Por Climerio Avelino de Figueredo
Professor do Departamento de Fisiologia e Patologia da UFPB
Ontem, sexta-feira, 18/05/2012,
nós, professores sindicalizados da ADUFPB, recebemos um e-mail desta entidade
sindical, com diversos informes sobre a greve, deflagrada no dia 17/05/12.
Entre os informes,
destaco:
“Ficou acertado também na reunião desta
quinta-feira que toda a atividade docente nos campi da UFPB será afetada pelo
movimento. Em casos especiais, algumas atividades que estejam programadas para
o período de greve serão analisadas pelo Comando.”
É este:
GREVE: orientações sobre manutenção de atividades
A ADUFPB solicita às pessoas que querem denunciar a manutenção de
atividades docentes durante a greve (aulas, provas, trabalhos etc.) e aos
professores que possuem atividades cuja continuidade consideram necessária, que
comuniquem o fato ao sindicato por meio de ofício ao Comando de Greve.
Em
síntese, o comando local de greve (CLG) decidiu que todas as atividades
docentes dos campi da UFPB devem ser paralisadas, exceto algumas que ele considerar
necessárias e para que isto ocorra o professor responsável deverá solicitar ao
comando a sua análise e aprovação.
E,
através de um formulário, de responsabilidade da ADUFPB, as pessoas são
estimuladas a “denunciar” atividades docentes como aulas, provas, trabalhos etc.
que estejam sendo realizadas.
O
que isto significa?
Todos
nós, do meio universitário, sabemos o que significa denunciar. É levar ao
conhecimento da autoridade competente e/ou ao público, em geral, um ato ou uma conduta
transgressora até então desconhecida ou pouco conhecida.
Fui
ao Houaiss e busquei o significado mais preciso da palavra denúncia. Aqui, o
transcrevo.
Denúncia:
ato verbal ou escrito pelo qual alguém leva ao conhecimento de autoridade
competente um fato contrário à lei, à ordem pública ou a algum regulamento, sendo suscetível de punição.
A
adesão à greve é um ato voluntário. A sua decretação não obriga moralmente, muito
menos legalmente, que todos a sigam. Os que o fazem têm seus motivos. Os que
não aderem a ela, também.
Poderia
enumerar uma série de motivos que justificaria a não adesão (em diferentes
níveis) a esta greve. Não os elencarei porque me deterei a outro aspecto da
questão. Também não discutirei se a maioria dos professores queria a greve ou
não, nem a forma como a vontade da maioria deve ser aferida. Muito menos a
delicada questão de, na assembleia, poder votar apenas os professores filiados
a ADUFPB e o que nela é decidido ser imposto a todos.
É
certo que a maioria dos docentes aderiu à greve, no que tange às atividades de
aulas, nos cursos de graduação, muitos deles por não terem outra saída diante
do fato de os alunos haverem desaparecido das salas de aula. No entanto, em
relação à pesquisa e à pós-graduação, isto não ocorre. Historicamente, o
movimento grevista é muito condescendente com estas e outras atividades que, se
paralisadas, muito prejudicaria os professores. Sobre o porquê disto, não
discutirei, aqui.
Os
professores que continuam realizando atividades docentes (aula, provas,
trabalhos), é plausível supor, são professores comprometidos com suas
atividades. Do contrário, não as
estariam realizando, durante a greve.
A
pergunta que se coloca é a seguinte: Por que estes professores devem ser
denunciados?
As
lideranças de uma categoria não deveriam valorizar aqueles que executam suas
obrigações com responsabilidade, pois, assim, estariam fortalecendo a categoria
na luta pelos seus direitos? No meu entendimento, o lógico seria a ADUFPB e as
lideranças docentes incentivarem a denúncia dos professores que não trabalham.
É
por todos sabido, e pelos alunos em especial, que a maioria dos professores não
tem compromisso com a universidade e, por extensão, com o interesse público. Este
descompromisso se apresenta de diferentes formas. De antemão, aviso que isto que
direi a seguir não se aplica a todos.
A
maioria dos professores aparece na UFPB apenas para dar as aulas e muitas vezes
utilizam apenas parte do tempo destinado a elas. Nem todos se preocupam com a
qualidade da aula. Muitas vezes o material didático utilizado não é atualizado,
por muito tempo. Outros colocam monitores e orientandos para dar aula em seu
lugar ou distribuem os assuntos em seminários para os alunos darem a aula. O
número de aulas por semana é muito pequeno, para a maior parte dos professores.
Há até aqueles que não gostam de ministrá-las. A correção das provas e a
publicação dos resultados demoram muito, atrapalhando a vida acadêmica dos
alunos. O horário das aulas é definido pelo professor, de acordo com sua
conveniência, acarretando prejuízos ao aluno que fica com aulas descontínuas. A
pesquisa e a extensão são tocadas mais pelos alunos, muitas vezes sem
orientação do professor. Muitos professores que têm dedicação exclusiva (pela
qual ganham uma gratificação) exercem atividades privadas, o que é ilegal.
Provas, trabalhos, seminários etc. são definidos e aplicados em desacordo com o
tempo e o interesse dos alunos. Professores sempre exigem boas condições de
trabalho, mas nem sempre se preocupam em bem utilizar e conservar espaços, equipamentos
e materiais que as proporcionam. Nem os compartilha com os demais (“Esta sala é
minha! Este computador é meu!”).
E
a lista continua!...
Por
que para esses não se faz um formulário para denúncia?
No
meu dia a dia com os alunos, escuto histórias e histórias absurdas que
demonstram o descompromisso da maioria dos professores. São muitas! Fico
imaginando: quantas existem, em toda a UFPB? Postas no papel e se as folhas
fossem empilhadas, que altura atingiria?
Citarei
duas, para não alongar o texto, mas poderia citar muito mais.
Um
aluno que participou de um projeto de extensão, por mim coordenado, me falou que
ele se matriculou em uma disciplina e, no início do semestre letivo, por três
vezes seguidas, ele e os demais alunos da turma foram à sala de aula e o
professor não apareceu. Ele desistiu da disciplina, mas perdeu o prazo de
trancamento.
Ao
final do período letivo, para sua surpresa, ao tirar o histórico escolar, ele
estava aprovado com nota 7,0 (sete). A ele fiz algumas perguntas para entender
o que poderia ter ocorrido e ele me disse que seus colegas haviam lhe dito que,
durante todo o semestre letivo, o professor apareceu apenas duas vezes. Em
ambas, para recolher o trabalho passado para os alunos (professor
descompromissado com a universidade adora passar trabalho, no entanto nem todo
professor que passa trabalho o é).
Mas,
se o aluno não fez o trabalho, como ele recebeu nota sete? Acredito (não tenho
certeza) que o professor que não apareceu para dar aulas, também não corrigiu
os trabalhos (corrigir trabalho dá muito trabalho!) e deu nota aleatória a
todos os alunos que no sistema apareciam como matriculados, tal qual se dar
milhos para os pombos, em uma praça. Assim:
sete para este; oito para aquele; oito e meio para aquele outro. Nenhuma nota
baixa para não haver reclamação, nem nota alta para não haver ciúmes e brigas.
Agora,
o outro caso.
O
período letivo 2010.2 foi programado para se encerrar no dia 11 de dezembro de
2010 e os exames finais estavam programados para serem realizados entre 13 e 18
de dezembro. Desta forma, com folga, os alunos poderiam retornar as suas
cidades de origem, algumas delas em outros estados da federação. Os que moravam
em João Pessoa, poderiam iniciar o gozo das férias escolares coincidindo com o
período natalino. No entanto, uma turma do curso de Medicina, para a qual
lecionei uma disciplina, não teve este direito. Tudo porque os professores de
uma disciplina, mesmo após o dia 18/12/201, não haviam publicado as notas
parciais e ninguém sabia quem precisaria ou não fazer a prova final, que
deveria ter ocorrido até o dia 18/12.
Os
alunos ficaram em vigília, a todo instante abrindo o e-mail da turma na
esperança de ver as notas publicadas, já que os professores da referida
disciplina não atendiam os telefonemas dados pelos alunos. Desta forma, alguns
alunos tiveram que remarcar a passagem, comprada com antecedência, e alguns
passaram o Natal longe de suas famílias.
Estas
histórias parecem e são absurdas, mas há algo mais absurdo ainda a elas
relacionado que é o fato de isto ser costumeiro.
Pararam
os absurdos? Não! O mais absurdo é o fato de esses professores que produzem
essas pérolas nunca serem sequer repreendidos, pois não há, na UFPB, uma
sistemática de avaliação que detecte estes problemas e os resolvam.
Esta
é a realidade da UFPB. Por culpa de
todos nós (de uns mais do que de outros, pelo fato de terem cargos de direção),
na UFPB, cada um faz o que quer e quando quer e não o que é do interesse
público, na hora que é recomendável.
Se
alguém achar que estou exagerando, convido-o a aferir, comigo, estes absurdos.
Voltando
à caçada!
A
ADUPB e o CLG está “caçando” os professores que não aderiram à greve, isto é,
estão trabalhando.
Greve
não é férias, certo?
Greve
é um estado de mobilização! Do contrário, a categoria não teria forças para
conseguir a pauta de reivindicação. Então, não seria de se esperar que a UFPB
estivesse cheia de professores em atividades de mobilização: reuniões,
seminários, discussões, passeatas, panfletagem etc? Ou isto ocorrendo em
outros pontos da cidade?
O
que se passa é que a universidade está vazia de professores. A propósito disto,
junto com este texto, anexo uma foto de uma mobilização que ocorreu após a
assembleia que decretou a greve no dia 15/05/12, em frente a UFPB, a cerca de
300 metros do auditório onde a assembleia se realizou.
Na
foto (enviada e titulada pela ADUFPB), consigo contar apenas 35 pessoas,
admitindo que onde há um pescoço, uma cabeça ou duas pernas o resto do corpo
está junto. Deste total, a maioria é de alunos (além de serem usados para dar
aulas, fazer extensão e pesquisa no lugar dos professores, os alunos ainda se
prestam para aumentar o número de pessoas, nas esvaziadas atividade de
mobilização).
Sugiro
à ADUFP ao CLG que, a invés de mandarem um formulário para as pessoas
denunciarem professores que estão trabalhando, na UFPB, mandem um formulário
que se preste para a denuncia de professores que não estão mobilizados e não estão na UFPB e sim em suas casas, em
seus negócios, nas praias, nos shoppings etc.
Se
a temporada é de “caça”, então, cacemos o “animal” apropriado. E este não é o
professor que trabalha de forma adequada, por não ser um “animal” muito
abundante na UFPB e por ser um “animal” muito útil à sustentabilidade do meio
universitário. O “animal” apropriado é o professor que não trabalha como deveria.
Este, sim, é abundante em nossa universidade e, além disto, é um predador (de
recursos públicos e da credibilidade da universidade) e um fugitivo (pois aderiu
à greve e fugiu da UFPB).
A
bem da verdade, é preciso dizer que os professores que militam no movimento
docente (Diretoria da ADUFPB, comando de greve e coisas afins) são pessoas
comprometidas com a universidade e que não concordam com os "malfeitos" dos
professores. Mas, a meu juízo, cometem um grande equívoco quando centram a luta
apenas na melhoria salarial do professores, sem dar ênfase à avaliação do
trabalho docente e à gestão da universidade.
Comentem
equívoco, também, quando atribuem ao governo e ao “neoliberalismo” todas as
mazelas das universidades. É lógico que o governo é responsável por muitos dos
problemas que nelas ocorrem. Mas muitos deles são provocados por nós, e por nós
devem ser solucionados.
Se
considerarmos apenas a minoria que trabalha, o vencimento do docente é baixo.
Mas, e a maioria que não trabalha? Ela merece aumento de vencimento? Se todos
os professores cumprissem sua jornada de trabalho e o fizesse com dedicação e com
qualidade, com o número de professores que temos, faríamos o dobro do que
fazemos.
Discordo
da visão maniqueísta, dicotômica e corporativista do movimento docente que está
à frente do ANDES e da ADUFPB, pois, na prática, penaliza o professor que
trabalha e é conivente com o professor que não trabalha por se opor à avaliação
do trabalho docente. Por isto eu e outros colegas votamos contra a greve.
O
serviço público, custeado com os tributos pagos por toda a população, deve estar
a serviço do interesse de todos e não dos interesses corporativistas dos
servidores.
Nós,
pela formação e pelo conhecimento que temos, devemos ter mais respeito para com
a sociedade que nos paga.
Climerio
Avelino de Figueredo
Professor
do Departamento de Fisiologia e Patologia/CCS/UFPB