14 de abril de 2012

Parêntese Poético: Ode ao Fígado

Brindamos os visitantes do Semioblog com este poema, em que Pablo Neruda canta as virtudes e vicissitudes do maior órgão interno do corpo, esse órgão complexo que exerce tantas funções cruciais à manutenção da vida.  

ODE AO FÍGADO
Pablo Neruda
(Tradução de Celso Japiassu)

Modesto,
organizado
amigo,
trabalhador,
profundo,
deixa-me te dar a asa
do meu canto,
o golpe de ar,
o salto de minha ode:
ela nasce de tua máquina invisível,
ela voa partindo de teu infatigável
e fechado moinho,
entranha delicada e poderosa
sempre viva e obscura.
Enquanto o coração sonha e atrái
a partitura do bandolin,
lá dentro tu filtras e repartes,
separas e divides,
multiplicas e engraxas,
sobes e recolhes
os fios e os gramas
da vida, os últimos licores,
as íntimas essências.
Víscera submarina,
medidor do sangue,
vives cheio de mãos e de olhos
medindo e transvasando
em teu escondido quarto de alquimista.
Amarelo é o teu sistema
de hidrografia vermelha,
búzio da mais perigosa
profundidade do homem
ali sempre escondido,
sempiterno,
na usina,
silencioso.
E todo sentimento ou estímulo
cresceu em teu maquinário,
recebeu alguma gota de tua elaboração infatigável,
ao amor agregaste fogo ou melancolia,
uma pequena célula equivocada
ou uma fibra gasta em teu trabalho
e o aviador se engana de céu,
e o temor se precipita em assovio,
o astrônomo perde um planeta.
Como brilham acima
os olhos feiticeiros da rosa,
os lábios do cravo matutino!
Como ri no rio a donzela!
E abaixo o filtro e a balança,
a delicada química do fígado,
a adega dos câmbios sutis:
ninguém o vê ou o canta,
porém,
quando envelhece ou desgasta seu morteiro,
os olhos da rosa se acabaram,
o cravo murchou sua dentadura
e a donzela não cantou no rio
Austera parte ou todo
de mim mesmo,
avô do coração,
moinho de energia:
te canto e temo
como se foras juiz,
metro,
fiel implacável,
e se não posso
entregar-me amarrado à pureza,
se o excessivo comer
ou o vinho hereditário de minha pátria
pretenderem perturbar minha saúde
ou o equilíbrio da minha poesia,
de ti,
monarca obscuro,
distribuidor de mel e de venenos,
regulador de sáis,
de ti espero justiça:
Amo a vida: cumpre! Trabalha!
Não detenhas o meu canto.

Na semana passada estivemos na Casa Museo La Sebastiana, da Fundação Pablo Neruda, em Valparaíso, Chile. Foi uma pequena viagem pelo universo do mais importante poeta chileno do século XX. Além de ser um dos grandes poetas modernos, ele foi um homem eclético de muitos interesses e paixões. Apenas um poeta como ele poderia associar lirismo a metabolismo...

 Na praça onde há uma estátua em bronze do poeta, um pouco abaixo da Casa Museu La Sebastiana.

Novamente em La Sebastiana. Na entrada da Casa; não é permitido fotografar seu interior.