27 de julho de 2011

Xerodermia

Por Gabriela Lemos Negri
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A xerodermia (xerose ou “pele seca”) consiste no aumento da perda de água transepidérmica (TEWL, sigla em inglês para Transepidermal Water Loss) resultante de distúrbios nos componentes da barreira epidérmica. Trata-se de um mecanismo dinâmico e inúmeras condições podem contribuir para o seu estabelecimento, como umidade ambiental excessiva, radiação solar, traumas físicos, baixa umidade relativa do ar, inflamação cutânea, entre outros. Pode aparecer também como curso específico de algumas doenças ou condições fisiológicas do ser humano, merecendo destaque a dermatite atópica, a psoríase, o climatério, senilidade, diabetes mellitus, hipotireoidismo e hanseníase. São manifestações comuns  de xerodermia: prurido, fissuras, eritema e, ocasionalmente, sangramentos. 

Palavras-chave: Xerodermia. Xerose. Pele Seca.

A pele constitui o primeiro órgão de defesa de nosso corpo contra agressões do meio externo, desempenhando também um importante papel na manutenção da homeostase. Para o perfeito exercício de suas funções, no entanto, faz-se necessário a presença de um tecido tegumentar hígido, em plenas condições de funcionamento e cuidado.

Nesse contexto, dois processos básicos devem ser destacados, quais sejam: a limpeza e a hidratação cutânea. O primeiro, removendo debris externos, secreções cutâneas naturais e micro-organismo; e o segundo, mantendo o conteúdo hídrico na epiderme. Esses dois mecanismos atuam em conjunto para o adequado funcionamento da pele e manutenção da barreira epidérmica.

A manutenção dessa barreira permite que exista, entre outros, um equilíbrio cutâneo de água que é essencial à manutenção da aparência normal e também ao funcionamento da “máquina” cutânea. A barreira epidérmica é formada por dois componentes: uma matriz protéica celular (formada por uma trama de ceratinócitos) e uma matriz intercelular (formada por uma dupla camada lipídica). O balanço hídrico normal da pele é estabelecido quando há equilíbrio entre os compartimentos celular proteico e intercelular lipídico.

Deve-se salientar que nos meios intra e extracelular existem outras estruturas, além das proteínas e lipídios, que são importantes para a hidratação cutânea. É o caso, por exemplo, de algumas partículas químicas que ficam embebidas nestes dois compartimentos e desempenham um papel fundamental na formação de estruturas responsáveis também pela hidratação da pele.

De uma forma geral, pode-se dividir os mecanismos dinâmicos envolvidos na hidratação cutânea em três componentes:
1) Fatores de hidratação natural (FHN);
2) Lípides intercelulares; e
3) Bombas iônicas.

O primeiro e o segundo atuam retendo água na epiderme, impedindo sua evaporação para o meio. O FHN (conjunto de estruturas higroscópicas que interagem entre si), o componente ceratinocítico, atua retendo água e condicionando um aspecto normal ao tegumento. Os lípides constituem estruturas bipolares, controlando a permeabilidade e movimento intercelular da água. Sua estrutura gordurosa “sela” os FHN nos corneócitos, mantendo o conteúdo de água intercelular.

O componente iônico, por sua vez, constitui uma das estruturas moleculares mais importantes do FHN, sendo reponsável por 18,5% dessa estrutura. Deve-se destacar a atuação da bomba de Na+/K+, garantindo o equilíbrio hídrico intra e extracelular, e também o íon Ca+ cujo canal iônico também é ATPase-dependente. Esse último atua no processo de diferenciação dos ceratinócitos e estabilização de desmossomos, aumentando a coesão intercelular corneocítica que, por sua vez, diminui a descamação e, consequentemente, melhora a função da barreira epidérmica.

O funcionamento adequado desta barreira garante integridade, hidratação, equilíbrio d’àgua e descamação corneocítica organizada à pele. A presença de distúrbios em um desses componentes de barreira conduzirá a um aumento da perda de água transepidérmica (TEWL, sigla em inglês para Transepidermal Water Loss), resultando na xerose, com seus sinais e sintomas clássicos.

O estado xerósico irá alterar o ritmo normal de maturação e descamação dos corneócitos, impedindo seu desprendimento e separação superficial. Como consequência, haverá um desprendimento em blocos celulares (diferentemente da separação unitária corneocítica de uma pele normal hidratada), sendo, portanto, perceptível.

A xerose cutânea, no entanto, não constitui um mecanismo estático. São inúmeras as condições intrínsecas e extrínsecas que podem contribuir para o seu estabelecimento, como: umidade ambiental excessiva, radiação solar, traumas físicos, idade avançada, testosterona, baixa umidade relativa do ar, inflamação cutânea, entre outros. Pode aparecer também como curso específico de algumas doenças ou condições fisiológicas do ser humano, merecendo destaque a dermatite atópica, a psoríase, o climatério, senilidade, diabetes mellitus, hipotireoidismo e hanseníase.

Estudos nessa área apontam para uma relação entre a gravidade do quadro de xerose e uma diminuição na quantidade de lípides neutros (triglicérides e ésteres de colesterol), aumento na quantidade de ácidos graxos livres cutâneos e também com uma diminuição na atividade da glândula sebácea e esterases da pele.

Clinicamente, a xerose costuma apresentar as seguintes manifestações: coceira, aparecimento de finas escamas ou fissuras visíveis com luz tangencial, descamação, tensão, eritema e, ocasionalmente, sangramentos. A xerose pode evoluir para eczema esteatótico com fissuras e escoriações, favorecendo a peneração de microorganismos na pele e inflamação, prejudicando o estrato córneo. O eczema numular, por exemplo, tende a se desenvolver em áreas de xerose.

A xerodermia pode ser classificada em dois tipos: “pele seca” e ictiose (ou ictiose-like). Esta condição cutânea frequentemente gera desconforto e alterações estéticas importantes, demandando um tratamento adequado (na maioria das vezes, local, sintomático e seguido de orientações gerais).

A ictiose adquirida corresponde a uma forma grave de xerodermia, sendo caracterizada por intenso ressecamento cutâneo e formação de escamas aderentes, hipercrômicas e poligonais com aspecto semelhante a escamas de peixe. Pode estar associada a outras afecções, como hanseníase wirchoviana, síndrome paraneoplásica, ou mesmo secundária ao uso de alguns medicamentos. Pode ainda ser causada por hipohidrose, como resultado do acometimento do sistema nervoso autônomo por células inflamatórias.

A xerodermia pode ocorrer em qualquer idade mas sua prevalência é nitidamente maior na população idosa. A razão para isso ainda é desconhecida. Acredita-se, no entanto, que esteja relacionada a inúmeras alterações fisiológicas associadas ao envelhecimento da pele, como: diminuição da capacidade de barreira para inibir a perda hídrica da epiderme, alteração da composição lipídica no estrato córneo, entre ouros.

Aparece mais comumente nas pernas, dorso, flancos, abdome, cintura e braços. É pouco frequente o acometimento da axila, virilha, rosto e couro cabeludo. Condições ambientais como calor seco, uso de lareiras e utilização de ar condicionado pode precipitar esse tipo de manifestação cutânea em idosos. O uso de sabonetes duros, solventes, detergentes e produtos químicos podem também agravar ou mesmo causar o problema.

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