A semiologia médica do
idoso requer uma atenção diferenciada por vários motivos clinicamente
relevantes.
Em primeiro lugar, o envelhecimento representa um processo
fisiológico complexo, no qual há uma gradual interação dos efeitos das várias
modificações orgânicas e doenças que vão sendo adquiridas durante esse processo
que, em geral, resulta em uma condição denominada atualmente de “síndrome de
fragilidade”. Os idosos fragilizados apresentam alto risco de dependência,
recuperação lenta de doenças, maior propensão a quedas e a doenças infecciosas.
Em segundo lugar, e ainda
em associação a essa condição de fragilidade, pelo fato de os idosos serem
portadores de múltiplos problemas coexistentes (o que se denomina de
comorbidade), espera-se que evoluam de forma menos favorável. Segundo atesta Martins et al. (2008), quanto maior o número de condições de comorbidade na
população idosa, maiores os resultados adversos sobre seu estado clínico de um
modo geral.
É também conhecido o fato de que o número de condições patológicas
em uma pessoa está fortemente relacionado à sua idade, e que essa coexistência
de diversas doenças tem uma influência profundamente negativa sobre o estado
clínico e a independência funcional do idoso. No âmbito hospitalar, o problema é mais importante ainda, pois se para cada pessoa idosa que vive na comunidade, existe, em média,
três importantes enfermidades simultaneamente, no idoso hospitalizado
evidenciam-se geralmente seis condições patológicas concomitantes (PARAHYBA et al., 2005).
Em terceiro lugar, o
idoso possui características clínicas particulares - ou aspectos incomuns -, em relação aos padrões estabelecidos
para doenças em adultos jovens. Com o avançar da idade, o organismo do idoso
sofre alterações que o diferenciam do adulto não-idoso, fazendo com que surjam
manifestações atípicas na apresentação clínica de doenças consideradas comuns.
Isso faz com que muitos problemas passem despercebidos na avaliação clínica do
idoso, embora outros fatores devam contribuir também para a falta de relato de
sintomas por parte dos idosos, como o prejuízo cognitivo, o medo da natureza da
doença subjacente a preocupação com custos e outros aspectos negativos de uma
avaliação diagnóstica ou tratamento desagradável.
Essa elevada frequência
com que o reconhecimento de sintomas clinicamente significantes deixa de ser
firmado na prática clínica geral deu origem ao termo “fenômeno do iceberg”, que
sugere a presença de condições clínicas ocultas, ou “submersas” (CHAIMOVICZ,
1997), justificando-se, também, nesse caso, o emprego de outro termo correlato - “morbidade oculta” (GUIMARÃES; SIMÕES, 1999) para essa falta de reconhecimento de muitos achados clínicos no
idoso. Mesmo o “idoso idoso” — como
se denomina o geronte de 80 anos ou mais — as várias condições mórbidas são
pouco referidas nos registros hospitalares. Menor ainda que a já reduzida
menção (e reconhecimento) dessas várias condições mórbidas, é a detecção e
registro das comorbidades que se instalam na esfera sensorial, motora e
psicológica. Esses distúrbios impactam a qualidade funcional da vida, no que
concerne às Atividades da Vida diária ou às Atividades Instrumentais da
Vida Diária.
A escassez de relato de
sintomas existentes por pessoas idosas é um fenômeno especialmente danoso
quando conjugado à estrutura passiva dos serviços de saúde do nosso meio, que
carecem de esforços no sentido da detecção precoce. Nesse contexto, Besdine
(1982), citado por Rowe (1992: 46), afirma que não se pode esperar que as
pessoas idosas, “(...) sobrecarregadas por visões gerônticas da sociedade, e
suas próprias, com relação à perda funcional no envelhecimento”, tenham iniciativa
de buscar tratamento adequado por iniciativa própria.
Assim, o desenvolvimento
de abordagens adequadas para problemas que têm maior relevância no paciente
idoso, seja pela sua alta prevalência, seja pelo seu significado clínico, bem
como a observação da capacidade funcional desse paciente são aspectos que devem
nortear o exame clínico do doente com mais de 60 anos.
Referências
CHAIMOWICZ, F. A saúde dos idosos
brasileiros às vésperas do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev. Saúde Pública, 31 (2): 184-2000, 1997.
GUIMARÃES, R. M., SIMÕES, M. A. T.
Depressão no idoso. In: Petroianu, A.; Pimenta, L. G. Clínica e cirurgia geriátrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1999, p. 138-141.
MARRTINS, M; BLAIS, R.; MIRANDA, N. N. Evaluation
of the Charlson comorbidity index among inpatients in Ribeirão Preto, São Paulo
State, Brazil. Cad. Saúde Pública, 24 (3): 643-652, 2008.
PARAHYBA, M. I.; VERAS, R.; MELZER, D. Incapacidade funcional entre as mulheres idosas no Brasil. Rev. Saúde Pública 39 (3): 383-391, 2005.
ROWE, J. W., DEVONS, C. A. J.
Considerações fisiológicas e clínicas sobre o paciente geriátrico. In: Busse,
E. W., Blazer, D. G. Psiquiatria
Geriátrica, Porto Alegre: Artes Médicas, 1999, p. 57.
Imagem: Foto de Kenrique Kallas, disponível em: hr.ufl.edu.