23 de janeiro de 2012

Dor Neuropática

Por Álvaro Luiz Vieira Lubambo de Britto
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A dor neuropática é definida como uma dor causada por lesão ou disfunção do sistema nervoso central ou periférico, resultante de uma ativação anormal da via de transmissão do impulso. Trata-se de uma síndrome complexa e com mecanismos biológicos pouco esclarecidos. O diagnóstico é geralmente sugerido pela presença de dor crônica, resistente ao tratamento analgésico comum e desproporcional à lesão tecidual, além da coexistência de disestesia e sinais de lesão do nervo detectados durante o exame neurológico. A dor neuropática afeta de 2% a 3% da população, é onerosa para o sistema de saúde e emocionalmente devastadora para as pessoas afetadas.

Palavras-chave: Dor. Diagnóstico. Doença Crônica.

A dor é definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como sendo uma "experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesões reais ou potenciais" (BOTTEGA; FONTANA, 2010). Dessa definição, depreende-se que a relação entre lesão tecidual e dor não é exclusiva ou direta e que, na experiência dolorosa, aspectos sensitivos, emocionais, cognitivos e socioculturais estão interrelacionados (RIGOTTI; FERREIRA, 2005).

A dor é classificada em duas grandes classes: as dores nociceptivas, que são causadas por ativação fisiológica dos nociceptores, e as dores neuropáticas, que são iniciadas por uma lesão ou disfunção do sistema somatosensorial com consequente ativação anômala da via nocicieptiva constituída pelas fibras de pequeno calibre e do trato espinotalâmico (SCHESTATSKY; NASCIMENTO, 2009).

A dor neuropática é um quadro complexo de dor crônica, que resulta de dano ou disfunção primária do sistema nervoso periférico ou central, ao invés de estimulação nociceptiva dos receptores de dor, não possuindo, portanto, a função de defesa que caracteriza a dor aguda com estímulo identificável. Como tal, o termo “dor neuropática” representa um conjunto variado de sintomas ao invés de um diagnóstico. Não existe um padrão-ouro para diagnóstico da dor neuropática, e assim, fazer um diagnóstico é baseado na avaliação clínica.

O diagnóstico é geralmente sugerido pela presença de dor crônica, resistente ao tratamento analgésico comum e desproporcional à lesão tecidual, coexistência de disestesia (por exemplo, sensação de queimação ou formigamento) e sinais de lesão do nervo detectado durante o exame neurológico. Os elementos essenciais deste processo são identificar sintomas dolorosos e uma história clínica que corresponda ao acometimento de padrão neuroanatômico de dermátomo.

A fisiopatologia da dor neuropática ainda não é completamente conhecida. Mas o entendimento dos mecanismos celulares e moleculares dessa dor tem avançado com o desenvolvimento de vários modelos experimentais de lesão nervosa. Ambos mecanismos periféricos e centrais têm sido propostas como sendo relevantes para a patogênese da dor neuropática. A dor neuropática surge após lesão do nervo ousua disfunção.

Uma variedade de mecanismos fisiopatológicos distintos no sistema nervoso periférico e central podem operar conjuntamente. Em alguns pacientes, a lesão do nervo provoca alterações moleculares nos neurônios nociceptivos que se tornam anormalmente sensíveis e desenvolvem atividade espontânea patológica (upregulation dos canais de sódio e os receptores). Estes fenômenos podem levar a dor espontânea, disparando sensações de dor, bem como hiperalgesia e dor simpaticamente mantida. Atividade espontânea de grandes fibras A nociceptivas pode levar a parestesias. A hiperatividade em nociceptores, por sua vez induz alterações secundárias (hiperexcitabilidade) de neurônios na medula espinhal e no cérebro. Esta sensibilização central faz com que a entrada de impulsons em fibras mecanoreceptivas A sejam percebidas como dor (alodínia mecânica). Alterações neuroplásticas no centro de sistemas modulatórios descendentes da dor (inibitória ou facilitadora) podem levar a mais hiperexcitabilidade (BARON, 2009).

Depois de dano do nervo, a transcrição e o tráfico axonal dos canais de sódio para o local da lesão é aumentada, com atenuação concomitante de canais de potássio (Figura acima). A expressão alterada de canais iônicos geram atividade ectópica, que é considerada a gênese da dor espontânea e paroxística A lesão do nervo periférico provoca uma série de mudanças na transcrição de genes e ativação de proteinoq uinases, incluindo o reforço da N-metil-D-aspartato (NMDA) a atividade do receptor (GILRON et al., 2006).

O diagnóstico da dor neuropática é baseado principalmente na história clínica (distúrbio subjacente e características da dor) e os achados no exame físico (padrão de perturbação sensorial), mas vários testes podem, às vezes, ser úteis, como teste sensorial quantitativo ou exame eletrofisiológico. A avaliação do paciente com suspeita de dor neuropática deve enfocar também a exclusão de condições tratáveis (por exemplo, compressão da medula espinhal, neoplasia), a confirmação do diagnóstico de dor neuropática e identificação das características clínicas acima descritas, além de transtornos subjacentes (por exemplo, neuropatia) e comorbidades (insônia, depressão, sinais autonômicos), que podem ajudar a individualizar o tratamento.

No entanto, o diagnóstico clínico da dor neuropática não é simples, pois a sensação de dor não pode ser objetivamente mensurada e, na maioria das vezes, elementos de dor nociceptiva e dor neuropática estão presentes no mesmo paciente. Além disso, o paciente com dor neuropática tem grande dificuldade em descrever a sua dor. Espontaneamente o paciente tende apenas a classificar a dor em contínua ou intermitente e quase sempre de longa data. Quando indagado a respeito da dor após pergunta do examinador, são várias as sensações que o paciente pode referir. O mesmo as principais queixas de dor relatadas forma em queimação (54,4%), formigamento (24,3%), em fisgada (12,1%), latejante (6,1%) e em choque (3,0%) (RESENDE et al., 2009).

Disestesia, espontânea ou evocada, é típica da dor neuropática. Outras sensações, por exemplo, hiperestesia, hiperalgesia, alodinia (dor sem um estímulo) e hiperpatia (resposta exagerada à dor), também podem ocorrer. Os sintomas são de longa duração, geralmente persistem após a resolução da causa primária (se estava presente), pois o sistema nervoso central foi "sensibilizado" e "remodelado".

A dor neuropática pode se desenvolver após lesão a qualquer nível do sistema nervoso, periférico ou central, mas o sistema nervoso simpático pode estar envolvido também, causando dor simpaticamente mantida. Síndromes específicas incluem neuralgia pós-herpética, mononeuropatia traumática dolorosa, polineuropatia dolorosa (principalmente devido a diabetes mellitus), síndromes de dor central (potencialmente causada por praticamente qualquer lesão em qualquer nível do sistema nervoso), dor pós-cirúrgica, outrassíndromes de dor (por exemplo, a síndrome pós-mastectomia, síndrome pós-toracotomia, dor fantasma) e síndrome de dor regional complexa (distrofia simpático-reflexa).

Essa condição afeta de 2% a 3% da população, é onerosa para o sistema de saúde e é emocionalmente devastadora para as pessoas afetadas (GILRON et al., 2006). Um recente estudo inglês, citado por Schestatsky e Nascimento (2009), determinou uma prevalência de 8,2% das dores como tendo características neruropáticas e dentro das dores de caráter crônico esta corresponde a cerca de 17% grupo composto em sua maioria por mulheres, idosos de níveis socioeconômicos mais baixos. Esta é considerada atualmente umas das principais causas de dor crônica em nosso meio, principalmente entre os mais idosos, e dentre as dores crônicas são aquelas associadas a piores índices de qualidade de vida e estado geral de saúde dos pacientes (RESENDE et al., 2009).

A etiologia das dores neuropáticas é classificada de acordo com a estrutura de acometimento no sistema nervoso. A neuropatia diabética, a neuralgia trigeminal, a neuropatia induzida por invasão tumoral e síndromes de compressão de nervos como a síndrome do túnel do carpo são exemplo lesões do nervos que induzem a dor neuropática. A neuralgia pós-herpética e a avulsão traumática do plexo braquial são exemplos de acometimento da raiz dorsal causadores de dor neuropática. Por sua vez os acidentes vasculares cerebrais, a esclerose múltipla, as lesões isquêmicas de medula espinal e a siringomielia são exemplos de afecções do cérebro e medula espinal causadores de dor neuropática (SCHESTATSKY; NASCIMENTO, 2009).

A dor neuropática é uma afecção cada vez mais prevalente e ainda muitos de seus mecanismos são desconhecidos. Representa um grande problema neurológico e o tratamento de pacientes com essa dor foi muito negligenciado no passado. São necessários mais estudos para a elucidação do mecanismo etiopatogênico da dor neuropática.

Referências
BARON, R. Neuropathic pain: a clinical perspective. Handb Exp Pharmacol, 194: 3-30, 2009.
BOTTEGA, F. H.; FONTANA, R. T. A dor como quinto sinal vital. Texto Contexto Enfermagem, 19 (2): 283-90, 2010.
GILRON, I. et al. Neuropathic pain: a practical guide for the clinician. CMAJ, 175 (3): 265-275, 2006.
RESENDE, Marco Antonio Cardoso de et al. Perfil da dor Neuropática: a propósito do exame neurológico mínimo de 33 pacientes. Rev. Bras. Anestesiol. 60 (2): 144-148, 2010.
RIGOTTI, M. A.; FERREIRA, A. M. Intervenções de enfermagem no paciente com dor. Arq Ciênc Saúde, 12 (1): 50-54, 2005.
SCHESTATSKY, P.; NASCIMENTO, O. J. What do general neurologists need to know about neuropathic pain? Arq. Neuro-Psiquiatr. 67 (3a): 741-749, 2009.
Imagem: Gilron et al. (2006) - Neuropathic pain: a practical guide for the clinician. CMAJ, 175 (3): 265-275, 2006.

21 de janeiro de 2012

Pesquisa Científica e Formação Médica

Por Roberta Ismael Lacerda Ramalho
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Apenas 10%-20% dos cerca de 10.000 médicos formados anualmente no Brasil tiveram contato com o sistema de pesquisa médica. Contudo, a iniciação científica constitui uma ferramenta importante no processo de ensino-aprendizagem na graduação, representando um dos pilares da formação acadêmica. A experiência em pesquisa durante a graduação pode incutir fundamentos pedagógicos nos interessados em trilhar a vertente acadêmica, proporcionando o desenvolvimento da autodisciplina e a responsabilidade individual e coletiva, o hábito de sistematizar e cumprir tarefas, a curiosidade intelectual, a objetividade e o espírito crítico e a competência para buscar respostas para os problemas da prática profissional.

Palavras-chave: Pesquisa. Educação de Graduação em Médica. Pesquisa Médica.

O binômio ensino-pesquisa caracteriza o conceito de Universidade. Além de ser uma experiência institucional importante, a pesquisa científica é um dos pilares da formação acadêmica na graduação, pois estimula o estudante a desenvolver a capacidade de buscar soluções diante de determinadas problemáticas. Assim, a iniciação científica constitui uma ferramenta importante no processo de ensino-aprendizagem na graduação, aliando conhecimentos científicos com base na prática da investigação.

No Brasil, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) figura como a principal agência financiadora através de seu Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) na graduação, como forma de incentivo para a realização de pesquisas em universidades federais (PÊGO-FERNANDES; MARIANI, 2010).

Além disso, a pesquisa científica foi inserida como um dos tripés preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Medicina (BRASIL, 2001). No cenário nacional da educação médica, ainda há necessidade de se ampliar e sistematizar a produção científica em educação médica, evidenciando os resultados positivos (HAMAMOTO FILHO, 2009). 

No entanto, apenas 10%-20% dos cerca de 10.000 médicos formados anualmente no Brasil tiveram contato com o sistema de pesquisa médica (ZAGO, 2004). Essa realidade precisa mudar. É importante conscientizar docentes e discentes da importância da pesquisa científica como instrumento de qualificação acadêmica e profissional.

Na formação médica, a pesquisa científica é de suma importância também em virtude da grande velocidade do desenvolvimento das ciências médicas e da constante mudança dos saberes, necessitando a inserção do estudante de medicina nesta prática. A pesquisa proporciona ao aluno da graduação uma participação ativa na construção do seu conhecimento e na integração entre os conteúdos práticos e teóricos, além de ajudá-lo a aprender a aprender, pois ele terá que se atualizar constantemente durante toda sua vida profissional futura.

Conforme Bordieau (1989), a pesquisa é uma atividade racional em que o pesquisador se expõe e quanto mais se expõe, mais possibilidade de ganhos nesta exposição ele obtém, pois com a pesquisa também se aprende a partir das discussões sobre outras pesquisas realizadas.

Outros aspectos positivos da iniciação científica para o graduando são a oportunidade para divulgação da pesquisa, o seu desenvolvimento como expositor de trabalhos, a aprendizagem proporcionada pela própria pesquisa e o incentivo para continuar a desenvolver trabalhos de investigação científica.

A experiência em pesquisa pode incutir fundamentos pedagógicos nos alunos interessados em trilhar a vertente acadêmica, forjando o desenvolvimento da autodisciplina e a responsabilidade individual ou coletiva, o hábito de sistematizar e cumprir tarefas, a curiosidade intelectual, a objetividade, o espírito crítico e a competência para buscar respostas para os problemas da prática profissional. Portanto, a pesquisa é uma estratégia pedagógica de grande valor educativo, ampliando os referenciais de mundo do aluno, ao mesmo tempo em que o insere na cultura da pesquisa.

Nesse sentido, a iniciação científica não se propõe apenas a tornar o estudante um futuro pesquisador, mas também melhora seu rendimento acadêmico, ajudando-o a se organizar melhor, o que  pode ser um diferencial importante para sua formação médica.

A partir de um determinado momento, o aluno engajado em uma pesquisa científica tomará consciência de que nele e por ele se inicia um processo complexo de aprendizagem em que a reflexão crítica, o emprego do raciocínio, dos processos discursivos, da análise à síntese, da criatividade, enfim, de tudo que envolve o processo de investigação científica, ajudam no seu desenvolvimento.

Concluindo, a pesquisa na graduação é uma atividade motivadora e muito enriquecedora, que torna a formação mais abrangente e dota os graduandos de maior capacidade de observação e senso crítico. Mais do que tratar de pesquisa, a iniciação científica na graduação amplia a visão de mundo do estudante.

Referências
BORDIEAU, R. Introdução a uma Sociologia reflexiva. In: Poder Simbólico. Lisboa: Difel, 1989, p. 17-59.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução n. 4, CNE/CES de 7/11/2001. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina. Diário Oficial da União. Brasília, 9 nov. 2001; Seção 1, p. 38. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pedf/CES04.pdf. Acesso em: 21 jan. 2012.     
HAMAMOTO FILHO, P. T. et al. Proposta de formação de um "Núcleo Acadêmico de Pesquisa em Educação Médica": A preocupação e o envolvimento de estudantes com a formação médica. Interface (Botucatu), Botucatu, 35 (1): 108-113, 2009 .
HAMAMOTO FILHO, P. T. et al. Pesquisa em educação médica conduzida por estudantes: um ano de experiência do núcleo acadêmico de pesquisa em educação Médica. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, 35 (1): 2011.
OLIVEIRA, N. A.; ALVES, L. A.; LUZ, M. R. Iniciação científica na graduação: o que diz o estudante de medicina?. Rev. bras. educ. med., Rio de Janeiro, 32 (3): 309-314, 2008.
PÊGO- FERNANDES, P. M.; MARIANI, A. W. O ensino médico além da graduação: iniciação científica. Sao Paulo Med. J. 128 (3): 117-118, 2010.
ZAGO, M. C A pesquisa clínica no Brasil. Cienc Saúde Coletiva. 9 (22008): 363-374, 2004.

16 de janeiro de 2012

Semio-Vídeo da Monitoria: Exame do Tórax Respiratório

VÍDEO DIDÁTICO ENFOCANDO O EXAME DO TÓRAX RESPIRATÓRIO

Vídeo didático sobre exame físico do tórax respiratório produzido pelos monitores de Semiologia Médica / Centro de Ciências Médicas / UFPB, como parte das atividades do Grupo de Estudos em Semiologia Médica (GESME).

O vídeo "Tórax Respiratório" foi o segundo produzido no GESME. O primeiro foi sobre exame cardiovascular, também postado neste blog. Na produção do vídeo, seguiram-se as seguintes etapas: elaboração do roteiro; preparação do texto narrado; pré-definição de planos e objetivos a serem filmados; captura de imagens com uma câmera digital; filmagem na sala de aula de Semiologia no Hospital Universitário Lauro Wanderley/UFPB; edição e inserção de sons e efeitos sonoros.

O produto final obtido foi exibido em reunião do Grupo de Estudos. Posteriormente, o vídeo foi incorporado à videoteca do GESME e distribuído aos monitores atuais de Semiologia para utilização nas revisões práticas com os alunos da disciplina, sendo utilizado como ferramenta complementar de facilitação do seu aprendizado.  

Semio-Vídeo 1 da Monitoria: Exame do Coração



VÍDEO DIDÁTICO ENFOCANDO O EXAME DO CORAÇÃO

Primeira experiência de produção de vídeo sobre exame clínico pelos monitores da  disciplina de Semiologia Médica (UFPB), com o objetivo de desenvolver um instrumento didático complementar de aprendizado semiotécnico para os alunos de iniciação ao exame médico, agora divulgado pela Internet, para se tornar acessível aos estudantes de outras escolas.

Esta experiência inicial ensejou a idéia de criação de uma videoteca de Semiologia Médica na UFPB pelos monitores. Estes emitiram consentimento por escrito para a difusão do vídeo.

14 de janeiro de 2012

Morte Súbita

Por Charles Saraiva Gadelha
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Morte súbita é o óbito que ocorre até uma hora após o início de sintomas iniciais de colapso cardiocirculatório. A maioria dos casos ocorre segundos após os pródromos, mas pode acontecer sem nenhum sintoma inicial. O principal mecanismo de produção do quadro fatal é o arritmogênico, principalmente a fibrilação ventricular. Na maioria dos casos, há uma cardiopatia estrutural de base, e representa o mais importante fator de risco a presença de uma baixa fração de ejeção sistólica. A principal condição associada à morte súbita no adulto jovem é cardiomiopatia hipertrófica, já no paciente idoso, a principal causa é a doença arterial coronariana. Episódios de síncope, palpitações e história familiar de síncope e morte súbita são os principais preditores de risco de morte súbito identificados na anamnese do paciente.

Palavras-Chave: Morte Súbita. Parada Cardíaca. Arritmias Cardíacas.

A definição clínico-epidemiológica de morte súbita é o óbito que acontece dentro de, no máximo, uma hora após o início de sintomas pré-terminais. Na prática, a maioria dos casos de morte súbita ocorre segundos após os sintomas iniciais, mas pode também acontecer sem que tenha havido nenhum sintoma prodrômico relatado. Outro importante conceito nesse contexto é o de "morte súbita abortada", que corresponde à parada cardíaca súbita (até uma hora a partir do início dos sintomas) que foi revertida com sucesso (MYEBERG, 2010).

O mecanismo eletrofisiológico mais comum da morte súbita é a taquiarritmia, como fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular (TV) (WINSLOW et al., 2005). Contudo, existem múltiplos mecanismos envolvendo o coração como um todo (por exemplo, o desequilíbrio de tônus autonômico), o tecido (por exemplo, a reentrada, bloqueios e alternância de duração de potenciais de ação), a celular (automaticidade) e o nível subcelular (ativação ou desativação anormal dos canais iônicos) envolvidos na geração de TV ou FV em diferentes condições (WINSLOW et al., 2005). Outros mecanismos, tais como anormalidades de condução e colisões físicas no miocárdio durante sua repolarização (comotio cordis) estão envolvidos na geração de FV e de TV (MARON et al., 2002).

Aproximadamente 20-30% dos pacientes com eventos de morte súbita documentadas apresentam bradiarritmia ou assistolia no momento do contato clínico inicial. Muitas vezes, é difícil determinar com certeza o evento inicial em um paciente que apresenta uma bradiarritmia, porque a assistolia e a atividade elétrica sem pulso (AESP) pode resultar de uma TV sustentada. Menos comumente, uma bradiarritmia inicial pode produzir isquemia miocárdica e, então, gerar TV ou FV, com subsequente morte súbita (MEHRA, 2007).

A maioria dos casos de morte súbita cardíaca ocorre em pacientes com anormalidades estruturais do coração. A remodelação miocárdica após um infarto do miocárdio é a anormalidade estrutural mais comum em pacientes vítimas de morte súbita cardíaca (EZEKOWITZ, 2007).

Cardiomiopatia hipertrófica e cardiomiopatia dilatada são cardiopatias associadas a um risco aumentado de morte súbita, sendo a primeira a principal causa de morte súbita em adultos jovens, com menos de 30 anos. Várias doenças valvares, como estenose aórtica, também estão associadas com risco aumentado de morte súbita. Doenças agudas, como a miocardite, podem apresentar tanto risco inicial como sustentado de morte súbita devido à inflamação e à fibrose miocárdica (PIMENTA, 2004).

Contudo, embora menos comumente, a morte súbita pode acontecer também em pacientes que não apresentam doença cardíaca estrutural aparente. Estes casos geralmente estão relacionados com síndromes arritmogênicas, como a síndrome de Bragada, uma canalopatia miocárdica de natureza genética (MYERBERG, 2010).

A morte súbita é responsável por aproximadamente 325.000 mortes por ano nos Estados Unidos; mais mortes são atribuíveis à morte súbita do que ao câncer de pulmão, ao câncer de mama ou à Aids. Isso representa uma incidência de 0,1-0,2% por ano na população adulta. É mais comum nos homens que nas mulheres, numa proporção de 3:1. A incidência é paralela à de doença arterial coronariana. Este quadro fatal  pode ser, muitas vezes, a primeira expressão de doença arterial coronariana (MEHRA, 2007).

A obtenção de uma história completa do paciente, de familiares ou de outras testemunhas é necessário para entender os acontecimentos que envolveram a morte súbita. Pacientes com risco de morte súbita podem ter pródromos de dor no peito, fadiga, palpitações, e outras queixas inespecíficas. História e sintomas associados, até certo ponto, dependem da etiologia subjacente da morte súbita. Por exemplo, a morte súbita em um paciente idoso com doença arterial coronariana significativa, pode estar associada com dor torácica devido a um infarto do miocárdio, enquanto em um paciente jovem pode estar associado com história de episódios de síncope antes e/ou história familiar de síncope e morte súbita devido a síndromes arritmogênicas hereditárias.

Podem evoluir para morte súbita os pacientes com síndrome de Stokes-Adams, um quadro que consiste em síncope, ocasionalmente cursando também com convulsões, e decorrente de uma arritmia cardíaca grave,  com bloqueio atrio-ventricular (BAV) completo, ou de terceiro grau. Antes de ocorrer o episódio de síncope, o paciente pode se tornar pálido e bradicárdico. O período de inconsciência dura geralmente 30 segundos. Imediatamente após o bloqueio da condução AV, os ventrículos páram de se contrair por cinco a dez segundos. Subsequentemente, uma parte do sistema de Purkinje dispara ritmicamente em uma frequência de 15 a 40 vezes por minuto, atuando como um marcapasso ventricular (escape ventricular). Como o cérebro não pode permanecer ativo por mais de quatro segundos sem  suprimento sanguíneo, os pacientes apresentam o episódio de desmaio entre o bloqueio da condução e o “escape” dos ventrículos. Pode ocorrer morte súbita.

No Brasil, a síndrome de Stokes-Adams ocorre frequentemente em pacientes com miocardiopatia de Chagas, na sua forma clínica mais frequente, que é a de arritmia. Assim, merece referência especial nesta forma clínica a alta prevalência de morte súbita, sendo a taquiarritmia ventricular o mecanismo fisiopatológico mais importante.

Estima-se que 45% das pessoas que foram vítimas de morte súbita foram vistos por um médico dentro de quatro semanas antes da morte, embora 75% das queixas que as levaram ao médico não tenham sido relacionadas ao sistema cardiovascular (EZEKOWITZ, 2007).

Em relação aos fatores de risco, os mais importantes a doença arterial coronariana, infarto do miocárdio e miocardiopatia isquêmica subsequentes, história familiar de doença arterial coronariana prematura, tabagismo, dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes mellitus,  obesidade e sedentarismo (MEHRA, 2007). A história prévia de disfunção ventricular esquerdae VE (fração de ejeção menor que 30-35%) é o fator de risco mais importante relacionado à morte súbita (EZEKOWITZ, 2007).

Condições associadas mais específicas incluem cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia hipertrófica, valvopatias, síndrome do QT longo, síndrome de Wolff-Parkinson-White, síndrome de Brugada e displasia arritmogênica de ventrículo direito. O exame físico pode revelar sinais de doença miocárdica subjacente ou pode ser inteiramente normal, dependendo da causa subjacente (MYERBURG, 2010). Também a distrofia muscular miotônica (doença de Steinert) é uma doença neuromuscular em que o acometimento cardíaco caracteriza-se por alterações a nível do sistema excito-condutor, em que o comprometimento do sistema excito-condutor pode acarretar episódios de bloqueios de Stokes-Adams e morte súbita por dissociação AV (MORAES, 1995).

A morte encefálica começa a ocorrer em apenas seis minutos depois do início de uma parada cardíaca. A parada cardíaca em FV ou TV é reversível na maior parte das vítimas se for tratada dentro de alguns minutos com um choque elétrico (cardioversão ou desfibrilação) ao coração para restaurar um ritmo normal. Sobreviventes de parada cardíaca deve ter todas as causas corrigidas para evitar futuros episódios (PRIORI et al., 2001).

Referências
EZEKOVITZ, J. A. et al. Systematic review: implantable cardioverter defibrillators for adults with left ventricular systolic dysfunction. Ann Intern Med. 147(4): 251-62, 2007.
MARON, B. J. et al. Clinical profile and spectrum of commotio cordis. JAMA 287(9):1142-6, 2002.
MEHRA, R. Global public health problem of sudden cardiac death. Journal of Electrocardiology. 40(6 Suppl):S118-22, 2007. 
MORAES, C. R. Anormalidades eletrocardiográfica na doença de Steinert. An Fac Med Univ Fed Pernamb, 40(1): 23-7, 1995
MYERBURG, R. J.; CASTELHANOS, A. Parada Cardíaca e Morte Súbita Cardíaca. In: Braunwald: Tratado de doenças cardiovasculares. 8ª ed. Philadelphia: WB Saunders Co., p. 933-974, 2010.
PIMENTA, J. V. N. Identificação dos Pacientes sob Risco de Morte Súbita - Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo; 14(2):239-249, 2004.
PRIORI, S. G. et al. Task Force on Sudden Cardiac Death of the European Society of Cardiology. Eur Heart J. 22c(16): 1374-450, 2001.
WINSLOW, R. D.; MEHTA, D.; FUSTER, V. Sudden cardiac death: mechanisms, therapies and challenges. Nat Clin Pract Cardiovasc Med. 2 (7): 352-60, 2005.

Fonte: hospitalnazareth.com/Sudden-Cardiac-Death.htm

11 de janeiro de 2012

Mixedema Pretibial

 
Por Josué Vieira da Silva
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Mixedema pretibial constitui importante sinal clínico da Doença de Graves, enfermidade auto-imune que pode cursar com hipertireoidismo, bócio e oftalmopatia infiltrativa. Esta manifestação clínica está presente em cerca de 5% dos pacientes com Doença de Graves, e caracteriza-se pela presença de edema não depressível, espessamento e eritema violáceo na região pré-tibial ou dorso do pé, podendo ser unilateral ou bilateral.

Palavras-chave: Mixedema. Doença de Graves. Dermatoses da Perna. 

O mixedema pretibial, ou dermopatia de Graves, é uma das manifestações extra-tireoidianas da Doença de Basedow-Graves, geralmente de surgimento tardio e acometendo cerca de 5% dos pacientes portadores desta doença. A forma grave de mixedema pretibial, denominada elefantíase nostra verrucosa, ocorre em 1% dos casos (GOPIE; NARAYNSINGH, 2011). Supõe-se que seja de natureza auto-imune, como a própria Doença de Graves.

A quase totalidade dos pacientes com mixedema pretibial apresenta associação com orbitopatia infiltrativa grave, podendo ainda apresentar sinais de hipertireoidismo acentuado, baqueteamento digital, osteoartropatia das falanges das mãos e dos pés.

O mixedema pretibial apresenta-se como lesão edemaciada, hiperpigmentada e não depressível, acometendo o revestimento cutâneo pré-tibial e/ou dorso dos pés, em geral aparecendo como nódulos individuais ou placas, eventualmente tornando-se confluentes, com margem ou borda lisas. O mixedema pretibial pode apresentar aspecto de “casca de laranja”, porém com coloração violácea. Em casos raros essas lesões podem surgir na face, cotovelos ou dorso das mãos. Baqueteamento digital também pode ser identificado nestes pacientes, sobretudo associado a tireotoxicose prolongada, atualmente rara devido ao maior desenvolvimento das técnicas diagnósticas e início precoce do tratamento (NEVES et al., 2008). Embora, as lesões em geral sejam assintomáticas podem ser pruriginosas ou dolorosas.

Em alguns doentes, evoluem para uma forma de elefantíase que surge associada a elevados níveis séricos de anticorpos anti-rTSH. Nesta condição a pele endurecida assume um aspecto verrucoso. A hiperpigmentação pode surgir em decorrência do metabolismo acelerado do cortisol com consequente aumento da secreção do ACTH que é melanodérmico-estimulante (NEVES et al, 2008). A causa da localização predominantemente pré-tibial ainda é incerta, mas acredita-se que esteja relacionada a fatores traumáticos.

Por muito tempo, a patogênese do mixedema pretibial foi um mistério. Recententemente confirmou-se a natureza auto-imune da doença e tem se destacado o importante papel das citocinas na expressão de moléculas HLA-DR em sua fisiopatologia. Como se esperava, o fibroblasto é a principal célula-alvo efetora no quadro (GREENE, 1995).

O quadro decorre de um acúmulo de glicosaminoglicanos na derme, especialmente o ácido hialurônico, secretado pelos fibroblastos, que são ativados pelas linfocinas. O potencial hidrofílico dos glisosaminoglicanos associado à compressão linfática dérmica provoca um edema sem o sinal do cacifo. As fibras colágenas estão fragmentadas e as lesões iniciais contém infiltrado linfocítico (DAVIES et al., 2006).

A Doença de Graves, a qual pode cursar com o mixedema pretibial em 5% dos casos, resulta da hiperfunção da tireóide (hipertireoidismo) e apresenta ampla predominância no sexo feminino, a etiologia é multifatorial, decorrente da interposição complexa de fatores genéticos, ambientais e constitucionais que levam a ativação de reação auto-imune mantida dirigida à tireóide. Segundo Vilar et al. (2009), são os seguintes os fatores de risco para a Doença de Graves: suscetibilidade genética, infecção, estresse, gravidez, iodo e irradiação.

O diagnóstico atual do mixedema pretibial é feito com base na observação clínica e na realização de exame histopatológico. Nenhuma outra ferramenta diagnóstica satisfatória, objetiva e não-invasiva, está disponível ainda (SHIH et al., 2011).

As lesões do mixedema pretibial são bastante características e não costumam originar dúvidas de diagnóstico diferencial, embora às vezes pareçam com as placas de líquen simples crônico, líquen plano, elefantíase hipertrófica e necrobiose lipoídica.

Referências
ANDRADE, V. A.; GROSS, J. L.; MAIA, A. L.. Tratamento do hipertireoidismo da Doença de Graves. Arq Bras Endocrinol Metab. 45 (6): 609-618, 2001.
DAVIES, T. F. et al. Pathogenesis of Graves’disease. In Uptodate 2006. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/pathogenesis-of-graves-disease. Acesso em: 11 jan. 2012.
GREENE, G. Mixedema pretibial: patogénesis. Dermatol. rev. mex, 39(4): 210-2, 1995
GOPIE, P.; NARAYNSINGH, V. Severe pretibial myxedema. Int J Low Extrem Wounds. 10 (2): 91-2, 2011.
NEVES, C.; ALVES, M.; DELGADO, J. L. et al. Doença de Graves. Arq Med, 22 (4-5): 137-146, 2008.

SHIH, S. R. et al. Observing pretibial myxedema in patients with Graves' disease using digital infrared thermal imaging and high-resolution ultrasonography: for better records, early detection, and further investigation. Eur J Endocrinol, 164 (4): 605-11, 2011

VILAR L. et al. Endocrinologia Clínica, 4ª edição, Guanabara Koogan, 2009.
YOUNG, P.; FINN, B. C.; BRUETMAN, J. E. La enfermedad de Graves, signos y síntomas. An. Med. Interna (Madrid), 24 (10): 34-42, 2007.

Imagem: gfmer.ch

4 de janeiro de 2012

Síndrome do Desfiladeiro Torácico


Por Ezemir Fernandes Dantas Júnior
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
A Síndrome do Desfiladeiro Torácico é reconhecida como uma causa de dor nos membros superiores. É muitas vezes sub-diagnosticada e sua frequência, subestimada pelos clínicos. Trata-se de um quadro neurovascular resultante da compressão do tronco inferior e médio do plexo braquial, artéria e veia subclávias, entre a base do pescoço e a axila. Os achados clínicos são diversos, mas incluem principalmente dor na região dos ombros e pescoço, perda da sensibilidade no membro, fraqueza na musculatura da mão e redução dos pulsos arteriais na extremidade afetada. O diagnóstico do SDT é difícil devido à complexidade dos sintomas vasculares e neurológicos, além de exigir a realização de testes provocativos, investigações eletrofisiológicas e ultra-sonografia com doppler. Um bom conhecimento anatômico ao clínico é mandatório, a fim de esclarecer os mecanismos e a localização das lesões que dependem de exames de imagem sofisticados.

Palavras-chave: Síndrome do desfiladeiro torácico. Neuropatia. Dor.

A síndrome do desfiladeiro torácico é reconhecida como uma causa de dor nos membros superiores. É muitas vezes sub-diagnosticada, e sua frequência, subestimada pelos clínicos.

O desfiladeiro torácico é constituído pela primeira costela, artéria e veia subclávias, plexo braquial, clavícula e ápice pulmonar (HARRISSON, 2006). Esse compartimento anatômico pode ser dividido em duas sub-regiões: a primeira é o espaço do triângulo interescaleno: formado pelo espaço entre o músculo escaleno anterior (anteriormente), músculos escalenos médio e posterior (posteriormente) e pela primeira costela (inferiormente); a segunda sub-região consiste no espaço costoclavicular, delimitado pela metade medial da clavícula (superiormente), pela face cranial da primeira costela (inferiormente), pelo ligamento costoclavicular ou rombóide (anteriormente) e posteriormente pelo músculo escaleno posterior (FRANCISCO et al., 2006).

A síndrome do desfiladeiro torácico (SDT) é o termo genérico utilizado para definir diversos sinais e sintomas causados pela compressão das estruturas neurovasculares quando de sua passagem entre a base do pescoço e a axila. Esta síndrome foi delineada clinicamente por Sir Astley Cooper em 1821, mas só foi batizada como tal mais de um século depois, em 1956, por Peet Filho et al. (2008).

A incidência da SDT varia de 3 a 80 casos por 1.000 habitantes, predominando em mulheres entre 20 e 50 anos (CELLI et al., 2006). A SDT neurogênica verdadeira é entidade rara, com incidência aproximada de 1 em 1.000.000 de indivíduos. A maioria dos pacientes é de mulheres adultas com idade entre 18 e 55 anos, com proporção homem/mulher de 1:9 (SCOLA et al., 1999).

As manifestações clínicas são diversas, sendo que nem todas estão necessariamente presentes no quadro clínico de cada paciente. A maior parte dos achados clínicos é de compressão neurológica. Os sinais e sintomas da SDT neurogênica verdadeira são devidos à compressão do tronco inferior do plexo braquial, que corresponde às raízes C8/T1.

A SDT pode ser classificada em três formas: SDT neurogênica, venosa e arterial. A neurogênica apresenta-se com sintomas localizados nas extremidades superiores e atribuíveis à compressão do plexo braquial. A venosa, também conhecida como Síndrome de Paget-Schroetter, envolve a oclusão venosa subclávio-axilar, com formação de trombos e embolização raras. A SDT arterial resulta da obstrução da artéria subclávia com claudicação,  formação de trombos e embolização possíveis (NICHOLS, 2009).

A SDT neurogênica é uma condição rara, e envolve o sofrimento do cordão inferior e médio do plexo braquial, sempre motivada por conflito entre o conteúdo e o continente do triângulo interescaleno. A presença de costela cervical ou de banda fibrosa oriunda do processo transverso alongado de C7 reduzindo este pequeno espaço supraclavicular são causas típicas (PEET FILHO et al., 2008). A SDT vascular corresponde a aproximadamente 5% dos casos de SDT e pode ser dividida nas formas arterial e venosa (SCOLA et al., 1999).

Na maioria dos casos o sintoma inicial é dor na região medial do braço e antebraço ou dor difusa em todo o membro superior. Formigamentos na região medial da mão, principalmente no quarto e quinto dedo são frequentes. Tanto a dor quanto as parestesias são intermitentes e tem como fator de piora o esforço físico e o período noturno. Na evolução do quadro, os pacientes começam a apresentar fraqueza da musculatura da mão. A maioria dos casos apresenta atrofia da região tenar da mão (SCOLA et al., 1999).

Compressões da artéria subclávia geralmente cursam com extremidade fria, fraqueza, cansaço do membro acometido, dor difusa e diminuição da amplitude do pulso arterial, enquanto as alterações venosas apresentam-se frequentemente com trombose venosa, distensão dos vasos superficiais e graus variáveis de dor (THOMAZINHO et al., 2008). A pressão arterial está reduzida no membro acometido (HARRISSON, 2006).

Como exames complementares para auxiliar no diagnóstico da SDT temos a radiografia simples de tórax e de coluna, que permite a visualização de anormalidades ósseas, incluindo costela cervical de C7, as quais são descritas em 10% dos pacientes com SDT. A eletroneuromiografia pode ser útil na elucidação diagnóstica da SDT de origem neurogênica. No entanto, como o pinçamento nervoso é intermitente e envolve apenas um curto segmento do nervo, a eletrofisiologia, frequentemente, apresenta resultado normal. Além disso, o difícil acesso ao desfiladeiro torácico pode resultar em falsos negativos.

Na angiografia por subtração digital, os achados angiográficos descritos na SDT com o braço em posição neutra incluem principalmente a moderada dilatação da artéria subclávia distal/artéria axilar proximal, o curso anômalo da artéria subclávia distal, estenose e formação de aneurisma. Trombos murais podem estar presentes nestes aneurismas. A ressonância magnética parece ser um bom método de imagem para SDT, mas ainda não existem estudos científicos com bom nível de evidência. O exame auxilia na elucidação da causa e localização da compressão (FRANCISCO et al., 2006).

Os principais diagnósticos diferenciais da SDT são a síndrome do túnel do carpo, radiculopatias, espondilose cervical, compressão do nervo ulnar a nível do cotovelo, siringomielia, tumores cervicais e lesões do plexo braquial por tração, trauma e radioterapia (SCOLA et al., 1999).

O diagnóstico do SDT é difícil devido à complexidade dos sintomas vasculares e neurológicas, e exige testes provocativos, investigações eletrofisiológicas e ultra-sonografia com doppler. Um bom conhecimento anatômico é obrigatório, a fim de esclarecer os mecanismos e a localização das lesões que dependem de exames de imagem sofisticados.

Recomenda-se excluirem-se todas as outras causas de dor nos membros superiores, bem como síndromes de compressão de nervo periférico, que pode coexistir com a SDT. Diagnóstico e tratamento da SDT envolvem reumatologistas, neurologistas, fisiatras, ortopedistas, cirurgiões vasculares, cirurgiões torácicos, neurocirurgiões e psiquiatras que, por vezes, têm de cooperar para evitar graves sequelas funcionais.

Referências
ARAUJO, L.F.L. et al. Fístula linfática após tratamento cirúrgico de síndrome do desfiladeiro torácico à direita. J Bras Pneumol. 35 (4): 388-391, 2009.
HARRISON, T.R. et al. Harrison Medicina Interna.16ª ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2006.
FRANCISCO, M.C. et al. Estudo por Imagem da Síndrome do Desfiladeiro Torácico. Rev. Bras. Reumatol. 46 (5): 353-355, 2006.
NICHOLS, A. W. Diagnosis and management of thoracic outlet syndrome. Curr Sports Med Rep, 8 (5): 240-9, 2009
PEET FILHO, M. et al. Síndrome do desfiladeiro torácico neurogênica verdadeira. Relato de Caso. Revista Brasileira de Neurologia. 44 (4): 35-39, 2008.
SCOLA, R.H. et al. Síndrome do desfiladeiro torácico tipo neurogênico verdadeiro. Arq. Neuropsiquiatr. 57 (3-A): 659-665, 1999.
THOMAZINHO, F. et al. Complicações arteriais da síndrome do desfiladeiro torácico. J Vasc Bras. 7 (2): 150-154, 2008.