligogenic inheritance in some Milroy congenital primary lymphedema families. Am J Med Genet. 98:303-12, 2001.
KARFEJIAN-HADDAD, A. P.; SANJAR, F. A.; HIRATSUKA, J. et al. Análise dos pacientes portadores de linfedemaem serviço público. J Vasc Br, 4(1):55-8, 2005.
KARKKAINEN, M.J.; FERRELL, R.E.; LAWRENCE, E.C. et al. Missense mutations interfere with VEGFR-3 signalling in primary lymphoedema. Nat Genet. 25:153-9, 2000.
KARKKAINEN, M.J.; SAARISTO, A.; JUSSILA, L. et al. A model for gene therapy of human hereditary lymphedema. Proc Natl Acad Sci USA. 98:12677-82, 2001.
LINPHEDEMA PEOPLE. Milroy's Syndrome. Disponível em: http://www.lymphedemapeople.com/. Acesso em: 14 maio 2011.
MIRLESSE, V.; LEVY, R.; BRODATY, G.; SONIGO, P.; TEILLAC, D.; GOURAND, L.; DAFFOS, F.; HEREDIA, F. Primary congenital lymphedema (Milroy's). 2002. Disponível em: http://www.thefetus.net/. Acesso em: 14 maio 2011.
ROESSLER, R.; ARAÚJO, L. R. R.; RIPPEL, R. et al.  Doença de Meige (Linfedema Precoce)Relato de Caso e Revisão de Literatura. Rev. Soc. Bras. Cir. Plást. São Paulo 14 (3): 69-78, 1999.
WITTE, M. H.; ERICKSON, R.; BERNAS, M. et al. Phenotypic and genotypic heterogeneity in familial Milroy lymphedema. Lymphology. 31:145-55, 1998.

Fonte da Imagem: lookfordiagnosis.com