19 de junho de 2012

Semiologia Médica do Idoso


A semiologia médica do idoso requer uma atenção diferenciada por vários motivos clinicamente relevantes. 
Em primeiro lugar, o envelhecimento representa um processo fisiológico complexo, no qual há uma gradual interação dos efeitos das várias modificações orgânicas e doenças que vão sendo adquiridas durante esse processo que, em geral, resulta em uma condição denominada atualmente de “síndrome de fragilidade”. Os idosos fragilizados apresentam alto risco de dependência, recuperação lenta de doenças, maior propensão a quedas e a doenças infecciosas.
Em segundo lugar, e ainda em associação a essa condição de fragilidade, pelo fato de os idosos serem portadores de múltiplos problemas coexistentes (o que se denomina de comorbidade), espera-se que evoluam de forma menos favorável. Segundo atesta Martins et al. (2008), quanto maior o número de condições de comorbidade na população idosa, maiores os resultados adversos sobre seu estado clínico de um modo geral. 
É também conhecido o fato de que o número de condições patológicas em uma pessoa está fortemente relacionado à sua idade, e que essa coexistência de diversas doenças tem uma influência profundamente negativa sobre o estado clínico e a independência funcional do idoso. No âmbito hospitalar, o problema é mais importante ainda, pois se para cada pessoa idosa que vive na comunidade, existe, em média, três importantes enfermidades simultaneamente, no idoso hospitalizado evidenciam-se geralmente seis condições patológicas concomitantes (PARAHYBA et al., 2005).
Em terceiro lugar, o idoso possui características clínicas particulares - ou aspectos incomuns -, em relação aos padrões estabelecidos para doenças em adultos jovens. Com o avançar da idade, o organismo do idoso sofre alterações que o diferenciam do adulto não-idoso, fazendo com que surjam manifestações atípicas na apresentação clínica de doenças consideradas comuns. Isso faz com que muitos problemas passem despercebidos na avaliação clínica do idoso, embora outros fatores devam contribuir também para a falta de relato de sintomas por parte dos idosos, como o prejuízo cognitivo, o medo da natureza da doença subjacente a preocupação com custos e outros aspectos negativos de uma avaliação diagnóstica ou tratamento desagradável.
Essa elevada frequência com que o reconhecimento de sintomas clinicamente significantes deixa de ser firmado na prática clínica geral deu origem ao termo “fenômeno do iceberg”, que sugere a presença de condições clínicas ocultas, ou “submersas” (CHAIMOVICZ, 1997), justificando-se, também, nesse caso, o emprego de outro termo correlato - “morbidade oculta” (GUIMARÃES; SIMÕES, 1999) para essa falta de reconhecimento de muitos achados clínicos no idoso. Mesmo o “idoso idoso” — como se denomina o geronte de 80 anos ou mais — as várias condições mórbidas são pouco referidas nos registros hospitalares. Menor ainda que a já reduzida menção (e reconhecimento) dessas várias condições mórbidas, é a detecção e registro das comorbidades que se instalam na esfera sensorial, motora e psicológica. Esses distúrbios impactam a qualidade funcional da vida, no que concerne às Atividades da Vida diária ou às Atividades Instrumentais da Vida Diária.
A escassez de relato de sintomas existentes por pessoas idosas é um fenômeno especialmente danoso quando conjugado à estrutura passiva dos serviços de saúde do nosso meio, que carecem de esforços no sentido da detecção precoce. Nesse contexto, Besdine (1982), citado por Rowe (1992: 46), afirma que não se pode esperar que as pessoas idosas, “(...) sobrecarregadas por visões gerônticas da sociedade, e suas próprias, com relação à perda funcional no envelhecimento”, tenham iniciativa de buscar tratamento adequado por iniciativa própria.
Assim, o desenvolvimento de abordagens adequadas para problemas que têm maior relevância no paciente idoso, seja pela sua alta prevalência, seja pelo seu significado clínico, bem como a observação da capacidade funcional desse paciente são aspectos que devem nortear o exame clínico do doente com mais de 60 anos. 

Referências
CHAIMOWICZ, F. A saúde dos idosos brasileiros às vésperas do século XXI: problemas, projeções e alternativas. Rev. Saúde Pública, 31 (2): 184-2000, 1997.
GUIMARÃES, R. M., SIMÕES, M. A. T. Depressão no idoso. In: Petroianu, A.; Pimenta, L. G. Clínica e cirurgia geriátrica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999, p. 138-141.
MARRTINS, M; BLAIS, R.; MIRANDA, N. N. Evaluation of the Charlson comorbidity index among inpatients in Ribeirão Preto, São Paulo State, Brazil. Cad. Saúde Pública, 24 (3): 643-652, 2008.
PARAHYBA, M. I.; VERAS, R.; MELZER, D. Incapacidade funcional entre as mulheres idosas no Brasil. Rev. Saúde Pública 39 (3): 383-391, 2005.
ROWE, J. W., DEVONS, C. A. J. Considerações fisiológicas e clínicas sobre o paciente geriátrico. In: Busse, E. W., Blazer, D. G. Psiquiatria Geriátrica, Porto Alegre: Artes Médicas, 1999, p. 57.

Imagem: Foto de Kenrique Kallas, disponível em: hr.ufl.edu.