Por Álvaro Luiz Vieira Lubambo de Britto
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
A dor neuropática é definida como uma dor causada por lesão ou disfunção do sistema nervoso central ou periférico, resultante de uma ativação anormal da via de transmissão do impulso. Trata-se de uma síndrome complexa e com mecanismos biológicos pouco esclarecidos. O diagnóstico é geralmente sugerido pela presença de dor crônica, resistente ao tratamento analgésico comum e desproporcional à lesão tecidual, além da coexistência de disestesia e sinais de lesão do nervo detectados durante o exame neurológico. A dor neuropática afeta de 2% a 3% da população, é onerosa para o sistema de saúde e emocionalmente devastadora para as pessoas afetadas.
Palavras-chave: Dor. Diagnóstico. Doença Crônica.
A dor é definida pela Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como sendo uma "experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesões reais ou potenciais" (BOTTEGA; FONTANA, 2010). Dessa definição, depreende-se que a relação entre lesão tecidual e dor não é exclusiva ou direta e que, na experiência dolorosa, aspectos sensitivos, emocionais, cognitivos e socioculturais estão interrelacionados (RIGOTTI; FERREIRA, 2005).
A dor é classificada em duas grandes classes: as dores nociceptivas, que são causadas por ativação fisiológica dos nociceptores, e as dores neuropáticas, que são iniciadas por uma lesão ou disfunção do sistema somatosensorial com consequente ativação anômala da via nocicieptiva constituída pelas fibras de pequeno calibre e do trato espinotalâmico (SCHESTATSKY; NASCIMENTO, 2009).
A dor neuropática é um quadro complexo de dor crônica, que resulta de dano ou disfunção primária do sistema nervoso periférico ou central, ao invés de estimulação nociceptiva dos receptores de dor, não possuindo, portanto, a função de defesa que caracteriza a dor aguda com estímulo identificável. Como tal, o termo “dor neuropática” representa um conjunto variado de sintomas ao invés de um diagnóstico. Não existe um padrão-ouro para diagnóstico da dor neuropática, e assim, fazer um diagnóstico é baseado na avaliação clínica.
O diagnóstico é geralmente sugerido pela presença de dor crônica, resistente ao tratamento analgésico comum e desproporcional à lesão tecidual, coexistência de disestesia (por exemplo, sensação de queimação ou formigamento) e sinais de lesão do nervo detectado durante o exame neurológico. Os elementos essenciais deste processo são identificar sintomas dolorosos e uma história clínica que corresponda ao acometimento de padrão neuroanatômico de dermátomo.
A fisiopatologia da dor neuropática ainda não é completamente conhecida. Mas o entendimento dos mecanismos celulares e moleculares dessa dor tem avançado com o desenvolvimento de vários modelos experimentais de lesão nervosa. Ambos mecanismos periféricos e centrais têm sido propostas como sendo relevantes para a patogênese da dor neuropática. A dor neuropática surge após lesão do nervo ousua disfunção.
Uma variedade de mecanismos fisiopatológicos distintos no sistema nervoso periférico e central podem operar conjuntamente. Em alguns pacientes, a lesão do nervo provoca alterações moleculares nos neurônios nociceptivos que se tornam anormalmente sensíveis e desenvolvem atividade espontânea patológica (upregulation dos canais de sódio e os receptores). Estes fenômenos podem levar a dor espontânea, disparando sensações de dor, bem como hiperalgesia e dor simpaticamente mantida. Atividade espontânea de grandes fibras A nociceptivas pode levar a parestesias. A hiperatividade em nociceptores, por sua vez induz alterações secundárias (hiperexcitabilidade) de neurônios na medula espinhal e no cérebro. Esta sensibilização central faz com que a entrada de impulsons em fibras mecanoreceptivas A sejam percebidas como dor (alodínia mecânica). Alterações neuroplásticas no centro de sistemas modulatórios descendentes da dor (inibitória ou facilitadora) podem levar a mais hiperexcitabilidade (BARON, 2009).
Depois de dano do nervo, a transcrição e o tráfico axonal dos canais de sódio para o local da lesão é aumentada, com atenuação concomitante de canais de potássio (Figura acima). A expressão alterada de canais iônicos geram atividade ectópica, que é considerada a gênese da dor espontânea e paroxística A lesão do nervo periférico provoca uma série de mudanças na transcrição de genes e ativação de proteinoq uinases, incluindo o reforço da N-metil-D-aspartato (NMDA) a atividade do receptor (GILRON et al., 2006).
O diagnóstico da dor neuropática é baseado principalmente na história clínica (distúrbio subjacente e características da dor) e os achados no exame físico (padrão de perturbação sensorial), mas vários testes podem, às vezes, ser úteis, como teste sensorial quantitativo ou exame eletrofisiológico. A avaliação do paciente com suspeita de dor neuropática deve enfocar também a exclusão de condições tratáveis (por exemplo, compressão da medula espinhal, neoplasia), a confirmação do diagnóstico de dor neuropática e identificação das características clínicas acima descritas, além de transtornos subjacentes (por exemplo, neuropatia) e comorbidades (insônia, depressão, sinais autonômicos), que podem ajudar a individualizar o tratamento.
No entanto, o diagnóstico clínico da dor neuropática não é simples, pois a sensação de dor não pode ser objetivamente mensurada e, na maioria das vezes, elementos de dor nociceptiva e dor neuropática estão presentes no mesmo paciente. Além disso, o paciente com dor neuropática tem grande dificuldade em descrever a sua dor. Espontaneamente o paciente tende apenas a classificar a dor em contínua ou intermitente e quase sempre de longa data. Quando indagado a respeito da dor após pergunta do examinador, são várias as sensações que o paciente pode referir. O mesmo as principais queixas de dor relatadas forma em queimação (54,4%), formigamento (24,3%), em fisgada (12,1%), latejante (6,1%) e em choque (3,0%) (RESENDE et al., 2009).
Disestesia, espontânea ou evocada, é típica da dor neuropática. Outras sensações, por exemplo, hiperestesia, hiperalgesia, alodinia (dor sem um estímulo) e hiperpatia (resposta exagerada à dor), também podem ocorrer. Os sintomas são de longa duração, geralmente persistem após a resolução da causa primária (se estava presente), pois o sistema nervoso central foi "sensibilizado" e "remodelado".
A dor neuropática pode se desenvolver após lesão a qualquer nível do sistema nervoso, periférico ou central, mas o sistema nervoso simpático pode estar envolvido também, causando dor simpaticamente mantida. Síndromes específicas incluem neuralgia pós-herpética, mononeuropatia traumática dolorosa, polineuropatia dolorosa (principalmente devido a diabetes mellitus), síndromes de dor central (potencialmente causada por praticamente qualquer lesão em qualquer nível do sistema nervoso), dor pós-cirúrgica, outrassíndromes de dor (por exemplo, a síndrome pós-mastectomia, síndrome pós-toracotomia, dor fantasma) e síndrome de dor regional complexa (distrofia simpático-reflexa).
Essa condição afeta de 2% a 3% da população, é onerosa para o sistema de saúde e é emocionalmente devastadora para as pessoas afetadas (GILRON et al., 2006). Um recente estudo inglês, citado por Schestatsky e Nascimento (2009), determinou uma prevalência de 8,2% das dores como tendo características neruropáticas e dentro das dores de caráter crônico esta corresponde a cerca de 17% grupo composto em sua maioria por mulheres, idosos de níveis socioeconômicos mais baixos. Esta é considerada atualmente umas das principais causas de dor crônica em nosso meio, principalmente entre os mais idosos, e dentre as dores crônicas são aquelas associadas a piores índices de qualidade de vida e estado geral de saúde dos pacientes (RESENDE et al., 2009).
A etiologia das dores neuropáticas é classificada de acordo com a estrutura de acometimento no sistema nervoso. A neuropatia diabética, a neuralgia trigeminal, a neuropatia induzida por invasão tumoral e síndromes de compressão de nervos como a síndrome do túnel do carpo são exemplo lesões do nervos que induzem a dor neuropática. A neuralgia pós-herpética e a avulsão traumática do plexo braquial são exemplos de acometimento da raiz dorsal causadores de dor neuropática. Por sua vez os acidentes vasculares cerebrais, a esclerose múltipla, as lesões isquêmicas de medula espinal e a siringomielia são exemplos de afecções do cérebro e medula espinal causadores de dor neuropática (SCHESTATSKY; NASCIMENTO, 2009).
A dor neuropática é uma afecção cada vez mais prevalente e ainda muitos de seus mecanismos são desconhecidos. Representa um grande problema neurológico e o tratamento de pacientes com essa dor foi muito negligenciado no passado. São necessários mais estudos para a elucidação do mecanismo etiopatogênico da dor neuropática.
Referências
BARON, R. Neuropathic pain: a clinical perspective. Handb Exp Pharmacol, 194: 3-30, 2009.
BOTTEGA, F. H.; FONTANA, R. T. A dor como quinto sinal vital. Texto Contexto Enfermagem, 19 (2): 283-90, 2010.
GILRON, I. et al. Neuropathic pain: a practical guide for the clinician. CMAJ, 175 (3): 265-275, 2006.
RESENDE, Marco Antonio Cardoso de et al. Perfil da dor Neuropática: a propósito do exame neurológico mínimo de 33 pacientes. Rev. Bras. Anestesiol. 60 (2): 144-148, 2010.
RIGOTTI, M. A.; FERREIRA, A. M. Intervenções de enfermagem no paciente com dor. Arq Ciênc Saúde, 12 (1): 50-54, 2005.
SCHESTATSKY, P.; NASCIMENTO, O. J. What do general neurologists need to know about neuropathic pain? Arq. Neuro-Psiquiatr. 67 (3a): 741-749, 2009.
Imagem: Gilron et al. (2006) - Neuropathic pain: a practical guide for the clinician. CMAJ, 175 (3): 265-275, 2006.