23 de maio de 2011

VII Seminário de MHB3 em 2011.1: "História da Psiquiatria"

 

"As raízes da Psiquiatria têm a ver com controle, poder e separação de certos grupos de pessoas no ambiente em que são incômodos. Trancadas em lugares para tirá-las de vista. A história da psiquiatria está ligada com as instituições" (Lee Coleman)

 “A roda da história não se mostra submissa diante da nosologia psiquiátrica. E redime loucos, neles reconhecendo vidas que anteciparam o futuro, desbravaram caminhos, reinventaram o destino... Todavia, a loucura é o humano crucificado e é sofrimento...” (Jorge Bichuetti)

O tema do Seminário de hoje do Módulo de História da Medicina e da Bioética (MHB3) foi "História da Psiquiatria", com apresentação de Raimundo Gleison, Mayara, Naísa, Rafaela, Luciano e Saul.

Raimundo Gleison iniciou sua apresentação expondo vários antecedentes das antigas civilizações (Egípcia, Grega, Romana) referentes à visão sobre a doença mental, com uma concepção demonológica própria daquelas culturas, em que os transtornos psíquicos eram atribuídos à possessão por maus espíritos ou a influências da feitiçaria.

Raimundo mostrou que alguns conhecimentos gregos nessa área derivavam de saberes transmitidos pelos egíp­cios, como o conceito da histeria, palavra derivada do grego hysteron (útero). Esta concepção da histeria que os gregos in­corporaram aos seus saberes, já tinha sido registrada no papiro egípcio de Kahun, que remonta ao século XX a.C., em que se atribuía a histeria aos deslocamentos do útero pelo corpo da mulher.

Contudo, é nas obras atribuídas a Hipócrates que se encontram as primeiras des­crições clínicas indiscutíveis da histeria. Hipócrates e outros autores gregos, para explicar o determinante dos deslocamentos uterinos, recorrem à idéia da falta das relações sexuais. Nesta situação o útero se desidrataria, perdendo peso, de tal modo que poderia subir até o hipocôndrio ou até o coração, por sua leveza. As medidas terapêuticas para esse transtorno eram a inalação de substâncias fétidas ou fumigações vaginais para atrair o útero ao seu lugar de origem.

Raimundo Gleison aponta a contribuição do médico grego Hipócrates, considerado "Pai da Medicina". Hipócrates afirmava que todas as doenças possuíam uma causa natural, não devendo ser encaradas como uma punição divina, como a epilepsia, que até então, era considerada uma "doença sagrada". Raimundo mencionou que Hipócrates opôs-se à visão mágica das doenças, atribuindo-lhes uma causa orgânica baseada em sua teoria humoral, isto é, as doenças eram manifestações de uma alteração em um dos seguintes humores: sangue, linfa, bile negra e bile amarela. No que diz respeito às doenças mentais, ele descreveu a frenite, a mania e a melancolia.

Passando, então, para o campo da filosofia grega, Raimundo Gleison mencionou a contribuição do filósofo Aristóteles, que estudou as capacidades racionais e intelectuais da alma. O pensamento aristotélico valorizava o coração mais do que o cérebro como o órgão disfuncional na melancolia. Esta foi a protagonista de um tratado de Aristóteles, a “Problemata 30”. Neste tratado há uma interessante relação, referente à melancolia, entre a genialidade e a loucura. Segundo Aristóteles, existe um tipo de melancolia natural, que devido à ação da bile negra tornaria seu portador "genial".

Na medicina pós-hipocrática, entre os romanos, Raimundo Gleison mencionou Asclepíades de Bitínia, que era contrário à teoria humoral de Hipócrates, e fundou sua prática médica na modificação da teoria atomista ou corpuscular, de acordo com a qual, as doenças resultam de movimentos irregulares de corpúsculos do corpo. Ele defendeu um tratamento mais humano para as desordens mentais e, assim, libertou muitas pessoas consideradas insanas da prisão. Raimundo menciounou ainda que entre os médicos gregos que atuaram em Roma, Galeno acreditava que o cérebro era o centro do sistema nervoso e a sede da inteligência, discordando de Aristóteles. 

Mayara passou, então, a apresentar os antecendentes da Psiquiatria medieval e renascentista. Afirmou que a Idade Média foi para a psiquiatria, igualmente ao que foi para outras disciplinas e ciências, uma época em que os doentes mentais foram, outra vez, considerados como possessos pelo diabo ou por maus espíritos, ou como bruxas. Relatou que em 1494, os inquisidores dominicanos alemães Heinrich Krämer e James Sprenger publicam o céle­bre Malleus Maleficarum ("O martelo das Bruxas"), livro que se tornou uma espécie de "manual contra a bruxaria". Este livro foi amplamente utilizado pelos inquisidores por aproximadamente 250 anos, até o fim da "Santa Inquisição", e servia para identificar bruxas e os malefícios causados por elas, além dos procedimentos legais para acusá-las e condená-las.

Mayara continuou sua exposição, mencionando o pensamento de Santo Agostinho (354-430). que era permeado por maniqueísmo, doutrina que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princípios opostos, o bem e o mal, mantendo uma incessante luta entre si. Agostinho acreditava que o pecado era o motivo da tristeza. Santo Agostinho dedicou-se à observação de fenômenos da memória e da consciência, mas a religião não permitiu que os seus estudos contrariassem a concepção sobrenatural das doenças psíquicas. Ele admitia que o homem, desde o seu nascimento, mantinha uma “inclinação original para o pecado".

Apesar da superstição que existia nessa época, surge na Europa os primeiros asilos ou hospitais para os doentes mentais. No entanto, nestes, também eram acolhidos os criminosos e, por isso, eram todos submetidos às mesmas regras de vigilância e repressão. Com o cientificismo do Renascimento, as contribuições foram pequenas, mas abriram portas para o Iluminismo, em que alguns pensadores divergiam sobre a causa espiritual das doenças psíquicas e abriam um espaço sobre a discussão científica a respeito das mesmas, enfatizando a possibilidade da busca de técnicas quanto a “curar-se a si mesmo”.

Contudo, o Renascimento não trouxe muitas mudanças para os doentes mentais. No Iluminismo, os doentes mentais viviam em condições de promiscuidade, eram submetidos a maus tratos e mal alimentados. Mas neste período, Paracelso (1493-1541) defendeu que a doença mental era uma perturbação da substância interna do corpo, a qual estava ligada à alma. Nesse caso, o corpo deveria ser estimulado para curar-se a si mesmo ("auto-cura").

Depois, Mayara fez um parêntese, para mencionar que no século XVII, a loucura converte-se em tema literário, nos trabalhos de Shakespeare (Hamlet e Rei Lear), Erasmo (Elogio da Loucura), Cervantes (Don Quixote). Ao mesmo tempo, ocorria uma revolução nas ciências humanas e na forma de entender o pensamento, com contribuições de Leonardo da Vinci, Galileu Galilei, Descartes, Copérnico e outros. No entanto, os doentes ainda eram marginalizados e enviados a manicômios, onde os tratamentos eram agressivos. Os loucos eram considerados não apenas incapazes, mas também perigosos.

A seguir, a apresentadora fala sobre Thomas Sydenham (1624-1689), que foi o primeiro autor a descrever os efeitos dos opiáceos (suco extraído de papoula) e realizou descrições sobre a coreia aguda, a mania e a histeria. Também relatou a contribuição de Thomas Willis, anatomista e neurologista que descreveu o Polígono de Willis, a paralisia geral progressiva (neurossífilis) e a miastenia gravis. Descreveu também alguns casos de “estupidez adquirida” em jovens, estado clínico que veio a ser nomeado posteriormente de esquizofrenia.

Posteriormente, Mayara passou a relatar a grande contribuição de Philippe Pinel (1745-1826), médico francês que, em 1798, libertou os doentes mentais asilados, muitos deles algemados durante 30 anos ou mais. Pinel realizou a primeira tentativa de classificação das doenças mentais, agrupando-as em quatro grupos: “manias” ou delírios gerais, “melancolias” ou delírios exclusivos, “demências” e “idiotias”. Os seus estudos constituíram a "Primeira Revolução Psiquiátrica", em que introduziu os conceitos de moral e liberdade. 

Lembrou ainda que Pinel teve a colaboração de um subordinado, o administrador, chefe da guarda e ex-paciente do Hospital Bicêtre, Jean Baptiste Pussin, com quem estabeleceu proveitosa parceria. Assim, Jean-Baptiste Pussin inspirou-lhe medidas humanitárias em benefício dos doentes, principalmente a de libertá-los das correntes a que vários viviam presos.

Por fim, Mayara falou sobre Jean-Étienne Esquirol (1772-1840), discípulo de Pinel que desenvolveu os trabalhos deste e preocupou-se em construir uma nosografia psiquiátrica. Ele considerava a loucura produto da sociedade e das influências morais e intelectuais. Esquirol foi, portanto, precursor da psiquiatria científica iniciada por Pinel e um dos principais representantes da psiquiatria francesa do século XIX. Ele disseminou as idéias de Pinel pela Europa e foi seu sucessor como chefe do Hospital da Salpêtrière (1811), colocando a França como líder no tratamento dos doentes mentais em sua época. Assim, a Psiquiatria nasce como especialidade médica na segunda metade do século XVIII.

Naísa continuou a apresentação, referindo-se à Psiquiatria do século XIX, iniciando sua exposição com a menção a uma das mais importantes figuras da neurologia francesa e mundial e considerado o pai da neurologia clínica, Jean-Martin Charcot (1825-1893), que se dedicou ao estudo da hipnose e da histeria. Charcot acreditava que a histeria devia-se a uma fragilidade orgânica do sistema nervoso. Ele descreveu os sintomas histéricos e reconheceu que um trauma estava relacionado com ideias e sentimentos que se tornariam inconscientes. Acreditava na cura da histeria pela hipnose, e que era possível reproduzir os sintomas neuróticos e obter o seu alívio através dessa técnica.

Em seguida, Naísa mencionou que entre os discípulos famosos de Charcot, estava Pierre Janet, psiquiatra que definiu a debilidade orgânica da histeria com o conceito de "psicastenia". Janet descobriu que, sob hipnose, os doentes podiam relembrar os acontecimentos traumáticos e essa recordação poderia ajudá-los no tratamento.

Em 1885, Sigmund Freud, atraído pela fama de Charcot, consegue uma bolsa de estudos em Paris, onde fica um ano estudando na Salpêtrière. Impressionado com as práticas do mestre, ao voltar para Viena passou a trabalhar com pacientes histéricas. Naísa mencionou que Freud realizou estudos com a cocaína - informação que é pouco conhecida hoje - como um método eficaz de tratamento para os distúrbios psíquicos. Ele usava a droga como medicamento, para si e também recomendava aos seus pacientes. O trabalho de Freud foi pioneiro em alguns aspectos do estudo da cocaína e ele poderia ter sido o descobridor da anestesia local, segundo pesquisou Naísa.

Inspirado pelo exemplo de Charcot, assim como pelo trabalho do amigo e colega médico Josef Breuer, Freud introduziu o uso de hipnoterapia para seus pacientes. Freud e Breuer descobriram que, em um estado de relaxamento, a mente do paciente gravitaria em torno da experiência perturbadora que causava os sintomas disfuncionais.

Esta experiência com hipnoterapia tornou Freud um defensor da catarse ou "cura pela fala", como forma de aliviar ou eliminar a histeria e a psiconeurose. Contudo, ele logo concluiu que o hipnotismo era desnecessário para a maioria dos pacientes. Assim, passou a desenvolver sua própria abordagem, a teoria psicanalítica.  A pedra angular desta teoria, criada e desenvolvida por Freud, é o conceito de inconsciente. Ele desenvolveu a técnica de "associação livre", incentivando o paciente a falar em voz alta sobre quaisquer pensamentos ou imagens que lhe viessem à mente.

Freud convenceu-se da ligação entre a neurose e conflito sexual. A repressão sexual era muito forte durante o período vitoriano e ele acreditava que havia enorme importância do impulso sexual na gênese da histeria e na formação da personalidade. Quando publicou suas teorias, ele chocou o mundo ao afirmar que o menino torna-se emocional e sexualmente fixado em sua própria mãe, enquanto vê seu pai como rival. Naísa comentou rapidamente a obra "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", uma das mais polêmicas contribuições de Freud.

Posteriormente, Rafaela assumiu a exposição, afirmando que as escolas psiquiátricas de maior relevância na evolução da psiquiatria como disciplina foram a francesa e a alemã. A escola alemã buscava estudar a etiologia, patogenia e características do quadro clínico, curso e prognóstico. Emil Kraeplin é um dos seus grandes nomes. A escola francesa dava ênfase aos critérios sindrômicos e tem Jean-Étienne-Dominique Esquirol como seu grande representante.


Rafaela referiu-se a Karl Jaspers, que se aproximou da filosofia, e através da fenomenologia, desenvolveu trabalhos que definem e reenquadram a psicopatologia. A Karl Jaspers cabe o mérito de ter tornado a Psicopatologia uma disciplina independente da Psiquiatria. Antes mesmo da publicação de sua monumental obra "Psicopatologia Geral", Jaspers já defendia a necessidade de aplicação da fenomenologia para delimitação e ordenação dos fenômenos psicopatológicos subjetivos, não apreensíveis pela abordagem positivista e quantitativa.

Kurt Schneider, também psiquiatra alemão, foi outro autor de grande reflexo ao contribuir para a sistematização nosográfica das entidades psiquiátricas e para a compreensão da esquizofrenia. Englobou, no conceito de personalidade psicopática, todos os desvios da normalidade não suficientes para serem considerados doenças mentais francas. A "Psicopatologia Clínica", obra que sintetiza o pensamento psiquiátrico de Schneider, também é considerada uma obra clássica da psiquiatria.

Rafaela mencionou ainda o psiquiatra alemão  Ernst Kretschmer (1888-1964), criador de uma biotipologia constitucional, rela­cionando o tipo físico com o caráter, a personalidade e a doença mental. Ainda entre os alemães, menciona a Escola de Wernicke-Kleist. A apresentadora  referiu-se também à importante figura de Eugen Bleuler (1857-1939), psiquiatra suíço, criador dos termos esquizofrenia e autismo. Bleuler considerava que a esquizofrenia era um conjunto de doenças, como resultado de muitas combinações possíveis de sintomas, havendo várias síndromes independentes. Por esta razão, ele denominou a doença das esquizofrenias (plural) quando criou o nome.

Bleuler tinha formação organicista, exercendo grande influência na psiquiatria europeia que aceitava a valorização motivacional dos acontecimentos psicológicos e sua participação na causalidade das doenças mentais.

A descoberta do agente da Sífilis, o Treponema pallidum, fez com que a psiquiatria se inclinasse mais para uma orientação organicista. Entretanto, com a difusão das teorias freudianas, acentuou-se mais a bipolarização conceitual da psiquiatria. Assim, a psiquiatria ficou dividida entre duas vertentes: uma de natureza orgânica e outra de natureza psicológica, considerando os mecanismos emocionais desorientadores e as situações de conflito como as principais causas das doenças mentais.

Na psiquiatria orgânica, os estudos genéticos comprovaram que diversas entidades nosográficas, definidas por Emil Kraeplin (1856-1926), principalmente psicoses endógenas tinham base hereditária.  Kraepelin também era um psiquiatra alemão, considerado o criador da moderna psiquiatria, psicofarmacologia e genética psiquiátrica. Kraepelin afirmava que as doenças psiquiátricas eram causadas por alterações genéticas e biológicas. Kraepelin contrariou a abordagem de Freud que considerava e tratava as doenças psiquiátricas como resultado de fatores psicológicos.  

Rafaela prosseguiu sua apresentação mencionando que entre 1930 e 1938, foram realizados tratamentos psiquiátricos somáticos, como malarioterapia, choque insulínico, lobotomia e eletroconvulsoterapia ("eletrochoque").

A malarioterapia foi um tratamento biológico inicialmente proposto por Jauregg para manifestações psiquiátricas da sífilis. Entre as manifestações tardias da sífilis encontra-se a neurosífilis, em que os pacientes acometidos apresentavam uma degeneração progressiva, com convulsões, incoordenação motora, paralisia, agitação psicomotora, depressão, paranóia, agressividade, delírios, déficit de memória e de orientação. Jauregg havia observado que vários pacientes com problemas psiquiátricos melhoravam após recuperarem-se de doenças que causavam febre. Em 1917, este pesquisador injetou o sangue de um soldado que apresentava Malária em vários pacientes com o quadro de paralisia geral progressiva (neurossífilis), obtendo resultados favoráveis e por isso, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1927.

Manfred Sakel (1933) utilizou a “choque insulínico”, como forma de tratamento psiquiátrico. Ele descobriu acidentalmente que o coma induzido por insulina era eficaz para pacientes com psicoses, especialmente a esquizofrenia. Os resultados pareciam promissores, gerando entusiasmo. Contudo, seus efeitos eram muito perigosos e o método foi abandonado, e hoje tem relevância apenas histórica.

As convulsões por cardiazol, preconizadas por Lázló Meduna, partiam do pressuposto que haveria um antagonismo biológico entre a epilepsia e a esquizofrenia e passou a empregar essa substância, que ocasionava convulsões rapidamente. Foi um método abandonado pelo surgimento dos neurolépticos e da eletroconvulsoterapia.

A lobotomia, ou leucotomia, idealizada pelo médico português, Egas Moniz (1935) foi realizada inicialmente para alterações no comportamento de animais (cães e chimpanzés), por ablação cirúrgica do córtex pré-frontal e frontal. Moniz pressupôs que se cortasse as fibras nervosas que unem estas duas estruturas ao tálamo obteria melhora do quadro clínico de pacientes com sintomas mentais graves. Moniz recebeu o Nobel de Medicina em 1949 pela relevância da leucotomia no tratamento de algumas doenças mentais. Sobre a história da lobotomia, há outra postagem neste blog no link indicado abaixo:
http://semiologiamedica.blogspot.com/2010/11/psicocirurgia-para-doencas-mentais.html.

Mais tarde, o neurologista americano Walter Freeman, associado ao neurocirurgião Watts, aperfeiçoaram o método, utilizando anestesia local e introduzindo um furador de gelo através do teto da órbita. Este procedimento foi abandonado após vários abusos terem sido praticados, por motivos econômicos (era mais barato do que manter um paciente hospitalizado por longo tempo), sociais (para as famílias cuidarem de seus doentes mais tranquilamente), educacionais (crianças com problemas disciplinares) e políticos (dissidentes). É importante salientar que estes usos representaram um desvio do que havia sido proposto por Moniz, que a indicava apenas para casos extremos.

Em 1938, foram realizadas as primeiras eletroconvulsoterapias. Ugo Cerlertti aplicou o método a vários pacientes portadores de doenças psiquiátricas, com resultados positivos. Esta terapia teve seu uso reduzido após o surgimento dos neurolépticos e ficou muito estigmatizada, sendo vista de forma política e ideológica e não científica, uma vez que a eletroconvulsoterapia era, algumas vezes, usada de forma abusiva.

Mas em 1952, começa a descoberta de psicofármacos, o que constituiu a "Segunda Revolução Psiquiátrica". Muitas dessas evoluções científicas surgiram a partir de resultados de pesquisas realizadas durante a Segunda Guerra Mundial, possivelmente com vítimas do holocausto, que pregava a hierarquia de raças e social, numa política repressora e excludente.

Na segunda metade do século XX reapareceu a psiquiatria biológica. A Psicofarmacologia tornou-se parte integral da psiquiatria. No final da década de 1950, os primeiros antipsicóticos e antidepressivos foram desenvolvidos. A clorpromazina foi o primeiro antipsicótico utilizado, sendo sintetizado em 1950. A descoberta da eficácia da clorpromazina no tratamento da esquizofrenia em 1952 revolucionou o tratamento desta doença. Em 1959, o primeiro antidepressivo tricíclico foi desenvolvido, a imipramina.

Para concluir sua fala, Rafaela relata que, em resposta à psiquiatria organicista e manicomial, surge um movimento em que se preconizam novas formas de tratamento considerando as relações, a psicoterapia e o ambiente terapêutico. Começa a fase da Terceira Revolução Psiquiátrica.

A Terceira Revolução Psiquiátrica acontece nos anos 1960 com a antropologia cultural, constituindo um movimento de caráter preventivo (saúde mental), assistência ambulatorial e comunitária com o consequente surgimento de novas técnicas psicoterápicas e novas abordagens terapêuticas. Dentro da sociologia surge um movimento antipsiquiátrico que comunga dos mesmos objetivos, na figura de Michel Foucault. 

Luciano passou, então, a apresentar uma breve revisão histórica sobre a psiquiatria no Brasil, afirmando que a assistência aos doentes no Brasil colonial era extremamente precária e a maioria dos cuidados era prestada por curandeiros  e jesuítas. Muitos doentes mentais eram trancafiados ou vagavam pelas ruas.   Com a chegada da Família Real ao Brasil, houve a necessidade de colocar ordem na urbanização, disciplinando a sociedade e portanto, prendendo os doentes mentais. 

No Brasil Império, o Imperador teve a iniciativa, influenciada pela tendência europeia após o período do Iluminismo e da Revolução Francesa, de determinar a retirada dos doentes mentais dos espaços de reclusão onde eram abandonados. Em 1852, entrava em funcionamento o Hospício de Pedro II, com 144 pacientes internados. A partir desse momento a psiquiatria no Brasil passa a ser admitida como especialidade médica, como já ocorria na Europa. Antes da fundação do Hospício de Pedro II, os loucos da capital do império eram recolhidos aos porões da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, onde ficavam geralmente trancafiados e em condições insalubres.

A loucura, ao ser capturada pelo saber médico, com o advento do hospital psiquiátrico no século XVIII, ganha o status social de enfermidade, devendo ser tratada nos hospitais psiquiátricos. Concebia-se o hospital psiquiátrico como dispositivo de ação curativa indispensável para o tratamento da loucura, onde os pacientes eram isolados e ficavam sob vigilância.

O manicômio surge no final do século XVIII como local para ser "tratada" a loucura, com ocultamento e exclusão, com vistas a uma "cura", de acordo com a ordem fundada por Philippe Pinel, como já mencionado antes neste seminário.

No século XIX, os psiquiatras Benedict Morel (1809-1873) e Valentin Magnan ( 1835-1916) postularam que a doença mental era evidência de uma corrente degenerativa hereditária que se tornaria gradativamente mais profunda nas gerações sucessivas. Na Itália, Cesare Lombroso ( 1836-1909), considerado o pai da antropologia criminal, afirmou ter encontrado a característica degenerativa nos criminosos.  Os psiquiatras acreditavam que o Brasil degradava-se moral e socialmente por causa da miscigenação racial do povo brasileiro.

Passou a se acreditar que as doenças mentais eram transmitidas de geração para geração, causando a degeneração progressiva das árvores genealógicas e da população como um todo. Para esses autores, a degeneração era mais que uma doença individual: tratava-se de uma ameaça social. A ideia de degeneração começou a estimular políticas sociais como esterilização, eutanásia e perseguição de indivíduos ditos “degenerados”.

Luciano afirma que nesse contexto, o movimento de higiene mental surgiu com a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental. Fundada no Rio de Janeiro, em 1923, a Liga tinha como objetivo primordial a melhoria na assistência aos doentes mentais. A partir de 1926, influenciados pelo contexto político e pelas ideias alemãs, francesas e norte-americanas, os diretores da Liga mudaram sua orientação, passando a assumir uma postura de tentar “normalizar” a população, com princípios da eugenia e da higiene mental, apregoando-se a purificação da raça, a esterilização e exclusão dos ditos degenerados (leprosos, loucos, epilépticos, prostitutas, vagabundos e deficientes mentais). O termo "Higiene Mental" proposto naquela época, foi substituído em 1948, pela expressão atual "Saúde Mental".

Concluindo a apresentação do seminário, Saul aborda de forma breve a Reforma Psiquiátrica. Comenta que, a partir do ano de 1992, movimentos sociais, inspirados pelo Projeto de Lei Paulo Delgado, conseguem aprovar em vários estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental.

Em 2001, após 12 anos de tramitação no Congresso Nacional, a Lei Paulo Delgado é sancionada no país, como modificações. A Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios.
Na década de 1990, passam a entrar em vigor no país as primeiras normas federais regulamentando a implantação de serviços de atenção diária, fundadas nas experiências dos primeiros centros de atenção psicossocial (CAPS) e hospitais-dia. Existem em funcionamento hoje no país 1.650 CAPS. Saul conclui sua apresentação, afirmando que a criação de uma rede de serviços comunitários tem o objetivo de substituir o hospital psiquiátrico e que os CAPS trabalham articulados com a rede básica, além de envolver-se em ações intersetoriais - com a educação, trabalho, esporte, cultura, lazer.

Encerrada a apresentação do seminário, deu-se início à discussão envolvendo a turma, com a participação de Bruno Carreiro (as três Revoluções Psiquiátricas), Diego (influência das ideias mágico-religiocas sobre a concepção de doença mental), Glauco (visão da população leiga sobre os manicômios), Lucas (ideias de eugenia), Luiz Eduardo (CAPS), Maísa (fundamentos da malarioterapia), Maise (histeria e útero), Laíse (hipnose e histeria; antipsiquiatria); Renan (tratamento dos doentes mentais à época da chegada da família real portuguesa ao Brasil) e Klícia (visão da sociedade e da Igreja sobre a esquizofrenia).

Ilustração desta postagem - WADE, N.; PICCOLINO, M.; SIMMONS, A. Portraits of Europeans Neuroscientists. Disponível em: http://neuroportraits.eu/portrait/philippe-pinel