11 de novembro de 2012

A MÃO NA ARTRITE REUMATOIDE

Fernando Roberto Gondim Cabral de Vasconcelos
Médico Recém-Graduado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Rilva Lopes de Sousa Muñoz
Docente de Semiologia Médica da UFPB

Não há dúvida sobre a importância semiológica das mãos no paciente reumatoide, nem da importância do estudo do quadro  clínico desta doença, assim como da prevenção das suas deformidades
A artrite reumatoide (AR) cursa com poliartrite periférica, sobretudo de pequenas articulações da mão, embora seja característico o acometimento articular dos pés e do punho também. Mais de 90% dos pacientes com artrite reumatoide apresentam envolvimento das articulações das mãos, e as mais acometidas são as articulações metacarpofalangianas (91%), as interfalangianas proximais (91%) e os punhos (78%) (LEFEVRE-COLAU et al., 2003).
A AR é uma doença auto-imune e sistêmica. Geralmente manifesta-se após os 30 anos de idade, com predomínio no sexo feminino. As causas da artrite reumatoide ainda são desconhecidas, porém se sabe que sua patogênese envolve a agressão pelo próprio sistema imunológico ao organismo.
Os estágios iniciais da doença reumatoide são caracterizados pela inflamação da articulação, tendões e músculos intrínsecos. As articulações apresentam-se edemaciadas e dolorosas. O envolvimento do tendão pode causar dor, "disparo" e dificuldade na flexão do dedo acometido. Os músculos intrínsecos podem apresentar espasmos. Depois de semanas, meses ou anos, a inflamação ativa geralmente torna-se menos intensa, mas pode deixar deformidades permanentes. Estas assumem maior importância, de modo que são as deformidades, e não inflamação ativa, que impedem a função normal da mão nas fases mais avançadas da doença. 
Na fase inicial, costuma haver um quadro de sinovite, ou seja, uma inflamação do tecido que reveste o interior da cápsula articular. Com a progressão do processo inflamatório, o tecido fica mais espesso, dando origem a uma espécie de tecido de granulação vascular e cicatricial, denominado pannus, que apresenta tendência a crescer dentro da cavidade articular e revestir a cartilagem articular, com erosão óssea e da cartilagem (SUGIMOTO, 2005). Caso não ocorra o tratamento, o tecido atípico acaba por destruir, ao fim de vários anos, a cartilagem articular e as extremidades ósseas adjacentes a essa articulação, o que origina as deformações características da AR.
A evolução da doença apresenta variação entre pacientes. Apenas em alguns pacientes, a doença surge de forma repentina e avança progressivamente sem interrupções, gerando um pior prognóstico ao doente. Na maioria das vezes, a história natural da doença é uma evolução intermitente, com fases ativas de dor e inflamação articulares, seguidas por fases nas quais não ocorrem sintomas, todas as manifestações desaparecem. 
Na fase inicial, de inflamação ativa, podem ser observados dedos em fuso (tumefação das interfalangianas proximais) e tumefação de metacarpofalangianas. Pode ocorrer necrose de polpas digitais de falanges distais em decorrência de quadro de vasculite.
O acometimento articular deformante dá origem a sequelas características que denotam um caráter típico da doença. Desta forma, surgem o punho em dorso de camelo (tumefação da articulação do punho + hipotrofia interóssea do dorso da mão), mão em pescoço de cisne (hiperextensão da interfalangiana proximal e hiperflexão da interfalangiana distal), a mão em boutonniere (ou dedos em botoeira, pela hiperflexão da interfalangiana proximal e hiperextensão da interfalangiana distal), desvio ulnar dos dedos e polegar em “Z” (HARRISON, 2009).
Em um estudo observacional de coorte, 100 pacientes com artrite reumatoide foram acompanhados (38 homens, 62 mulheres), com idade média de 53 anos e duração média da doença de 11,5 meses. Avaliação clínica, bioquímica e radiográfica padronizada foi realizada regularmente. Depois de dois anos, a prevalência de desvio ulnar, deformidade de botão, e deformidade pescoço de cisne foi de 13%, 16% e 8%, respectivamente. Ao todo, 31 pacientes haviam desenvolvido uma ou mais deformidades. Não houve diferença na idade ou sexo distribuição e não ocorreu predomínio na mão dominante. Cada paciente com uma deformidade foi acompanhado de acordo com idade, sexo e duração da doença de forma pareada com outro paciente com AR precoce, mas sem deformidade. O grupo de estudo teve deformidade doença mais ativa, menos força de preensão, mais incapacidade e alterações radiológicas mais graves. Quando estudado retrospectivamente em um ponto de tempo três meses antes da detecção da deformidade, sinovite das articulações relevantes foi tão comum no grupo que desenvolveu deformidades como no grupo de controle. Isto sugeriu aos autores que a inflamação articular pode contribuir para a gênese da deformidade, mas fatores adicionais são necessários para que esta se estabeleça. Deformidades na mão foram achados comuns na AR precoce (EBERHARDT et al., 1991).
Em outro estudo, mas do mesmo grupo de pesquisa, 108 pacientes (59% da amostra) desenvolveram pelo menos uma deformidade mão durante o tempo de estudo (quatro anos) (JOHNSSON; EBERHARDT, 2009). A maioria ocorreu durante os primeiros anos de evolução. Após dez anos, a taxa de desvio ulnar, deformidade  botoeira e deformidade pescoço de cisne foi de 44%, 24 e 23,5, respectivamente. No grupo que mostrou deformidade, a atividade da doença foi significativamente maior durante os primeiros cinco anos, e houve comprometimento da mão significativamente mais grave, mais deficiência funcional e alterações radiográficas graves ao longo do estudo. Mais da metade dos pacientes desta coorte com AR precoce tinha desenvolvido deformidades da mão depois de dez anos. A maioria das deformidades ocorreu durante o primeiro ano da doença. Presença de deformidades mão teve um impacto importante na capacidade funcional nas atividades da vida diária e acrescentou informação prognóstica útil, sendo um sinal precoce de uma doença mais grave.
Do ponto de vista da funcional, a avaliação precoce da mão é de fundamental importância para fornecer dados que auxiliem na decisão de uma estratégia terapêutica e na avaliação da eficácia do tratamento realizado.

Referências
EBERHARDT, K.; JOHNSON, P. M.; RYDGREN, L. The occurrence and significance of hand deformities in early rheumatoid arthritis. Br J Rheumatol. 30(3):211-3, 1991.
HARRISON, T. R. Harrison Medicina Interna. 17° Edição. Mc Graw Hill, Rio de Janeiro.
LAURINDO, I. M. M.; XIMENES, A. C.; LIMA, F. A. C. et al. Projeto Diretrizes - Artrite Reumatóide: Diagnóstico e Tratamento. Disponível em http://www.projetodiretrizes.org.br/projeto_diretrizes/015.pdf . Acesso em: 11 Nov. 2012. 
LEFEVRE-COLAU, M. M.; POIRAUDEAU, S.; OBERLIN, C. et al. Reliability, validity, and responsiveness of the Modified Kapandji Index for assessment of functional mobility of the rheumatoid hand. Arch Phys Med Rehabil. 84(7):1032-8, 2003.
JOHNSSON, P. M.; EBERHARDT, K. Hand deformities are important signs of disease severity in patients with early rheumatoid arthritis. Rheumatology (Oxford).  48(11):1398-401, 2009. 
SUGIMOTO, H.; TAKEDA, H.; HYODOH, K. Early-stage rheumatoid arthritis: prospective study of the effectiveness of MR imaging for diagnosis. Radiology 216(2):569–75, 2000.