Por Climério Avelino de Figueredo
Professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB, Campus I
No debate entre
os reitoráveis que ocorreu hoje, 19/04/12, promovido pelo Centro Acadêmico
Napoleão Laureano (CANAL), o representante do grupo que está na direção deste
centro acadêmico, Pablo Cartaxo (meu ex-aluno, estudioso, comprometido,
educado e a quem muito prezo), no curto tempo que lhe foi destinado,
apresentou a visão deste grupo sobre a universidade, e da qual, anotei os
seguintes pontos principais;
· A
UFPB e as universidades federais estão submetidas a um insidioso processo de privatização e de precarização (suponho que a precarização se refere ao
trabalho dos docentes);
· Os
alunos que ingressam na UFPB são quase que exclusivamente das escolas privadas
já que escola pública é de péssima qualidade;
· A
UFPB está um caos;
· Os
candidatos a reitor não têm um projeto de transformação e sim de manutenção do
status quo.
Em
outras ocasiões, esta visão foi mais bem explicitada e ela coincide com a visão
de outras pessoas que militam no movimento docente, discente e de servidores
técnico-administrativos, o que não é novidade, visto que elas são oriundas de
segmentos da esquerda que são fortemente críticos em relação ao governo e às
políticas ditas neoliberais.
Inicialmente,
gostaria de afirmar que estas são questões complexas e para bem conhecê-las é
necessário muito estudo e a sua resolução não ocorre por atos voluntaristas,
nem de forma rápida. Daí porque acredito que parte do que foi dito pelo Pablo é
verdadeiro, mas sua visão está cheia de equívocos.
Vejamos!
O processo de privatização e
precarização das universidades não ocorre. É apenas um chavão usado pelo
movimento sindical e estudantil para manter uma prática no serviço público que
é condenável e danosa aos interesses públicos.
O
caráter público das universidades e dos HUs é dado por três aspectos:
financiamento público de suas despesas, gratuidade do seu acesso e funcionamento
de acordo com o interesse público.
As
medidas que têm sido propostas e implementadas não comprometem estes três
aspectos. A atual situação, sim.
Se
observarmos a maneira como funciona a universidade, veremos que este
funcionamento não leva em consideração o interesse público e sim o interesse
privado. Tomemos como exemplo o HU e, dentro dele, a categoria médica.
Se
formos ao HU em uma manhã qualquer, veremos o seguinte, em relação ao trabalho
do médico:
1-
São raros os que cumprem a jornada de trabalho de quatro horas, por turno. Eles
ficam, talvez, metade deste tempo e atendem os pacientes de forma rápida, o que
compromete a qualidade do atendimento e a possibilidade de cura, acarretando desperdício
de recursos;
2-
Muitos chegam cedo, atendem rapidamente os pacientes e vão para seus
consultórios, clínicas e hospitais;
3-
Outros chegam tarde porque, antes, passam nos hospitais, para visitar seus
pacientes, ou nos consultórios, onde fazem atendimento.
Este
mesmo comportamento se observa em um grande número de professores que têm a
universidade como bico. Eles vêm apenas dar a aula, quando vêm, e retornam às
suas atividades privadas, mesmo sendo professores com dedicação exclusiva.
Muitos
colocam as aulas no horário que lhes é adequado e não no horário adequado aos
alunos. Como consequência, o horário dos alunos fica cheio de “buracos”, o que
lhes é muito prejudicial. Conheço muitos casos interessantes que aqui não relato
para não alongar o texto
E
os servidores técnico-administrativos? Na maioria, eles ficam ociosos a maior
parte de sua curta jornada de trabalho e organizam seus horários de acordo com
os seus interesses e não segundo o interesse da universidade. Exemplo: excesso
de servidores em horários que lhes são convenientes e falta em outros horários
importantes para os setores.
Então, caro Pablo, já está tudo privatizado. Sobre isto, os
grupos que alegam a suposta privatização, nada ou pouco falam.
É mais fácil culpar o governo.
E
a precarização?
Um
trabalho é precário quando estão presentes algumas destas características:
ambiente físico inadequado, jornada de trabalho prolongada e/ou extenuante,
salários irrisórios e assédio moral de chefes que exigem resultados que
extrapolam o que normalmente é cabível.
Alguém
acha que pelo menos uma destas características está presente nas universidades?
Todo
este quiproquó ocorre porque começa a se exigir que nós atinjamos metas, que, é
preciso dizer, são muito fáceis, facílimas de atingir, como um mínimo de oito
(eu disse oito!) horas de aulas por semana (eu disse por semana!), e que o
professor faça pelo menos duas (d-u-a-s!) destas três atividades: ensino,
pesquisa e extensão.
A
respeito da suposta precarização do trabalho docente, eu envio um texto que
produzi semestre passado, intitulado: Por
que os professores universitários sofrem tanto?
A democratização do acesso
É
verdade que são poucos os alunos oriundos das escolas públicas que ingressam em
nossa universidade, notadamente nos cursos mais concorridos, o que demonstra a
baixa qualidade do ensino nestas escolas e a grande defasagem em relação às escolas
privadas.
Que
a escola pública é de baixa qualidade, todos sabemos e isto é o resultado de
múltiplos fatores, entre eles o descaso de sucessivos governos. O Pablo falou
que antigamente as melhores escolas eram públicas, como o Liceu Paraibano.
Além
do descaso governamental, há outros fatores mais complexos envolvidos com esta
questão como a universalização do ensino fundamental, a expansão do ensino
médio e a mercantilização da educação. Na época em que o Liceu era um dos
melhores colégios da Paraíba, o número de colégios, professores e alunos era
pequeno, tanto em termos absolutos quanto em termos relativo à população da
Paraíba. Então, era mais fácil garantir melhor qualidade.
A
mercantilização da educação levou à expansão do ensino privado. Do ponto de
vista financeiro é mais interessante pagar o ensino fundamental e o ensino
médio e garantir o acesso às universidades públicas.
Por
mais que o governo invista nas escolas públicas, dificilmente elas atingirão o
patamar das escolas privadas que, para garantir a superioridade adquirida, investirão
mais ainda. No entanto, o governo pode e deve melhorar a qualidade do ensino
público. Mas, nestas e em outras questões, a responsabilidade, embora seja mais
do governo, deve ser compartilhada com a sociedade, com as famílias e com as
pessoas, individualmente ou agrupadas.
Dentro
desta visão, o que a UFPB poderá fazer? Muito.
Darei
um exemplo. Em cada ano civil, são previstos dois semestre letivos, cada um
durando cerca de quatro meses e cem dias letivos. Isto significa que durante
oito meses por ano, os professores, os servidores técnico-administrativos e
toda a infraestrutura da universidade estão ocupados com os alunos da graduação
e da pós-graduação. Nos quatro meses restantes, os servidores técnico-administrativos
deveriam gozar férias trabalhistas de 30 dias, os professores, de 45 dias (sim,
nós estamos entre o grupo de categorias privilegiadas (professores
universitários, juízes, parlamentares que têm férias mais longas do que os
demais trabalhadores).
Conta
elementar: professores, servidores técnico-administrativos e a estrutura
universitária ficam ociosos durante 75, 90 e 120 dias, respectivamente, todo
ano.
Por
que, então, não colocar tudo isto à disposição das escolas públicas oferecendo
cursos de capacitação para os professores destas escolas, cursos de extensão
para os alunos e, também, para a comunidade?
Ao
invés disto, a universidade fica às moscas, com salas de aulas e laboratórios
vazios. Os servidores vêm esporadicamente ao trabalho. E os professores?
Tirando uma pequena minoria que vem à universidade, os demais podem ser
encontrados nas suas residências, nos shoppings centers, nas praias e,
principalmente, nas suas atividades privadas.
Caro Pablo e demais militantes do movimento docente, discente e técnico-administrativo,
por que vocês se calam sobre isto?
A UFPB está um caos?
Depende.
Se a analisamos pelo aspecto da estrutura física e dos equipamentos, podemos
dizer que temos melhorado, graças às verbas do Programa de Apoio à
Re-estruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI), programa ao qual se opuseram quase todos esses
que agora denunciam o caos e a suposta privatização das universidades.
Na
reunião do Conselho Universitário que votou a adesão da UFPB ao REUNI, os
representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) votaram contra a
adesão.
Desde
o tempo em que eu militava no movimento estudantil, lá atrás, este tinha como
uma de suas bandeiras de lutas o aumento das vagas nas universidades públicas. É
estranho que no momento em que o governo propõe isto juntamente com o aumento
de verbas e de vagas para a contratação de professores, quem mais deveria
apoiar esta medida negue o seu apoio.
Qualquer
um que conhece a UFPB há algum tempo pode constatar estas melhorias. Em outros
aspectos, também avançamos, como o número de vagas ofertadas no PSS, o número
de cursos de graduação e pós-graduação, as atividades de pesquisas e de extensão
etc.
Mas,
se analisamos a UFPB em termos do que avançou e do montante dos recursos que
ela recebeu, podemos dizer que há problemas.
Não
diria caos, mas situação complicada, nós podemos encontrar no que diz respeito
ao cumprimento da jornada de trabalho por parte de professores e servidores
técnico-administrativos e à qualidade e à quantidade deste trabalho.
Para
sanar estes problemas, medidas como jornada de trabalho de oito horas diárias,
aferida com ponto eletrônico digital (este que existe mediante senha que corresponde
ao CPF de cada servidor, é uma piada. Funcionários
de um mesmo setor socializam o número de seus CPF e quem chega primeiro ou sai
por último tecla a senha dos demais), estabelecimento de metas de desempenho e
avaliação do trabalho docente, aí incluída a avaliação por parte dos alunos.
Mas, caro Pablo e demais militantes acima qualificados, cumprimento
de jornada de trabalho de oito horas diárias, ponto eletrônico digital, metas
de desempenho e avaliação são medidas com as quais vocês não concordam ou sobre
elas silenciam. Por quê?
Muitas
outras dificuldades poderiam ser solucionadas se houvesse um melhor
gerenciamento dos recursos, evitando desperdícios pelo consumo inadequado de
eletricidade, telefone, água e material de expediente. E também pela concessão de
passagens e diárias, pelo uso de automóveis e pela distribuição de equipamentos
tendo com critério as relações de compadrio e não a funcionalidade com base no
interesse público.
Os candidatos a reitor têm um projeto
de transformação?
O
processo de eleições diretas para os cargos de direção da universidade é algo
importante para a sua democratização. No entanto, tal qual na política
partidária extra-universidade, ele engendrou uma prática política que está
permeada pelo interesse de grupos corporativistas organizados e pelo interesse
de pessoas que utilizam o bem público
para tirar vantagens pessoais.
Se
contrapor a estes interesses implica altas chances de derrotas. Além disto, nas
universidades, o poder é muito fragmentado. Devido a isto, o poder de mudança
na mão de um reitor é muito limitado.
Mas,
se bem utilizado e em conjunto com outras forças mudancistas, pode ter uma ação
incrementalista, para usar um termo do campo da análise de políticas públicas.
Uma mudança consistente no âmbito da UFPB contrariará muitos interesses.
Por
isto, tal qual o Pablo, não acredito que haja muitas mudanças, qualquer que
seja o eleito, ou a eleita. Por conta do momento delicado, não aprofundarei a
análise se a prática dos candidatos e candidatas é coerente com o discurso de
campanha.
Mas
uma coisa é preciso que se diga: o que propõem os atores acima explicitados vai
de encontro a uma mudança que vise ao interesse público, pois são propostas que
fortalecem as piores práticas corporativistas existentes nas universidades.
Além
destes pontos importantes na fala do Pablo, para finalizar, comento brevemente
a primeira pergunta feita pelos membros da diretoria do CANAL que foi sobre a
realização de estágios pelos estudantes de medicina em outros hospitais além do
HU, o que reforçaria o seu aprendizado.
Sobre
isto, quero dizer que na minha época de
estudante, de forma precária, isto existia, mas que os dirigentes dos hospitais
onde os estágios eram realizados reclamavam que os professores orientadores dos
alunos não compareciam, deixando-os perdidos, o que os transformava em meros
executores de tarefas, ou seja, mão de obra gratuita para os hospitais.
Dos
alunos, escuto muitas reclamações a respeito da ausência de professores em sala
de aula, do não aproveitamento de todo o tempo destinado à aula, da prática
de mandar monitores e
mestrandos/doutorandos em seu lugar (quando é obrigação do professor estar presente em sala de aula). Tem mais: professores que não dominam o conteúdo da
disciplina, que não atualizam o material didático, que não corrigem e publicam
as notas no tempo hábil, que têm comportamento autoritário para com os alunos, etc, etc, etc.
No início do mês, o salário estará
garantido. Então, caro Pablo e demais, em termos de privatização... já está
tudo dominado!
Por que ANDES e ADUFPB são contrários à
avaliação quantitativa e qualitativa dos professores?
Sugestões
Algumas:
1-Exigência
de cumprimento de jornada de trabalho de 40 horas semanais, em dois turnos, com
aferição pelo ponto eletrônico digital e por outros mecanismos, para
professores e alunos;
2-Cassação
da dedicação exclusiva para professores que têm atividades privadas;
3-Distribuição
dos servidores técnico-administrativos pelos diversos setores de acordo com as
necessidades dos setores e não de acordo com os interesses particulares (quase
sempre indefensáveis);
4-Férias
para professores (e para juízes e parlamentares) de trinta dias, tal qual têm
os demais trabalhadores, como os da construção civil, os das atividades
agrícolas, os garis etc.;
5-
Expansão das vagas e dos cursos (temos, na ativa, 3.639 servidores
técnico-administrativos e 1.290 professores. Com toda esta galera trabalhando
40 horas semanais poderíamos dobrar a oferta e não precisaria haver nenhuma
contratação);
6-No
caso do HU, exigência de o médico atender o paciente no horário que está
marcado, evitando a
precarização da vida do doente que vem de Coxixola (Coxixola = qualquer
lugar distante), de madrugada, e fica até tarde da manhã, muitas vezes com fome
e com o desconforto da doença, esperando o médico;
7- Organização
do primeiro período letivo para os meses de março/abril/maio e junho (cem dias
letivos) e do segundo período letivo para os meses de
agosto/setembro/outubro/novembro (cem dias letivos). Férias coletivas para
professores e servidores técnico-administrativos no período de 20 de dezembro a
20 de janeiro;
8-
Organização de cursos, oficinas, seminários, vivências, palestras para a
comunidade, notadamente para alunos e professores das escolas públicas, nos
meses em que não houvesse aula para os cursos normais da UFPB, nem férias
trabalhistas. Neste caso, professores e servidores técnico-administrativos, ao
invés de ficarem em casa, nos shopping centers, nas praias e nos bares, viriam
para a universidade ministrar estas atividades acima elencadas, pois somos
pagos para trabalhar e não para ficar no ócio;
9-
Implementação da avaliação quantitativa e qualitativa de professores e
servidores técnico-adminstrativos, com vinculação do desempenho ao salário e à
ascensão funcional;
10-
Controle rigoroso do gasto na universidade para evitar desperdício e maior
transparência na gestão.
Além
destas dez sugestões, muitas outras podem ser postas em prática.
Aí
sim, teríamos uma mudança significativa na UFPB.
Certamente o Pablo e os atores acima
nominados não concordam com estas propostas. Nem graça haveria em apoiá-las,
pois não caberia o bordão de culpar o governo e o neoliberalismo. Todas estas
falhas são cometidas por nós. Feito o trabalho de casa, com moral, poderíamos
reivindicar 10% do PIB para a educação.
Climério
Avelino de Figueredo é Professor
do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB - climerioaf@bol.com.br
A figura ilustrativa desta postagem foi escolhida pelo GESME (Fonte: infojovem.org.br).