1 de maio de 2012

Semiologia Clínica da Poliarterite Nodosa

Por Josué Vieira
Estudante de Graduação em Medicina da UFPB

Resumo
Poliarterite Nodosa (PAN) é uma doença sistêmica grave, que se caracteriza pelo comprometimento inflamatório das artérias de pequeno e médio calibres. Vasculite de etiologia desconhecida, acomete principalmente sistema nervoso periférico, rins, pele, sistemas gastrointestinal, cardiovascular e articulações. As principais manifestações clínicas são febre, artralgias, artrites, neuropatia, dor abdominal e lesões cutâneas. Doença relativamente rara, a PAN é duas vezes mais comum em homens e predomina na faixa etária entre 40 e 60 anos. É um exemplo de "doença órfã" em Reumatologia, por ser diagnosticada em menos de 5 para cada 10.000 pessoas. As publicações científicas sobre o diagnóstico dessa doença são limitadas a casuísticas e estudos de casos. 

Palavras-chave: Poliarterite Nodosa. Arterite Necrosante. Vasculite Sistêmica.


A poliarterite nodosa (PAN) foi primeiramente descrita por Kussmaul Maier, em 1866, quando a necrópsia de um paciente com febre, perda de peso, dor abdominal e polineuropatia, revelou áreas focais de exsudação inflamatória e nódulos em vasos de médio calibres. Como ocorre em outras vasculites, a PAN também afeta vários sistemas e, portanto, tem manifestações multiformes, porém  com maior frequência acomete pele, articulações, nervos periféricos, intestino e rins.

É uma doença relativamente rara, sendo duas vezes mais comum em homens, e predomina na faixa etária dos 40 aos 60 anos. O termo “doença órfã” tem sido usado para as doenças que são diagnosticadas em menos de 5 para cada 10.000 pessoas, e nesse caso, a PAN é um exemplo de "doença órfã" em Reumatologia (RUBBERT-ROTH, 2012). As publicações científicas sobre o diagnóstico e terapia da PAN são limitadas a casuísticas e estudos de casos pequenos. 

Apesar de sua natureza idiopática, tem sido descritas associações entre a PAN e a soropositividade para os vírus da hepatite B e C, assim como tem se observado uma relação entre esta doença e a infecção pelo HIV e com o uso de algumas drogas, como a minociclina, dapsona e anfetaminas (GOLDFARB, 2007).

A doença apresenta mau prognóstico se não tratada precocemente, apresentando baixas taxas de sobrevida em cinco anos (HARRISON, 2002). Mas atualmente são  descritas formas localizadas da doença restritas à pele, sistema musculoesquelético e nervos periféricos. Esta modalidade clínica denomina-se poliarterite nodosa cutânea localizada e geralmente apresenta evolução benigna, com prognóstico melhor. Relatos de casos envolvendo uma única víscera tem sido frequentemente publicados (GOLDFARB, 2007).

As manifestações clínicas da PAN são multiformes. Inicialmente, cursa com sintomas gerais inespecíficos como febre, adinamia, anorexia, astenia, mialgia e emagrecimento pronunciado, sendo de difícil diagnóstico nessa fase (SILVA JUNIOR et al., 2010). Após algumas semanas, surgem sinais e sintomas específicos de órgãos cujos vasos foram atingidos pelo processo inflamatório, como alterações da função renal, neurológica, gastrointestinal e cardíaca. A hipertensão arterial em graus variados também é um achado comum na doença (COSTA, 2006).

Segundo CARLSON (2006), o sintoma mais comumente observado na PAN é a febre, sendo por vezes sua principal manifestação clínica, identificada em até 72% dos casos. Neuropatia periférica pode ser a manifestação inicial e está presente em cerca de 65% dos casos. O achado neurológico periférico mais comum e sugestivo da vasculite é a mononeuropatia multiplexa ou polineuropatia assimétrica. O início geralmente se dá de maneira assimétrica, mas durante a evolução ramos nervosos adicionais são comprometidos, levando a uma polineuropatia simétrica distal. Os sintomas referidos pelo paciente são adormecimento, dor em queimação e “formigamento” dos membros inferiores (JENNETTE et al., 1994). O sistema nervoso central é atingido em até 10 a 20% dos casos, manifestando-se por disfunções cerebrais

Artralgias ou artrites são observadas em até 50% dos pacientes, com edema articular e até mimetizando artrite reumatóide nas fases iniciais, sobretudo quando o fator reumatóide é positivo. Poliartrite assimétrica não deformante de grandes articulações dos membros inferiores é considerada a apresentação articular mais comum (NEVES, 2001).

O acometimento do aparelho digestivo pode ocorrer em até 40% dos casos, traduzindo-se geralmente por isquemia mesentérica, que se manifesta através de dor abdominal. A porção mais acometida é o intestino delgado, podendo ocorrer necrose e abdome agudo perfurativo. Apesar de a vasculite acometer o fígado com frequência significativa, as manifestações clínicas correspondentes são pouco comuns, observando-se geralmente apenas uma discreta elevação na fosfatase alcalina (CARLSON, 2006).

Ainda de acordo com Neves (2001), o envolvimento renal está presente em até 60 a 80% dos casos, com quadros de isquemia, hemorragia ou enfarto renal. Os sintomas presentes podem ser macro ou microhematúria, proteinúria e oligúria. A vasculite pode evoluir para insuficiência renal aguda ou síndrome nefrótica. A hipertensão arterial parece ser originada da ativação do sistema renina-angiotensina, provocada por isquemia do parênquima renal.

Com relação às manifestações cardíacas da PAN, a doença coronariana é achado frequente, manifestando-se como arritmias e cardiomiopatia isquêmica. Insuficiência cardíaca congestiva pode surgir em consequência da hipertensão arterial grave e/ou isquemia coronariana. Pericardite é um achado pouco frequente (NEVES, 2001).

Entre as alterações tegumentares, destaca-se a presença de linhas avermelhadas ou azuladas na pele, de contornos irregulares que seguem o trajeto das veias (livedo reticularis). Estas podem se apresentar como “linhas” isoladas ou interligadas formando uma “rede” (GOLDFARB, 2007).

Ainda podem ser observados fenômeno de Raynaud, úlceras, nódulos subcutâneos, erupções bolhosas ou vesiculares, púrpura palpável e alterações isquêmicas nas extremidades dos dedos (NEVES, 2001). A dor testicular é um achado importante, uma vez que a biópsia desse sítio tem um elevada acurácia diagnóstica. Outros locais ainda podem ser atingidos, como útero, mama e retina. Foi descrito recentemente o achado de pneumonia intersticial e hiperplasia nodular do fígado como manifestações iniciais da PAN (TANAKA et al., 2012).

O American College of Rheumatology (ACR) estabeleceu critérios a fim de diferenciar a PAN de outras formas de vasculite (LIGHTFOOT et al., 1990). Uma comissão da ACR selecionou 10 características da PAN; para ser diagnosticada, pelo menos 3 dos 10 critérios do ACR abaixo apresentados devem estar presentes, quando o diagnóstico patológico de vasculite é feito:
- Perda de peso (quatro quilogramas ou mais);
- Livedo reticularis;
- Dor ou sensibilidade testicular; 
- Mialgia ou fraqueza de membros inferiores; 
- Mononeuropatia ou polineuropatia;
- Pressão arterial diastólica superior a 90 mmHg;
-Uréia ou creatinina elevadas ou creatinina, sem relação com desidratação ou obstrução;
- Presença de antígeno de superfície ou anticorpos da hepatite B no soro;
- Arteriografia com aneurismas ou oclusões de artérias viscerais;
- Biópsia de artéria de pequeno ou médio calibres revelando infiltração neutrofílica.


Referências
CARLSON, J. A.; CHEN, K. R. Cutaneous vasculitis update: small vessel neutrophilic vasculitis syndromes. Am J Dermatopathol 28 (6): 486-506, 2006.
COSTA, I. M. C.; NOGUEIRA, L. S. C. Poliarterite nodosa cutânea: relato de caso. An. Bras. Dermatol. 81 (suppl 3): S313-316, 2006.
GOLDFARB, M.; RIBEIRO, J. J. N.; GUIMARAES, S. J. Poliarterite nodosa localizada em membros inferiores simulando tumoração de panturrilhas. Rev. Bras. Reumatol. 47 (2): 132-134, 2007
HARRISON, T. R.; FAUCI, A. S. Harrison Medicina Interna. 15º. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 2002.
JENNETTE JC, FALK, R. J.; ANDRASSY, K. et al. Nomenclature of systemic vasculitidis. Arthritis Rheum. 37 (2): 187-192, 1994.
LIGHTFOOT, R. W.; MICHEL, B. A.; BLOCH, D. A. et al. The American College of Rheumatology 1990 criteria for the classification of polyarteritis nodosa. Arthritis Rheum33 (8): 1088-93, 1990. 
NEVES, S.; MOTA, N.; DIAS, M.; RELVAS, M.; VALENTE, J. Poliarterite nodosa: a propósito de dois casos clínicos. Medicina Interna. 8 (3): 144-9, 2001.
RUBBERT-ROTH, A. Orphan diseases in rheumatology. Exemplified by polyarteritis nodosa. Z Rheumatol71 (2):119-21, 2012.
SILVA JUNIOR, O. F.; FREIRE, E. A. M.;  BANDEIRA, F. C. et al. Poliarterite nodosa: revisão de literatura a propósito de um caso clínico. J. vasc. bras. 9 (1): 86-79, 2010.
TANAKA, I.; IMAIZUMI, K.; HASHIMOTO, I. et al. Interstitial pneumonia and nodular regenerative hyperplasia of the liver as initial manifestations of polyarteritis nodosa. Intern Med, 51(6):635-8, 2012

Fonte da Imagem: http://www.ispub.com/journal