25 de abril de 2012

A Fala do CANAL no Debate dos Reitoráveis: Verdades e Equívocos


Por Climério Avelino de Figueredo
Professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB, Campus I

No debate entre os reitoráveis que ocorreu hoje, 19/04/12, promovido pelo Centro Acadêmico Napoleão Laureano (CANAL), o representante do grupo que está na direção deste centro acadêmico, Pablo Cartaxo (meu ex-aluno, estudioso, comprometido, educado e a quem muito prezo), no curto tempo que lhe foi destinado, apresentou a visão deste grupo sobre a universidade, e da qual, anotei os seguintes pontos principais;
· A UFPB e as universidades federais estão submetidas a um insidioso processo de privatização e de precarização (suponho que a precarização se refere ao trabalho dos docentes);
·   Os alunos que ingressam na UFPB são quase que exclusivamente das escolas privadas já que escola pública é de péssima qualidade;
·     A UFPB está um caos;
·   Os candidatos a reitor não têm um projeto de transformação e sim de manutenção do status quo.
Em outras ocasiões, esta visão foi mais bem explicitada e ela coincide com a visão de outras pessoas que militam no movimento docente, discente e de servidores técnico-administrativos, o que não é novidade, visto que elas são oriundas de segmentos da esquerda que são fortemente críticos em relação ao governo e às políticas ditas neoliberais.
Inicialmente, gostaria de afirmar que estas são questões complexas e para bem conhecê-las é necessário muito estudo e a sua resolução não ocorre por atos voluntaristas, nem de forma rápida. Daí porque acredito que parte do que foi dito pelo Pablo é verdadeiro, mas sua visão está cheia de equívocos.
Vejamos!
O processo de privatização e precarização das universidades não ocorre. É apenas um chavão usado pelo movimento sindical e estudantil para manter uma prática no serviço público que é condenável e danosa aos interesses públicos.
O caráter público das universidades e dos HUs é dado por três aspectos: financiamento público de suas despesas, gratuidade do seu acesso e funcionamento de acordo com o interesse público.
As medidas que têm sido propostas e implementadas não comprometem estes três aspectos. A atual situação, sim.
Se observarmos a maneira como funciona a universidade, veremos que este funcionamento não leva em consideração o interesse público e sim o interesse privado. Tomemos como exemplo o HU e, dentro dele, a categoria médica.
Se formos ao HU em uma manhã qualquer, veremos o seguinte, em relação ao trabalho do médico:
1- São raros os que cumprem a jornada de trabalho de quatro horas, por turno. Eles ficam, talvez, metade deste tempo e atendem os pacientes de forma rápida, o que compromete a qualidade do atendimento e a possibilidade de cura, acarretando desperdício de recursos;
2- Muitos chegam cedo, atendem rapidamente os pacientes e vão para seus consultórios, clínicas e hospitais;
3- Outros chegam tarde porque, antes, passam nos hospitais, para visitar seus pacientes, ou nos consultórios, onde fazem atendimento.
Este mesmo comportamento se observa em um grande número de professores que têm a universidade como bico. Eles vêm apenas dar a aula, quando vêm, e retornam às suas atividades privadas, mesmo sendo professores com dedicação exclusiva.
Muitos colocam as aulas no horário que lhes é adequado e não no horário adequado aos alunos. Como consequência, o horário dos alunos fica cheio de “buracos”, o que lhes é muito prejudicial. Conheço muitos casos interessantes que aqui não relato para não alongar o texto
E os servidores técnico-administrativos? Na maioria, eles ficam ociosos a maior parte de sua curta jornada de trabalho e organizam seus horários de acordo com os seus interesses e não segundo o interesse da universidade. Exemplo: excesso de servidores em horários que lhes são convenientes e falta em outros horários importantes para os setores.
Então, caro Pablo, já está tudo privatizado. Sobre isto, os grupos que alegam a suposta privatização, nada ou pouco falam.
É mais fácil culpar o governo.
E a precarização?
Um trabalho é precário quando estão presentes algumas destas características: ambiente físico inadequado, jornada de trabalho prolongada e/ou extenuante, salários irrisórios e assédio moral de chefes que exigem resultados que extrapolam o que normalmente é cabível.
Alguém acha que pelo menos uma destas características está presente nas universidades?
Todo este quiproquó ocorre porque começa a se exigir que nós atinjamos metas, que, é preciso dizer, são muito fáceis, facílimas de atingir, como um mínimo de oito (eu disse oito!) horas de aulas por semana (eu disse por semana!), e que o professor faça pelo menos duas (d-u-a-s!) destas três atividades: ensino, pesquisa e extensão.
A respeito da suposta precarização do trabalho docente, eu envio um texto que produzi semestre passado, intitulado: Por que os professores universitários sofrem tanto?
A democratização do acesso
É verdade que são poucos os alunos oriundos das escolas públicas que ingressam em nossa universidade, notadamente nos cursos mais concorridos, o que demonstra a baixa qualidade do ensino nestas escolas e a grande defasagem em relação às escolas privadas.
Que a escola pública é de baixa qualidade, todos sabemos e isto é o resultado de múltiplos fatores, entre eles o descaso de sucessivos governos. O Pablo falou que antigamente as melhores escolas eram públicas, como o Liceu Paraibano.
Além do descaso governamental, há outros fatores mais complexos envolvidos com esta questão como a universalização do ensino fundamental, a expansão do ensino médio e a mercantilização da educação. Na época em que o Liceu era um dos melhores colégios da Paraíba, o número de colégios, professores e alunos era pequeno, tanto em termos absolutos quanto em termos relativo à população da Paraíba. Então, era mais fácil garantir melhor qualidade.
A mercantilização da educação levou à expansão do ensino privado. Do ponto de vista financeiro é mais interessante pagar o ensino fundamental e o ensino médio e garantir o acesso às universidades públicas.
Por mais que o governo invista nas escolas públicas, dificilmente elas atingirão o patamar das escolas privadas que, para garantir a superioridade adquirida, investirão mais ainda. No entanto, o governo pode e deve melhorar a qualidade do ensino público. Mas, nestas e em outras questões, a responsabilidade, embora seja mais do governo, deve ser compartilhada com a sociedade, com as famílias e com as pessoas, individualmente ou agrupadas.
Dentro desta visão, o que a UFPB poderá fazer? Muito.
Darei um exemplo. Em cada ano civil, são previstos dois semestre letivos, cada um durando cerca de quatro meses e cem dias letivos. Isto significa que durante oito meses por ano, os professores, os servidores técnico-administrativos e toda a infraestrutura da universidade estão ocupados com os alunos da graduação e da pós-graduação. Nos quatro meses restantes, os servidores técnico-administrativos deveriam gozar férias trabalhistas de 30 dias, os professores, de 45 dias (sim, nós estamos entre o grupo de categorias privilegiadas (professores universitários, juízes, parlamentares que têm férias mais longas do que os demais trabalhadores).
Conta elementar: professores, servidores técnico-administrativos e a estrutura universitária ficam ociosos durante 75, 90 e 120 dias, respectivamente, todo ano.
Por que, então, não colocar tudo isto à disposição das escolas públicas oferecendo cursos de capacitação para os professores destas escolas, cursos de extensão para os alunos e, também, para a comunidade?
Ao invés disto, a universidade fica às moscas, com salas de aulas e laboratórios vazios. Os servidores vêm esporadicamente ao trabalho. E os professores? Tirando uma pequena minoria que vem à universidade, os demais podem ser encontrados nas suas residências, nos shoppings centers, nas praias e, principalmente, nas suas atividades privadas.
Caro Pablo e demais militantes do movimento docente, discente e técnico-administrativo, por que vocês se calam sobre isto? 
A UFPB está um caos?
Depende. Se a analisamos pelo aspecto da estrutura física e dos equipamentos, podemos dizer que temos melhorado, graças às verbas do Programa de Apoio à Re-estruturação  e Expansão das Universidades Federais (REUNI), programa ao qual se opuseram quase todos esses que agora denunciam o caos e a suposta privatização das universidades.
Na reunião do Conselho Universitário que votou a adesão da UFPB ao REUNI, os representantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) votaram contra a adesão.
Desde o tempo em que eu militava no movimento estudantil, lá atrás, este tinha como uma de suas bandeiras de lutas o aumento das vagas nas universidades públicas. É estranho que no momento em que o governo propõe isto juntamente com o aumento de verbas e de vagas para a contratação de professores, quem mais deveria apoiar esta medida negue o seu apoio.
Qualquer um que conhece a UFPB há algum tempo pode constatar estas melhorias. Em outros aspectos, também avançamos, como o número de vagas ofertadas no PSS, o número de cursos de graduação e pós-graduação, as atividades de pesquisas e de extensão etc.
Mas, se analisamos a UFPB em termos do que avançou e do montante dos recursos que ela recebeu, podemos dizer que há problemas.
Não diria caos, mas situação complicada, nós podemos encontrar no que diz respeito ao cumprimento da jornada de trabalho por parte de professores e servidores técnico-administrativos e à qualidade e à quantidade deste trabalho.
Para sanar estes problemas, medidas como jornada de trabalho de oito horas diárias, aferida com ponto eletrônico digital (este que existe mediante senha que corresponde ao  CPF de cada servidor, é uma piada. Funcionários de um mesmo setor socializam o número de seus CPF e quem chega primeiro ou sai por último tecla a senha dos demais), estabelecimento de metas de desempenho e avaliação do trabalho docente, aí incluída a avaliação por parte dos alunos.
Mas, caro Pablo e demais militantes acima qualificados, cumprimento de jornada de trabalho de oito horas diárias, ponto eletrônico digital, metas de desempenho e avaliação são medidas com as quais vocês não concordam ou sobre elas silenciam. Por quê?      
Muitas outras dificuldades poderiam ser solucionadas se houvesse um melhor gerenciamento dos recursos, evitando desperdícios pelo consumo inadequado de eletricidade, telefone, água e material de expediente. E também pela concessão de passagens e diárias, pelo uso de automóveis e pela distribuição de equipamentos tendo com critério as relações de compadrio e não a funcionalidade com base no interesse público.
Os candidatos a reitor têm um projeto de transformação?
O processo de eleições diretas para os cargos de direção da universidade é algo importante para a sua democratização. No entanto, tal qual na política partidária extra-universidade, ele engendrou uma prática política que está permeada pelo interesse de grupos corporativistas organizados e pelo interesse de pessoas que  utilizam o bem público para tirar vantagens pessoais.
Se contrapor a estes interesses implica altas chances de derrotas. Além disto, nas universidades, o poder é muito fragmentado. Devido a isto, o poder de mudança na mão de um reitor é muito limitado.
Mas, se bem utilizado e em conjunto com outras forças mudancistas, pode ter uma ação incrementalista, para usar um termo do campo da análise de políticas públicas. Uma mudança consistente no âmbito da UFPB contrariará muitos interesses.
Por isto, tal qual o Pablo, não acredito que haja muitas mudanças, qualquer que seja o eleito, ou a eleita. Por conta do momento delicado, não aprofundarei a análise se a prática dos candidatos e candidatas é coerente com o discurso de campanha.
Mas uma coisa é preciso que se diga: o que propõem os atores acima explicitados vai de encontro a uma mudança que vise ao interesse público, pois são propostas que fortalecem as piores práticas corporativistas existentes nas universidades.    
Além destes pontos importantes na fala do Pablo, para finalizar, comento brevemente a primeira pergunta feita pelos membros da diretoria do CANAL que foi sobre a realização de estágios pelos estudantes de medicina em outros hospitais além do HU, o que reforçaria o seu aprendizado.
Sobre isto, quero dizer que na  minha época de estudante, de forma precária, isto existia, mas que os dirigentes dos hospitais onde os estágios eram realizados reclamavam que os professores orientadores dos alunos não compareciam, deixando-os perdidos, o que os transformava em meros executores de tarefas, ou seja, mão de obra gratuita para os hospitais.
Dos alunos, escuto muitas reclamações a respeito da ausência de professores em sala de aula, do não aproveitamento de todo o tempo destinado à aula, da prática de  mandar monitores e mestrandos/doutorandos em seu lugar (quando é obrigação do professor estar presente em sala de aula). Tem mais: professores que não dominam o conteúdo da disciplina, que não atualizam o material didático, que não corrigem e publicam as notas no tempo hábil, que têm comportamento autoritário para com os alunos, etc, etc, etc.
No início do mês, o salário estará garantido. Então, caro Pablo e demais, em termos de privatização... já está tudo dominado!
Por que ANDES e ADUFPB são contrários à avaliação quantitativa e qualitativa dos professores?                  
        
Sugestões
Algumas:
1-Exigência de cumprimento de jornada de trabalho de 40 horas semanais, em dois turnos, com aferição pelo ponto eletrônico digital e por outros mecanismos, para professores e alunos;
2-Cassação da dedicação exclusiva para professores que têm atividades privadas;
3-Distribuição dos servidores técnico-administrativos pelos diversos setores de acordo com as necessidades dos setores e não de acordo com os interesses particulares (quase sempre indefensáveis);
4-Férias para professores (e para juízes e parlamentares) de trinta dias, tal qual têm os demais trabalhadores, como os da construção civil, os das atividades agrícolas, os garis etc.;
5- Expansão das vagas e dos cursos (temos, na ativa, 3.639 servidores técnico-administrativos e 1.290 professores. Com toda esta galera trabalhando 40 horas semanais poderíamos dobrar a oferta e não precisaria haver nenhuma contratação);
6-No caso do HU, exigência de o médico atender o paciente no horário que está marcado, evitando a precarização da vida do doente que vem de Coxixola (Coxixola =  qualquer lugar distante), de madrugada, e fica até tarde da manhã, muitas vezes com fome e com o desconforto da doença, esperando o médico;
7- Organização do primeiro período letivo para os meses de março/abril/maio e junho (cem dias letivos) e do segundo período letivo para os meses de agosto/setembro/outubro/novembro (cem dias letivos). Férias coletivas para professores e servidores técnico-administrativos no período de 20 de dezembro a 20 de janeiro;
8- Organização de cursos, oficinas, seminários, vivências, palestras para a comunidade, notadamente para alunos e professores das escolas públicas, nos meses em que não houvesse aula para os cursos normais da UFPB, nem férias trabalhistas. Neste caso, professores e servidores técnico-administrativos, ao invés de ficarem em casa, nos shopping centers, nas praias e nos bares, viriam para a universidade ministrar estas atividades acima elencadas, pois somos pagos para trabalhar e não para ficar no ócio;
9- Implementação da avaliação quantitativa e qualitativa de professores e servidores técnico-adminstrativos, com vinculação do desempenho ao salário e à ascensão funcional;
10- Controle rigoroso do gasto na universidade para evitar desperdício e maior transparência na gestão.
Além destas dez sugestões, muitas outras podem ser postas em prática.
Aí sim, teríamos uma mudança significativa na UFPB.
Certamente o Pablo e os atores acima nominados não concordam com estas propostas. Nem graça haveria em apoiá-las, pois não caberia o bordão de culpar o governo e o neoliberalismo. Todas estas falhas são cometidas por nós. Feito o trabalho de casa, com moral, poderíamos reivindicar 10% do PIB para a educação.  


Climério Avelino de Figueredo é Professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB - climerioaf@bol.com.br


A figura ilustrativa desta postagem foi escolhida pelo GESME (Fonte: infojovem.org.br).