20 de dezembro de 2011

Síndrome da Boca Ardente

Por Joyce Freire Gonçalves de Melo
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A Síndrome da Boca Ardente (SBA) é um quadro que se caracteriza principalmente por sensação crônica de queimação oral na ausência de distúrbios orgânicos da boca. Embora a causa da SBA não seja completamente conhecida, supõe-se que haja uma associação complexa de fatores biológicos e psicológicos na sua gênese. Acomete geralmente mulheres na faixa etária entre 40 a 60 anos.  São fatores predisponentes fumo, álcool e infecções locais, além de fatores sistêmicos, como diabetes mellitus, síndrome de Sjögren, anemias, hipotireoidismo, radioterapia, deficiências de vitaminas do complexo B e de ferro e climatério. Entre os fatores de origem psicogênica, estão incluídos ansiedade e depressão. Trata-se muitas vezes de uma condição frustrante porque o médico não é capaz de diagnosticar definitivamente o quadro.

Palavras-Chave: Síndrome da Boca Ardente. Cavidade Bucal. Anormalidades da Boca.

A Síndrome da Boca Ardente (SBA) é também descrita na literatura médica como glossodínia, disestesia oral, glossopirose, glossalgia, estomatopirose e estomatodínia. Trata-se da sensação crônica de queimação oral na ausência de distúrbios orgânicos da boca. Embora a causa da SBA não seja completamente conhecida, uma associação complexa de fatores biológicos e psicológicos foi identificada, sugerindo a existência de uma etiologia multifatorial (MINGUEZ-SANZ et al., 2011).

Geralmente há intensa queimação, de preferência na língua (glossopirose), mas também pode ocorrer em outras áreas da mucosa oral, como o palato. Pode ocorrer também dor, geralmente em queimação, com ou sem sinais inflamatórios, mas igualmente sem que qualquer lesão seja detectada ao exame físico (CERCHIARI et al., 2006). Acomete geralmente mulheres na faixa etária entre 40 a 60 anos e a prevalência encontrada na população geral é de 3,7%, sendo de 1,6% em homens e de 5,5% em mulheres, sobretudo na perimenopausa (Ibid).

A intensidade dolorosa piora no decorrer do dia, nos estados de estresse, fadiga, ao falar muito, após a ingestão de alimentos condimentados e quentes. Já os fatores de melhora relatados pela literatura são alimentos frios, trabalho e distração (CERCHIARI et al., 2006; NERY et al., 2004).

Outras  manifestações importantes são as alterações do paladar (disgeusia). Os pacientes podem referir gosto persistente metálico, salgado ou amargo ou podem se queixar de mudanças na intensidade da percepção gustativa (GRUSHKA et al., 2002).

Intensa salivação ou, ao contrário, sensação de lábios e boca seca (xerostomia) também são sintomas frequentes na síndrome. Aumento da quantidade de potássio, proteínas e fosfatos foram algumas das alterações detectadas na composição salivar que justificam uma saliva mais espessa e pegajosa nesses casos (NERY et al., 2004).

Diversos fatores potencialmente desencadeantes desta afeccção são cogitados, porém sua etiologia ainda não é completamente entendida. Dividem-se os fatores causais em locais, sistêmicos e psicogênicos (NERY et al., 2004). Evidências recentes implicam neuropatias centrais e periféricas na origem da SBA, possivelmente representando uma "síndrome de dor fantasma" em alguns pacientes (MINOR; EPSTEIN, 2011).

Dentre os fatores locais, podem-se citar como predisponentes o fumo, o álcool, o refluxo gastroesofágico, hábitos parafuncionais (bruxismo) e próteses mal adaptadas. As infecções bacterianas, fúngicas e virais também são apontadas como fatores locais. Como fatores sistêmicos, estão associados a SAB o diabetes mellitus, síndrome de Sjögren, anemias, deficiências hormonais (hipotireoidismo), radioterapia, deficiências de nutricionais de vitaminas do complexo B e de ferro e o climatério. Entre os fatores de origem psicogênica, estão incluídos ansiedade, depressão e alterações do sono (CHERUBINI et al., 2005; NERY et al., 2004).

Woda et al. (2009) propõem uma hipótese com base na seguinte cascata fisiopatológica: ansiedade crônica ou estresse pós-traumático levaria a uma desregulação da produção adrenal de esteróides. Uma consequência disso seria uma diminuição da produção ou alterações de alguns precursores importantes para a síntese de esteróides neuroativos na pele, mucosa e do sistema nervoso. Na menopausa, a queda drástica da oferta de esteróides gonadais levaria a uma alteração rápida da produção de esteróides neuroativos. Isso resultaria em alterações degenerativas de fibras de pequenas nervos da mucosa oral e/ou algumas áreas do cérebro envolvidas em sensações somáticas orais.

Segundo estudo de Veloso e Cutrim (2000), apud Cherubini et al. (2005), os portadores da síndrome distinguem-se por serem indivíduos ansiosos, desconfiados, deprimidos, excessivamente preocupados, socialmente isolados e com suas funções corporais e emocionais alteradas.

A síndrome da boca ardente também foi associada ao uso de medicamentos pertencentes a diferentes grupos terapêuticos, como anti-retrovirais, anticonvulsivantes, hormônios e medicamentos anti-hipertensivos em particular. Curiosamente, entre os diferentes tipos de anti-hipertensivos, a SBA foi associada apenas com os compostos que agem sobre o sistema renina-angiotensina (SALORT-LORCA et al., 2008).

A SBA pode ser uma condição frustrante para o paciente e para o médico, porque muitas vezes o paciente experimenta uma dor contínua ou queimação na boca, sem sinais clínicos aparentes, enquanto o médico não é capaz de diagnosticar definitivamente o quadro. Para superar este dilema, é importante que o clínico possa reconhecer e compreender as complexidades da síndrome.

Efetuar um correto e eficaz diagnóstico desta síndrome não é fácil nem rápido, a abordagem deve ser multidisciplinar e específica para cada paciente. O diagnóstico é eminentemente clínico. A realização de anamnese detalhada, exame físico geral, exames da cavidade oral e orofaringe minuciosos à procura de lesão que descarte SAB são de fundamental importância.

Referências
CERCHIARI, D. P. et al. Síndrome da boca ardente: etiologia. Rev. Bras. Otorrinolaringol., vol.72, n.3, p.419-424, 2006.
CHERUBINI, K. et al. Síndrome da ardência bucal: revisão de cem casos. Revista Odonto Ciência, v. 20, n. 48, p. 109-112, 2005.
GRUSHKA, M. et al. Burning mouth syndrome. Am. Fam. Physician, v. 65, n. 4, p. 615-622, 2002.
MINGUEZ-SANZ, M. P.; SALORT-LLORCA, C.; SILVESTRE-DONAT, F. J. Etiology of burning mouth syndrome: a review and update. Med Oral Patol Cir Bucal, 16(2):e144-8, 2011.
MINOR, J. S.; EPSTEIN, J. B. Burning mouth syndrome and secondary oral burning. Otolaryngol Clin North Am, 44(1):205-19
NERY, F. S. et al. Avaliação da ansiedade e depressão da terceira idade e sua relação com a Síndrome da Ardência Bucal. R. Ci. Méd. Biol., v. 3, n. 1, p. 20-29, 2004.
SALORT-LORCA, C.; MINGUEZ-SERRA, M. P.; SILVESTRE, F. J. Drug-induced burning mouth syndrome: a new etiological diagnosis. Med Oral Patol Cir Bucal, 13(3):E167-70, 2008.
TERCI, A. O. et al. Atualizando-se sobre a Síndrome de Ardência Bucal. Revista de Odontologia da Universidade de Santo Amaro, v. 12, n. 1, p.32-35, 2007.
WODA, A.; DAO, T.; GREMEAU-RICHARD, C. Steroid dysregulation and stomatodynia (burning mouth syndrome). J Orofac Pain, 23(3):202-10, 2009

Crédito da imagem: a figura que ilustra esta postagem foi extraída de dentalaegis.com