Por Artur Bastos Rocha
Estudante da Graduação em Medicina da UFPB
Resumo
A síndrome isquêmica crônica de membros
inferiores é um reflexo da doença oclusiva arteriosclerótica periférica, que dentre vários
sítios de acometimento, afeta sobretudo a irrigação dos
membros inferiores. Caracteriza-se por evolução insidiosa e sua manifestação clínica mais comum é a claudicação intermitente, traduzida clinicamente por dor ou sensação de aperto nos músculos da panturrilha durante a realização de exercícios físicos, cessando ou melhorando com o repouso. Úlceras de membros inferiores também podem ser observadas na doença arterial periférica crônica em percentual que varia de 5 a 10% dos casos das úlceras de perna. Podem ainda ser observadas palidez, hipotermia, cianose e áreas necróticas no membro comprometido nos casos mais graves. O diagnóstico é essencialmente clínico. A parte mais importante do exame físico para confirmação da doença arterial periférica é a palpação de pulsos periféricos.
Palavras-Chave: Aterosclerose. Claudicação Intermitente. Isquemia.
A
síndrome isquêmica crônica dos membros inferiores é a tradução clínica das
doenças arteriais oclusivas periféricas, as quais apresentam como principal
etiologia a aterosclerose. Sua prevalência na população geral é subestimada,
pois uma elevada parcela significativa dos pacientes permanece assintomática
nos estágios iniciais da doença.
A isquemia de membro é qualquer decréscimo agudo ou
piora da sua perfusão sanguínea, que se apresenta como um conjunto de sinais e sintomas decorrentes da insuficiência arterial aos tecidos do segmento comprometido com risco de perda de partes ou de todo membro, se o tratamento não for eficiente (PITTA et al., 2003; BAPTISTA-SILVA; BURIHAN 1999). Mais de 90% dessas condições isquêmicas podem ser diagnosticadas clinicamente. Ao final do exame clínico, pode-se chegar a um diagnóstico anatômico e funcional e ao grau de acometimento. Segundo Baptista-Silva e Moraes-Souza (2010), "existem poucas áreas da Medicina nas quais as condições encontradas levam sozinhas tão rapidamente ao diagnóstico somente com base na história e no cuidadoso exame clínico, como acontece na doença vascular".
A síndrome isquêmica crônica de
membros inferiores é definida, conforme o Segundo Consenso Europeu de Isquemia Crítica Crônica de Membros Inferiores (SECOND EUROPEAN CONSENSUS..., 1991) como o quadro de dor em repouso, persistente, requerendo analgésicos regulares
por mais de duas semanas, ou ulceração ou gangrena no pé, e a pressão arterial
sistólica máxima em nível do tornozelo e dos pododáctilos menor que 50 e 30
mmHg, respectivamente. Esta definição não tem ganho aceitação universal. A dor em repouso indica isquemia crítica.
Assim, a manifestação clínica mais comum e indicativa de síndrome isquêmica crônica de membros inferiores não é a dor persistente e em repouso, mas a claudicação intermitente,
traduzida clinicamente por dor em forma de câimbras ou aperto dos músculos da
panturrilha, durante a realização de exercícios físicos, cessando ou melhorando
a sintomatologia dolorosa com o repouso. Com a evolução do quadro obstrutivo,
as manifestações dolorosas se tornam mais frequentes e o tempo de recuperação
gradativamente maior. Finalmente, a dor pode se manifestar no repouso, ser
muito intensa e afetar os pododáctilos e o pé, principalmente à noite, quando o
membro comprometido repousa em posição horizontal e há queda da temperatura
ambiente, por mudanças climáticas. Podem ainda ser observados palidez,
hipotermia, cianose e áreas necróticas no membro comprometido, nos casos mais
graves (ALVES et al., 2003). Estas últimas alterações constituem o
quadro sindrômico na isquemia crônica dos membros inferiores, pela
insuficiência arterial no leito arteríolo-capilar, distorcendo a hemodinâmica e
o metabolismo tecidual muscular.
A aterosclerose, de modo geral,
acomete principalmente artérias de grande e médio calibres e, em se tratando de
membros inferiores, o sítio mais comum de acometimento oclusivo são as artérias
em porção infra-inguinal, com prevalência de 75% nessa topografia, podendo
ocasionar variados graus de insuficiência arterial, desde isquemia muscular ao
esforço (claudicação intermitente) até dor em repouso (isquemia crítica), com
ou sem aparecimento de lesões tróficas (úlceras ou gangrenas). A dor tipo
claudicação intermitente, em aperto ou em forma de câimbra, ocorre, com maior
frequência, na musculatura posterior da perna, tanto nas obstruções do segmento
arterial fêmoro-poplíteo como do eixo aorto‑ilíaco, e, nessa última
eventualidade, a manifestação dolorosa pode acometer, também, a musculatura
glútea e/ou a musculatura da coxa, adquirindo, então, um caráter de "cansaço" muscular (NEVES, 2010).
Úlceras de membros inferiores ocorrem em um percentual que varia de 5 a
10% dos casos das úlceras de perna (FRADE et al., 2005). Pacientes diabéticos ou com insuficiência renal são mais
suscetíveis ao aparecimento de úlceras isquêmicas nos pés. Pequenos traumas no
antepé levam à formação de úlcera e ruptura cutânea que, com a diminuição da
perfusão tecidual, é incapaz de cicatrizar. O simples atrito entre os dedos
isquêmicos adjacentes pode resultar em lesões chamadas de "úlceras se
beijando" (HINCHLIFFE et al., 2012).
Esta
claudicação intermitente entra no diagnóstico diferencial da
pseudo-claudicação, que ocorre em estenoses de canal lombar e compressões
radiculo-medulares, onde não há associação específica com o esforço físico e o
quadro álgico, diferente da claudicação vascular típica, onde a dor surge em
associação ao esforço físico, sendo de conhecimento do paciente que após
determinado movimento de uso exaustivo da musculatura ocorrerá o surgimento
daquele quadro álgico, que tende a melhorar após o repouso (BARBOSA; DALE, 2008).
Contudo, é importante compreender que ocorre frequentemente subdiagnóstico desta síndrome, em virtude da demora do surgimento de sinais e sintomas clínicos que evidenciam sofrimento
vascular, devido ao fato da musculatura esquelética possuir uma tolerância
relativamente elevada a eventos isquêmicos, devidos a sua baixa taxa metabólica
em repouso, seu grande armazenamento de glicogênio e creatina e sua habilidade
em manter as funções celulares básicas, na vigência da isquemia, através da
glicólise anaeróbica (ALVES et al., 2003). O quadro clínico está
intimamente associado à magnitude das alterações metabólicas no tecido
muscular, a qual dependerá da evolução temporal do aparecimento da oclusão e
da presença de circulação colateral, desenvolvida pelo organismo na tentativa
de assegurar o aporte sanguíneo adequado ao membro afetado.
Como mencionado inicialmente, a
principal patogenia da isquemia crônica dos membros inferiores é a doença
aterosclerótica, motivo pelo qual esta síndrome possui elevada
morbi-mortalidade por ser um reflexo da doença aterosclerótica generalizada, em que a obstrução arterial promove outros quadros patológicos de pior prognóstico
concomitantemente, com episódios de infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular encefálico isquêmico.
A
prevalência de isquemia dos membros inferiores é estimada em 2.000 casos por 100
mil habitantes, e aproximadamente 5% irão necessitar de intervenção vascular,
dependendo da raça e das variações regionais (BAPTISTA-SILVA; BURIHAN, 1999). Estima‑se
que a prevalência da arteriopatia obstrutiva crônica periférica seja inferior a
2% para homens com menos de 50 anos, aumentando para mais de 5% naqueles com
mais de 70 anos. Esta condição apresenta um impacto social importante devido aos custos
elevados relacionados à internação, perda da capacidade de trabalho e
consequente piora da qualidade de vida dos pacientes acometidos.
Os
clássicos fatores de risco para aterosclerose também estão implicados nas
arteriopatias obstrutivas crônicas dos membros inferiores, porém sua ordem de
importância é diferente da doença coronariana ou carotídea. O tabagismo
constitui o principal fator predisponente na doença arterial periférica além da
hipertensão arterial e o diabetes melitus, sendo este último foi de maior risco
em mulheres do que em homens (NEVES, 2010).
O diagnóstico é
essencialmente clínico, e a claudicação intermitente é
patognomônica dessa condição (BARBOSA; DALE, 2008). A parte mais importante do
exame físico para confirmação da doença arterial periférica é a palpação de pulsos periféricos. Devem
ser palpados os pulsos das artérias femorais, poplíteos, tibial posterior e
pediosa. É importante ressaltar que em até 12% das vezes o pulso pedioso não é
palpável (KRZESINSKI, 2005).
Na prática clínica diária, a palpação de pulsos periféricos é a chave para o diagnóstico, pois exclui a doença arterial com alto grau de certeza e identifica o grupo que necessitará da avaliação não-invasiva. O próximo importante passo do exame físico é a medição das pressões de tornozelo, com cálculo do Índice Tornozelo-Braquial (ITB). Este é a relação entre a pressão arterial sistólica dos tornozelos e a pressão arterial sistólica dos braços, medidas com o auxílio do esfigmomanômetro e do doppler vascular (MAKDISSE et al., 2007). Trata-se de um exame simples, útil e custo-efetivo. Em condições normais, a pressão sistólica dos membros inferiores é igual ou ligeiramente superior à dos membros superiores. Na presença de obstruções arteriais em membros inferiores capazes de provocar redução na pressão nos leitos distais à lesão, há queda na pressão sistólica dos tornozelos e, consequentemente, redução dos valores do ITB (DIETER et al., 2003).
Na prática clínica diária, a palpação de pulsos periféricos é a chave para o diagnóstico, pois exclui a doença arterial com alto grau de certeza e identifica o grupo que necessitará da avaliação não-invasiva. O próximo importante passo do exame físico é a medição das pressões de tornozelo, com cálculo do Índice Tornozelo-Braquial (ITB). Este é a relação entre a pressão arterial sistólica dos tornozelos e a pressão arterial sistólica dos braços, medidas com o auxílio do esfigmomanômetro e do doppler vascular (MAKDISSE et al., 2007). Trata-se de um exame simples, útil e custo-efetivo. Em condições normais, a pressão sistólica dos membros inferiores é igual ou ligeiramente superior à dos membros superiores. Na presença de obstruções arteriais em membros inferiores capazes de provocar redução na pressão nos leitos distais à lesão, há queda na pressão sistólica dos tornozelos e, consequentemente, redução dos valores do ITB (DIETER et al., 2003).
Outros
métodos complementares que podem ser utilizados são a ultra‑sonografia duplex
(mapeamento duplex ou duplex‑scanning) e a arteriografia, um exame invasivo para nos fornecer dados anatômicos e fisiológicos da árvore arterial.
Portanto, que a síndrome isquêmica crônica é um importante capítulo nas doenças
oclusivas artérias periféricas, cuja principal causa é aterosclerose que surge
por mecanismos multifatoriais, e que deve ser sempre o alvo da correção, pois
consiste na doença de base para gênese da oclusão arterial periférica, e
especificamente nesse caso das artérias abaixo do ligamento inguinal
responsáveis pela irrigação dos membros inferiores. O exame clínico tem um papel fundamental no diagnóstico dessa condição.
Referências
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Repercussões da L-alanil-glutamina sobre as concentrações de lactato e
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Acesso em: 30 mai. 2012.
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