23 de junho de 2011

Serendipidade

Por Priscilla Duarte Ferreira
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

“As sementes da descoberta flutuam constantemente à nossa volta, mas só lançam raízes nas mentes bem preparadas para recebê-las.”
(Joseph Henry)

Resumo
Serendipidade é um neologismo que se refere às descobertas venturosas que ocorrem por acaso. Embora o avanço científico seja considerado resultante de investigação rigorosa, não se pode excluir o papel da sorte nas descobertas e invenções. Acidentes de pesquisa às vezes podem levar a grandes avanços científicos, como a descoberta da penicilina, da insulina, da heparina, dos raios-X e do oxigênio.

Palavras-chave: Observação. Acaso. Pesquisador.

A palavra serendipidade foi criada em 1754 pelo escritor e político Sir Horace Walpole, que a usou em uma carta na qual contava uma descoberta acidental de uma valiosa pintura antiga. A palavra serendipity deve ser traduzida por serendipidade. Etimologicamente, a terminação -ty, em inglês, originou-se do latim -tatis e do inglês médio -tie que evoluíram para -dade na tradução em português: gravity (gravidade), normality (normalidade), reality (realidade). Serendipidade também entrou no vocabulário para designar acasos felizes que levam a descobertas inesperadas, sobretudo no mundo da ciência (1).

Muitas das descobertas científicas e médicas aconteceram sem que se tivesse ideia do que estava sendo descoberto. Mais de 20 dentre as maiores descobertas decorreram de “acasos felizes”, ou seja, de serendipidade. Esta, atualmente, é considerada uma forma especial de criatividade, ou uma das muitas técnicas de desenvolvimento do potencial criativo de uma pessoa adulta, que alia perseverança, inteligência e senso de observação. Todavia, o acaso e o caos interferem a todo o instante e podem modificar as condições experimentais para melhor ou para pior, já que o achado fim não se buscava diretamente.

São qualidades do pesquisador serendíptico: curiosidade, paciência, empenho, organização, teimosia, isto é, capacidade de insight ("estalo") no lugar certo, na hora certa, além de muita transpiração e inspiração. É importante, porém, buscar e fazer a releitura do papel dos pesquisadores que se empenharam anteriormente sobre o mesmo assunto e tinham objetivos análogos (2).

A mais difundida descoberta médica, a penicilina, é o mais conhecido exemplo de serendiptia. Não fora a descoberta acidental do vidro pela atividade vidreira egípcia na cozedura da louça de barro (6.000 anos a.C.) e se as lentes de rudimentar microscópio de van Leeuwenhoek (1675) não descobrissem existência de micróbios na gota d'água proveniente de chuva coletada havia dias, Fleming (1928) não teria conhecimento bacteriológico, nem interesse em observar o crescimento de Staphylococcus aureus em meio de cultura; sobretudo, quando o mofo do gênero Penicillium que, por acaso, era proveniente do andar inferior do hospital onde se estudava micologia, "contaminara" e impedira o crescimento dos estafilococos (2).

A heparina foi descoberta por um estudante de medicina, que procurava, não um anticoagulante natural, mas caracterizar um procoagulante natural. O anticoagulante oral tem sua origem nas pesquisas na área animal, feita em bovino que morreu de hemorragia espontânea após ingestão de trevo doce deteriorado. Outras descobertas consideradas como frutos de serendipidade foram a da insulina, dos raios-X e do oxigênio.

Seria fácil classificar os cientistas que exploraram a serendipidade como apenas sortudos, mas isso seria injusto. Todos esses cientistas e inventores conseguiram aproveitar suas observações casuais somente depois de terem acumulado conhecimento suficiente para colocá-las num contexto. Como disse Louis Pasteur, que se beneficiou com a serendipidade: “O acaso favorece a mente preparada”. Walpole também destacou isso em sua carta original, ao descrever serendipismo como o resultado de “acidentes e sagacidade” (3).

Embora acidentes na pesquisa sejam lamentáveis, há aqueles que acontecem e, às vezes, podem levar a avanços espetaculares, como tratamentos heroicos e até Prêmios Nobel. Manter a mente aberta é um traço comum àqueles que ensejam contar com a sorte grande, como afirmava o físico americano Henry (1842): "As sementes da descoberta flutuam constantemente à nossa volta, mas apenas lançam raízes nas mentes bem preparadas para recebê-las” (2). Quando um fenômeno, um evento, uma observação são detectados por mentes preparadas, sendo adequadamente interpretadas, podem gerar descobertas, inventos, teorias e conhecimento para que o homem se adeque cada vez mais ao seu mundo. Como afirma Consolaro (4), “Quantas maçãs e outros frutos não caíram sobre a cabeça de pessoas ou de animais antes de Newton formular sua teoria sobre a lei da gravidade?!”

Devido à impaciência por resolver problemas práticos e imediatos, está se tornando cada vez mais difícil para os pesquisadores, desviarem livremente suas atenções e exercitarem o espírito de serendípite (5).

Uma mente preparada origina serendipidade, porque esta depende de tempo para pensar, refletir, interpretar e desdobrar dados, observações e resultados. Muitos acreditam que a "sorte" favorece algumas pessoas colocando os "acasos" em suas descobertas, mas a "sorte" e o "acaso" ocorrem na vida de todos, embora apenas alguns poucos os detectam e aproveitam, pois suas mentes estão preparadas para interpretar processos e inventos essenciais para a vida. A serendipidade tem sido importante na evolução da ciência e da humanidade.

Referências
1- SAID, A. M. Gramática histórica de língua portuguesa, 3.ed. São Paulo, Melhoramentos, 1964.
2- VALE, N. B.; DELFINO, J. A serendipidade na medicina e na anestesiologia. Rev. Bras. Anestesiol. 55 (2): 224-249, 2005.
3- SINGH, S. Big Bang: Tudo sobre a mais importante descoberta científica de todos os tempos e porque esse conhecimento é indispensável; Rio de Janeiro: Record, 2006.
4- CONSOLARO, A. Adaptação ao mundo, avalanche de informações e a serendipidade na Odontologia. Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial 13 (3): 23-27 , 2008.
5- LACAZ-RUIZ, R. Microbiologia Zootécnica. São Paulo: Editora Roca, 1992.

Imagem: "Probabilidade", pintura em óleo sobre tela de Héctor Molina (2009). Publicação autorizada.