1 de setembro de 2012

Onde está o Direito dos Estudantes na Greve de Professores Federais?


“E, contudo, sabemos que também o ódio contra a baixeza endurece a voz. Ah, os que quisemos preparar terreno para a bondade não pudemos ser bons. Vós, porém, quando chegar o momento em que o homem seja bom para o homem, lembrai-vos de nós com indulgência.”

("Aos que vierem depois de nós", de Bertolt Brecht)

A atual greve de professores federais é injusta. Injusta porque marginaliza o direito de milhares de alunos. Este movimento grevista, que já dura 105 dias na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), é incompatível com os compromissos que nós, professores, assumimos com os estudantes. Estes não podem ser penalizados dessa forma pelos nossos atos, nossos não, do sindicato nacional dos professores federais do ensino superior, o Andes.
Um sindicalista, do nosso centro (Centro de Ciências Médicas) disse em duas reuniões, que ser contra a greve é "anti-pedagógico"... Usar o argumento da nossa função pedagógica para defender a intransigência do sindicato dos docentes em iniciar e manter esta greve é, no mínimo, paradoxal!... Anti-pedagógico é o que os docentes [estamos] fazendo ao manter a greve a todo custo. Um custo muito alto. Eles (todos nós, docentes, porque, calados e passivos, consentimos) não estamos nos importando com mais nada, apenas em conseguir usar esta greve de adesão maciça para nos mantermos "heroicos"... Heroicos ou extremistas?... E por que, se está claro que o governo não negociará mais?...
Como professores, temos o direito de nos posicionar para defender melhores condições de trabalho e salários dignos, mas não podemos desconhecer os direitos dos alunos. É possível lutar pelos nossos direitos sem prejudicar tanto os estudantes e o ensino, fazendo a sociedade entender que o governo desvaloriza a educação e o professor. O sindicato nacional prefere lutar com a arma (arma mesmo) da greve e usar o expediente da chantagem ao governo, sem ao menos pensar nos estudantes, que estão nessa guerra como reféns. Eles estão sendo "usados", e este é um termo forte, mas é o mais preciso para expressar o mecanismo de ação deste movimento grevista, em que do lado de cá estamos nós, professores, a elite intelectual que não sabe empregar outra forma de luta, senão esta, através da arma da greve. Repito a palavra "arma" porque é isso que este movimento é. Quem tem uma "arma", sente-se potente. O sindicato nacional dos professores está se sentindo muito potente. É importante destacar aqui que quem se sente potente com uma arma é quem é intrinsecamente fraco. E isso é grave considerando que esta, supõe-se, é a classe pensante da nossa sociedade. A classe pensante não pensa em uma forma menos injusta de lutar por seus direitos?...
Por isso, o ônus moral a pagar é maior que em qualquer outra categoria.
Greve de professores é uma forma de luta com baixa eficácia e, é pior ainda, quando a greve passa a ser um objetivo em si. Em um movimento justo e legítimo não se desrespeita o direito dos outros. E se há desrespeito a esse direito, por mais legalizado que seja, não é honesto nem legítimo. É covarde. Em sã consciência, não podemos ser a favor de uma greve quando prejudicar é exatamente o objetivo do movimento: se não prejudicassem os estudantes e o ensino, não faríamos greve. Faríamos?... Não, procuraríamos outra forma de pressionar o governo que prejudicasse, "se não prejudicar não serve".
Agora vou deixar de empregar a 1ª pessoa do plural no lugar da 1ª pessoa do singular, porque não cabe aqui o plural quando estou expondo uma opinião individual, pessoal, por mais que ela seja legítima. Esta é uma posição minha, enquanto docente que pensa diferente do seu sindicato e que se nega a ser massa de manobra para atingir o governo. Os estudantes não tem escolha, mas os docentes, embora ligados o sindicato (por enquanto) podem exprimir sua posição e sua indignação. Serei dos primeiros docentes a pedir desligamento deste sindicato logo que possível. 
Aos alunos, pelo menos os do curso de Medicina da UFPB, já conclamei, a não ficarem mais de braços cruzados, esperando passivamente que este sindicato resolva (com o poder de que acabou sendo investido) deixar de pisar no direito deles, sem ao menos protestar! Protestar não só contra o governo, mas contra o sindicato dos professores! Os estudantes parecem acreditar que essa neutralidade ou mesmo o apoio à greve dos professores é uma atitude "politicamente correta". Politicamente correta é a posição que não nega o direito do outro, que neste caso, são os próprios estudantes, que estão perdendo um tempo precioso de suas vidas, perdendo oportunidades, deixando de se formar no tempo justo e de cumprir seu calendário curricular. Esse é um direito que os assiste e que não pode ser jogado no "lixo". Este é o inalienável direito do corpo discente e que nem sequer é discutido.
É justo e correto que se tenha entrado em greve quando faltava pouco para encerrar o semestre, como aconteceu no dia 17 de maio, há exatamente 105 dias, na UFPB? O Andes (sindicato nacional de professores) se investiu de muito poder quando percebeu a magnitude da adesão a este movimento. Recorrendo à noção da Genealogia de Foucault, sobre os Micropoderes, pode-se dizer que este sindicato fraco, passou a sentir poderoso. Além disso, sendo a greve um recurso legal, aí está o caminho atapetado dos sindicalistas. Eles não querem saber se é justo ou correto deixar milhares de estudantes extremamente prejudicados. Isso não importa. E ainda afirmam que os professores também sofrem prejuízos com a greve. Mais uma desculpa que nem cabe no mecanismo da racionalização porque é apenas uma falácia que não resiste à mais rápida análise.
Não podemos, professores que somos, com nossa profissão de fé e com nossa consciência, com nossa alteridade, ser massa de manobra de sindicalistas radicais. Alguns professores deixam-se levar por idealismo (respeito os idealistas, mas há algo de pouco racional neles), outros por comodismo (é muito cômodo ficar sem trabalhar, e portanto, livre para se dedicar aos empregos fora da universidade, estes colegas são muitos), outros porque são dominados pelo discurso manipulador dos sindicalistas e querem se manter fieis a uma ideologia, e ainda outros porque são simplesmente apáticos mesmo...
Por que muitos dos meus colegas que são contra a greve não falam sobre o que representa realmente este movimento? Porque passam a ser considerados "párias", ou como os que se consideram mais "politizados" (isso, bem entre aspas...) chamam de "chapa branca", "analfabeto político" (que Brecht não os leia, porque estão usando suas ideias ao reverso), ou até de "petista", reacionário e assim por diante... E os poucos que expressam isso em uma assembleia são vaiados pelos pares, como eu mesma já testemunhei, envergonhada, diversas vezes.
É muito melhor não se expor, não é mesmo?... Não exprimir sua opinião ou indignação é mais tranquilo e seguro. Os professores contra a greve não constituem um movimento porque são minoria e preferem ficar calados, temendo a agressividade de alguns grevistas, que disparam ofensas verbais sem sequer lembrar que são educadores e deveriam ser exemplo. E os mais exaltados, aqueles cheios de uma falsa ideologia (ou que acham que são guiados por uma ideologia), são ligados ao sindicato, chegam a insultar qualquer professor que expresse sua opinião contra a greve. Ontem um deles chegou a me insultar porque ousei a afirmar o que significa esta greve, ou seja, um movimento injusto e que não levará a nada. Sua raiva era flagrante ao ter outra opinião, contrária à sua, colocada. Ele ainda citou indiretamente Bertolt Bretch, não percebendo que ignorância política é não levar em conta as consequências políticas (política aqui sendo colocada em um sentido amplo) desta greve. Não podendo encarar a realidade, a pura e simples realidade de que o que é injusto e covarde não é correto, nem nunca será, este colega que eu nem conhecia, saiu gritando palavras de ordem, clichês e, pasmem, palavras francamente depreciativas... Não conseguiu ouvir o contraditório nem praticar a dialética. Que politização é esta?...
A greve, dependendo dessas pessoas, não acabará tão cedo, porque, repito, quem se sente poderoso com uma arma não vai querer descartá-la facilmente. Uso estas expressões fortes porque esta metáfora é tão precisa que nem parece metáfora. Mas reconheço que não deixa de haver uma ironia sinistra nisso.
Eu tenho consciência que luto pela valorização docente, mas não defendendo a arma chamada greve que fere os direitos de contingente importante da comunidade universitária, nossa razão de ter escolhido a docência, o alunado. Há outras formas de defender nossos direitos, justas e eficazes, que não prejudicam ninguém, sem deixar de enxergar que o ensino e os estudantes estão sendo deixados à margem. Fazer a sociedade perceber que precisamos ser valorizados, e que o governo não prioriza a educação (não só a superior) é uma maneira de a elite pensante lutar pela nossa valorização. O resto é retórica, é só ouvir as palavras de ordem dos sindicalistas e fazer uma análise de discurso para perceber isso... Tiremos as viseiras, vistamos a alteridade, percebamos quando uma ferramenta de luta está desgastada...
É por meio dos comportamentos e práticas determinados pelos códigos legais, mas que não consideram o modo como se deve definir o justo e o injusto, que podemos deixar de considerar os direitos de todos. 
Onde está o direito de todos nesta greve de professores federais?... Onde está o direito dos estudantes?...